Documento de Trabalho Efeitos das transferências sociais não contributivas nos países em desenvolvimento: Um compêndio. Bureau Internacional do Trabalho Genebra Maio 2010 _______________________________________________________________________________ Copyright © 2010 Organização Internacional do Trabalho Publicado em 2010 As publicações do Bureau Internacional do Trabalho gozam da protecção dos direitos de autor em virtude do Protocolo 2 anexo à Convenção Universal sobre Direito de Autor. No entanto, breves extractos dessas publicações podem ser reproduzidos sem autorização, desde que mencionada a fonte. Os pedidos para obtenção dos direitos de reprodução ou tradução devem ser dirigidos ao Serviço de Publicações da OIT (Rights and Permissions), International Labour Office, CH1211 Geneva 22, Switzerland, ou por email: [email protected]. Os pedidos de autorização serão sempre bem vindos. As bibliotecas, instituições e outros utilizadores registados poderão reproduzir cópias de acordo com as licenças obtidas para esse efeito. Por fazer consulte o sítio www.ifrro.org para conhecer a entidade reguladora no seu país. ILO Cataloguing in Publication Data Efeitos das transferências sociais não contributivas nos países em desenvolvimento: um compêndio/ Bureau Internacional do Trabalho, Departamento de Segurança Social – Genebra: OIT, 2010 47 p. ISBN: 978-92-2-823518-0; 978-92-2-823519-7 (PDF) Bureau Internacional do Trabalho; Departamento de Segurança Social Protecção Social / regime não contributivo / alívio da pobreza / coesão social / países em desenvolvimento Também disponível em Inglês: Effects of non-contributory social transfers in developing countries: a compendium, Geneva, 2010, Copyright © International Labour Organisation. ISBN 9789221235187; 9789221235194 (PDF). As designações constantes das publicações da OIT, que estão em conformidade com as normas das Nações Unidas, bem como a forma sob a qual figuram nos trabalhos, não reflectem necessariamente o ponto de vista da Organização Internacional do Trabalho relativamente à condição jurídica de qualquer país, área ou território ou respectivas autoridades, ou ainda relativamente à delimitação das respectivas fronteiras. As opiniões expressas em estudos, artigos e outros documentos são da exclusiva responsabilidade dos seus autores, e a publicação dos mesmos não vincula a Organização Internacional do Trabalho às opiniões neles expressas. A referência a nomes de empresas e produtos comerciais e a processos ou a sua omissão não implica da parte da Organização Internacional do Trabalho qualquer apreciação favorável ou desfavorável. 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Impresso na Suíça Índice Agradecimentos.................................................................................................................................................... v Sumário executivo.............................................................................................................................................. vii 1. Introdução............................................................................................................................................... 1 2. Reforçar o desenvolvimento humano..................................................................................................... 5 3 4 5 6 2.1 Nutrição e saúde........................................................................................................................... 6 2.2 Educação.................................................................................................................................... 10 2.3 Trabalho infantil........................................................................................................... ............. 12 Apoiar a utilização plena da capacidade produtiva.............................................................................. 14 3.1 Emprego e participação no mercado de trabalho....................................................................... 14 3.2 Transferências sociais e actividade produtiva........................................................................... 19 Reforçar e estabilizar o consumo......................................................................................................... 22 4.1 Aumento do consumo................................................................................................................ 22 4.2 Protecção do consumo............................................................................................................... 25 4.3 Desigualdade social................................................................................................................... 26 Facilitar a inclusão e a coesão sociais................................................................................................... 28 5.1 Empoderamento e género.......................................................................................................... 28 5.2 Coesão social............................................................................................................................. 30 Conclusões............................................................................................................................................ 32 Anexo. Resumo da informação sobre programas seleccionados de transferência social nos países em desenvolvimento................................................................................................................................... 34 Glossário............................................................................................................................................................. 36 Um Compêndio iii Agradecimentos Este compêndio constitui parte de um esforço global realizado pelo Departamento de Segurança Social do BIT de análise das evidências existentes sobre os efeitos das transferências sociais não contributivas nos países em desenvolvimento. Foi elaborado conjuntamente com outros recursos de conhecimento, nomeadamente uma Matriz que apresenta a informação disponível sobre os efeitos dos programas de transferências sociais em todo o mundo. Estes e outros recursos estão disponíveis na plataforma de partilha de conhecimento do Departamento de Segurança Social do BIT: http://www.socialsecurityextension.org O Compêndio foi preparado pelo Prof.Armando Barrientos e Miguel Nino-Zarazuada, ambos da Universidade de Manchester, em estreita colaboração com especialistas e colaboradores do Departamento de Segurança Social do BIT, nomedamente Philippe Marcadent, Ian Orton, Luís Soares, Florence Bonnet e Krzysztof Hagemejer. Um Compêndio v Sumário executivo Embora o acesso à segurança social seja em primeiro lugar uma questão de direitos, é também útil analisar os seus efeitos nos resultados geralmente encontrados na agenda para o desenvolvimento e o combate à pobreza nos países em desenvolvimento. Esta análise pode ajudar a uma melhor avaliação da relevância de investir recursos públicos na protecção social, num contexto onde estes recursos são bastante limitados e as necessidades são muitas. Este é o objectivo deste Compêndio. O enfoque foi colocado em programas não contributivos nos países em desenvolvimento. Nos últimos 15 anos, os programas de larga escala de transferências não contributivas tornaram-se uma componente nuclear das estratégias de redução da pobreza em muitos países em desenvolvimento. Os objectivos, a concepção e a institucionalização destes programas diferem de acordo com a capacidade financeira, administrativa e de investigação. Globalmente, estes programas contribuem significativamente para enfrentar a pobreza e a vulnerabilidade entre os agregados familiares pobres e os mais pobres, nos países em desenvolvimento. Este compêndio tem como objectivo fornecer uma análise concisa dos efeitos conhecidos dos programas de transferência social não contributiva sobre a pobreza e a vulnerabilidade nos países em desenvolvimento. A matriz pesquisável do compêndio fornece informação detalhada sobre os efeitos das transferências sociais, incluindo uma lista completa de programas por país. O compêndio está focalizado nas principais conclusões dos estudos disponíveis sobre os resultados dos programas de transferência social para as dimensões chave do bem-estar. A. Reforçar o desenvolvimento humano A.1. Nutrição e saúde Uma série de estudos sobre agregados familiares de rendimento baixo e intermédio permite concluir que os programas de transferência social são eficazes na melhoria da nutrição, do acesso aos cuidados de saúde e do estado de saúde dos beneficiários. Estudos sobre o programa Oportunidades do México concluíram que as crianças envolvidas no programa ganharam um centímetro de altura para a idade, em comparação com um grupo de controlo, dois anos depois do início dos programas. Foram registadas melhorias similares na nutrição a longo prazo nas crianças, especialmente meninas, em agregados familiares de pensionistas na África do Sul. Estas conclusões sobre as melhorias na nutrição infantil sugerem que haverá efeitos a médio e a longo prazo no emprego e na produtividade destas crianças. Os agregados familiares que receberam apoio do Bono de Desarrollo Humano no Equador aumentaram as despesas com a alimentação em 25 por cento, e melhoraram o seu estado nutricional. Na Colômbia, em resultado do programa Familias en Acción, observou-se um aumento substancial no consumo de alimentos ricos em proteínas e vegetais. Os estudos anteriores sobre o Maharashtra Rural Employment Guarantee Scheme na Índia, concluíram que o programa teve um papel importante no combate à má nutrição sazonal e à variação no rendimento entre os agregados familiares mais pobres.1 Conclusões semelhantes surgiram do Productive Safety Net Programme da Etiópia, do National Rural Employment 1 Subbarao, K.; Bonnerjee, A.; Carvalho, S.; Ezemenari, K.; Graham, C. & Thompson, A. (1997). Safety net programmes and poverty reduction. Lessons from cross-country experience, Washington DC, Banco Mundial. Um Compêndio vii _______________________________________________________________________________ Guarantee Scheme da Índia, e do Challenging the Frontiers of Poverty Reduction/Targeting the Ultra Poor Programme do Bangladesh. As transferências têm impactos significativos no acesso aos cuidados de saúde e no estado de saúde, outra dimensão chave do desenvolvimento humano. Algumas transferências estão directamente direccionadas para a melhoria do acesso e da utilização dos cuidados de saúde, enquanto outras afectam indirectamente os cuidados de saúde, ao completarem o consumo dos agregados familiares. As conclusões dos programas Famílias en Acción da Colômbia, Juntos do Perú, Chile Solidario do Chile, Red de Protección Social da Nicarágua, Oportunidades do México, e o Old Age and Disability Grant da África do Sul confirmam que as transferências sociais têm um papel importante na melhoria de práticas preventivas de saúde para as mães e crianças de tenra idade. A.2. Educação Muitos dos programas de transferência social estão directamente direccionados para melhorias na educação escolar das crianças dos agregados familiares beneficiários. Este é o caso dos programas de transferência monetária condicionada. Particularmente em países de rendimento intermédio elevado, onde as taxas de matrículação no ensino primário antes da introdução dos programas de transferência eram elevadas, o impacto tem sido mais significativo na matrícula e frequência do ensino secundário. Este é o caso dos programas Familias en Acción da Colômbia, Bolsa Família do Brasil e Oportunidades do México. Em países de rendimento intermédio baixo foram referidos efeitos similares, por exemplo no Cash for Education do Bangladesh, na Red de Protección Social da Nicarágua e no Bono de Desarrollo Humano do Equador. As melhorias na educação escolar não estão limitadas aos programas de transferência monetária condicionada. Podem também observar-se efeitos positivos na educação escolar em programas de transferências não condicionadas ou de workfare (activação obrigatória). Na Namíbia e na África do Sul, os pensionistas referiram que utilizam as prestações da pensão social para o pagamento das propinas dos netos. As transferências sociais parecem ser particularmente eficazes quando se destinam a colmatar as desigualdades de género na educação, como ficou demonstrado no programa Cash for Education do Bangladesh. A utilização dos serviços de educação e de saúde está a aumentar, em particular nos países de baixo rendimento. Existe, assim uma necessidade de assegurar que a infra-estrutura de serviços esteja disponível para fazer face ao aumento da procura dos serviços, e para melhorar a qualidade dos mesmos. A.3. Trabalho infantil O trabalho infantil é um factor significativo para manter as gerações na pobreza e confinadas à economia informal. Em muitos países em desenvolvimento, o trabalho infantil pode também estar associado a trabalhos perigosos. Assim, reduzir o trabalho infantil pode ser um factor positivo para uma saída sustentada da pobreza. Na Colômbia, o programa Familias en Acción é referido como tendo reduzido o trabalho infantil nas áreas rurais. Efeitos idênticos têm sido referidos relativamente aos programas Red de Protección Social na Nicarágua, Bono de Desarrollo Humano no Equador e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil no Brasil. No México, estudos referem pequenas reduções no trabalho infantil, embora com impactos marginais em rapazes de 16 e 17 anos. Isto sugere um custo de oportunidade crescente para a educação escolar, i.e., oportunidades de rendimento perdidas para o agregado familiar à medida que as crianças crescem. Foram referidos resultados similares no programa da Costa Rica Superémonos, no Bolsa Família do Brasil, e no Child Support Grant da África do Sul. viii Um Compêndio B. Apoiar a utilização plena da capacidade produtiva B.1. Emprego e participação no mercado de trabalho Os estudos sobre o impacto das transferências sociais na utilização da capacidade produtiva evidenciam fortemente que os programas facilitam a melhoria da alocação de recursos entre os agregados familiares pobres. Considera-se que o programa Old Age and Disability Grant da África do Sul, por exemplo, reduziu a oferta de trabalho para as pessoas mais velhas. Na medida em que as transferências sociais levantaram as restrições ao crédito e aos cuidados das crianças, elas podem permitir que outros elementos do agregado familiar trabalhem. No Brasil, um estudo recente concluiu que para os 30 por cento mais pobres, a taxa de participação no mercado de trabalho para os beneficiários da Bolsa Família era significativamente mais elevada do que nos grupos de controlo. Estes resultados são consistentes com outros estudos de impacto da Bolsa Familia, do Old Age and Disability Grant da África do Sul e do Progresa do México. Os programas de trabalhos públicos também deram um contributo importante para a criação de emprego. Na Índia, por exemplo, estudos sobre o Maharashtra Employment Guarantee Scheme referem que o programa contribuiu para a redução do desemprego e do subemprego. Na Argentina, estudos sobre o Jefes y Jefas de Hogar Desempleados atribuíram ao programa uma redução na taxa de desemprego. No Chile, também se considera que o programa Chile Solidario melhorou as atitudes relativamente ao trabalho e à formação profissional. As condições do mercado de trabalho a nível local podem, contudo, restringir os potenciais efeitos das transferências sociais na criação de emprego. Poderão ser necessárias políticas de emprego complementares para se obterem ganhos plenos das transferências sociais. B.2. As transferências sociais e a capacidade produtiva A maior parte das transferências sociais são concebidas para apoiar o consumo dos agregados familiares, mas também facilitam o investimento produtivo. O efeito é mais elevado quando transferências regulares, previsíveis e adequadas permitem aos agregados familiares com restrições de crédito realocar os seus recursos produtivos, e acumular e proteger os seus activos. Existem indicações entre uma variedade de transferências sociais de que os beneficiários conseguem poupar e investir uma fracção do subsídio. De acordo com um estudo sobre o Bono Dignidad, uma pensão social da Bolívia, estima-se que entre os beneficiários da pensão nas zonas rurais o consumo aumenta para o dobro do montante da prestação, o que sugere que a produção de melhoria no rendimento familiar foi facilitada pela transferência. Os estudos sobre o Progresa no México e as pensões sociais na Namíbia e no Brasil revelaram resultados similares. Alguns programas, tais como o Targeting the Ultra Poor Programme do Bangladesh, foram concebidos especificamente para facilitar a acumulação de activos produtivos e financeiros. Os estudos mais recentes revelaram melhorias ao longo do tempo na incidência e na dimensão dos empréstimos obtidos pelos beneficiários dos programas. O efeito parece ter uma importante dimensão de género. C. Reforçar e estabilizar o consumo C.1. Aumento do consumo O objectivo principal das transferências sociais nos países em desenvolvimento é reduzir a pobreza e a vulnerabilidade. Existe uma literatura vasta sobre a avaliação da eficácia destes programas na redução da pobreza. As conclusões destes estudos sugerem que os programas deram um contributo significativo para a redução da pobreza e da vulnerabilidade. Um Compêndio ix _______________________________________________________________________________ Os estudos de impacto do Programa Child Money na Mongólia, e de Old Age Grant e Child Support Grant na África do Sul, revelam que estes contribuíram para uma redução significativa da pobreza e da vulnerabilidade entre os mais pobres. C.2. Protecção do consumo As transferências sociais, se regulares, fiáveis e adequadas, podem contribuir para a protecção dos agregados familiares contra várias contingências e perigos. Poucos programas de transferência social têm componentes de seguro explícitas, mas o rendimento suplementar que proporcionam permitem aos agregados familiares lidar com as contingências. Algumas variantes de trabalhos públicos ou garantias de emprego são uma excepção importante. É referido que o National Rural Employment Guarantee Scheme na Índia reduziu a variação do rendimento dos trabalhadores pobres em cerca de 50 por cento. Fortalecer as características de seguro que as transferências sociais têm, constitui um desafio importante para o futuro. Várias transferências sociais em países como México, Brasil, Jamaica, África do Sul e Indonésia têm respondido às recentes crises de alimentação, combustível e financeira aumentando os níveis das prestações e alargando a cobertura a populações vulneráveis. C.3. Desigualdade Social Os programas de transferências sociais contribuem para a redução das desigualdades de rendimento entre os agregados familiares pobres. Podem também contribuir para reduzir a desigualdade de género e social. Contudo, o nível baixo das prestações e os pequenos orçamentos dos programas limitam a sua capacidade para reduzir a desigualdade agregada. D. Facilitar a inclusão e a coesão sociais D.1. EmpoderamentoNT