Motores
Especial
Poluição sem
volta?
Com garantias de Petrobras,
entidades e fabricantes, fase 7
do Proconve entra em vigor em
2012. Mas reserva incertezas
Texto
Camila Waddington . [email protected]
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mir Dos
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Mais do que certo, é irrevogável: a fase
P7 do Proconve, Programa de Controle da
Poluição do Ar por Veículos Automotores,
equivalente às normas de emissões da Euro
5 vigentes na Europa, entrarão em vigor
em janeiro de 2012 (veja quadro).
Foi o que Sérgio Fontes, consultor da Petrobras,
fez questão de frisar durante todo o seu discurso no
seminário Diesel e Emissões em Debate, organizado
pela Anfavea, Associação Nacional dos Fabricantes
de Veículos Automotores, no fim de maio, na capital
paulista. No mesmo tom categórico Fontes garantiu
que o S50 – óleo diesel com 50 ppm de enxofre
e fundamental para que os motores funcionam –,
estará disponível nas bombas de abastecimento em
larga escala tão logo seja necessário.
“Não teremos problemas. Já atendemos a 87%
da demanda prevista para 2012, de cerca de 5
milhões de m³, com os pólos hoje instalados. E,
se necessário, importaremos mais.”
Estudos da Petrobras contemplam outro
cenário de demanda e talvez por isso a segurança do consultor quanto à garantia de
fornecimento. A responsável seria a pré-compra. Em virtude do aumento médio
avaliado entre 8% a 20% no preço final dos
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Divulgação/MBB
veículos da fase P7 pelos fabricantes, excluindo-se qualquer modificação do IPI do qual hoje os
caminhões estão isentos, imaginasse que muitos
clientes antecipem suas compras aproveitando o
menor preço dos atuais modelos P5.
Apesar disso, o menor consumo de combustível,
estimado entre 5% a 8% nos novos motores, pode
aliviar um pouco o bolso do comprador que, é bom
lembrar, terá de arcar ainda com outro item em
seus custos: o Arla 32, composto químico à base
de ureia dissolvida em água desmineralizada (veja
quadro). Embora seu consumo represente apenas
5% do total de diesel, é mais um item que, de acordo
com Neuto Gonçalves do Reis, assessor técnico da
NTCLogística, terá reflexos nos fretes:
“Não sabemos quanto vai custar o diesel S50,
nem exatamente o preço do Arla 32. Nem a manutenção está clara para o consumidor. Há muitas
incógnitas que precisam ser sanadas antes da
entrada em vigor da P7”.
Jogo de empurra. O fato é que, atualmente, o diesel está pingando em poucas bombas:
apenas em frotas cativas de grandes empresas, nas
regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro
e municípios de Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizon-
te e Salvador, além das
capitais Belém, Fortaleza e Recife.
Recomendado agora para a norma P7, o S50 vem
sendo testado desde 2007, então para aplicação
na que seria a etapa seguinte do Proconve, a P6.
Depois de um longo empurra-empurra de culpas
e responsabilidades, a saída mais limpa acabou
sendo saltar direto para a P7 e, com isso, também
acelerar na qualidade do combustível, passando
para o S10 em 2013.
Enquanto isso, para aqueles veículos produzidos
anteriormente à nova norma, a regra é totalmente
distinta: as cidades do interior devem ser abastecidas com o mesmo S1800 hoje disponível. E a partir
de 2014 passam ao padrão das regiões metropolitanas com o diesel S500. Aí, então, sairão das
bombas dois tipos de diesel, apenas: o S500 para
os veículos antigos e o S10 para os novos.
Apesar da postura inequívoca de consultor
Sérgio Fontes, pouco se esclareceu sobre quais caminhos serão adotados pela Petrobras para suprir o
mercado com o novo diesel S50. E também garantir
que ele seja fornecido à boa parte dos 8 mil postos
de combustíveis localizados em rodovias do País,
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já que até o momento apenas 1,2 mil desses manifestaram a intenção de comercializar o produto.
Um dos motivos para isso, senão o principal,
está na baixa demanda. É que as cifras do investimento são altas: entre novos tanques e bombas,
projetam-se gastos entre R$ 80 mil e R$ 300 mil,
a depender do porte do estabelecimento. Fora
que, como no armazenamento, tanto o S10 quanto
o S50 exigem transporte segregado em tanques
exclusivos para não comprometer sua qualidade, o
que também deve refletir em novos custos.
