OBRA ANALISADA
GÊNERO
AUTOR
DADOS BIOGRÁFICOS
A Madona de Cedro
Prosa, romance
Antonio Carlos Callado
Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 17 de
março de 1994, Cadeira nº 8, na sucessão de Austregésilo
de Athayde, foi recebido em 12 de julho de 1994 pelo
acadêmico Antonio Houaiss. [*]
Nascimento: 26 de janeiro de 1917, Niterói, RJ
Morte: 28 de janeiro de 1997, Rio de Janeiro, RJ
BIBLIOGRAFIA
Antonio Callado começou a escrever no Correio da Manhã
em 1937.
Além de atividades jornalísticas, dedicou-se sempre à
literatura.
Livros de reportagem [romance-reportagem] + obras
engajadas com as grandes questões de seu tempo – temas
sociais:
Esqueleto na lagoa Verde, reportagem, 1953
Os industriais da seca, 1960
Os Industriais da Seca e os Galileus de Pernambuco, 1963
Tempo de Arraes, 1964
Vietnã do Norte, 1969 [**]
Passaporte sem Carimbo, 1978
Entre Deus e a Vasilha, 1985
Antonio Callado: Repórter, Reportagem - 2005
Romances
Assunção de Salviano, 1954
A Madona do Cedro, 1957 [***]
Quarup, 1967
Bar Don Juan, 1971
Reflexos do baile, 1976
Sempreviva, 1981
- um retrato do Brasil durante o regime militar, do ponto
de vista dos opositores
A expedição Montaigne, 1982
Concerto carioca, 1985
Memórias de Aldenham House, 1989
Biografia
Retrato de Portinari, 1957
Drama
O fígado de Prometeu, 1951
A cidade assassinada, 1954
Frankel, 1955
Colar de Coral, 1957
Pedro Mico, 1957
O tesouro de Maria Chica, 1959
Uma rede para Iemanjá, 1961
Forró no engenho Cananéia, 1964
Tempo de Arraes, 1965
A Revolta da Cachaça, reunião de 4 peças, 1983
uma delas, Pedro Mico, encenada em muitas ocasiões;
transformada em filme, teve como ator principal o exjogador de futebol Pelé.
Contos
O homem cordial e outras histórias, 1993
Premiações
Medalha da Ordem do Mérito da República Italiana,
Embaixada da Itália no Rio de Janeiro, 1958
Prêmio Goethe, do Goethe Institut do RJ, 1982,
vencedor com o romance Sempreviva
Prêmio Brasília de Literatura da Fundação Cultural do
Distrito Federal pelo conjunto de suas obras, sete/1985
Medalha das Artes e das Letras, da Embaixada da França
em Brasília, das mãos do ministro da Cultura Jack Lang,
out/1985
Prêmio Golfinho de Ouro, de Literatura, outorgado pelo
Governo do Estado do Rio de Janeiro, mai/1986
Troféu Juca Pato, da União Brasileira dos Escritores, eleito
“Intelectual do Ano”, 1989
[*] Além de membro da ABL também pertenceu a: The
Corpus Association, do Corpus Christi College, Cambridge
(Inglaterra).
[**] Fez a cobertura da Guerra do Vietnã (1968), como
correspondente do Jornal do Brasil, e foi o único jornalista
sul-americano a visitar Hanói, capital do Vietnã do Norte.
[***] A Editora Nova Fronteira fez o relançamento dos 50
anos da primeira edição.
RESENHA
Ao fazermos a leitura da história de um padre que perdeu
a fé... Observamos uma nítida preocupação religiosa a
informar e até mesmo a condicionar o transcurso da
aventura e a temática. Houve uma verdadeira investigação
de maneira minuciosa.
Um caso deixou de boca aberta todo o mundo em Ouro
Preto, Mariana, Congonhas como até em Belo Horizonte e
Rio de Janeiro. O quê?
Roubo de uma série de imagens:
- Matriz ouro-pretana da Senhora do Pilar [imagem do
padroeiro português e santo amado dos pretos São Jorge
do Aleijadinho]
- Ordem Terceira da Senhora do Carmo de Sabará
[beatífica estátua de cedro de São João da Cruz, obra de
talha também de Aleijadinho]
- Ordem Terceira da Senhora do Carmo de Sabará [um dos
anjos atlantes do coro]
- Disputada ao Santuário do Bom Jesus pela matriz de
Congonhas [Nossa Senhora da Conceição]
Nas outras cidades, os prejuízos:
- florões, medalhões e querubins de pedra-sabão até
ornatos dourados de púlpito e coro, de pia e chafariz –
grande Santo Antonio da igreja franciscana de Ouro Preto,
o Jeremias da igreja de São João do Carmo de Ouro Preto,
o São Miguel da Capela das Almas da igreja franciscana de
São João del-Rei.