e género Estudos antropológicos sobre o programa Challenging the Frontiers of Poverty Reduction/Targeting the Ultra Poor no Bangladesh concluíram que o programa representa o abandono do velho estilo de protecção/clientelismo na sociedade de aldeia. Entre os impactos positivos está a inclusão das pessoas extremamente pobres na vida social da comunidade da aldeia. No Chile, um estudo concluiu que os beneficiários do Chile Solidario melhoraram a sua consciencialização para os serviços sociais na comunidade. Estudos no México concluíram que a auto-estima e a segurança financeira das mulheres aumentaram em resultado das transferências, e o seu estatuto na comunidade melhorou. Resultados similares foram referidos a partir do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do Brasil, agora integrado no Bolsa Família. Na Índia, o Maharashtra Rural Employment Guarantee Scheme contribuiu para a mudança nas relações de exploração patrão-cliente, porque permitiu aos trabalhadores sem terra negociar melhores salários. Na Etiópia, as evidências testemunhais referem que a participação das mulheres no programa Urban Food for Work aumentou a confiança nas suas próprias capacidades. As evidências provenientes da pensão social no Lesoto e na Namíbia indicam que as pessoas idosas têm melhorado a sua auto-suficiência financeira e, assim, o seu estatuto no agregado familiar. As pensões sociais podem, deste modo, desempenhar um papel importante no restabelecimento da dignidade e do reconhecimento conferidos às pessoas idosas, em contextos onde, de outra forma, seriam vistos como fardos económicos. NT x A palavra ‘‘Empowerment’’ foi traduzida em português por ‘‘empoderamento’’. Um Compêndio D.2. Coesão social As transferências sociais estão relacionadas com melhorias na inclusão e coesão sociais, o que, por sua vez, contribui para reforçar o contrato social. A extensão dos programas de transferência social na África Austral, nomeadamente na África do Sul, exprime os compromissos sociais e políticos para uma maior equidade e inclusão. Na Colômbia, um estudo sobre o programa Familias en Acción assinala melhorias nos níveis de confiança social e altruísmo colectivo nos bairros beneficiários. Estudos sobre o Progresa do México mostram que as relações sociais entre as mulheres beneficiárias podem, potencialmente, criar novas formas de capital social. Por exemplo, há relatórios sobre mulheres que se organizam colectivamente contra os comportamentos violentos e abusivos dirigidos contra as mulheres. Em conclusão, esta análise dos efeitos das transferências sociais não contributivas nos países em desenvolvimento considera que podem dar um contributo muito significativo para a redução da pobreza e da vulnerabilidade nos países em desenvolvimento. Os estudos aqui analisados confirmam que as transferências sociais têm efeitos sobre uma série de dimensões do bem-estar, dependendo dos objectivos do programa, concepção e recursos. As transferências sociais têm-se revelado eficazes em países de rendimento intermédio, mas a sua introdução em países de baixo rendimento coloca desafios importantes em termos de financiamento e capacidade de execução (delivery). O principal desafio para o futuro é fortalecer a base institucional dos programas de transferência social no âmbito dos sistemas de protecção social nos países em desenvolvimento. Um Compêndio xi 1. Introdução A Segurança Social tem sido expressamente reconhecida como um direito humano fundamental e consagrado como tal em instrumentos jurídicos internacionais (por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos Humanos). A promoção do acesso à segurança social tem constituído parte do mandato da OIT (Constituição da OIT de 1919 e Declaração de Filadélfia de 1944) e endémica da sua acção histórica. Esta última manifesta-se, nomeadamente, através de uma actividade normativa importante expressa em alguns instrumentos internacionais fundamentais em matéria de segurança social: a Convenção relativa à Norma Mínima da Segurança Social, 1952 (Nº 102), a Recomendação sobre Segurança de Rendimento, 1944 (Nº 67) e a Recomendação sobre Cuidados Médicos, 1944 (Nº 69). A materialização do acesso à segurança social tem sido um processo histórico e gradual que tem desempenhado e continua a desempenhar um papel muito importante no desenvolvimento dos países que são hoje desenvolvidos e nos seus sucessos na redução da pobreza, da desigualdade, na estabilização e coesão social. Mas, apesar dos progressos realizados na concretização do direito universal à segurança social, persistem ainda lacunas significativas em muitos países no mundo que possuem níveis de cobertura da segurança social baixos ou muito baixos, particularmente entre aqueles de rendimento baixo e intermédio. Reconhecendo esse problema, o trabalho da OIT em matéria de segurança social nos últimos anos tem sido desenvolvido no quadro da Campanha Mundial sobre Segurança Social e Cobertura para Todos, como mandatado pela Conferência Internacional do Trabalho de 2001. A estratégia para esta Campanha baseia-se numa abordagem bidimensional. A primeira dimensão compreende a provisão de segurança de rendimento e acesso aos cuidados de saúde, mesmo que a um nível básico modesto, para toda a população (extensão horizontal), através de um pacote básico de transferências sociais. Na segunda dimensão, o objectivo é tentar proporcionar níveis mais elevados de segurança de rendimento e acesso a cuidados de saúde de maior qualidade à medida que os países alcançarem níveis mais elevados de desenvolvimento económico (extensão vertical). O pacote básico de transferências sociais, em conjunto com acções que garantam o acesso a uma alimentação adequada e a preços acessíveis, e serviços sociais essenciais, constitui um "Piso de Protecção Social".2 A Campanha não determina quais os melhores mecanismos de segurança social para a extensão da segurança social. Assim, diferentes países irão considerar e executar diferentes combinações de sistemas de protecção social baseados nas necessidades, em seguros e em regimes não contributivos. Embora o acesso à segurança social seja em primeiro lugar uma questão de direitos, também é útil analisar os seus efeitos sobre os resultados na agenda para o desenvolvimento e o combate à pobreza nos países em desenvolvimento. Esta análise pode contribuir para uma melhor avaliação da relevância de investir recursos públicos na protecção social, num contexto onde estes recursos são bastante limitados e as necessidades são muitas. Este é o objectivo deste Compêndio. O enfoque tem sido colocado em programas não contributivos nos países em desenvolvimento, tendo-se tornado um componente essencial das estratégias de redução da pobreza em muitos deles. Hoje desempenham um papel fundamental no alargamento da segurança de rendimento para todos, em conformidade com a dimensão horizontal da Campanha da OIT. Uma matriz do compêndio pesquisável fornece informações detalhadas sobre os efeitos das transferências sociais, incluindo uma lista completa de programas por países.3 2 O conceito de um piso de protecção social foi aprovado pelo Conselho Executivo de Coordenação do sistema das Nações Unidas como uma componente da sua estratégia política para enfrentar a crise financeira global, e foi aprovado pela Conferência Internacional do Trabalho de 2009, como um elemento do Pacto Global para o Emprego. 3 A Matriz do Compêndio está disponível no sítio da Internet do Global Extension of Social Security (GESS) da OIT: www.socialsecurityextension.org/gimi/gess/ShowWiki.do?wid=59 Um Compêndio 1 _______________________________________________________________________________ Os programas de transferência social não contributiva nos países em desenvolvimento evidenciam uma variedade considerável na concepção dos programas.4 Alguns são transferências puras, tais como o Old Age and Disability Grant da África do Sul, ou o seu Child Support Grant. Cada vez mais, os programas de transferência social nos países em desenvolvimento fazem a ligação das transferências com o fornecimento de serviços básicos. O programa Oportunidades no México (conhecido anteriormente por Progresa) relaciona os complementos de rendimento com a frequência escolar e os exames de saúde. Similarmente, o programa Bolsa Família no Brasil providencia transferências de rendimento para agregados familiares pobres na condição de estes enviarem os seus filhos regularmente à escola e de os membros da família visitarem os centros de saúde. Outros programas oferecem transferências condicionadas a famílias beneficiárias proporcionando trabalho para o desenvolvimento de infraestruturas locais, ou garantindo trabalho pago. Exemplos destes programas são o National Rural Employment Guarantee Scheme (NREGS) na Índia, e o Productive Safety Net Programme (PSNP) na Etiópia. Por último, os programas integrados de combate à pobreza, tais como o programa Chile Solidario, conjugam as transferências com um amplo leque de intervenções na saúde, na educação, no emprego, no rendimento, no registo, nas dinâmicas intra-família e na habitação.5 Há também uma diversidade nos objectivos dos programas e na selecção dos beneficiários. Todos os programas visam reduzir a pobreza e a vulnerabilidade. Alguns têm um maior enfoque na redução da pobreza extrema, enquanto outros focalizam a persistência da pobreza intergeracional, centrando as intervenções nas crianças. Isto tem implicações na selecção dos beneficiários. Os programas de transferências por categorias específicas, por exemplo, seleccionam crianças ou pessoas mais velhas. Além disso, a maioria dos programas selecciona beneficiários provenientes de agregados familiares pobres ou muito pobres. Existem diferenças substanciais entre os programas de transferência social em países de rendimento intermédio e países de baixo rendimento. No conjunto, os países de rendimento intermédio têm maior capacidade financeira, administrativa e de investigação para implementar programas de transferência social à escala. Por outro lado, em países de baixo rendimento, a extensão da protecção social tem sido mais lenta, a institucionalização dos programas tem sido mais precária, e as questões de sustentabilidade são consideráveis. Em países de baixo rendimento na África subsaariana e países de rendimento intermédio mais baixo na América Central, os programas tendem a ter um prazo determinado, a ser de pequena escala, e estão na fase piloto.6 O compêndio não pretende fornecer uma análise exaustiva de todos os estudos disponíveis, mas sim delinear as principais conclusões. Sempre que possível, o compêndio baseia-se em estudos quantitativos e qualitativos de impacto, com base em dados de inquéritos aos agregados familiares e usando métodos analíticos adequados. A intenção é proporcionar uma análise bem fundamentada e comparativa dos efeitos das transferências sociais, acessível aos decisores políticos. A maioria dos programas existentes foram introduzidas na última década e, por isso, a investigação sobre o seu impacto e eficácia começa apenas agora a fornecer uma base de conhecimento alargada, existindo, no entanto, algumas lacunas de conhecimento. 4 Informação sobre os programas seleccionados de transferências sociais referidos neste Compêndio encontram-se no Anexo I, e um Glossário de termos pode ser encontrado no Anexo II. 5 Ver Barrientos, A.; Holmes, R. & Scott, J. (2008). Base de dados Social Assistance in Developing Countries versão 4. Manchester, Brooks World Poverty Institute and CPRC. E, Barrientos, A. & Holmes, R. (2007). Social Assistance in Developing Countries. Manchester, Chronic Poverty Research Centre, Barrientos, A. & Hulme, D. (Eds.) (2008). Social Protection for the Poor and Poorest: Concepts, Policies and Politics, Londres, Palgrave. 6 Ver Barrientos, A.; Hulme, D. & Nino-Zarazua, M. (2009). Will the green shoots blossom? A new wave of social protection in Sub-Saharan Africa. Manchester, Brooks World Poverty Institute, University of Manchester, Barrientos, A. & Santibanez, C. (2009). Social policy for poverty reduction in low income countries in Latin America: Lessons and Challenges. Social Policy & Administration, 43, 409-424. 2 Um Compêndio Existem limitações consideráveis que se aplicam a este compêndio. A literatura sobre a avaliação de impacto aqui analisada centra-se normalmente na aferição de em que medida os programas de transferência social atingiram os seus objectivos explícitos. Sempre que os programas têm o objectivo de melhorar a frequência escolar, ou facilitar a acumulação de activos, estes efeitos são medidos com uma precisão relativa. Existe menos informação disponível sobre os efeitos menos directos - por exemplo, o impacto das transferências sociais na inclusão social e no empoderamento. Felizmente, a literatura de investigação sobre os efeitos indirectos das transferências sociais está a aumentar rapidamente. Verificou-se um maior cuidado na recolha de dados de avaliação e na encomenda de estudos pertinentes em programas de grande escala nos países de rendimento intermédio, mais do que nos países de baixo rendimento. Isto impõe um enviesamento na discussão a seguir com respeito a países de rendimento intermédio e para os programas já estabelecidos. Saber se os efeitos observados nos países de rendimento intermédio podem ser seguramente extrapolados para contextos de baixo rendimento requer uma análise cuidadosa. Os resumos no final das secções abaixo referem explicitamente estes enviesamentos. A discussão sobre os efeitos está principalmente focalizada no curto prazo, embora os efeitos a longo prazo sejam talvez mais importantes. Nesta fase não é possível estabelecer com certeza os efeitos prováveis das transferências sociais a longo prazo, pelo menos no contexto dos países em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, por outro lado, o papel crucial das transferências sociais na erradicação da pobreza absoluta, no apoio à melhoria do bem-estar e facilitação da mudança económica e social é apoiada por um conjunto substancial de evidências.7 O documento não analisa as questões orçamentais ou a eficácia da execução. O Bureau Internacional do Trabalho levou a cabo simulações detalhadas, em vários países na África subsaariana com diferentes capacidades fiscais e condições macroeconómicas, relativamente às alocações orçamentais necessárias para as diferentes intervenções.8 Concluiu que programas bem concebidos dirigidos a crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência e abrangendo os serviços de saúde primários são possíveis na maioria dos países. Muito grosso modo, as simulações sugerem que 1 por cento do PIB seria suficiente para cobrir uma pensão de base, 2 por cento do PIB cobririam uma transferência focalizada na criança e 2 a 3 por cento do PIB poderiam financiar os serviços de saúde primários. Estes cálculos orçamentais pressupõem programas por categorias, que estendem os direitos às prestações a todos na respectiva idade ou categoria de grupo. Programas específicos, que incidem sobre os membros mais pobres da sociedade, exigiriam menos recursos, dependendo da escala. Os orçamentos dos programas existentes de transferência monetária condicionada na América Latina representam, em média, menos de 1 por cento do PIB.9 O foco deste compêndio situa-se nos resultados observados dos programas de transferência social, incluindo os efeitos directos e indirectos observáveis. Em grande medida, os resultados dos programas de transferência social reforçam-se reciprocamente. Melhorias na alimentação como resultado directo dos complementos de rendimento irão funcionar no reforço dos resultados na educação escolar e nas intervenções na saúde. Para simplificar, a discussão a seguir centra-se grandemente nos diversos resultados, mas é importante ter em mente as complementaridades entre estes. 7 Cornia, G. A. & Danziger, S. (1997). Child poverty and deprivation in the industrialized countries, 19451995, Oxford, Clarendon Press.; Atkinson, A. B. (1995). On targeting social security: theory and western experience with family benefits. IN VAN DE WALLE, D. & NEAD, K. (Eds.) Public Spending and the Poor. Baltimore, Maryland, John Hopkins University Press. 8 Behrendt, C. (2008). Can low income countries in sub-Saharan Africa afford basic social protection? First results of a modelling exercise. In Barrientos, A. & Hulme, D. (Eds.) Social Protection for the Poor and Poorest. Concepts, Policies and Politics. Londres, Palgrave. 9 Barrientos, A. (2008b). Financing Social Protection. IN BARRIENTOS, A. & HULME, D. (Eds.) Social Protection for the Poor and Poorest: Concepts, Policies and Politics. Londres, Palgrave. Um Compêndio 3 _______________________________________________________________________________ A estrutura do documento é a seguinte: a Secção 2 aborda os efeitos das transferências sociais no fomento do desenvolvimento humano; em seguida, na Secção 3 discute-se como as transferências sociais podem assegurar a plena utilização da capacidade produtiva dos agregados familiares beneficiários; a Secção 4 examina o impacto das transferências sociais no aumento e na protecção do consumo das famílias; uma discussão sobre as evidências disponíveis sobre os efeitos das transferências sociais na inclusão e coesão sociais é apresentada na Secção 5. Na Secção 6 apresenta-se a conclusão. 4 Um Compêndio _______________________________________________________________________________ 2. Reforçar o desenvolvimento humano O importante papel do desenvolvimento humano no desenvolvimento social e económico é actualmente bem reconhecido. Há mais de dois séculos atrás, Adam Smith referia a importância da educação e da saúde no processo de acumulação de capital e progresso económico.10 Os indivíduos saudáveis e melhor educados têm uma maior capacidade produtiva do que aqueles que estão doentes, são analfabetos e estão desnutridos. Eles podem adaptar-se mais facilmente às alterações das circunstâncias económicas, e assim explorar de forma mais eficaz as oportunidades económicas. Por isso, não é surpreendente que os agregados familiares mais ricos apresentem maiores níveis de investimento em capital humano - através, por exemplo, das despesas com a educação, nutrição e saúde das crianças - que as famílias mais pobres. A pobreza e pobreza persistente estão frequentemente associadas ao investimento insuficiente na alimentação, saúde e educação. A figura 1 abaixo mostra as relações que ligam o baixo investimento no capital humano das crianças à pobreza persistente. Figura 1. Armadilhas da pobreza intergeracional Pobreza Baixos rendimentos e salários Baixo investimento em capital humano ex: educação e saúde das crianças Baixa produtividade A concepção dos programas recentes de protecção social tem sido moldada pelo conhecimento de que a redução e a prevenção da pobreza persistente significa resolver estes défices. Um número crescente de pesquisas confirma que os programas de transferência social, especialmente os focalizados no desenvolvimento humano, são instrumentos eficazes para melhorar a escolaridade, assim como a saúde e o estado de nutrição, em agregados familiares pobres e os mais pobres. Aqui, o enfoque nos investimentos em capital humano fornece um enquadramento poderoso para a discussão sobre a relação entre as transferências sociais e o bem-estar dos agregados familiares, embora reconhecendo o valor legítimo que as pessoas intrinsecamente colocam numa boa saúde, instrução formal e nutrição. 