Rendimentos.
Com a demanda presente,
Ricardo Hashimoto, diretor da Fecombustíveis,
Federação Nacional do Comércio de Combustíveis
e Lubrificantes, acredita em franca adesão dos
revendedores ao novo combustível já em 2012.
“Cerca de 90% da galonagem de um posto
focado neste segmento vem do diesel. É uma
oportunidade de negócio, assim como o Arla 32
também será.”
A afirmação se apoia na venda de lubrificantes,
que não passa de 0,5% de participação no faturamento total de um posto de combustíveis. Com
o agente químico a expectativa é de que outros
3,5% a 5% sejam agregados aos rendimentos. Ele
não acredita que investimentos serão problema.
“É uma necessidade de adequação, natural em
qualquer empreendimento e, portanto, uma decisão
empresarial. Ninguém tem de pagar nossa conta,
Fim da fumaça preta
Reduzir a emissão de poluentes dos veículos automotores. Esta é a premissa segundo a qual o Proconve foi criado, em 1986, a partir de resolução
do Conama, Conselho Nacional do Meio Ambiente. À época, o nível médio
de emissões de um veículo brasileiro chegava a 54 gramas de CO2 por quilômetro rodado, índice que hoje gira em torno de 0,3 gramas, em muito obtido
pela eliminação do chumbo até àquela época presente na gasolina.
Agora a redução está orientada em dois balizadores: a diminuição gradativa do teor de enxofre tanto na gasolina quanto no óleo diesel, e a adoção de motores menos poluentes, com sistemas de controle mais rigoroso
de emissões de gases de escape.
Dados da Anfavea dão conta de que dos 2,2 milhões de caminhões e
ônibus que circulam pelo País, 28% têm motor das fases P1 ou P2, 12%
da P3, 26% da P4, e 34% da P5, estes últimos em grande parte dotados
de injeção eletrônica.
Até a fase 4 do Proconve, equivalente à norma Euro 2, a maioria dos
avanços se deu no sistema de combustão, que preparou terreno para a introdução da injeção eletrônica de combustível. A fase P7, no entanto, concentra os
desafios mais relevantes: modificações significativas no motor e sistemas para
tratamento dos gases de escape.
Estima-se, ainda, que dos veículos produzidos até 2009, representantes de
31% da frota, emitam 63% dos poluentes presentes em nossa atmosfera, segundo a ANP, Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
Enquanto os fabricados de 2006 para cá, ou 26% dos veículos comerciais em
circulação, respondem por apenas 8% dos gases. Em contas finais, já considerados os padrões da norma P7 nas parcelas, as emissões de gás carbônico
cairão 81%, de hidrocarbonetos 73%, óxido de nitrogênio 66% e material particulado 75%.
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Informação. Naturalmente, a preocupação
com o fornecimento de combustível apropriado
afeta tanto os consumidores quanto a própria indústria, que pode ter sua reputação em xeque caso
o diesel S50 não chegue a todo território nacional.
A afirmação se justifica em uma situação colocada
por Gilberto Leal, gerente de desenvolvimento de
motores diesel da Mercedes-Benz: um caminhão
com motor P7 sai de São Paulo e vai para Manaus
fazer uma entrega, e lá abastece com o diesel S1800
uma vez, duas, e retorna. O sistema continua funcionando, mas e se esta situação se repetir, além
de poucas eventualidades?
“A primeira reação é culpar o produto. Mas
por mais robustos que sejam nossos motores, a
qualidade do diesel é imprescindível para que o
sistema funcione corretamente. O uso contínuo do
diesel que temos hoje nas bombas causará danos
irreversíveis ao motor.”
Para Leal, o único jeito de mudar isso é educar
de forma massiva operadores e empresários do
setor sobre a nova tecnologia, especialmente a
respeito dos tipos de combustível e do redutor Arla
32, essencial ao funcionamento do motor.
“É fundamental orientar as pessoas antes que
problemas aconteçam. Temos de criar as dúvidas
antes que o processo esteja em andamento.”