ATENTE!
A pedido dos fiéis, a imagem de Nossa Senhora da
Conceição, talhada pelo Aleijadinho e delicadamente
colorida por mestre Ataíde fora levada para a Capela dos
Milagres. Ufa! Não estava na lista dos furtos.
Para identificar os possíveis ladrões, providências foram
tomadas: convocação da diretoria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, o Departamento Federal de Segurança
Pública. Foram feitas coletas de impressões digitais. Além,
é claro, do levantamento dos táxis e carros vindos de Belo
Horizonte ou que atravessou barreiras.
E como aconteceu?
Adriano, empregado do Sr. Vilanova, disse que ele gostaria
de incluir em sua coleção a N.S. Conceição, do Aleijadinho.
http://taste.uol.com.br/news/cultura/imagens/250707g.jpg
E qual foi a proposta?
Bastava que Montiel a retirasse, a seguir, deveria inseri-la
numa saca de lona escura, de boca fechada por uma
cordinha. Conduzi-la até a estação de ferro e depositá-la
numa vasilha de alumínio de leite, que iria ser embarcada.
Só?? Não! Queria também a fotografia da imagem de São
Judas. [I]
Pagamento: 50 contos de réis
Um pecado venial à superfície
Conseguiu realizar o casamento com Marta. Infelizmente
ao nascer o 4º filho precisou vender as joias da esposa
para pagar dívidas. A casa fora hipotecada desde o
nascimento de Clarinha aos donos da Casa das Artes no RJ,
que importava seus objetos.
A imagem furtada foi reintroduzida no altar-mor do
Santuário antes da procissão.
Ele também não aceitou o novo roubo proposto pela dupla
Adriano e Vilanova. Carrega a sua cruz por toda a cidade,
após sua confissão ao padre Estevão. É perdoado por sua
esposa, enfim.
ESTILO DE ÉPOCA
Modernismo Contemporâneo
obras entre 50 e 60
No campo da ficção, duas tendências principais dominaram
a literatura brasileira durante as décadas de 50-60:
i - temática agrária,
ii - temática urbana – ficção urbana;
ESTRUTURA DA OBRA
Dividida em IV partes, com subdivisões.
AMBIENTE
Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, paróquia, na
histórica cidade de Congonhas do Campo.
Cidadezinha tem hotel, Pensão Paulista, venda do
Martins...
http://i1.trekearth.com/photos/37190/dsc02969.jpg
A Quaresma: imagens cobertas com panos roxos / sudários
roxos
No Sábado de Aleluia: ressurgem em seu dourado
esplendor de talha ou em seu lustro de pedra-sabão.
PERSONAGENS
padre Estevão, em crise existencial; Callado desnuda seus
traumas.
Fragmento impregnado de características dramáticas:
“Um primeiro sobressalto de pânico apertou-lhe a
garganta...
- Padre Estevão! – falou, alto, pensando que talvez
houvesse alguém ali, em alguma parte.”
sacristão Pedro amado de Loba Boba
viu e reconheceu Adriano ao fotografar a imagem.
cruz do Feliciano Mendes: em homenagem ao Senhor Bom
Jesus de Matosinhos. Ele era minerador português,
originário da cidade de Guimarães, do Arcebispado de
Braga, norte de Portugal. Acometido de grave doença
fizera a promessa.
Delfino Montiel / apelido Fininho: filho de um modesto
negociante de pedra-sabão – Cloromiro Montiel
Raimundinho, ajudante/caixeiro na lojinha; depois
substituído por Joselito
Santeiros: com quem fazia encomendas Chico Santeiro,
Argemiro Crissiúma, os escultores.
Loja rival: Sr. Jamil, o turco.
tio Dilermano Montiel: Fininho tinha aprendido a nadar no
rio das Velhas, na fazendola desse tio agricultor.
Anos depois, casou-se com Marta – Mar – antes uma
menina clarinha, de cabelos castanho-claros, cor-de-mel,
amiga íntima do mar, um bicho do mar. Tiveram 6 filhos.
Pais de Marta moravam no RJ: Sr. Juvenal + D. Maria, a
mãe
colega Adriano Mourão: filho de Manuel Magerefe [faleceu
o dono do açougue] + mulata [amante, uma vez que a
esposa se adoentara]
Outros colegas: o Demóstenes, o Clorivaldo, Alfredo
D. Emerenciana de Jesus Martins, 80 anos, religiosa
demais; teve morte súbita ao ver Delfino surgir no esquife
após a Procissão do Enterro.