10 Adam Smith, por exemplo, referiu-se à educação como parte do stock de qualquer sociedade, mostrando que: "a aquisição de ... talentos, através da manutenção de quem adquire durante a sua educação, estudo ou aprendizagem, constitui sempre uma despesa real, que constitui um capital fixo e realizado, por assim dizer, na sua pessoa. Esses talentos, como fazem parte da sua fortuna, também da mesma maneira fazem parte da sociedade a que pertence. A destreza melhorada de um trabalhador pode ser considerada á mesma luz como uma máquina ou um instrumento comercial que facilita e encurta o trabalho, e que, embora constitua uma certa despesa, acaba por pagar essa despesa através do lucro", pp 115 in: Smith, A. (1776) An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, Tradução a partir da versão electrónica editada por John Morrow. Um Compêndio 5 _______________________________________________________________________________ Esta secção esboça e analisa os principais resultados de estudos recentes sobre o impacto das transferências sociais no capital humano. Centra-se particularmente na educação escolar, no trabalho infantil, na saúde e nutrição. Embora essas dimensões do capital humano estejam correlacionadas e se reforcem mutuamente, vamos inicialmente discuti-las em separado. 2.1. Nutrição e saúde As transferências destinam-se sobretudo a aumentar e/ou proteger o consumo dos agregados familiares, e em particular o consumo de alimentos, que constitui a maior parcela das despesas dos agregados familiares pobres e os mais pobres. Alguns esquemas de transferências incluem especificamente intervenções relacionadas com a nutrição, habitualmente focalizadas nas crianças. O programa Oportunidades no México, por exemplo, distribui suplementos nutricionais a crianças de tenra idade. As melhorias na nutrição infantil podem ser observadas e medidas através da utilização de dados antropométricos. O peso para a idade fornece uma visão sobre o impacto a curto prazo da melhoria da nutrição, enquanto a altura para a idade fornece informações sobre os efeitos a longo prazo de uma melhor nutrição. A estatura para a idade é particularmente informativa no que respeita ao impacto das transferências a longo prazo, incluindo as oportunidades do mercado de trabalho, tal como indicam os estudos onde se tem encontrado consistentemente um aumento na remuneração salarial relacionado com a altura. Estudos de avaliação do programa Oportunidades do México revelaram que as crianças abrangidas pelo programa ganharam um centímetro em altura relativamente à idade, em comparação com um grupo de controlo, dois anos depois do início do programa. O ganho foi de 0,65 cm seis anos depois do programa.11 Melhorias similares de longo prazo em termos de nutrição foram identificadas em crianças de agregados familiares de pensionistas na África do Sul, especialmente nas meninas.12 Um estudo sobre o Child Support Grant na África do Sul concluiu que se prevê que as crianças nascidas de mães beneficiárias, quando adultas, serão 3,5 cms mais altas.13 Os autores estimam que o valor actual do aumento nos ganhos futuros é da ordem de 60-130 por cento superior ao custo do subsídio. As famílias que recebem apoio do Bono de Desarrollo Humano no Equador tiveram um aumento de 25 por cento nas despesas com a alimentação, o que também esteve ligado a melhorias no estado nutricional.14 Na Colômbia, um aumento substancial na ingestão de alimentos ricos em proteínas e vegetais foi observado como um resultado do programa Familias en Acción. Estimou-se que o número de dias por semana que as crianças comem carne aumentou de dois para três nas zonas urbanas, e enquanto o número de dias que comem vegetais mais do que duplicou.15 Essas alterações no consumo beneficiaram particularmente as crianças de tenra idade: os meninos de 12 meses cresceram mais 0,44 centímetros do que crianças da mesma idade que não beneficiaram da transferência. 11 Neufeld, L.; Sotres Alvarez, D.; Gertler, P.; Tolentino Mayo, L.; Jimenez Ruiz, J.; Fernald, L. C.; Villapando, S.; Shamah, T. & Rivera Donmarco, J. (2005). Impacto de Oportunidades en el crecimiento y el estado de nutrición de niños en zonal rurales. IN HERNÁNDEZ PRADO, B. & HERNÁNDEZ AVILA, M. (Eds.) Evaluación Externa de Impacto del Programa Oportunidades 2004: Alimentación. Cuernavaca, Instituto National de Salud Pública. 12 Duflo, E. (2003) Grandmothers and Granddaughters: Old Age Pensions and Intrahousehold Allocation in South Africa. World Bank Economic Review, 17, 1-25. 13 Aguero, J.; M., Carter, M. R. & Woolard, I. (2007). The impact of unconditional transfers on nutrition: the South African Child Support Grant. Brasília, Centro Internacional de Pobreza. 14 Ponce, J. & Bedi, A. S. (2009). The impact of a cash transfer program on cognitive achievement: The Bono de Desarrollo Humano of Ecuador. Economics of Education Review. Publicado brevemente. 15 Attanasio, O. (2003). Baseline Report on the Evaluation of 'Familias en Acción'. Londres, Institute for Fiscal Studies. 6 Um Compêndio Relativamente à segurança alimentar, estudos anteriores do Maharashtra Rural Employment Guarantee Scheme na India concluíram que o programa teve um papel importante no combate à má nutrição sazonal e variação no rendimento nos agregados familiares pobres.16 Resultados similares emergem de uma avaliação anterior do impacto dos programas Productive Safety Net na Etiópia17 e do National Rural Employment Guarantee Scheme na Índia.18 O impacto das transferências sobre a nutrição é importante em países de baixo rendimento e nas zonas rurais. Os participantes no programa Challenging the Frontiers of Poverty Reduction/Targeting the Ultra Poor no Bangladesh relataram uma melhoria significativa no consumo total de calorias. No início do estudo, 97 por cento dos participantes foram referidos como estando desnutridos. Essa percentagem foi reduzida para 27 por cento após dois anos de participação no programa.19 Um estudo sobre o Kalomo District Pilot Social Cash Transfer Scheme na Zâmbia, considera que o estado nutricional da população beneficiária apresentou uma melhoria significativa. A incidência de agregados familiares a viver com uma refeição por dia diminuiu de 19,3 para 13,3 por cento.20 A ingestão de alimentos também parece ter melhorado em termos de qualidade: a ingestão de gorduras, proteínas e vitaminas aumentou. São fortes os indícios sobre melhorias na alimentação, como resultado da introdução de programas de transferência, em vários programas e em vários países. Confirmam a ligação directa entre o aumento do rendimento e o consumo de alimentos dos agregados familiares beneficiários. A evidência é particularmente clara e forte na melhoria da alimentação das crianças, sugerindo efeitos a médio e longo prazo nas oportunidades de vida para as crianças. As transferências têm impactos significativos sobre o estado de saúde, uma outra dimensão do desenvolvimento humano com implicações directas na capacidade produtiva. Algumas transferências visam directamente a melhoria do acesso e da utilização dos cuidados de saúde. Outras afectam indirectamente os cuidados de saúde, através do aumento do rendimento familiar e das melhorias relacionadas com o consumo dos agregados familiares. 2.1.1. Saúde infantil Na América Latina, os programas de transferência condicionada centrados no desenvolvimento humano (descrito na literatura internacional como programas de transferência monetária condicionada) focalizam explicitamente as melhorias nos cuidados de saúde para os agregados familiares beneficiários. Esses programas exigem que as famílias participantes utilizem com regularidade equipamentos de cuidados de saúde preventivos, especialmente as mães grávidas e os bebés. Em geral, os programas parecem ter cumprido os objectivos.Uma avaliação do programa Familias en Acción na Colômbia refere um aumento na percentagem de crianças com menos de 24 meses que realizam exames médicos de rotina, de 17,2 por cento para 40 por cento, e um aumento 16 Subbarao, K.; Bonnerjee, A.; Carvalho, S.; Ezemenari, K.; Graham, C. & Thompson, A. (1997). Safety net programmes and poverty reduction. Lessons from cross-country experience, Washington DC, Banco Mundial. 17 Gilligan, D.; O., Hoddinott, J. & Seyoum Taffesse, A. (2008). The impact of Ethiopia's Productive Safety Net Programme and its linkages. Washington, IFPRI. 18 Ravi, S. & Engler, M. (2008). Workfare in low income countries: An effective way to fight poverty?The case of NREGS in India. Indian Business School. 19 Rabbani, M.; Prakash, V. A. & Sulaiman, M. (2006). Impact Assessment of CFPR/TUP: A descriptive analysis based on 2002-2005 panel data. Dhaka, BRAC. 20 Ministry of Community Development and Social Services & German Technical Cooperation (2006) Evaluation Report. Kalomo Social Cash Transfer Scheme. Social Safety Net Project. Lusaca. Um Compêndio 7 _______________________________________________________________________________ correspondente de 33,6 por cento para 66,8 por cento para crianças entre os 24 e os 48 meses.21 A melhoria na utilização dos equipamentos de cuidados de saúde afecta directamente as taxas de morbilidade. A proporção de crianças afectadas por diarreia decaiu de 32 por cento para 22 por cento entre as crianças com idades inferiores a 24 meses, e de 21,3 por cento para 10,4 por cento entre as crianças mais velhas. Os resultados são consideráveis. De acordo com estatísticas oficiais, aproximadamente 1300 crianças com menos de 12 meses de idade morrem anualmente devido a diarreia, o que representa 10 por cento do total de mortes nessa idade, no país.22 Têm sido relatadas melhorias similares nas taxas de utilização dos cuidados de saúde a partir de outros programas de transferência social a decorrer na América Latina. A introdução do programa Oportunidades no México levou a uma duplicação per capita das visitas de cuidados de saúde na população rural, em média de 0,5 para uma visita por ano.23 Da mesma forma, a introdução do programa Juntos no Peru levou a um aumento de 30 por cento das visitas aos centros de saúde para a imunização das crianças com menos de um ano, e de 61 por cento de aumento para as crianças com idades compreendidas entre um e cinco anos. O impacto do programa Chile Solidario relativo a visitas de cuidados de saúde preventivos foi da ordem de quatro a seis pontos percentuais na melhoria para as crianças que vivem nas zonas rurais.24 O programa da Nicarágua Red de Protección Social melhorou a imunização atempada em cerca de 18 por cento, entre as crianças com idades entre os 12 e 23 meses.25 As imunizações e visitas regulares de saúde podem desempenhar um papel significativo na redução da incidência de doenças que, em casos extremos, leva a mortes prematuras entre as crianças pequenas. No México, registou-se uma incidência de menos de 12 por cento de doenças entre as crianças que recebem apoio do Progresa, relativamente às crianças com características socioeconómicas idênticas que não recebem apoio do programa.26 A mudança positiva no comportamento dos pais em relação aos cuidados de saúde preventivos das crianças pode ter efeitos importantes a longo prazo no desenvolvimento físico e cognitivo das crianças. Assegurar que as crianças gozam de boa saúde nos primeiros anos torna-se, assim, crítico para alcançar o sucesso escolar e oportunidades económicas e sociais e, em geral, para o desenvolvimento global de toda a sua vida futura. Também contribui para atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) de redução da taxa global de mortalidade infantil. 21 Attanasio, O.; Battistin, E.; Fitzsimons, E. & Mesnard, A. (2005). How effective are Conditional Cash transfers? The Institute for Fiscal Studies Briefing Note No. 54. Londres, Institute for Fiscal Studies. 22 A diarreia é de facto a segunda principal causa de morte infantil em todo o mundo. A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de 20 por cento das mortes de crianças, cerca de 1,5 milhões por ano, se deve a este facto. Para mais pormenores ver: United Nations children's Fund & World Health Organisation (2009) Diarrhoea: Why children are still dying and what can be done. Nova Iorque, UNICEF e Organização Mundial de Saúde. 23 Coady, D. (2003). Alleviating structural poverty in developing countries: The approach of Progresa in Mexico. Washington DC, International Food Policy Research Institute. 24 Galasso, E. (2006). "With their effort and one opportunity" Alleviating extreme poverty in Chile.Washington DC, Development Research Group, Banco Mundial. 25 Maluccio, J. A. & Flores, R. (2004). Impact Evaluation of a Conditional Cash Transfer Programmes: The Nicaraguan Red de Protección Social. Washington, DC, IFPRI. 26 Skoufias, E. (2005). Progresa and its Impacts on the Welfare of Rural Households in Mexico. Research Report. Washington, International Food Policy Research Institute. 8 Um Compêndio 2.1.2. Saúde materna Estudos recentes vieram confirmar que os investimentos realizados na saúde das mulheres são mais importantes para o desenvolvimento futuro das crianças do que anteriormente se pensava.27 Intervenções na área da saúde preventiva que garantam visitas pré-natais regulares podem potencialmente salvar as vidas de muitas mulheres nos países em desenvolvimento.28 A Declaração do Milénio estabeleceu a meta de reduzir em três quartos a taxa de mortalidade materna. Portanto, é importante olhar para as evidências que documentam os efeitos das transferências sociais na melhoria da saúde materna. Um estudo sobre o programa Juntos do Peru refere um aumento de cerca de 65 por cento nas visitas pré e pós natal a centros de saúde, bem como uma redução de partos em casa. Esta é uma conquista significativa, dados os níveis muito elevados de mortalidade materna nos domínios visados pelo programa. Resultados similares são relatados a partir do programa Progresa do México, com um aumento de cerca de 8 por cento dos cuidados de saúde pré-natal nos três primeiros meses de gravidez.29 O programa Solidario no Chile levou a um aumento de sete por cento nos testes de Papanicolau em mulheres das zonas rurais com idades entre os 35 e mais anos, facto que reflecte a melhoria do conhecimento e atitude das mulheres relativamente às práticas relacionadas com a saúde sexual.30 As melhorias nos cuidados de saúde também conduzem a reduzidas taxas de morbilidade entre os adultos. Uma avaliação do programa Oportunidades do México verificou uma redução de 22 por cento dos dias de cama devido a doença, após dois anos de programa.31 As transferências sociais também podem ser benéficas para outros membros adultos da família. Melhorias no estado de saúde têm sido observadas noutras regiões e relativamente a diferentes tipos de programas. Os estudos sobre o impacto das pensões sociais na África do Sul revelaram melhorias significativas no estado de saúde dos pensionistas e seus agregados familiares.32 Nos países de rendimento intermédio, complementos de rendimento provenientes de transferências sociais podem ser usados para cobrir os custos dos cuidados de saúde, enquanto a coordenação entre os gestores dos programas e os prestadores de serviços contribui para garantir que há uma oferta adequada para responder à procura crescente. Em países de baixo rendimento, os constrangimentos na oferta podem constituir um desafio significativo. Os estudos sobre a repartição das despesas nos agregados familiares beneficiários referem um aumento nos gastos de saúde após a introdução de programas de transferência.33 27 Para uma discussão recente sobre este assunto, ver Behrman, J. R.; Murphy, A.; Quisumbing, A. R. & Yount, K.(2009). Are Returns to Mothers' Human Capital Realized in the Next Generation? The Impact of Mothers' Intellectual Human Capital and Long-Run Nutritional Status on Children's Human Capital in Guatemala. IFPRI Discussion Paper 00850. 28 O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendam um mínimo de quatro visitas pré-natais. 29 Gertler, P. & Fernald, L. C. (2005). Impacto de mediano plazo del Programa Oportunidades sobre el desarrollo infantil en áreas rurales. In Hernandez Prado, B. & Hernandez Avila, M. (Eds.) EvaluaciónExterna de Impacto del Programa Oportunidades 2004: Alimentación. Cuernavaca, Instituto Nacional de Salud Pública. 30 Galasso, E. (2006). "With their effort and one opportunity" Alleviating extreme poverty in Chile.Washington DC, Grupo de Investigação para o Desenvolvimento, Banco Mundial. 31 Skoufias, E. (2001). Progresa and its impact on the human capital and welfare of households in ruralMexico. A synthesis of the results of an evaluation by IFPRI. Washington DC, International Food Policy Research Institute. 32 Case, A. & Wilson, F. (2000). Health and well-being in South Africa: evidence from the Langeberg Survey. Princeton, Universidade de Princeton. 33 Huijbregts, M. (2009). Social cash transfers and their impact on food security, health and nutrition.10th EDF Conceptualisation Workshop. Lilongwe, Malawi. Um Compêndio 9 _______________________________________________________________________________ 2.2. Educação Outra via que relaciona as transferências com o desenvolvimento humano é a escolaridade. Muitos programas de transferência social focalizam directamente a melhoria da escolarização das crianças provenientes de agregados familiares beneficiários. Isso geralmente é feito através de objectivos específicos do programa, melhorias na oferta e co-responsabilização. Efeitos similares podem também ser observados em programas de transferência pura, em países com níveis razoáveis de infra-estruturas escolares. A maior parte dos programas têm como objectivo a matrícula e a frequência escolares. Tal como acontece com a nutrição, há fortes indícios identificados numa série de programas de que os objectivos de matriculação e frequência escolares estão a ser atingidos. A questão de saber se estas melhorias são suficientes por si só para melhorar as oportunidades futuras é mais difícil de confirmar nesta fase. Nos países de rendimento intermédio, onde as taxas de matrícula no ensino primário eram elevadas antes da introdução dos programas de transferência, o impacto foi mais significativo na matrícula e frequência do ensino secundário. Os estudos sobre a Colômbia, por exemplo, não revelam nenhum impacto visível do programa Familias en Acción nas taxas de frequência escolar em crianças com idades compreendidas entre os oito e os 11 anos; mas o efeito do programa torna-se significativo e positivo em crianças com idades entre os 12 e os 17 anos, com cerca de 10 por cento de melhoria em zonas rurais e 5,2 por cento de melhoria em zonas urbanas.34 Isto é comum em programas focalizados no desenvolvimento humano, tais como os programas de transferências monetárias condicionadas na América Latina. No Brasil, um estudo concluiu que a frequência escolar das crianças pobres aumentou cerca de 4 por cento em resultado da participação no programa Bolsa Família, com um efeito médio de três pontos percentuais entre os meninos, o que é extremamente significativo considerando as elevadas taxas de matrícula escolar no Brasil.35 No México, a participação no Progresa/Oportunidades está associada a um maior número de matrículas escolares, a uma menor repetição de ano e a um melhor rendimento escolar, a menores taxas de abandono escolar, e a maiores taxas de re-entrada na escola entre os que a tinham abandonado. O impacto foi especialmente notável em zonas rurais, onde o número de crianças que entraram no primeiro nível do ensino secundário subiu 85 por cento e no segundo nível subiu 47 por cento.36 As taxas de abandono diminuíram 24 por cento, com um correspondente aumento nas taxas de conclusão de 23 por cento para escolas rurais do ensino secundário.37 Estes resultados sugerem um aumento global de alunos que completaram a escolaridade de cerca de 10 por cento para o grupo exposto ao programa Oportunidades. Prevê-se que tal irá aumentar os ganhos permanentes futuros das crianças em cerca de 8 por cento quando chegarem à idade adulta.38 Estes resultados foram confirmados por avaliações qualitativas com um enfoque de longo prazo.39 34 Attanasio, O., Battistin, E., Fitzsimons, E. & Mesnard, A. (2005). How effective are Conditional Cash transfers? The Institute for Fiscal Studies Briefing Note No. 54. Londres, Institute for Fiscal Studies. 