RESPONSABILIDADE ou A HABILIDADE DE RESPONDER EM HARMONIA Responsabilidade vem do verbo latim RESPONDERE que significa “responder, prometer em troca”; mais especificamente de “RE” (de volta, para trás) e “SPONDERE” (garantir, prometer). A habilidade de responder é a própria essência do valor responsabilidade. Ela implica que sejamos responsáveis: - antes do acto... porque ao escolhermos e decidirmos racionalmente, conhecendo os motivos da nossa acção, tentamos prever as consequências desta e ir ao encontro da harmonia. - durante o acto... na forma como actuamos. - depois do acto... no assumirmos as consequências que advêm dos actos praticados. Segundo a definição, responsabilidade é o dever de responder por certos actos próprios ou alheios ou por alguma coisa que lhe foi confiada. Quando falamos em responsabilidade, frequentemente colocamos este assunto no campo das obrigações e procuramos afastar-nos dele. De facto, a noção de responsabilidade social passa pelo cumprimento das expectativas que a sociedade estabelece para cada um dos seus membros. Se corresponde a essas expectativas, é considerado um indivíduo responsável e válido, senão, um irresponsável, no qual não nos podemos apoiar. Existem pessoas que não querem ser promovidas a lugares de chefia porque, dizem, «ter mais responsabilidades». Daí Agostinho da Silva dizer que de certa maneira um capitão é mais livre do que um general. O capitão ao executar as ordens do general está livre das consequências dos seus actos, já que apenas cumpriu ordens. Assim, a responsabilidade já não é sua... é do outro. Será que o capitão é mais livre ou o general? A responsabilidade antes de ser social, é individual. Ela implica sempre uma escolha, mesmo que esta seja inconsciente. Alfred Montapert escreve o seguinte: “Responsabilidade é apenas outra palavra para designar oportunidade. As pessoas fogem às responsabilidades, e essa atitude é uma das causas de mal-estar. Pensam que as responsabilidades desaparecem por si se as ignorarem ou evitarem. E tornamo-nos ricos ou pobres conforme aproveitarmos ou deixarmos fugir a oportunidade.” Responsabilidade ou a habilidade de responder em harmonia Ana Viegas Cruz II Jornada Italo-Ibérica - 2012 pág. 1 E se ao invés de responsabilidade-obrigatoriedade assumíssemos antes o valor responsabilidade-oportunidade? Se optarmos por esta última hipótese, então responsabilidade transforma-se no exercício supremo da liberdade. Só o sujeito que é capaz de escolher e decidir livremente, é capaz de assumir as causas e as consequências da sua acção, pois se não agir com liberdade, dificilmente irá assumir os seus actos e fugirá à responsabilidade. Diz Osho: “Quanto mais responsável uma pessoa se torna, mais livre será; ou, quanto mais livre ela for, mais responsabilidade terá.” Se fugimos à responsabilidade, pensamos ir ao encontro da nossa liberdade mas rapidamente descobrimos que fugimos dela também. A definição da palavra responsabilidade implica comprometimento. A palavra liberdade que também tem origem no latim, tem como raíz LIBERTAS e significa “independência”. Ser livre é ter capacidade para agir, para responder, com a intervenção da vontade, o que vai ao encontro da definição de responsabilidade. A responsabilidade implica uma escolha e decisão consciente, o que lembra a própria definição de liberdade. A liberdade e a responsabilidade estão tão ligadas na medida em que só somos realmente livres se formos responsáveis, e só podemos ser responsáveis se formos livres. Além disso, a liberdade e a responsabilidade são parâmetros essenciais na construção de um indivíduo como pessoa, visto que é através da liberdade e da responsabilidade que um sujeito é capaz de se tornar efectivamente