Juca Vilanova: dono da loja de antiguidades e móveis
antigos; é leiloeiro, mas se sabe que foi o “mandante” dos
roubos.
A princípio, supõe-se de um ladrão ou grupo de ladrões /
quadrilha
Furto: imagens sacras do barroco brasileiro
COERÊNCIA IDEOLÓGICA + ESTÉTICA
À medida que a trama se desenrola, personagens e
situações são entrelaçadas numa linguagem cujo vigor se
orienta para aquilo que tem marcado, sem exceção, toda a
obra de Callado: a revelação de uma realidade cujos
mecanismos só funcionam ao preço da injustiça, da
opressão e da mentira.
ATENTE!
ESTILÍSTICA
FRASE CAÓTICA: feita conforme o fluxo da consciência,
resultando em monólogo interior ou solilóquio. Para sugerir
o fluxo dos pensamentos de uma personagem, alguns
autores suprimem ou reduzem drasticamente os sinais de
pontuação, ficando os pensamentos numa massa de
orações.
No discurso em suspenso, a ausência de qualquer
sinal de pontuação é um indício de que talvez não haja
algo além do que foi dito.
Ex.: Delfino com seus temores, seus remorsos:
Livre arbítrio era aquilo mesmo aquela capacidade de a
gente pecar ou resistir e fazer o certo ou até não fazer
nada mas não pecar fechar os olhos e deixar passar a
tentação também servia embora não fosse tão bom quanto
arrostar o pecado de olho aberto mas também santo não é
homem que saia todo dia de ventre de mulher que diabo e
já era muito a gente fechar os olhos enquanto passava o
pecado... [parte final de I, 2]
Um dia eu disse isso a Delfino muito depois do casamento
quando a gente estava relembrando as coisas e ele ficou
tão esquisito e começou a chorar no meu ombro e dizendo
por que você não deixou porque não disse faz faz por que
eu te amava muito e a gente tinha se casado sem a casa a
maldita casa. [início do II, 1]
E mais adiante [II, 2] o fluxo de consciência do sacristão. A
escassez de pontuação ajuda a refletir a forma
desordenada com que se dá o pensamento do personagem
Pedro, que fica entregue às próprias divagações:
Que é que ela queria com Padre Estêvão que tempo que
estavam lá sentados nos poiais de pedra do canto da
sacristia e ele quando podia olhava aqueles cabelos dela e
aquela cintura meu Deus era de gente duvidar da
seriedade do próprio universo pensar que uma peste como
o Fininho podia ir para a cama com aquela mulher
inteirinha a qualquer hora que quisesse e olha que já tinha
feito nela uma súcia de meninos. Ele nem gostava de
pensar na mulher do Fininho inteirinha na cama ah isto
não era demais dava vontade nele de ganir como cão em
noite de lua ela inteirinha em cima do lençol com tudinho
que Deus tinha posto naquele corpo sem nada cobrir sem
nada em cima ah que besteira pensar nisso só mesmo uma
coisa impossível e melhor era pensar nas coisas chatas a
fazer e não em ela sem colcha descoberta era preciso
cobrir os altares toda a panaria roxa para esconder tudo
tomara que os ladrões voltem este ano e pelem os altares
esvaziem tudo tudo até o céu ficar vazio porque lá não tem
justiça tem é gente muito mimada como esse Fininho que
leva chaves dos Passos escondidas e depois ganha de
prêmio essa tetria que está conversando com o padre...
Aqueles olhos feito bola de gudes das grandes pregados
na Mar não sai marraio mas oh Juquinha não pulo
dormente sim nada de juquismos e adrianadas tudo é
ontem já passado rebocado pintado sem remé... [III, 4]
“O autor ‘larga’ a personagem, deixa-a entregue a si
mesma, às suas divagações, em monólogo com seus
botões, esquecida da presença do leitor ou ouvinte” [Othon
Moacir Garcia]
O melhor é não pensar naquilo, saltar por cima dos
execráveis dormentes – frequentemente relembrado por
Delfino.
LINGUAGEM CONOTATIVA
- Ideia antitética
Fico triste como as quaresmas X alegre feito as acácias
- Hipérbole
Alfredo devorava com os olhos – Marta. [I]
- Comparação
... d. Emerenciana vivera sua longa vida e chegara a uma
contente velhice virgem como um cavaleiro andante. [II,
3]
LINGUAGEM DENOTATIVA
Eta cidadezinha pau!