35 Cardoso, E. & Portela Souza, A. (2003). The impacts of cash transfers on child labor and school attendance in Brazil, São Paulo, Departmento de Economia da Universidade de São Paulo. 36 Molyneux, M. (2007). Change and Continuity in Social Protection in Latin America: Mothers at the Service of the State? Programme on Gender and Development. Genebra, United Nations Research Institute for Social Development (UNRISD). 37 Skoufias, E. & Di Maro, V. (2005). Conditional cash transfers, adult work incentives and current poverty. Washington DC, Banco Mundial. 38 Ver Freije, S.; Bando, R. & Arce, F. (2006). Conditional transfers, labour supply, and poverty: Microsimulating Oportunidades. Economía, 73-124. And Skoufias, E. & Di Maro, V. (2005). Conditional cash transfers, adult work incentives and current poverty. Washington DC, Banco Mundial. 39 Escobar Latapí, A. & González De La Rocha, M. (2009). Evaluacion Cualitativa del Programa Oportunidades. Etapa urbana 2003. CIESAS - Occidente. 10 Um Compêndio Estas conclusões também se aplicam aos países de rendimento baixo. Na Nicarágua, o programa Red de Protección Social obteve impactos significativos na escolarização, apesar da sua modesta escala em comparação com outras transferências sociais na América Latina. Através do programa, as taxas de matrícula escolar aumentaram para as crianças entre os sete e os 13 anos para cerca de 18 por cento, e reduziram a incidência de trabalho infantil em cerca de 5 por cento.40 No Equador, um estudo por amostragem concluiu que o programa Bono de Desarrollo Humano (conhecido anteriormente por Bono Solidario) provocou um aumento de cerca de 10 pontos percentuais nas matrículas escolares de crianças entre os seis e os 17 anos de idade.41 As melhorias na escolarização não se restringem aos programas de transferências monetárias condicionadas na América Latina. As transferências sociais não condicionadas muitas vezes têm também efeitos importantes sobre a educação das crianças. Na Namíbia e na África do Sul, por exemplo, foi relatado que as pensões sociais pagas aos avós são usadas regularmente para o pagamento de propinas dos netos na escola e outras despesas associadas.42 A figura 2 ilustra o impacto de programas de transferência social seleccionados na matrícula escolar, numa série de países. Percentagem de frequência escolar Figura 2. Impacto das transferências sociais na matrícula escolar (mudança a partir da base) Bolsa Família, Brasil Kalomo District Pilot Social Cash Transfer Scheme, Zambia Programa Familias por la Inclusión Social, Argentina Progresa/Oportunidades, Mexico Zibambele (KwaZulu Natal), South Africa Red de Protección Social, Nicaragua Ano As transferências sociais parecem ser particularmente eficazes no combate às desigualdades de género em termos de educação escolar, dado que as meninas geralmente apresentam taxas desproporcionalmente mais baixas de matrícula escolar. No Bangladesh, o programa Food for Education é referido como tendo contribuído para a melhoria das matrículas escolares entre as 40 Maluccio, J. A. & Flores, R. (2004). Impact Evaluation of a Conditional Cash Transfer Programmes: The Nicaraguan Red de Protección Social. Washington, DC, IFPRI. 41 Schady, N. & Araujo, M. C. (2006). Cash transfers, conditions, school enrolment, and child work: Evidence from a randomized experiment in Ecuador. Washington DC, Banco Mundial. 42 Um Compêndio Devereux, S. (2001). Social Pensions in Namibia and South Africa. Falmer, IDS. 11 _______________________________________________________________________________ meninas em cerca de 44 por cento e entre os meninos em cerca de 28 por cento, comparativamente às crianças não abrangidas pelo programa. O programa também parece ter reduzido as taxas de abandono escolar: apenas cerca de 6 por cento das crianças beneficiárias abandonaram a escola, em comparação com 15 por cento das crianças não beneficiárias.43 Estes resultados sugerem que a matrícula e a frequência escolares melhoram significativamente quando estes são objectivos explícitos do programa. Alguns programas de transferências sem um enfoque explícito na educação escolar, como é o caso das pensões sociais, podem alcançar progressos nestas dimensões em países de rendimento intermédio com infra-estruturas de serviços razoáveis. Até que ponto essas mudanças se traduzem em melhorias nos conhecimentos e competências a longo prazo é, no entanto, mais difícil de confirmar de momento. A matrícula e frequência escolares são condições necessárias, mas não suficientes, para assegurar que as actuais gerações de crianças atingem os mercados de trabalho com melhores níveis de escolaridade. A qualidade do ensino e da transição da escola para o trabalho também é importante. Estas são questões de investigação que actualmente estão a ser analisadas. Um aspecto que poderá vir a ser significativo no contexto das transferências sociais é a preocupação com potenciaais "efeitos de demonstração”. No México, o comportamento dos agregados familiares beneficiários parece ser emulado por famílias não beneficiárias. Isto, por sua vez, resulta no aumento das taxas de matrícula escolar e das visitas aos centros de saúde entre os agregados familiares não beneficiários.44 O aumento da utilização dos serviços de educação e de saúde por beneficiários e não beneficiários pode colocar uma pressão significativa sobre os recursos disponíveis. É importante que seja dada especial atenção para garantir a disponibilidade de infraestruturas adequadas. O valor do aumento dos anos de educação que uma criança recebe pode diminuir se a qualidade dessa educação for baixa.45 A fim de solucionar este problema, alguns programas de transferência incluíram transferências complementares para as escolas por cada criança beneficiária que se matricularem, para apoiar o aumento da procura de serviços de educação. 2.3. Trabalho infantil Muitos programas de transferência social focalizam explicitamente o trabalho infantil. O trabalho infantil é um factor importante que faz com que a pobreza e a limitação ao sector informal persistam ao longo de gerações.46 A entrada precoce no mercado de trabalho geralmente implica o abandono precoce da escola, o que traz implicações a longo prazo em termos de resultados do trabalho. Em muitos países em desenvolvimento, o trabalho infantil também pode estar associado a trabalhos perigosos. A redução do trabalho infantil pode ser um passo muito positivo para a saída sustentada da pobreza. É importante identificar as vias pelas quais as transferências sociais podem levar a uma redução do trabalho infantil entre os agregados familiares beneficiários. Se o trabalho infantil for considerado como sendo principalmente um reflexo das necessidades de um agregado familiar em termos de rendimento, os complementos de rendimento terão um impacto directo sobre o trabalho infantil. No entanto, as motivações económicas por detrás do trabalho infantil alargam-se a factores de não 43 Ahmed, A. U. & Del Ninno, C. (2002). Food for Education Programme in Bangladesh: An evaluation of the Impact on Educational Attainment and Food Security. Washington DC, International Food Policy Research Institute. 44 Handa, S., Huerta, M. C., Perez, R. & Straffon, B. (2000) Poverty, Inequality and spillover in Mexico's education, health and nutrition program. Washington DC, IFPRI. 45 Ver Dreze, J. & Gazdar, H. (1996). Uttar Pradesh: The Burden of Inertia. In Dreze, J. & Sen, A. (Eds.) Indian Development: Selected Regional Perspectives. Oxford, Oxford University Press. 46 Emerson, P. & Portela Souza, A. (2003). Is there a child labor trap? Intergenerational persistence of child labor in Brazil Economic Development and Cultural Change, 51, 375-398. 12 Um Compêndio rendimento, e muitas vezes surgem como resposta à vulnerabilidade dos agregados familiares pobres. Neste contexto, as transferências sociais podem ajudar a modificar ou atenuar as respostas adversas. A evidência empírica do impacto das transferências no trabalho infantil é heterogénea. Na Colômbia, o programa Familias en Acción é referido como tendo levado à redução significativa do trabalho infantil nas zonas rurais, particularmente nas crianças entre os 10 e os 13 anos.47 Efeitos similares (8,8 por cento de redução do trabalho infantil) têm sido referidos pelo programa Red de Protección Social da Nicarágua para crianças do mesmo grupo etário.48 Um estudo revelou uma redução no trabalho infantil em 17 por cento em resultado da participação no Bono de Desarrollo Humano no Equador.49 Um estudo sobre o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), um programa de erradicação das piores formas de trabalho infantil nas zonas rurais no Brasil, refere que o programa aumentou a permanência das crianças na escola, melhorou o sucesso escolar, e reduziu a participação no mercado de trabalho e no trabalho perigoso.50 No México, foram referidas na literatura pequenas mas significativas reduções no trabalho infantil. Contudo, não foram encontradas reduções significativas para os rapazes de 16 e 17 anos. Este facto pode reflectir um custo de oportunidade crescente da educação escolar, ou seja, a perda de oportunidades de rendimento para os agregados familiares à medida que as crianças crescem.51 Noutros casos, o impacto das transferências no trabalho infantil tem sido, na melhor das hipóteses, marginal. Na Costa Rica, por exemplo, o programa Superémonos aumentou a frequência escolar e o nível de escolaridade entre as crianças pobres, mas não existe qualquer evidência de redução no trabalho infantil.52 Globalmente, os estudos sobre o impacto do Bolsa Familia no trabalho infantil referem pequenos efeitos ou efeitos marginais em ambas as direcções.53 Na África do Sul, um estudo recente não encontrou mudanças significativas no trabalho infantil entre os beneficiários do Child Support Grant.54 O efeito do programa Cash for Education no Bangladesh sobre o trabalho infantil só contabilizou uma pequena percentagem do seu impacto nas matrículas escolares.55 Em suma, é evidente a partir desta análise que os esquemas de transferência social podem ter grandes efeitos sobre o desenvolvimento humano, especialmente quando este é de facto o seu objectivo explícito. Uma característica distintiva dos novos programas de transferência social é o facto de estes visarem o desenvolvimento humano como um meio para reduzir a incidência futura de pobreza. Os efeitos sobre o desenvolvimento humano também podem ser observados em programas 47 Banco Mundial (2006). Colombia: Familias en Acción. Banco Mundial. 48 Barrientos, A. & Santibanez, C. (2009). Social policy for poverty reduction in low income countries in Latin America: Lessons and Challenges. Social Policy & Administration, 43, 409-424. 49 Schady, N. & Araujo, M. C. (2006). Cash transfers, conditions, school enrolment, and child work: Evidence from a randomized experiment in Ecuador. Washington DC, Banco Mundial. 50 Yap, Y.-T.; Sedlacek, G. & Orazem, P. F. (2002). Limiting child labor through behavior-based income transfers: An experimental evaluation of the PETI program in rural Brazil. Washington DC, Banco Interamericano para o Desenvolvimento. 51 Rawlings, L. B. & Rubio, L. (2005). Evaluating the impact of conditional cash transfer programs.World Bank Research Observer, 20, 29-55. 52 Duryea, S. & Morrison, A. (2004). The effect of conditional transfers on school performance and child labor: Evidence from ex-post evaluation in Costa Rica. Washington DC, Banco de Desenvolvimento Interamericano. 53 Barrientos, A. & Santibanez, C. (2009). New forms of social assistance and the evolution of socialprotection in Latin America. Journal of Latin American Studies, 41, 1-26. 54 Samson, M.; Heinrich, C.; Williams, M.; Kaniki, S.; Muzondo, T.; Mac Quene, K. & Van Niekerk, I.(2008). Quantitative Analysis of the Impact of the Child Support Grant. Relatório compilado e produzido pelo Departamento para o Desenvolvimento Social, a Agência de Segurança Social da África do Sul (SASSA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Cidade do Cabo, Economic Policy Research Institute. 55 Ravallion, M. & Wodon, Q. (2000). Does child labour displace schooling? Evidence on behaviouralresponses to enrolment subsidy. Economic Journal, 110, C158-C175. Um Compêndio 13 _______________________________________________________________________________ de transferência pura, onde o desenvolvimento humano não é um objectivo explícito do programa. Os efeitos de desenvolvimento humano podem ser observados tanto em países de baixo como de rendimento intermédio. A eficácia dos programas na prossecução dos objectivos de desenvolvimento humano será maior em contextos onde as infra-estruturas de serviços adequados estão disponíveis, e são de qualidade razoável. Em países de baixo rendimento, isto nem sempre é o caso. Aliar as transferências sociais com intervenções destinadas a reforçar as infra-estruturas de serviços é essencial para esses países. 14 Um Compêndio 3. Apoiar a utilização plena da capacidade produtiva Na literatura sobre programas de transferência social nos países de rendimento elevado, surge por vezes expressa a preocupação de que as transferências de rendimento para os agregados familiares pobres possam afectar negativamente os incentivos ao trabalho, à poupança e à acumulação de activos.56 O impacto provável das transferências nos desincentivos à oferta de trabalho, em particular, passou a fazer parte das discussões de políticas associadas às recentes reformas sociais nos países de rendimento elevado.57 O impacto das transferências sociais na utilização da capacidade produtiva entre os agregados familiares pobres foi analisado no contexto dos países em desenvolvimento. Estudos anteriores referem que os subsídios em géneros alimentares parecem gerar distorções no mercado e alguns desincentivos ao trabalho58. Estudos mais recentes que analisaram os efeitos do incentivo das transferências de rendimento tendem a encontrar, em geral, poucos efeitos adversos não intencionais. Pelo contrário, estes estudos apresentam fortes evidências de que as transferências facilitam a melhoria de alocação de recursos nos agregados familiares pobres.59 O contexto macroeconómico e político são essenciais para a eficácia das transferências sociais. Até os programas de transferência social bem concebidos terão de fazer esforços para alcançar os seus objectivos se o crescimento económico for modesto, ou distribuído de forma desigual, e o contexto político for adverso. 3.1. Emprego e participação no mercado de trabalho A teoria económica sugere que, perante condições de mercado competitivas, as transferências de rendimento reduzem a oferta de trabalho ao mínimo. Elas fazem-no aumentando o “salário de reserva” dos beneficiários – que constitui o salário necessário para atrair esses trabalhadores para o mercado de trabalho. As pensões sociais, por exemplo, reduzem a oferta de trabalho das pessoas mais idosas, ainda que poucos regimes de pensões sociais exijam como condição de elegibilidade que os beneficiários estejam identificados como inactivos60. As co-responsabilidades dos programas de transferências centradas no desenvolvimento humano têm alguns efeitos no trabalho infantil, ao fazerem da frequência escolar um requisito para receberem a transferência (ver Secção 2.3 acima). No entanto, estes resultados dos programas na oferta de trabalho são inteiramente intencionais e desejáveis. A questão mais interessante é saber o que acontece à oferta de trabalho dos adultos quando recebem a transferência. Concluiu-se que as taxas de participação da força de trabalho diminuíram entre as pessoas mais idosas em reacção às pensões sociais, mesmo na ausência de testes de inactividade como requisito de elegibilidade. As taxas de participação na força de trabalho entre os elegíveis a receber uma 56 Para discussão, ver Dilnot, A. & Stark, G. (Eds.) (1989). The Poverty Trap, Tax Cuts and the Reform of Social Security, Oxford, Inglaterra, Clarendon Press. 57 Para discussão, ver Moffitt, R. A. (2002). Welfare Programs and Labour Supply. In Auerbach, A.J. & Feldstein, M. (Eds.) Handbook of Public Economics. Londres, Elsevier Science B.V. 58 Ver por ex.. Besley, T. & Kanbur, R. (1988). Food Subsidies and Poverty Alleviation. Economic Journal, 98, 701-719; Anand, S. & Kanbur, R. (Eds.) (1991). Public Policy and Basic Needs Provision: Intervention and Achievement in Sri Lanka, Oxford, Inglaterra, Clarendon Press; and Sahn, D. & Alderman, H. (Eds.) (1995). Incentive effects on Labor Supply of Sri Lanka's Rice Subsidy Baltimore, Maryland, The John Hopkins University Press. 59 Ardington, C.; Case, A. & Hosegood, V. (2007). Labour supply responses to large social transfers: Longitudinal evidence from South Africa. Cambridge MA, National Bureau of Economic Research. 