autónomo. Se a dignidade fosse uma moeda, numa face estaria inscrita liberdade e noutra responsabilidade. OSHO conta uma história... “Eu sou um homem respeitável, doutor, mas ultimamente a minha vida tem-se tornado intolerável por causa dos meu sentimentos de culpa e autorecriminação.” O paciente engasgou antes de continuar. “Veja, recentemente eu tenho sido vítima de uma vontade incontrolável de namoriscar às escondidas da minha mulher.” Responsabilidade ou a habilidade de responder em harmonia Ana Viegas Cruz II Jornada Italo-Ibérica - 2012 pág. 2 “Meu caro,” reprovou compreensivo o psiquiatra, “nós realmente devemos ajudá-lo a se livrar desse impulso impróprio. Eu consigo imaginar quão penoso…” O paciente interrompeu em aflição, “Não é tanto do impulso que eu quero que o senhor me livre, doutor, é da culpa.” Muitas pessoas falam sobre liberdade, mas não é liberdade o que elas querem exactamente, elas querem irresponsabilidade. Elas pedem por liberdade, mas no fundo, inconscientemente, elas pedem por irresponsabilidade, abuso de liberdade... O acto de ser livre implica assumir o conjunto dos nossos actos e saber responder por eles, caso contrário, chamar-se-ia libertinagem e não liberdade. Liberdade é maturidade. A liberdade só é possível quando o indivíduo é íntegro; aí ele pode tornar-se responsavelmente livre. Ser-se livre equivale a ser-se consciente. E essa consciência é necessária pois liberdade implica responsabilidade e quanto mais responsável uma pessoa se torna, mais responsabilidade lhe é pedida, mais consciência precisa ter para continuar livre. A vida traz-nos situações novas todos os dias. A capacidade de resposta de um indivíduo pressupõe que a sua atenção e a sua consciência estejam totalmente presentes a cada instante. Quando nos baseamos numa experiência passada, perdemos a oportunidade de agir com espontaneidade. Perdemos a consciência do presente e ganhámos o peso da culpa. Perdemos a responsabilidade, ou seja, a capacidade de responder em presença. Se liberdade muitas vezes é confundida com libertinagem, responsabilidade é confundida com culpa. A responsabilidade é um valor existencial que tem a sua vivência na presença. Não há espaço para a culpa, pois essa faz parte do passado e resulta de um julgamento que afasta a harmonia do presente. Quando usamos a nossa capacidade de resposta, toda a consciência disponível foi mobilizada para resolver a situação. A pessoa deu o seu melhor naquele instante e o desfecho é sempre relevante: ou é positivo ou, perante o resultado negativo, constata o que para a próxima poderá fazer diferente. Quando os actos são precedidos pela consciência, tudo adquire uma nova perspectiva. Responsabilidade ou a habilidade de responder em harmonia Ana Viegas Cruz II Jornada Italo-Ibérica - 2012 pág. 3 É importante realçar que para assumirmos os nossos actos e respondermos por eles, precisamos, antes de mais, de reconhecer-nos neles. Como diz Natalia Caycedo “para ser capaz de responder é preciso ser capaz de escutar. Escutar os outros e também escutar a nossa voz interna, o nosso espaço interno”. Para escutar o nosso espaço interno precisamos aprender a parar e viver em presença. E voltarmos lá mais uma vez e reconhecer-nos novamente, como se fosse a primeira vez... A sofrologia é uma vivência, vivência essa que acontece com uma atenção plena no momento presente numa atitude fenomenológica. Isso cria consciência e esta surge rica em valores que o Ser Humano tem e pode desenvolver e aprofundar em si mesmo. Será que estamos prontos para responder? O exercício da liberdade e da responsabilidade exige reflexão e tempo. Por isso, a reacção é diferente da acção, visto que a primeira é imediata face a um estímulo