Mas você não seja imbecil e meta essa erva no bolso.
INTERTEXTUALIDADE
Filme e minissérie A Madona de Cedro
Gênero: drama religioso
1994, adaptação de Walter Negrão
Direção de Tzuca Yamazaki
Outra versão adaptada para as telonas já fora apresentada
em 1968 sob a direção de Carlos Coimbra.
Fios culturais: a obra A Madona do Cedro e o barroco
mineiro
É mister um estudo do barroco mineiro
Ênfase nas obras do mestre Aleijadinho
http://www.historiadaarte.com.br/aleijadinho.html
http://www.vidaslusofonas.pt/aleijadinho.htm
O Sumiço da Santa: uma história de feitiçaria, de Jorge
Amado
Escrito em Paris, o romance se ocupa de inesperados
acontecimentos que se sucedem na Bahia, durante 48
horas, entre uma quarta e uma sexta-feira, na passagem
da década de 1960 para a de 1970. Uma imagem de Santa
Bárbara é conduzida num saveiro de Santo Amaro da
Purificação para Salvador, onde deverá figurar numa
exposição promovida pelo Museu de Arte Sacra. Mas, no
momento em que o saveiro toca na Rampa do Mercado,
dá-se o encanto. A feitiçaria. A santa se move, sai do
andor, ajeita a roupa e se manda pela cidade.
Quero lhe fazer um convite para um passeio que vai trilhar
e desvendar caminhos, provavelmente, nunca antes
percorridos e que poderão revelar inúmeros aspectos,
múltiplas facetas de um ser tão próximo, tão íntimo, mas
que, em muitas ocasiões, pode se mostrar tão distante:
você.
Este convite para empreender uma expedição
desbravadora de descobertas inusitadas, passa,
necessariamente, pelo seu interior.
Cuidado! Nesse momento poderão ser revelados
os “Delfinos”, que podem estar ocultos, resguardados em
algum lugar bem secreto, nos seus recônditos.
Fonte: Viagem introspectiva, Revista Olhares & Trilhas,
UFU, Uberlândia, Ano VII, 2006
Os furtos de obras sacras não são tão incomuns.
Em janeiro de 2007, a polícia recuperou, na Favela
Guaxindiba, em Honório Gurgel, a imagem de N. S. de
Sant’Anna, furtada semanas antes da Matriz de Sant’Anna,
em Miguel Pereira.
Em 2008, veio à tona o furto de cinco peças tombadas da
Igreja do Mosteiro de São Bento, levadas no fim de 2007.
Recentemente, agosto/2010, no município de Engenheiro
Paulo de Frontin, no Vale do Paraíba fluminense, a
padroeira da cidade, Nossa Senhora da Soledade – uma
imagem portuguesa do séc. XIX - foi levada da igreja
matriz. Como? A janela da igreja foi arrombada. Em 1980,
a mesma santa já havia sido furtada, na mesma época,
após a festa em sua homenagem. Foi encontrada cerca de
quatro meses após, em Bicas, no interior de Minas Gerais.
Ela foi esculpida em madeira, tem entre 35 a 40
centímetros. Foi doada, em 9 de agosto de 1869, por João
José Gomes, fundador do cemitério da cidade e um dos
fundadores da Irmandade de N. S. de Soledade, cuja igreja
fica no alto do município, numa montanha, em meio à Mata
Atlântica.
[notícia, Jornal O Globo, 27 de agosto de 2010]
Há 3 anos, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – Iphan – lançou a Campanha pela Recuperação
de Bens Procurados. Listou-as – 496 obras religiosas e 37
de museus:
http://www.iphan.gov.br
VISÃO CRÍTICA
Era-lhe quase impossível fazer uma obra literária
inteiramente abstrata. Por quê? Jamais conseguiria ir
contra a sua própria natureza: preciso, sempre, exprimir
alguma coisa.
Observamos, na maioria de suas obras, o entrecruzamento
do plano ficcional e histórico, de forma que o leitor atento é
capaz de absorver a verossimilhança dos fatos, ou seja,
aquilo que não aconteceu, mas poderia ter acontecido,
aquilo que no mundo imaginário está imbuído de conotação
do real.
A obra de Antonio Callado representa o pontão mais alto da
literatura empenhada em fazer um papel da realidade
brasileira contemporânea Ele é, indiscutivelmente, um dos
maiores escritores brasileiros e uma das maiores
personalidades de um Brasil melhor e mais justo a ser
conquistado e construído.
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