60 Ver Carvalho, I. (2000). Old-Age Benefits and the Labour Supply of Rural Elderly in Brazil. MIT, Lam, D.; Leibbrandt, M. & Ranchhod, V. (2004). Labour Force Withdrawal of the Elderly in South Africa. Cidade do Cabo, African Development and Poverty Reduction Forum. Um Compêndio 15 _______________________________________________________________________________ pensão são muito baixas na África do Sul, e diminuem rapidamente quando os indivíduos atingem a idade em que têm direito à pensão.61 Este resultado é previsível, dado que a combinação da generosidade da prestação da pensão e a verificação das condições de recursos constituem fortes incentivos para a saída do mercado de trabalho. No entanto, noutros países, como a Namíbia, há estudos que revelam melhorias no nível de vida dos agricultores pobres como resultado das pensões sociais. Isto sugere que pessoas de idade avançada continuam a trabalhar na agricultura por um período considerável, até ficarem fisicamente impedidos de o fazer.62 Para além das transferências sociais levantarem as restrições ao crédito e aos cuidados das crianças, elas podem permitir que outros membros do agregado familiar trabalhem. Nestas circunstâncias, o impacto das transferências sociais na oferta de trabalho será positivo. No Brasil, um estudo recente revelou que para 30 por cento das pessoas mais pobres, depois de controlados o impacto da idade e a estrutura familiar, a taxa de participação no mercado de trabalho para indivíduos pertencentes a agregados familiares beneficiários da Bolsa Família era significativamente mais elevada do que para indivíduos que vivem em agregados familiares não abrangidos pelo programa de transferências.63 Estas revelações são confirmadas por outros estudos de impacto do programa Bolsa Família,64 que revelam um impacto positivo do programa na oferta de trabalho. Resultados semelhantes foram referidos no programa do México, Progresa. Parece não haver provas de uma redução das taxas de participação da força de trabalho em resultado do apoio do programa de transferências.65 Uma pequena redução no trabalho infantil parece ter sido compensada por um aumento da oferta de trabalho dos adultos.66 De facto, o programa parece impulsionar o emprego ajudando as pessoas a fazerem face aos custos de transacção essenciais, como o transporte para o trabalho. As condições do mercado de trabalho a nível local podem, contudo, restringir os potenciais efeitos das transferências sociais na criação de emprego. Um estudo recente refere que 85 por cento dos novos licenciados que receberam apoio do programa Oportunidades não conseguiram encontrar trabalho nas suas localidades e, por essa razão, estavam a planear emigrar.67 Isto significa que em zonas com uma incidência elevada de pobreza, a empregabilidade pode estar fortemente constrangida. O impacto das transferências sociais pode ficar enfraquecido na ausência de esforços simultâneos para melhorar as oportunidades de trabalho e a qualidade do emprego. Para se obterem ganhos plenos dos esquemas de transferência social, será necessário implementar políticas de emprego complementares. 61 Lam, D.; Leibbrandt, M. & Ranchhod, V. (2004). Labour Force Withdrawal of the Elderly in South Africa. Cidade do Cabo, African Development and Poverty Reduction Forum. 62 Devereux, S. (2001). Social Pensions in Namibia and South Africa. Falmer, IDS. 63 Medeiros, M.; Britto, T. & Soares, F. (2008). Targeted Cash Transfer Programmes in Brazil. Working Paper 46. International Poverty Centre. 64 Ver por ex. (Cedeplar), C.D.D.E.P.R. (2006). Projeto de Avaliação do Impacto do Programa Bolsa Familia. Relatório Analitico Final, Mimeo. 65 Ver, por ex. Parker, S. & Skoufias, E. (2000). The Impact of PROGRESA on Work, Leisure, and Time Allocation: A Final Report. Washington DC, International Food Policy Research Institute, Skoufias, E. & Di Maro, V. (2005). Conditional cash transfers, adult work incentives and current poverty. Washington DC, Banco Mundial. 66 Skoufias, E. (2001). Progresa and its impact on the human capital and welfare of households in rural Mexico. A synthesis of the results of an evaluation by IFPRI. Washington DC, International Food Policy Research Institute. 67 Molyneux, M. (2007). Change and Continuity in Social Protection in Latin America: Mothers at the Service of the State? Programme on Gender and Development. Geneva, United Nations Research Institute for Social Development (UNRISD). 16 Um Compêndio De facto, as repercussões das transferências sociais têm sido relatadas em economias locais pequenas e independentes. Na Namíbia, muitas mercearias surgiram mesmo nas aldeias mais pequenas, em resposta ao aumento da procura criada pelo programa de pensão social. O estudo refere que “mesmo a povoação mais pequena e mais isolada tem agora pelo menos uma loja de aldeia, que vende farinha de milho e mercearias mesmo em épocas de crise alimentares como a seca. A pensão social ajudou a estabilizar o abastecimento de alimentos num país de grandes distâncias, populações dispersas e pobreza rural generalizada, compensando assim a necessidade de entregas de ajuda alimentar em situações de emergência provocadas pela seca”.68 Estudos anteriores sobre as pensões sociais na África do Sul também referem o facto das transferências estimularem a produção local e o comércio. Em localidades rurais remotas, as transferências são entregues em transporte blindado, num determinado dia e hora, e nesse dia, os comerciantes trazem as mercadorias para esse local, enquanto prestamistas vêm para emprestar ou receber dinheiro.69 Determinar se as transferências sociais têm efeitos para além dos beneficiários directos pode ajudar a fazer avaliações mais precisas sobre os benefícios agregados das transferências sociais. Existe também um conjunto complexo de efeitos das transferências sobre a alocação dos recursos dos agregados familiares. Um estudo na África do Sul revelou que o rendimento das pensões teve efeitos significativos sobre o número de horas de trabalho e no emprego das pessoas entre os 15-50 anos de idade, que co-residem com beneficiários de pensões.70 Através do cruzamento de dados de 1993 sobre três gerações de agregados familiares africanos, os autores estimaram que as pessoas entre os 15-50 anos de idade vivendo com uma pessoa beneficiária de uma pensão realizam, em média, 6,4 menos horas de trabalho e têm uma probabilidade de emprego 4,3 por cento inferior. Criticamente, no entanto, as amostras do estudo cobrem apenas co-residentes, e deixam de fora os membros do agregado familiar não residentes. Outro estudo observou uma alta incidência de migração laboral - cerca de 30 por cento dos agregados familiares rurais na África do Sul têm um trabalhador migrante.71 Replicando o estudo referido anteriormente, mas agora incluindo trabalhadores migrantes membros do agregado familiar, o estudo constata que a associação negativa entre receber uma pensão e a oferta de trabalho feita naquele estudo, torna-se positiva, e conclui que os indivíduos entre os 15-50 anos de idade membros de um agregado familiar, com uma pessoa com direito a pensão, têm uma probabilidade de emprego 3,2 por cento mais elevada. Desagregando por sexo, o estudo conclui que, quando o rendimento da pensão é recebido por pensionistas do sexo masculino não há efeito significativo sobre a oferta de trabalho dos membros adultos do agregado familiar, mas há um efeito forte e positivo quando o beneficiário da pensão é do sexo feminino. O estudo sugere que o rendimento da pensão recebido pelas mulheres é particularmente importante para os agregados familiares rurais, pois torna possível que as avós sustentem as suas famílias. Um estudo recente confirmou esta conclusão, com dados longitudinais72 que ajudam a seguir as alterações do agregado familiar em torno do recebimento da pensão.73 As pensões sociais aliviam as restrições de rendimento e dos cuidados das crianças, e permitem que o agregado familiar melhore a alocação dos recursos provenientes do trabalho. 68 Devereux, S. (2001). Social Pensions in Namibia and South Africa. Falmer, IDS. 69 Ardington, E. & Lund, F. (1995). Pensions and development: social security as complementary to programmes of reconstruction and development. Development Southern Africa, 12, 557-577. 70 Bertrand, M.; Mullainathan, S. & Miller, D. (2003). Public Policy and Extended Families: Evidence from Pensions in South Africa. World Bank Economic Review, 17, 27-50. 71 Posel, D.; Fairburn, J. A. & Lund, F. (2004). Labour Migration and Households: A Reconsideration of the Effects of the Social Pension on Labour Supply in South Africa. Economic Modelling, 23, 836-853. 72 Uma colecção de dados (dataset) que contém observações sobre os agregados familiars observados durante múltiplos períodos de tempo. 73 Ardington, C.; Case, A. & Hosegood, V. (2007). Labour supply responses to large social transfers: Longitudinal evidence from South Africa. Cambridge MA, National Bureau of Economic Research. Um Compêndio 17 _______________________________________________________________________________ Tipos específicos de transferências sociais que dependem de auto-selecção, tais como programas de trabalhos públicos, se bem concebidos, podem ajudar a minimizar os potenciais efeitos adversos das transferências nos mercados de trabalho. Argumenta-se que, dado que os salários são fixados abaixo da taxa de mercado, só as pessoas pobres desempregadas irão participar nesses programas. A vantagem adicional destes programas é que as potenciais fugas de prestações para pessoas que não são pobres serão reduzidas. No entanto, o custo de oportunidade pode também ser significativo se, através da participação no programa, o beneficiário do agregado familiar renunciar a oportunidades geradoras de rendimento.74 Na Índia, por exemplo, o Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial de 1980 referia que, graças ao Maharashtra Employment Guarantee Scheme, o desemprego e o subemprego em Maharashtra foram reduzidos em aproximadamente 20 por cento nos finais dos anos 70.75 Dev (1992) considera, porém, que o esquema contribuiu para reduzir o desemprego em cerca de 7 por cento nos finais dos anos 80.76 Patel (2006) sublinha que essa redução acentuada do trabalho realizado por dia/por pessoa, gerada no contexto do Maharashtra Employment Guarantee Scheme, deveu-se em parte a um aumento na taxa salarial que levou ao racionamento do trabalho, sendo as pessoas pobres as mais afectadas por esta redução. Outro factor ficou a dever-se ao facto dos activistas dos anos 80, que anteriormente haviam feito pressão para que o esquema fosse implementado efectivamente, terem-se dissociado.77 Mesmo assim, Osmani e Dev concluíram em diferentes estudos que o Maharashtra Employment Guarantee Scheme contribuiu para a redução do desemprego e do subemprego. As estimativas variam de menos de um décimo a um terço, dependendo do período em análise.78 Na Argentina, estima-se que o programa Jefes y Jefas de Hogar Desempleados – um programa de transferência condicionada à oferta de trabalho ou de formação – reduziu a taxa de desemprego em cerca de 2,5 pontos percentuais.79 Outro estudo refere que o programa poderia ter gerado incentivos aos beneficiários para trabalharem no sector informal.80 No Chile, um estudo de impacto do programa Chile Solidario concluiu que o programa pode ter alterado as atitudes dos beneficiários face ao trabalho. Em particular, a inscrição no centro de emprego local, uma pré-condição de elegibilidade para vários programas públicos de formação, parece ter aumentado a incidência de reinserção laboral e a participação em acções de formação em cerca de 30 por cento nas áreas urbanas, e cerca de 14 por cento nas zonas rurais. No entanto, embora essas mudanças de comportamento possam aumentar as perspectivas de emprego dos beneficiários, só são observados impactos significativos sobre a participação da força de trabalho em zonas rurais.81 74 Ravallion, M. & Datt, G. (1995). Is Targeting through a Work Requirement Efficient? Some Evidence for Rural India. In Van Del Walle, D. & Nead, K. (Eds.) Public Spending and the Poor. Baltimore,Maryland, the John Hopkins University Press. 75 Banco Mundial (1980). World Development Report, Nova Iorque, Oxford University Press. 76 Dev, S. M. (1992). Poverty Alleviation Programmes: A Case Study of Maharashtra with Emphasis on Employment guarantee Scheme. Discussion Paper 77. Bombaim, Indira Ghandi Institute of Development Research. 77 Patel, S. (2006). Empowerment, Co-option, and Domination: The Politics of Employment Guarantee Scheme of Maharashtra. Economic and Political Weekly, 50, 5126-5133. 78 Dev, S. M. (1995). India's (Maharashtra) Employment Guarantee Scheme: Lessons from Long Experience. IN VON BRAUN, J. (Ed.) Employment for Poverty Reduction and Food Security.Washington, DC; International Food Policy Research Institute; Osmani, S. R. (1991). Social Security inSouth Asia. in Ahamad, E., Dreze, J., Hills, J. & Sen, A. (Eds.). Social Security in Developing Countries.Oxford, Clarendon Press. 79 Galasso, E. & Ravallion, M. (2003). Social Protection in a Crisis: Argentina's Plan Jefes y Jefas.Washington DC, Banco Mundial. 80 Gasparini, L.; Haimovich, F. & Olivieri, S. (2007). Labour informality effects of a poverty-alleviation program. Buenos Aires, CEDLAS, Universidad de la Plata. 81 Galasso, E. (2006). "With their effort and one opportunity" Alleviating extreme poverty in Chile.Washington DC, Development Research Group, Banco Mundial. 18 Um Compêndio Em resumo, as respostas à oferta de trabalho por parte dos agregados familiares que beneficiam de programas de transferência social têm sido estudadas em vários países. Foram analisados programas no Brasil, México, África do Sul, Etiópia e Bangladesh. Os estudos revelaram reduções no trabalho entre as crianças e as pessoas mais idosas, nos casos em que os programas estão focalizados nesses grupos, mas estes são compensados pelo aumento do trabalho de adultos. Entre os próprios adultos, os efeitos da oferta de trabalho foram considerados positivos no Brasil e na África do Sul. Estes trabalharam através de uma realocação de recursos do agregado familiar, o que foi facilitado pela regularidade da transferência. 3.2. Transferências sociais e actividade produtiva A maioria das transferências sociais é concebida para apoiar o consumo dos agregados familiares, mas podem facilitar os investimentos produtivos. Quando as transferências são regulares, os seus efeitos podem ser superiores. As transferências regulares permitem que os agregados familiares afectados por restrições ao crédito e liquidez possam realocar os recursos produtivos, e acumular e proteger os seus activos. Para agregados familiares com restrições de crédito, o investimento requer o aumento das poupanças e, portanto, a redução do consumo actual. Entre os agregados familiares com baixos rendimentos, especialmente aqueles com fontes de rendimento incertas ou voláteis, as poupanças podem ser difíceis de alcançar. Os agregados familiares pobres também têm dificuldades na prestação de garantias para a obtenção de empréstimos de instituições financeiras formais. Isto é especialmente válido para os países em desenvolvimento, onde os mercados de crédito são altamente fragmentados. Este facto está bem documentado na literatura sobre micro-crédito, apontando para as dificuldades em alcançar os agregados familiares mais pobres.82 Nesse contexto, as transferências sociais podem desempenhar um papel complementar importante no levantamento de restrições ao crédito para os agregados familiares pobres e os mais pobres. Em primeiro lugar, como as transferências sociais são regulares e fiáveis, podem incentivar poupanças de pequena escala e, assim, decisões de investimento. No entanto, deve ser sublinhada a importância de fornecer um montante adequado de transferência. Isto é ilustrado pelo Programa da Etiópia Productive Safety Net Programm, que provê transferências de rendimento por um período máximo de seis meses por ano. Embora o objectivo fosse aumentar significativamente o rendimento do agregado familiar, o programa é apontado como tendo perdido o seu poder de compra devido à subida dos preços dos alimentos e, dessa forma, tornou-se demasiado pequeno para atender às necessidades das pessoas pobres.83 Do mesmo modo, na Zâmbia, os estudos sobre o Kalomo District Pilot Social Cash Transfer Scheme referem que, embora a comunidade tenha aplaudido o esquema, dado que aliviou o esmagador encargo social das pessoas indigentes, são comuns as queixas sobre os pequenos montantes da transferência.84 Em segundo lugar, as transferências sociais podem tornar-se mais eficazes, se combinadas com outras intervenções, na facilitação do acesso ao crédito. Há indicações, numa série de programas de transferência social nos países de rendimento intermédio e baixo, de que os beneficiários têm 82 Para discussão, ver Amin, S.; Rai, A. & Topa, G. (2003). Does microcredit reach the poor and vulnerable? Evidence from northern Bangladesh. Journal of Development Economics, 70, 59-82. Armendariz De Aghion, B. & Morduch, J. (2007). The Economics of Microfinance, Cambridge,Massachusetts, The MIT Press. and Nino-Zarazua, M. (2009). Microcredit and Poverty in Mexico: An Impact Assessment in Urban Markets, Munique, Alemanha, VDM Verlag. 83 Gibson, J. & Nyhus, C. (2009). Joint Save the Children - Unicef study. Ethiopia Country Report. 84 Ver Devereux, S.; Marshall, J.; Macaskill, J. & Pelham, L. (2005). Making Cash Count. Lessons fromcash transfer schemes in east and southern Africa for supporting the most vulnerable children and households. Save the Children UK, HelpAge International e Institute of Development Studies. Um Compêndio 19 _______________________________________________________________________________ capacidade para poupar e investir uma parte do rendimento que recebem das transferências, e também que o acesso ao crédito pode ser facilitado pela transferência. Na Bolívia, a pensão social Bonosol - recentemente renomeada Bono Dignidad - é paga uma vez por ano a pessoas com 65 ou mais anos. Com um montante de cerca de 246 dólares, esta pensão representa uma injecção significativa de liquidez para os agricultores rurais. Apesar de possuírem terras, muitas vezes não têm acesso aos mercados de crédito para a compra de sementes e outros inputs agrícolas. Um estudo estimou que entre os beneficiários de pensões em zonas rurais, o consumo global aumentou para o dobro do montante da prestação, sugerindo que a produção melhorada do agregado familiar foi facilitada pela transferência. O efeito é observado apenas entre os agregados familiares rurais com terra, e é mais forte para os produtos que são normalmente produzidos por esses agregados, tais como a carne, os lacticínios e os vegetais.85 Paralelamente, os estudos referiram um crescimento do investimento dos agregados familiares beneficiários comparando com os não beneficiários do programa Progresa no México. Um estudo estima que, em média, cerca de 12 por cento das transferências para os beneficiários foram investidas em activos produtivos.86 Um outro estudo compara o impacto do Progresa com um programa de acumulação de activos, dirigido a pequenos e médios agricultores chamado Procampo, e revela que este último obteve multiplicadores de rendimento de cerca de 1,5 a 2,6.87 Na Namíbia, a pensão social também é referida como tendo levantado as restrições de acesso ao crédito nas zonas do sul do país. Os pensionistas estão em melhor posição para acederem aos esquemas de crédito informal, por exemplo junto dos lojistas, dado que recebem todos os meses receitas regulares e estas funcionam como garantia para a obtenção de empréstimos.88 Seguindo princípios semelhantes, o programa brasileiro de pensões não contributivas para trabalhadores informais nas áreas rurais, o Previdência Rural, demonstrou que dá aos beneficiários a possibilidade de acesso ao crédito formal mostrando o seu cartão magnético que é usado para receberem as suas pensões.89 Outro estudo sobre o programa de pensões sociais no Brasil mostra que uma proporção significativa dos beneficiários investe parte das suas transferências em sementes, ferramentas e outros activos produtivos. Isto fortalece as actividades económicas de pequena escala e, assim, reforça o emprego entre os agregados familiares beneficiários.90 No Bangladesh, o programa Targeting the Ultra Poor Programme implementado pela organização BRAC, foi especialmente desenhado para facilitar a acumulação de activos produtivos e financeiros através da combinação de transferências de rendimento e intervenções em termos de capital humano, com o microcrédito e o desenvolvimento de competências. Este programa provê transferências em géneros e em espécie para os agregados familiares em situação de pobreza extrema, como preparação para programas padrões de microcrédito após um período de 18 meses. 