É bem verdade que a qualidade de nosso óleo
diesel melhorou bastante nos últimos anos. Basta
Evolução das emissões
(veículos pesados)
100
100
[(CO/10)+HC+NOx+MP+(Evap/10)]
65,7
53,4
42,7
30
20,3
Fonte: anp
Motores
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embora um suporte de uma linha de financiamento
especial para instalação dos novos tanques e bombas fosse desejável para nos dar mais fôlego nesse
primeiro momento.”
Ainda assim, a posição da Petrobras é de que
vai tudo muito bem, obrigada – postura sustentada
por todos os atores deste enredo por uma certa
questão de honra, em virtude do fiasco da transição
da P5 para a P6, que nunca ocorreu. Até mesmo
em uma eventual superdemanda ocasionada por
proprietários de veículos mais antigos, mas ciosos
em abastecer seus tanques também com S50.
O consultor da Petrobras avisa a esses incautos:
“Os testes feitos em caminhões com motorização
P2, que ainda representam maioria na frota nacional, mostram que houve uma redução irrisória nas
emissões de NOx acompanhada de um aumento no
índice de material particulado.
P1
P2
P3
P4
P5
P6
P7
lembrar dos 13 mil ppm de enxofre nele contido
até os anos 80 ou dos 10 mil ppm no início da
década de 90, concentração que só começou a ser
reduzida em 1993, em pequena escala. Somente em
2001 passamos a dispor de um valor mais equânime, estabilizado entre 2 mil ppm e 3,5 mil ppm.
Na análise de Leal são justamente os impasses no
fornecimento do diesel apropriado que atrapalham
a fluidez na evolução de tecnologias.
“Quando a fase 5 do Proconve entrou em vigor,
em 2004, o combustível de referência para testes
era ótimo. Colocamos os caminhões no mercado e
fizemos todo um trabalho de conscientização, de
preparação para os motores eletrônicos, e o cliente
pagou mais caro pelo produto. No entanto, o diesel
prometido nunca veio.”
Ainda que a (má) qualidade do combustível
represente um sério problema, há ainda outros aspectos que têm preocupado igualmente a indústria
neste momento de transição de tecnologias. A idade
avançada da frota brasileira é uma das questões
que, na avaliação de Marco Saltini, vice-presidente
da Anfavea, exige atenção imediata:
“Nosso problema não é o veículo velho, é o
veículo mal mantido. É ele quem causa o maior
dano ao ambiente”.
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Divulgação/MAN
Na edição Veículos Comerciais do Futuro, publicada em maio pela AutoData Editora, o apelo pela
renovação de frota foi praticamente uníssono. O
engenheiro Décio Del Debbio, diretor do comitê
de caminhões e ônibus da SAE Brasil, traduz a
preocupação em números impressionantes: entre
50% e 60% dos veículos comerciais que circulam
por nossas ruas estão entre Proconve 1 e 2 – ou
Euro 0 e Euro 1.
“A evolução tecnológica é necessária, mas tem
de compreender o equilíbrio entre veículos novos
e emissão de poluentes. É uma incoerência termos
caminhões de 30, 40 anos rodando, enquanto colocamos no mercado veículos com tecnologia P7.”
A mudança de cenário, tudo indica, será uma rea­
lidade. Com tantos envolvidos querendo fazer e ver
acontecer, planos e ações é o que não faltam. Resta
saber se aos trancos ou de forma estruturada.
Aditivo ou combustível?
Das inúmeras mudanças trazidas pela fase Conama P7, sem dúvida a mais complexa diz respeito
aos motores. De cara, porque são duas as opções
de sistemas: o EGR (Exhaust Gases Recirculation,
ou sistema de recirculação de gases de exaustão)
e o SCR, sigla para Seletive Catalitic Reduction, ou
redução catalítica seletiva. E é nesta segunda que
entra o ainda pouco conhecido Arla 32, redutivo de
Agente Redutor Líquido de NOx Automotivo.
Ao contrário do que muitos pensam, não se trata nem de aditivo ou tampouco combustível, mas
uma solução de água desmineralizada adicionada
de 32,5% de ureia, que age no tratamento dos gases de escape. Seu custo está estimado em 50% do
preço do diesel.
A substância é injetada no escapamento do veí­
culo com sistema SCR e, ao reagir com o óxido de
nitrogênio, resulta na emissão de água em forma
de vapor e nitrogênio em estado gasoso. Além de
reduzir as emissões de NOx no escape em 60%, assegura a diminuição de 80% nas emissões de material particulado ainda durante a queima.
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