e a outra requer ponderação e presença. Sofrologia ensina-nos a parar, presenciar, encontrar o nosso espaço interno, o espaço do outro e permite-nos distinguir no quotidiano dois tipos de resposta: acção e reacção. Outra história... Um dia, subia com mais dois amigos a Avenida da Liberdade, em Lisboa. Seriam cerca das seis da tarde, no Inverno e a noite já tinha caído. Um sujeito, novo, de aspecto precário, aborda num tom de voz baixo, um dos meus amigos e pede-lhe lume para o cigarro. Como íamos a conversar, animadamente, nem ligámos e continuamos a marcha. Apesar do frio, havia muita gente na rua e muita distracção. De forma inesperada, o rapaz, decide tocar no ombro do meu amigo e num tom provocatório, pergunta-lhe: “Olha lá, tu não me ouviste? Porque é que me ignoraste? Dá-me lume!”. Num daqueles momentos em que o tempo ganha outra dimensão, percebemos a tensão no ar e parecia mesmo que iria iniciarse uma briga, assim, do nada. Perplexos, vimos o nosso amigo a abrir os braços e a dizer: “Sabes, rapaz, vou dar-te um abraço!”... e deu. O jovem, espantado, meio a gaguejar, num tom mais calmo, continua o seu monólogo: “Bolas, o que é que te custava teres respondido? Eu só queria lume para o tabaco!... E toda esta indiferença!...”. Responsabilidade ou a habilidade de responder em harmonia Ana Viegas Cruz II Jornada Italo-Ibérica - 2012 pág. 4 O meu amigo, ainda não contente, repete: “Vou dar-te outro abraço.” E deu. Sem mais, num gesto totalmente automático, o rapaz beijou-lhe a face. E acrescentou: “Fazes lembrar-me o meu pai que está lá para a aldeia...”. E assim, continuámos a nossa caminhada, subindo a Avenida da Liberdade, desta vez em silêncio. Mais tarde, o nosso amigo confessou que o seu primeiro impulso, ao sentir a violência do outro, tinha sido atacá-lo antes como sua própria defesa, mas em breves fracções de segundo, percebeu que tinha uma escolha, que podia fazer diferente, uma oportunidade que era inteiramente sua e livremente, respondeu em presença. Krishnamurti diz: “Você é o mundo. Palavras como o "mundo," a "sociedade," a "religião," a "nação," são meras palavras sem nenhum conteúdo. O indivíduo é a única realidade. E o mundo não é mais que um conjunto de indivíduos. E aquilo que nós formos é aquilo com o qual nós contribuímos para o mundo e essa é a nossa responsabilidade. Onde quer que o indivíduo esteja e seja lá o que for que ele faça, ele precisa perceber que ele é responsável pelo mundo que existe ao seu redor.” Krishnamurti diz-nos com essa afirmação que o indivíduo não é uma vítima mas sim o criador do mundo e que contribui para tudo o que acontece mesmo que seja com uma pequena parte, um pensamento, por exemplo. Uma gota pode pensar que não é responsável pelo oceano, mas a gota é responsável. Sem a gota não haveria oceano de forma alguma. O oceano é apenas um nome: a realidade está na gota. Aceitar a nossa responsabilidade irá transformar-nos e essa nossa transformação é o começo da transformação do mundo, porque nós somos o mundo. Se queremos mudar o mundo, mudemos primeiro nós mesmos. É aquela velha frase de Ghandi: “Seja a mudança que quer ver no mundo.” Olhando para o leque de Caycedo, recordo: “Os níveis são um facto, os estados uma possibilidade...” Eckhart Tolle diz que eu tenho responsabilidade pelo meu estado de consciência e que isso determina a realidade que crio à minha volta, as atitudes que tomo e as consequências que daí advêm para mim e para o mundo. Responsabilidade é oportunidade e oportunidade é um desafio. Desafio é entusiasmo e entusiasmo o meu rumo. Qual a minha única responsabilidade?... SER. Responsabilidade ou a habilidade de responder em harmonia Ana Viegas Cruz II Jornada Italo-Ibérica - 2012 pág. 5