85 Martinez, S. (2007). Invertir el Bonosol para aliviar la pobreza: Retornos económicos en los hogares beneficiarios. In Aponte, G.; Jemio, L.C.; Laserna, R.; Martinez, S.; Molina, F.; Schulze, E. & Skinner, E.(Eds.) La Inversion Prudente. Impacto del Bonosol sobre la familia, la equidad social y el crecimiento econômico. La Paz, Fundación Milenio. 86 Gertler, P.; Martinez, S. & Rubio-Codina, M. (2005). Investing cash transfers to raise long term living standards. Washington DC, Banco Mundial. 87 Sadoulet, E.; De Janvry, A. & Davis, B. (2001). Cash transfer programs with income multipliers: PROCAMPO in Mexico. World Development, 29, 1043-1056. 88 Devereux, S. (2001). Social Pensions in Namibia and South Africa. Falmer, IDS. Schwarzer, H. (2000). Impactos socioeconômicos do sistema de aposentadorias rurais no Brasil -Evidências empíricas de um estudo de caso no estado de Pará. Rio de Janeiro, IPEA. 89 90 Delgado, G. C. & Cardoso, J. C. (2000a). Principais Resultados da Pesquisa Domiciliar sobre a Previdência Rural na Região Sul do Brasil. Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. E Delgado, G. C. & Cardoso, J. C. (Eds.) (2000b). A Universalização de Direitos Sociais no Brasil: a Prêvidencia Rural nos anos 90, Brasilia, IPEA. 20 Um Compêndio Uma avaliação interna mostrou melhorias significativas com o decorrer do tempo na incidência e dimensão dos empréstimos assumidos pelos beneficiários do programa. Além disso, o estudo verificou uma mudança na motivação para o crédito entre os agregados familiares seleccionados. Inicialmente o crédito era usado essencialmente como meio de facilitar o consumo; três anos mais tarde o estudo observou uma reorientação do crédito nos investimentos em activos produtivos. Além disso, o acesso ao crédito por parte dos agregados familiares apresenta uma melhoria significativa, tanto ao longo do tempo como em relação aos agregados familiares não beneficiários.91 Este efeito parece apresentar uma importante dimensão de género, sugerindo que a concepção do programa deve ponderar se a alocação da transferência através de determinados membros do agregado familiar, principalmente as mulheres, tem um efeito no investimento dos agregados familiares. Em resumo, embora forneçam ideias importantes, as evidências analisadas não abrangem todos os programas de transferência social. Em muitos programas de transferência, facilitar as poupanças e melhorar o acesso ao crédito constituem um subproduto da transferência de rendimento, e não uma característica explícita da sua concepção. A capacidade das transferências sociais em ajudar a superar as restrições ao crédito varia provavelmente de acordo com os programas, grupos-alvo e ambientes. Estes efeitos são mais fortes entre os agregados familiares rurais, a quem faltam activos “produtivos” complementares (ex. inputs, trabalho), e onde as restrições ao crédito são directamente focalizadas. Os programas dirigidos à acumulação de activos tendem a focalizar-se em agregados familiares moderadamente pobres, e apenas um número limitado de programas deste tipo atinge as pessoas extremamente pobres. O exercício de fortalecer as sinergias entre os programas de transferência social, as poupanças e o investimento nos agregados familiares pobres tem sido activamente investigado, especialmente com o aperfeiçoamento de muitos dos programas de transferência social. 91 Rabbani, M.; Prakash, V. A. & Sulaiman, M. (2006). Impact Assessment of CFPR/TUP: A descriptive analysis based on 2002-2005 panel data. Dhaka, BRAC. Um Compêndio 21 _______________________________________________________________________________ 4. Reforçar e estabilizar o consumo O principal objectivo dos programas de transferência social nos países em desenvolvimento é a redução da pobreza e da vulnerabilidade. Existe uma literatura extensa sobre a avaliação da eficácia destes programas na redução da pobreza. As conclusões destes estudos cobrem as transferências sociais de diferentes tipos e em diferentes contextos. Estas sugerem que os programas de transferência têm o potencial de darem um contributo significativo para a redução da pobreza e da vulnerabilidade através do aumento da protecção do consumo dos agregados familiares, com transferências regulares e previsíveis. Para além disso, as transferências sociais têm uma importante função de seguro – protegem o consumo básico dos agregados familiares de uma série de contingências e riscos. Os agregados familiares pobres adoptam um conjunto de estratégias para protegerem o seu consumo e os seus activos contra o impacto das crises. A segurança é importante para os que vivem na pobreza, especialmente porque meios de subsistência inseguros e precários limitam o investimento do agregado familiar.92 A insegurança também pode levar a uma utilização ineficiente dos recursos, forçando os agregados familiares pobres a optarem pelo baixo risco, por culturas de retorno fraco,93 a manterem activos líquidos mas menos produtivos,94 ou, como discutido na Secção 2, a optarem por retirar as crianças da escola em resposta às crises. A falta de seguro pode, portanto, levar à persistência da pobreza. As transferências sociais podem contribuir para melhorar a segurança dos agregados familiares, estabilizando e protegendo o consumo, o que por sua vez facilita o investimento. 4.1. Aumento do consumo Na África do Sul, verificou-se que o Programa Expanded Public Works (EPWP) beneficiou particularmente os ultra-pobres, cujos rendimentos aumentaram mais de 63 por cento quando o programa foi direccionado com eficácia. Em geral, os agregados familiares que vivem em bairros de lata urbanos parecem ser os maiores beneficiários do programa.95 No KwaZulu Natal, o Programa Zibambele Public Works foi referido como tendo reduzido a profundidade da pobreza (poverty gap) e a insegurança alimentar. O rácio do benefício líquido da participação no programa foi positivo em termos de receitas para 98 por cento do total da amostra, e a percentagem de agregados familiares nos quais os adultos frequentemente saltavam refeições caiu de 49 por cento para 1 por cento.96 O 92 A literatura teórica e empírica refere que os mercados de seguros raramente alcançam os que vivem na pobreza, o que implica que estes continuam a não ser suficientemente protegidos. Ver Dercon, S. (Ed.) (2005). Insurance against Poverty, Oxford, Oxford University Press e Jalan, J. & Ravallion, M. (1999). Are the poor less well insured? Evidence on vulnerability to income risk in rural China. Journal of Development Economics, 58, 61-81. 93 Ver, Barrientos, A. (2007a). Does vulnerability create poverty traps? Manchester, IDPM/Chronic Poverty Research Centre, Morduch, J. (1995). Income Smoothing and Consumption Smoothing. Journalof Economic Perspectives, 9, 103-114. 94 Dercon, S. (2003). Risk and poverty: a selective review (or: can social protection reduce poverty?). Oxford, Departmento de Economia, Universidade de Oxford. 95 Ver: Antonopoulos, R. (2007). The Right to a Job, the Right Types of Projects: Employment Guarantee Policies from a Gender Perspective. The Levy Economics Institute Working Paper Collection No. 516.Nova Iorque, The Levy Economics Institute of Bard College. 96 Mccord, A. (2004). Policy Expectations and Programme Reality: The Poverty Reduction and Labour Market Impact of Two Public Works Programmes in South Africa. ESAU Working Paper 8. Londres, Overseas Development Institute. 22 Um Compêndio programa também é referido como tendo melhorado a capacidade de acesso dos agregados familiares pobres a outros subsídios do governo.97 Na Argentina, o programa Jefes y Jefas del Hogar Desempleados foi referido como tendo atenuado a grave queda nas receitas, em consequência da crise financeira profunda e da desvalorização do peso em 2001.98 O programa foi particularmente eficiente na protecção daqueles em situação de pobreza extrema. Um estudo revelou que, embora o programa tivesse um pequeno impacto na taxa global de pobreza, ele teve um efeito significativo na incidência da pobreza extrema e na profundidade da pobreza dos que se encontram em pobreza extrema.99 Um estudo efectuado pelo Banco Mundial estima que, na ausência de transferências, perto de 10 por cento dos agregados familiares beneficiários teria descido abaixo da linha de pobreza.100 As transferências sociais condicionadas relacionadas com investimentos no capital humano também são referidas como tendo efeitos significativos no consumo, na pobreza e na vulnerabilidade. O programa Bolsa Família no Brasil é referido como tendo contribuído, juntamente com outros programas de assistência social, para a diminuição de 16 por cento da pobreza extrema.101 No Equador, um estudo recente revelou que os agregados familiares que recebem o Bono de Desarrollo Humano aumentaram em 25 por cento as despesas com a alimentação.102 Na Colômbia, estima-se que o programa Famílias en Acción produziu um aumento no consumo dos agregados familiares participantes de 19,5 por cento nas áreas rurais e 9,3 por cento nas áreas urbanas.103 No México, a avaliação do Progresa dois anos depois do início do programa, mostrou uma pequena redução de cerca de 10 por cento no rácio do número de pessoas pobres, mas uma grande redução na profundidade da pobreza, e na severidade da pobreza (squared poverty gap), uma redução na ordem dos 30 e 45 por cento, respectivamente.104 Resultados semelhantes foram referidos relativamente ao Programa de Asignación Familiar Fase II das Honduras, onde o seu efeito na severidade da pobreza foi duas vezes mais elevado do que o efeito noutros indicadores.105 Este facto é consistente com os resultados de investigações noutros locais.106 97 Mccord, A. (2002). Public Works as a Response to Labour Market Failure na África do Sul.SALDRU/CSSR Documento de Trabalho No. 19. Cidade do Cabo, Universidade da Cidade do Cabo. 98 Barrientos, A.; Holmes, R. & Scott, J. (2008). Social Assistance in Developing Countries Database version 4. Manchester, Brooks World Poverty Institute and CPRC. 99 Galasso, E. & Ravallion, M. (2003). Social Protection in a Crisis: Argentina's Plan Jefes y Jefas. Washington DC, Banco Mundial. 100 Banco Mundial (2009). Argentina: income support policies toward the bicentennial, Washington DC, Publicações do Banco Mundial. 101 Lindert, K.; Linder, A.; Hobbs, J. & De La Briere, B. (2007). The Nuts and Bolts of Brazil's Bolsa Familia Program: Implementing Conditional Cash Transfers in a Decentralized Context. Banco Mundial Social Protection Discussion Paper No. 0709. Banco Mundial. 102 Ponce, J. (2008). Education policy and performance. Evaluating the impact of targeted education programs in Ecuador, Maastricht, Shaker Publishing. 103 Attanasio, O.; Battistin, E.; Fitzsimons, E. & Mesnard, A. (2005). How effective are Conditional Cash transfers? The Institute for Fiscal Studies Briefing Note No. 54. Londres, The Institute for Fiscal Studies 104 Skoufias, E. (2005). Progresa and its Impacts on the Welfare of Rural Households in Mexico.Research Report. Washington, International Food Policy Research Institute. 105 Osorio, R. G. (2008). The Recent Impact of Government Transfers on Poverty in Honduras and Alternatives to Enhance their Effects. International Poverty Centre Working Paper. Brasilia. 106 Coady, D. & Morley, S. A. (2003). From Social Assistance to Social Development. TargetedEducation Subsidies in Developing Countries Washington, DC, International Food Policy Research Institute (IFPRI). Um Compêndio 23 _______________________________________________________________________________ O impacto do Progresa sobre o rendimento do agregado familiar reflecte-se no nível e padrão do consumo. O nível de consumo foi referido como tendo aumentado em média aproximadamente 15 por cento depois do recebimento das prestações,107 com um aumento de cerca de 10,6 por cento da despesa mediana dos agregados familiares beneficiários em bens alimentares, comparado com os agregados familiares igualmente elegíveis mas não beneficiários. O aumento no consumo de bens alimentares por parte dos agregados familiares foi notoriamente impulsionado pelo aumento das despesas com fruta, vegetais, carne e produtos de origem animal, que têm um impacto positivo no estado nutricional. Esta melhoria no nível e na qualidade da nutrição faz prever um efeito a longo prazo na produtividade ao longo da vida e na potencial capacidade das crianças beneficiárias em obter rendimentos.108 Na Mongólia, um estudo sobre o impacto do Child Money Programme, uma transferência por categorias específicas destinada a crianças, constatou que durante a sua fase focalizada, o programa ajudou a reduzir a incidência da pobreza infantil em quase 4 por cento, de 42,2 por cento para 38,5 por cento, bem como a profundidade da pobreza nas crianças em cerca de 2 por cento.109 Na África do Sul, os subsídios às pessoas idosas e deficientes, juntamente com o Child Support Grant, tiveram um impacto significativo na pobreza.110 Estima-se que se todas as crianças com menos de sete anos tivessem sido inscritas no programa, a incidência da pobreza infantil teria decaído de 42,7 para 34,3 por cento, enquanto a incidência das crianças em pobreza extrema teria decaído de 13,1 por cento para 4,2 por cento.111 Em Moçambique, os Pagamentos monetários aos agregados familiares urbanos vulneráveis refugiados de guerra (GAPVU) é referido como tendo aumentado os rendimentos dos agregados familiares nas cidades pobres até 41% e contribuiu para reduzir o índice de incidência da pobreza de 71 por cento para 66 por cento.112 Um estudo comparativo sobre as pensões sociais no Brasil e na África do Sul revelou que, na ausência de rendimento proveniente de pensões não contributivas, a incidência da pobreza nos agregados familiares com membros mais idosos seria 5,3 e 1,9 pontos percentuais mais elevada, respectivamente, no Brasil e na África do Sul, enquanto a incidência da indigência (ou pobreza extrema) seria respectivamente 8,9 e 2,3 pontos percentuais mais elevada. O estudo também revela que o impacto sobre a profundidade da pobreza é muito superior. Na ausência de pensões sociais, a profundidade da pobreza seria um terço superior no Brasil, e dois terços superior na África do Sul, enquanto a profundidade da indigência seria 1,5 vezes superior no Brasil e um quinto superior na África do Sul. Em termos de vulnerabilidade à pobreza, medida como a probabilidade de se tornar pobre, o estudo mostra que a existência de um beneficiário de pensão não contributiva no agregado familiar reduz em 21 por cento no Brasil e 11 por cento na África do Sul a probabilidade de pobreza entre os membros do agregado familiar.113 As pensões sociais na África do Sul parecem ser 107 Hoddinott, J.; Skoufias, E. & Washburn, R. (2000). The Impact of PROGRESA on Consumption: A Final Report. Washington DC, IFPRI. 108 Ibid. 109 Hodges, A.; Dufay, A.-C.; Dashdorj, K.; Jong, K. Y.; Mungun, T. & Budragchaa, U. (2007). Child Benefits and Poverty Reduction: Evidence from Mongolia's Child Money MGSoG Working Paper No. 002 Maastricht, Maastricht Graduate School of Governance, Universidade de Maastricht, UNICEF. 110 Barrientos, A. (2008a). Cash Transfers for Older People Reduce Poverty and Inequality. In Bebbington, A. J.; Dani, A. A.; De Haan, A. & Walton, M. (Eds.) Institutional Pathways to Equity.Addressing Inequality Traps. Washington DC, Banco Mundial, Barrientos, A. & Dejong, J. (2006). Reducing child poverty with cash transfers: A sure thing? Development Policy Review, 24, 537-552. 111 Woolard, I. (2003). Impact of government programmes using administrative data sets. Social Assistance Grants. Project 6.2 of the Ten Year Review Research Programme. 112 Devereux, S. (2002). Can social safety nets reduce chronic poverty? Development Policy Review, 20,657675. 113 Barrientos, A. (2003). What is the impact of non-contributory pensions on poverty? Estimates from Brazil and South Africa. Manchester, IDPM, Universidade de Manchester. 24 Um Compêndio especialmente importantes para os 35 por cento de negros que sobrevivem com menos de 1 dólar americano por dia, dado que essa proporção aumentaria em 40 por cento caso as pensões não fossem atribuídas.114 Efeitos positivos semelhantes das pensões sociais sobre a pobreza encontram-se no Chile, Argentina, Uruguai e Bolívia. No Chile, o Programa de Pensiones Asistenciales, um programa não contributivo e não condicionado de pensões sociais, revelou ter reduzido a pobreza entre as pessoas de idade avançada em cerca de 9,2 por cento,115 embora o maior impacto registado tenha sido na indigência, que reduziu 69 por cento em resultado directo das pensões.116 Na Argentina, as Pensiones Asistenciales registaram uma redução na incidência da pobreza nos agregados familiares abrangidos em 31 por cento e a indigência em 67 por cento. Para o grupo mais pequeno, representado por agregados familiares com um beneficiário com idade superior a 65 anos, o efeito ainda é considerável, dado que a pobreza é reduzida em 5 por cento e a indigência em 16 por cento. O maior impacto foi observado em agregados familiares com membros jovens, tais como mães com sete ou mais filhos.117 No Uruguai, a redução da incidência da pobreza verificada entre os agregados familiares com um beneficiário da pensão social do Programa de Pensiones no-Contributivas foi na ordem de 33 por cento.118 4.2. Protecção do consumo As transferências sociais, se forem regulares, fiáveis e adequadas, podem contribuir para proteger o consumo do agregado familiar contra choques ou crises. Podem, assim, prevenir a redução dos activos ou a adopção de estratégias de curto prazo com consequências adversas a longo prazo, como economizar nos cuidados de saúde ou retirar as crianças da escola. Poucos programas de transferência social têm uma componente de seguro explícita a par da protecção que as receitas suplementares podem proporcionar aos agregados familiares beneficiários. As transferências são normalmente fixadas num determinado nível e, portanto, incapazes de responder a choques idiossincráticos ou agregados.119 Algumas variantes dos programas de trabalhos públicos podem constituir uma excepção importante, particularmente em épocas de desemprego elevado. Na Índia, o National Rural Employment Guarantee Scheme, que proporciona, quando solicitado, até 100 dias de trabalho aos agregados familiares rurais no desemprego,120 foi referido como tendo reduzido a variabilidade do rendimento 114 Case, A. & Deaton, A. (1998). Large Scale Transfers to the Elderly in South Africa. Economic Journal, 108, 1330-1261. 115 Bertranou, F.; Solorio, C. & Van Ginneken, W. (2002). Pensiones no-contributivas y asistenciales. Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica e Uruguai, Santiago, OIT. 116 Bertranou, F. & Grushka, C. O. (2002). The Non-Contributory Pension programme in Argentina: Assessing the impact on poverty reduction. Genebra, OIT. 117 Ibid. 118 Bertranou, F.; Solorio, C. & Van Ginneken, W. (2002). Pensiones no-contributivas y asistenciales. Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica e Uruguai, Santiago, OIT. 119 Quando o valor dos programas de transferência social não são periodicamente ajustados à taxa de inflação, há o sério risco de os programas perderem seriamente a sua eficiência em termos de redução da pobreza. Em Moçambique, por exemplo, o Programa de Apoio Alimentar, que foi originalmente ajustado a um terço do ordenado mínimo, perdeu o seu valor em aproximadamente 5 por cento. Sem surpresa, os beneficiários dos agregados familiares queixaram-se da insuficiência das suas transferências ou mesmo da sua insignificância (Para mais pormenores, ver Devereux, S., Marshall, J., Macaskill, J. & Pelham, L. (2005) Making Cash Count. Lessons from cash transfer schemes in east and southern Africa for supporting the most vulnerable children and households. Save the Children UK, HelpAge International and Institute of Development Studies). 120 Kannan, K. P. (2006). Employment and social security for the working poor. Two major initiatives in India. Nova Deli, National Commission for Enterprises in the Unorganized Sector, Governo da India. Um Compêndio 25 _______________________________________________________________________________ dos trabalhadores pobres que vivem nas aldeias com acesso ao programa em cerca de 50 por cento, relativamente aos trabalhadores a viver em aldeias não beneficiárias do Maharashtra Employment Guarantee Scheme.121 O programa também reduziu a má nutrição sazonal e a severidade da pobreza entre as pessoas pobres,122 embora uma grande percentagem dos agregados familiares beneficiários tenha permanecido com níveis de rendimento abaixo ou perto da linha de pobreza.123 As transferências sociais condicionadas à escolarização ou aos cuidados de saúde preventivos podem também contribuir para a redução da incidência de estratégias de curto prazo com efeitos adversos a longo prazo sobre a pobreza.124 Fortalecer as características de seguro das transferências sociais é uma área importante para novas investigações, e uma das que tem sido posta em evidência pelo impacto da crise global. Muitas transferências sociais em países como México, Brasil, Jamaica, África do Sul e Indonésia têm dado resposta às recentes crises alimentares, petrolíferas e financeiras aumentando o nível de prestações e alargando a cobertura às populações vulneráveis. Uma área chave para investigação adicional e desenvolvimento de políticas é a coordenação e integração de programas de assistência social com o seguro social, naqueles países onde este último é significativo. No Brasil, por exemplo, há a preocupação com o possível efeito de desincentivo das pensões sociais no seguro social e nas contribuições.125 As duas pensões sociais no Brasil, a Previdência Rural, disponível para os trabalhadores do sector informal, e o Benefício de Prestação Continuada, disponível para pessoas mais velhas nas zonas rurais e urbanas, asseguram transferências equivalentes ao salário mínimo, que constitui também a pensão mínima garantida nos regimes de seguro social.126 Melhorar a coordenação do seguro social e dos programas de assistência social poderá alargar a protecção do consumo disponível aos agregados familiares de baixo rendimento no emprego informal.127 4.3. Desigualdade Social Muitas vezes há a expectativa de que os programas de transferência social podem ter efeitos para além da redução da pobreza, podendo ajudar a reduzir as desigualdades sociais. Nos países 121 Bhende, M. J.; Walker, T. S.; Leiberman, S. S. & Venkatram, J. V. (1992). The EGS and the poor: Evidence from longitudinal village studies. Economic and Political Weekly, 28, A19-A28, Walker, T. S.& Ryan, J. G. (1990). Village and households economies in India's semi-arid tropics, Baltimore, Md.,USA, Johns Hopkins University Press. 122 Dev, S. M. (1995). India's (Maharashtra) Employment Guarantee Scheme: Lessons from Long Experience. In Von Braun, J. (Ed.) Employment for Poverty Reduction and Food Security. Washington,DC, International Food Policy Research Institute. 123 Shah, A. & Mehta, A. K. (2008). Experience of the Maharashtra Employment Guarantee Scheme: Are there Lessons for NREGS? CPRC-IIPA Working Paper Series. Chronic Poverty Research Centre. 124 Sadoulet, E.; Finan, F.; De Janvry, A. & Vakis, R. (2004). Can conditional transfer programs improve social risk management? Lessons for education and child labour outcomes. Washington DC, Banco Mundial. 125 Bonturi, M. (2002). The Brazilian pension system: recent reforms and challenges ahead. Paris,OECD, Clements, B. (1997). Income distribution and social expenditure in Brazil. Washington DC, FMI. 126 Schwarzer, H. & Querino, A. C. (2002). Beneficios sociales y los pobres en Brazil: Programas de pensiones no convencionales. in Bertranou, F.; Solorio, C. & Van Ginneken, W. (Eds.) Pensiones no contributivas y asistenciales. Santiago, OIT. 127 Barrientos, A. (2007b). Social assistance and integration with the labour market. IN ILO/STEP (Ed.) Social protection and inclusion: Experiences and policy issues. Genebra, OIT/STEP, Levy, S. (2008). Good intentions, bad outcomes. Social policy, informality and economic growth in Mexico, Washington DC, The Brookings Institution. 26 Um Compêndio escandinavos, as transferências sociais são muito eficazes na redução das disparidades de rendimento, embora o alcance e a escala dos programas de transferência seja de ordem de magnitude diferente daquela apresentada pelos programas de transferência nos países em desenvolvimento. Ao reduzir a pobreza, estes programas reduzirão a desigualdade entre os agregados familiares na pobreza. Nos países com grande desigualdade de rendimento, as mudanças na desigualdade de rendimento entre as pessoas pobres, provocadas pelos programas de transferências sociais, terão, na melhor das hipóteses, efeitos muito pequenos a nível geral. Para mais, o baixo nível das prestações e o orçamento geral do programa ainda reduzirão mais o impacto do programa na desigualdade de rendimento no seu conjunto. Alguns estudos referem os efeitos dos programas de transferência social sobre as desigualdades. Estudos no Brasil, México e Chile sugerem que os programas de transferência social nestes países ajudaram a reduzir a desigualdade.128 Na África do Sul, a combinação de subsídios contribuiu para uma pequena redução das desigualdades de rendimento.129 Será necessária mais investigação para identificar com maior precisão e segurança a magnitude destes efeitos, enquanto se clarifica como a concepção e implementação destes programas podem ajudar a maximizar estes efeitos.130 Em resumo, os programas de transferência social são eficazes na protecção do consumo entre os agregados familiares participantes. As transferências têm o efeito de melhorar o poder de compra, enquanto proporcionam, ao mesmo tempo, uma maior estabilidade no consumo. Poucos programas de transferência têm características explícitas de seguro, mas estas são importantes para os programas de trabalhos públicos ou de garantia de emprego. Há algumas provas de que os programas de transferência social reduzem as desigualdades no final da distribuição dos rendimentos, mas os seus orçamentos são demasiado pequenos para assegurar reduções nas desigualdades em geral. Estudos recentes levados a cabo em alguns países de rendimento intermédio, sugerem que as transferências sociais são responsáveis por reduções marginais na desigualdade dos rendimentos. Os programas de transferência social têm efeitos mais fortes na redução das desigualdades sociais, por exemplo em termos de acesso aos serviços. 128 Santiago Levy, um dos arquitectos do Progresa/Oportunidades realçou que “O Programa pode contribuir para o crescimento uma vez que fomenta gradualmente uma força de trabalho mais saudável e educada e permite aos agregados familiares pobres fazerem investimentos mais produtivos com melhores horizontes e a esperança de maiores rendimentos. Mas isso não terá efeitos de primeira ordem na taxa de crescimento do país. Isto acontece porque os dois primeiros decis da distribuição de rendimentos recebem menos que 2,5 por cento do rendimento geral no México... Se o rendimento (líquido oriundo das transferências do ProgresaOportunidades) de todos os agregados familiares pobres aumentasse em 5 por cento por ano, o rendimento global aumentaria, no máximo, um valor adicional de 0,12 por cento ao ano acima da taxa de crescimento sem o programa. Ver Levy, S. (2006) Progress against poverty. Sustaining Mexico's Progresa-Oportunidades Program, Washington DC, Brookings Institution Press, pp 19-20. 129 Woolard, I. (2003). Impact of government programmes using administrative data sets. Social Assistance Grants. Project 6.2 of the Ten Year Review Research Programme. 130 Para discutir este assunto ver Barrientos, A. (2008c). Social Transfers and Growth. Manchester, Brooks World Poverty Institute. Um Compêndio 27 _______________________________________________________________________________ 5. Facilitar a inclusão e a coesão sociais As condições da família, da comunidade e da sociedade são determinantes importantes do impacto e da eficácia das transferências sociais. As dinâmicas intra-familiares constituem um factor importante para determinar se as transferências reforçam a capacidade de acesso dos agregados familiares pobres às oportunidades económicas. Para serem eficazes, as transferências focalizadas nas crianças requerem a participação activa e o apoio dos pais e prestadores de cuidados. O programa Challenging the Frontiers of Poverty Reduction/Targeting the Ultra Poor da organização BRAC, normalmente inicia a sua implementação numa zona estabelecendo um Comité contra a Pobreza, que envolve as elites locais no programa. O programa Bolsa Família no Brasil é implementado por municípios com capacidade para adaptar e complementar o programa com outras intervenções. Os programas de transferência no Brasil e na África do Sul foram significativamente influenciados pelos “contratos sociais”;131 ao passo que a implementação de programas de transferência social em países de baixo rendimento em África é dificultada devido à falta de apoio político. Ao mesmo tempo, os programas de transferência social têm efeitos sobre a inclusão social e a coesão social, e podem ajudar a incorporar e reforçar os contratos sociais. A extensão dos programas de transferência social na África do Sul incorpora compromissos sociais e políticos para uma maior equidade e inclusão social, e contribui para uma maior coesão social. Existe uma literatura emergente que analisa o impacto das transferências na alocação dos recursos e na dinâmica intrafamiliar, com implicações no empoderamento das mulheres. É comum que as transferências sejam pagas à mãe, na expectativa de que as crianças irão beneficiar directamente.132 Uma questão interessante é saber se essa modalidade de pagamento da transferência tem qualquer efeito sobre a alocação de recursos intra-familiar.133 No México, por exemplo, estudos sobre o impacto do programa Progresa nos padrões de consumo observaram uma mudança no consumo de bens e serviços relacionados com as crianças, dado que as mães são as destinatárias directas. 134 5.1. Empoderamento e género Os estudos antropológicos do programa Challenging the Frontiers of Poverty Reduction/Targeting the Ultra Poor no Bangladesh concluíram que o programa representa um afastamento do velho estilo de apadrinhamento na sociedade da aldeia. O estudo revelou, por exemplo, que as mulheres ultra-pobres, que anteriormente não tinham chance de aceder aos recursos do governo local (agasalhos em climas frios, assistência) estão mais bem posicionadas para assegurarem tais direitos garantidos por lei. E isso também tem contribuído para as mudanças qualitativas na vida dos ultrapobres. Impactos positivos incluem a sua inclusão na vida social da comunidade da sua aldeia. Alguns beneficiários do programa relataram terem sido convidados para festas e casamentos de onde anteriormente tinham sido excluídos: "agora eles convidam-nos para comer".135 O programa também ganhou um grau de legitimidade local e de propriedade. As entrevistas e debates com 131 Barrientos, A. (2008a). Cash Transfers for Older People Reduce Poverty and Inequality. In Bebbington, A. J.; Dani, A.; De Haan, A. & Walton, M. (Eds.) Institutional Pathways to Equity. Addressing Inequality Traps. Washington DC, Banco Mundial. 132 Haddad, L., Hoddinott, J. & Alderman, H. (Eds.) (1997). Intrahousehold resource allocation in developing countries, Londres, John Hopkins University Press. 133 Molyneux, M. (2006). Mothers at the Service of the New Poverty Agenda: Progresa/Oportunidades ,Mexico's Conditional Transfer Programme. Social Policy and Administration, 40, 425-449. 134 Rubalcava, L.; Teruel, G. & Thomas, D. (2002). Welfare Design, Women's Empowerment and Income Pooling. CIDE. 135 28 Hossain, N. (2005). Elite Perceptions of Poverty in Bangladesh, Dhaka, University Press. Um Compêndio membros da aldeia revelaram algum orgulho nas conquistas dos ultra-pobres. Os grupos de elite passaram a apoiar as mulheres mais pobres, cujas condições e perspectivas de vida significavam que antes eram habitualmente excluídas e consideradas como estando “fora do alcance da ajuda”.136 No Chile, um estudo revelou que os agregados familiares beneficiários do programa Chile Solidario estavam mais conscientes dos serviços sociais existentes na comunidade. Este resultado é importante, dado que a inclusão social é um dos principais objectivos do programa. Também foram referidos agregados familiares em zonas urbanas que pediram, de forma pro-activa, a ajuda de instituições locais, reflectindo uma crescente consciencialização dos seus direitos como membros da sociedade.137 No México, evidências anedóticas sugerem que as mulheres sentem, como um resultado das transferências, que a sua auto-estima e segurança financeira estão reforçadas. A auto-confiança, consciência e controlo sobre os recursos do agregado familiar também foram melhorados, com consequências importantes para o empoderamento das mulheres.138 Outros estudos referem que as mulheres adquiriram um maior estatuto nas suas comunidades, com os comerciantes, por exemplo, que passam a tratá-las com mais respeito uma vez que se tornaram dignas de crédito.139 Evidências anedóticas são apoiadas pela análise econométrica. Um estudo do programa Progresa refere uma probabilidade decrescente de os maridos serem os únicos decisores, de cinco em cada oito resultados do processo de tomada de decisão, especialmente nas que afectam as crianças. Neste sentido, ao conceder as transferências às mulheres o Progresa parece influenciar a negociação intrafamiliar a favor das mulheres, o que por sua vez traz benefícios para as crianças.140 Resultados similares são referidos relativamente ao Brasil. Aqui o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, agora integrado no Bolsa Familia, melhorou o sentido de independência e responsabilidade das mães relativamente aos filhos e à família, uma vez que são as destinatárias directas da transferência.141 Os estudos sobre programas de trabalhos públicos também registaram melhorias em termos de empoderamento como resultado da participação no programa. Na Índia, por exemplo, considerou-se que o programa Maharashtra Rural Employment Guarantee Scheme terá alterado as relações de clientelismo e exploração em algumas comunidades, à medida que os trabalhadores sem terra ficaram habilitados a negociar melhores salários.142 As mulheres parecem também ter beneficiado com o programa, pois o seu poder económico permitiu-lhes elevar o seu estatuto social e a confiança no seio das suas famílias e comunidades.143 No entanto, as falhas na prestação institucional de 136 Ibid. 137 Galasso, E. (2006). "With their effort and one opportunity" Alleviating extreme poverty in Chile.Washington DC, Development Research Group, Banco Mundial. 138 Escobar Latapí, A. & González De La Rocha, M. (2009). Evaluacion Cualitativa del Programa Oportunidades. Etapa urbana 2003. CIESAS - Occidente. 139 Molyneux, M. (2007). Change and Continuity in Social Protection in Latin America: Mothers at the Service of the State? Programme on Gender and Development. Genebra, United Nations Research Institute for Social Development (UNRISD). 140 Skoufias, E. (2005). Progresa and its Impacts on the Welfare of Rural Households in Mexico. Research Report. Washington, International Food Policy Research Institute. 141 Banco Mundial. (2001). Brazil: Eradicating Child Labor in Brazil. Washington, DC, Human Development Department, Brazil Country Management Unit, Latin America and Caribbean Regional Office. 142 Para discussão, ver DFID (2005). Social transfers and chronic poverty: emerging evidence and the challenge ahead. Londres, DFID. 143 Dev, S. M. (1995). India's (Maharashtra) Employment Guarantee Scheme: Lessons from Long Experience. In Von Braun, J. (Ed.) Employment for Poverty Reduction and Food Security. Washington, DC, International Food Policy Research Institute. Um Compêndio 29 _______________________________________________________________________________ cuidados às crianças significaram um atraso na participação feminina.144 Outros estudos também encontraram efeitos positivos dos trabalhos públicos no empoderamento. Na Etiópia, por exemplo, a evidências narrativas mostraram que as mulheres que participaram no programa Urban Food for Work viram aumentada a sua confiança nas suas próprias capacidades.145 As pensões sociais, além de melhorarem a segurança de rendimento, têm contribuído para elevar o estatuto social dos mais idosos. No Lesoto, por exemplo, tudo indica que as pensões de velhice têm permitido aos mais idosos melhorar a sua auto-suficiência financeira e, portanto, o seu estatuto dentro do agregado familiar: "Antes éramos tratados como se estivéssemos mortos. Agora as pessoas respeitam-me".146 O facto de as pessoas idosas contribuírem com um rendimento para as suas famílias, particularmente em tempos de necessidade, reforça sua posição como membros de grande valor na sociedade. Na Namíbia, o rendimento dos pensionistas representa, muitas vezes, o único rendimento seguro para toda a família, e como resultado, os pensionistas são mantidos no interior das famílias e são bem tratados.147 As pensões de velhice podem desempenhar um papel importante no restabelecimento da dignidade das pessoas idosas e conferir-lhes reconhecimento, em contextos onde, de outra forma, seriam vistos como encargos económicos. Ao mesmo tempo, podem também exercer pressão moral sobre as pessoas idosas, que agora são obrigadas a sustentar as suas famílias. 5.2. Coesão Social Na medida em que os programas de transferência social são apoiados, e têm incorporados os valores comuns de solidariedade, podem contribuir para uma maior coesão social.148 As transferências sociais podem fortalecer as redes sociais e as organizações da comunidade, ambos pré-requisitos para o funcionamento eficaz da sociedade.149 Através dos Comités Gram Shahayak, formados com os membros das elites locais, o programa do Bangladesh Challenging the Frontiers of Poverty Reduction/Targeting the Ultra Poor é referido como tendo contribuído para a construção da coesão social ao nível da aldeia. Em alguns casos, esse processo significou um alargamento das redes sociais, e melhorias no âmbito da inclusão social de pessoas pobres na vida social da aldeia. Estudos observaram uma redução no risco dos activos detidos pelos beneficiários do programa serem danificados ou roubados; e quando os activos foram ameaçados, é referido que os membros da comissão geriram de forma eficaz os conflitos através das práticas e instituições disponíveis para a resolução de conflitos.150 Na Colômbia, um estudo sobre o programa Familias en Acción apontou melhorias nos níveis de confiança social e altruísmo colectivo em bairros de beneficiários, comparativamente a bairros de controlo.151 Na África do Sul, estudos sobre o programa Zibambele no KwaZulu Natal referem a 144 Ver Samson, M.; Van Niekerk, I. & Macquene, K. (2006). Designing and Implementing Social Transfer Programmes. Cidade do Cabo, EPRI. 145 Garrett, J. L. (2001). Lessons from the Urban Food-for-Work Program: CARE Ethiopia. Notes and Observations. Washington, DC, IFPRI. 146 Save the Children, Hai & Ids (2005). Making cash Count. Lessons from cash transfer schemes in east and South Africa for supporting the most vulnerable children and households. 147 Schleberger, E. (2002). Namibia's Universal Pension Scheme: Trends and Challenges. Genebra, OIT. 148 Gough, I. & Olofsson, G. (Eds.) (1999). Capitalism and Social Cohesion: Essays on Exclusion and Integration, London, Palgrave Macmillan. 149 Lockwood, D. (1999). Civic integration and social cohesion. IN GOUGH, I. & OLOFSSON, G.(Eds.) Capitalism and Social Cohesion: Essays on Exclusion and Integration. London, Palgrave Macmillan. 150 Hossain, N. (2005). Elite Perceptions of Poverty in Bangladesh, Dhaka, The University Press. 151 Attanasio, O.; Pellerano, L. & Reyes, S. P. (2009). Building Trust? Conditional Cash Transfer Programmes and Social Capital. Fiscal Studies, 30, 139-177. 30 Um Compêndio criação de capital social associada ao programa, em que os colegas de trabalho ofereceram ajuda mútua em tempos de necessidade e estabeleceram associações informais de poupança.152 Na Namíbia e na África do Sul, é referido que as pensões sociais inibiram as migrações campo-cidade e restringiram os níveis e as taxas de urbanização, permitindo às comunidades rurais gerir as alterações económicas.153 Estudos sobre o programa Progresa no México mostram que as relações sociais entre mulheres beneficiárias podem, potencialmente, criar novas formas de capital social. Por exemplo, há relatos de mulheres a organizarem-se colectivamente contra a violência e os abusos, assim como há indícios de comportamentos violentos contra as mulheres devido ao controlo da transferência social. 154 Resumindo, há evidências a partir de uma série de programas e contextos de que as transferências sociais podem contribuir para melhorar a dinâmica intra-familiar, reforçar os laços sociais e de inclusão, e para uma maior coesão social. A evidência não é sistemática. Existe informação anedótica e foram muitas vezes expressas preocupações relacionadas com o facto de, em comunidades com disparidades limitadas, as transferências sociais – que atingem algumas mas nem todas as pessoas pobres – devem esforçar-se por fornecer justificativas claras e transparentes para a selecção dos beneficiários, a fim de evitar ressentimentos e conflitos. Em países de baixo rendimento na África subsaariana, onde a incidência da pobreza é elevada e as diferenças entre as pessoas pobres são pequenas, são muitas vezes expressas preocupações sobre os efeitos potencialmente negativos de uma focalização restrita. A percepção pública dos programas, e transparência na selecção dos beneficiários, torna-se importante. É urgentemente necessário desenvolver outras investigações sobre o significado empírico destas preocupações. 152 Mccord, A. (2004). Policy Expectations and Programme Reality: The Poverty Reduction and Labour Market Impact of Two Public Works Programmes in South Africa. ESAU Working Paper 8. Londres, Overseas Development Institute. 153 Barrientos, A.; Lloyd-Sherlock, P.; Ferreira, M.; Gorman, M.; Legido-Quigley, H.; Miller, V.;Saboia, J. & Werneck Vianna, M. L. T. (2003). Non-contributory pensions and poverty prevention. A comparative study of Brazil and South Africa. Manchester, IDPM and HelpAge International. 154 Molyneux, M. (2007). Change and Continuity in Social Protection in Latin America: Mothers at the Service of the State? Programme on Gender and Development. Genebra, United Nations Research Institute for Social Development (UNRISD). E Adato, M.; De La Briere, B.; Mindek, D. & Quisumbing, A. (2000). The Impact of Progresa on Women's Status and Intrahousehold Relations.Washington, DC, International Food Policy Research Institute, Food Consumption and Nutrition Division. Um Compêndio 31 _______________________________________________________________________________ 6. Conclusões O aparecimento rápido de programas de transferência social de grande escala nos países em desenvolvimento levanta questões importantes sobre o seu papel e eficácia como elemento essencial das estratégias de redução da pobreza e de desenvolvimento. Estes programas apresentam uma diversidade considerável em termos de objectivos, concepção e institucionalização, e têm o potencial de contribuírem significativamente para a redução da pobreza global. Salvo raras excepções, a extensão dos programas de transferência social têm ocorrido na última década. Nesta fase, é essencial existir um compêndio com o conhecimento sobre os resultados destes programas, a fim de avaliar o seu papel futuro e melhorar a sua eficácia. Este compêndio oferece uma ampla análise do conhecimento actual sobre os efeitos das transferências sociais na melhoria do desenvolvimento humano, no apoio à utilização plena da capacidade produtiva, no aumento e protecção do consumo e na facilitação da inclusão e coesão sociais. A Secção 2 está focalizada no desenvolvimento humano. Foi analisada uma vasta gama de resultados em vários programas e países, confirmando que os programas de transferência social são instrumentos eficazes na melhoraria do estado nutricional, da saúde e da educação escolar nos agregados familiares pobres e os mais pobres. Estes resultados aplicam-se particularmente a programas de transferência social centrados em intervenções de desenvolvimento humano, tais como Oportunidades e Bolsa Família, mas estendem-se também às transferências puras de rendimento, como o Child Support Grant da África do Sul. Estes resultados aplicam-se, com alguma variação expectável, tanto aos programas em países de rendimento baixo como os de rendimento intermédio. São particularmente de salientar as melhorias verificadas na altura em relação à idade entre as crianças que beneficiam do programa Oportunidades, pois fornecem informações dos efeitos a longo prazo de uma nutrição melhorada, e sugerem melhorias cumulativas na capacidade produtiva futura. Muitas das transferências sociais estão implicitamente centradas no trabalho infantil, através de um enfoque directo na frequência escolar. O trabalho infantil está geralmente associado ao abandono precoce da escola e, por essa razão, a consequências a longo prazo em termos de produtividade e rendimentos ao longo da vida. No entanto, a evidência do impacto das transferências sociais sobre o trabalho infantil é mista, pois o aumento observado na frequência escolar parece afastar apenas parcialmente o trabalho infantil. Há poucas evidências que sustentem a ideia de que as transferências sociais em países em desenvolvimento criam desincentivos ao trabalho e às poupanças. Pelo contrário, o peso dos resultados provenientes de estudos desenvolvidos no Brasil, México e na África do Sul analisados na Secção 3, sugerem que transferências regulares, fiáveis e adequadas facilitam a melhoria na alocação de recursos nos agregados familiares. Estes reflectem uma redução na oferta de trabalho das crianças e dos membros idosos do agregado familiar, e um aumento compensador da parte dos membros adultos. Na África do Sul, estudos detalhados sobre o impacto da pensão social na oferta de trabalho sugerem que as transferências regulares aumentam os rendimentos e as restrições aos cuidados das crianças, possibilitando a migração laboral. Quanto à poupança e às restrições ao crédito, os efeitos são susceptíveis de variar de acordo com a concepção do programa. Estes efeitos são mais expressivos entre os agregados familiares rurais com défices de activos "produtivos" complementares, como é o caso do programa do Bangladesh Challenging the Frontiers of Poverty Reduction/Targeting the Ultra Poor ou da pensão social da Bolívia. Espera-se que a pesquisa actual sobre as abordagens integradas para o alívio da pobreza identifique estratégias para incorporar a acumulação de activos e as intervenções de emprego nos programas existentes. As transferências sociais visam aumentar e proteger directamente o consumo dos agregados familiares, através de transferências de rendimento regulares e previsíveis. Na Secção 4, uma análise do conhecimento sobre os resultados de programas existentes conclui que as transferências dão uma contribuição significativa para a redução da pobreza. Os efeitos aplicam-se na maioria dos programas e situações. Os efeitos das transferências sobre a profundidade da pobreza dos agregados familiares em situação de pobreza extrema são mais fortes. As transferências regulares e adequadas 32 Um Compêndio também ajudam a proteger o consumo dos agregados familiares contra choques. Entre os programas em curso, no entanto, esses efeitos estão limitados pelos níveis fixos das transferências. Muitos programas têm respondido às crises alimentares, petrolíferas e financeiras, aumentando o seu nível de transferências. A dinâmica intra-familiar constitui um factor importante na determinação da capacidade dos agregados familiares pobres em aceder às oportunidades económicas. Os dados analisados na Secção 5 sugerem que as transferências sociais estão a contribuir para aumentar o poder de negociação das mulheres dentro do agregado familiar, bem como para reforçar as instituições comunitárias e sociais. Os resultados não são sistemáticos entre os programas e as regiões, e decorrem principalmente de estudos qualitativos e localizados. As transferências sociais também estão relacionadas com a redução das desigualdades em países como o Brasil, México e Chile. Estes efeitos agregados estão, no entanto, dependentes do contexto macroeconómico e político. As decisões sobre a concepção do programa, incluindo a execução e os sistemas de monitorização, também desempenham um papel importante para assegurar a eficácia das transferências sociais. Em conclusão, este compêndio sobre os efeitos das transferências sociais em países em desenvolvimento, fornece uma série de evidências sobre o importante papel dos programas de transferência para a redução da pobreza e para facilitar o crescimento e o desenvolvimento entre os agregados familiares pobres e os mais pobres. Há uma crescente base de conhecimento em torno dos efeitos directos e indirectos dos programas de transferência social, que deve orientar os decisores políticos no fortalecimento dos programas existentes e na criação de novos. As condições nos países de baixo rendimento proporcionam um grande desafio para a extensão da protecção social. O desenvolvimento e a adaptação de conhecimentos e práticas dos países de rendimento intermédio, em combinação com a aprendizagem proveniente das experiências piloto existentes, podem proporcionar um caminho eficaz para o futuro. Um Compêndio 33 34 Anexo Resumo da informação sobre programas seleccionados de transferência social nos países em desenvolvimento Um Compêndio Um Compêndio 35 Glossário Protecção social e segurança social Os termos "protecção social" e "segurança social" são usados de formas divergentes, e nem sempre coerentes, diferindo bastante entre os países, organizações internacionais, e também ao longo do tempo. O objectivo deste anexo não é afirmar qualquer definição universal, mas apenas esclarecer os termos e conceitos conforme são utilizados neste compêndio e noutros documentos da OIT. Segurança social A noção de segurança social adoptada aqui abrange todas as medidas que concedem prestações, em dinheiro ou em género, para garantir a protecção, designadamente, em casos de (a) falta de rendimento proveniente do trabalho (ou de rendimento insuficiente) causada por doença, invalidez, maternidade, acidente de trabalho, desemprego, velhice ou morte de um membro da família, (b) falta de acesso ou o acesso com custos incomportáveis aos cuidados de saúde, (c) apoio familiar insuficiente, especialmente para crianças e adultos dependentes, (d) exclusão social e pobreza em geral. A Segurança Social tem, assim, duas dimensões principais (funcionais), nomeadamente a "segurança de rendimento" e "acesso aos cuidados de saúde", que são identificadas especificamente nas Recomendações Nº 67 e 69 da OIT, respectivamente, como "elementos essenciais da segurança social". Estas recomendações prevêem que, em primeiro lugar, "regimes de segurança de rendimentos devem aliviar e evitar a miséria, restabelecendo, até um nível razoável, o rendimento que é perdido por motivo de incapacidade para o trabalho (incluindo velhice) ou para obter trabalho remunerado ou por motivo de morte do responsável pelo sustento da família". Em segundo lugar, "um serviço de cuidados de saúde deve atender à necessidade do indivíduo através da assistência que podem prestar os membros das profissões médicas e relacionadas" e os "serviços de assistência médica devem abranger todos os membros da comunidade". Essa dualidade reflectese também na formulação da Declaração de Filadélfia, que refere "medidas de segurança social com vista a assegurar um rendimento de base para todos os que precisem de tal protecção, assim como uma assistência médica completa". O acesso à segurança social é, na sua natureza essencial, uma responsabilidade pública, e geralmente é fornecida através de instituições públicas, financiadas com recursos provenientes das contribuições ou dos impostos. No entanto, a provisão da segurança social pode estar, e muitas vezes está, a cargo de entidades privadas. Além disso, existem muitas instituições de gestão privada (de seguro, de auto-ajuda, de base comunitária ou de carácter mutualista) que podem assumir vários papéis na segurança social, e modalidades importantes de segurança de rendimentos, incluindo, em particular, regimes de pensões profissionais, que se complementam, e podem substituir consideravelmente elementos dos sistemas públicos de segurança social. Os direitos à segurança social estão condicionados, quer ao pagamento das contribuições para a segurança social nos prazos fixados (por exemplo, regimes contributivos, na maioria das vezes estruturados como seguro social) quer a uma exigência, por vezes descrita como "residência", em que as prestações são concedidas a todos os residentes do país, que satisfaçam outros determinados critérios (isto é, regimes não contributivos). Esses outros critérios podem condicionar o direito às prestações a factores como idade, saúde, mercado de trabalho, rendimento, ou outros factores determinantes do estatuto social ou económico e/ou mesmo à conformidade com certas formas de comportamento. A assistência social submetida à verificação das condições de recursos é um caso especial, previsto nos termos das disposições da Recomendação N º 67 sobre a segurança de rendimento. O que distingue a segurança social de outras modalidades sociais é o facto de: (1) as prestações serem concedidas aos beneficiários sem qualquer obrigação recíproca simultânea (não faz, por exemplo, representar uma remuneração por trabalho ou outros serviços prestados) e (2) não se basearem num acordo individual entre a pessoa protegida e o provedor (como, por exemplo, num 36 Um Compêndio contrato de seguro de vida), mas sim num acordo que se aplica a um grupo maior de pessoas, tendo por isso um carácter colectivo. Dependendo da categoria das condições aplicáveis, a distinção também é feita entre os regimes que não estão sujeitos a verificação das condições de recursos (nos quais as condições de direito à prestação não estão relacionadas com o nível total de rendimento ou de riqueza do beneficiário e sua família) e os regimes sujeitos à verificação das condições de recursos (nos quais o direito às prestações é concedido apenas para aqueles com rendimento ou riqueza abaixo de um limiar determinado). Uma categoria especial de regimes "condicionados" inclui regimes que, para além de outras condições, exigem que os beneficiários (e/ou seus parentes ou famílias) participem em determinados programas públicos (por exemplo, programas específicos de saúde ou de ensino). Nos últimos anos, os regimes deste tipo tornaram-se conhecidos como Programas de Transferências Monetárias Condicionadas (CCT). Os “ramos” (ou funções) da segurança social, conforme definido na Convenção Nº102 incluem a protecção em caso de doença (cuidados médicos e apoio ao rendimento), deficiência (assistência médica, reabilitação, apoio ao rendimento, cuidados de longa duração), maternidade (cuidados médicos e apoio ao rendimento), acidente de trabalho (assistência médica, reabilitação, apoio ao rendimento), desemprego (apoio ao rendimento, políticas activas do mercado de trabalho), idade (apoio ao rendimento, cuidados de longa duração), ou morte de um membro da família (apoio ao rendimento). Os países que pretendem, no entanto, prestar um apoio mais amplo aos cidadãos normalmente adicionam ao seu portfólio de prestações sociais, funções que incluem o apoio ao rendimento para assegurar a habitação e apoio ao rendimento em caso de pobreza e de exclusão social. Protecção social A expressão "protecção social" é utilizada em todo o mundo e em instituições com uma variedade de significados ainda maior do que "segurança social". Muitas vezes, é interpretada como tendo um carácter mais amplo do que a segurança social (incluindo, em particular, a protecção prevista entre os membros da família ou de membros de uma comunidade local), mas também é utilizada em alguns contextos com um sentido mais restrito do que a segurança social (entendida como abrangendo apenas as medidas dirigidas aos mais pobres, aos membros mais vulneráveis ou excluídos da sociedade). Assim, em muitos contextos a terminologia de "segurança social" e "protecção social" pode ser amplamente intermutável e a OIT (seguindo a tradição europeia) certamente usa ambas no discurso com os seus constituintes e na prestação de aconselhamento relevante aos mesmos. Neste relatório, portanto, é feita referência à "protecção social" como incluindo os seguintes aspectos: (1) como "protecção", prevista pela segurança social em caso de riscos e necessidades sociais; (2) em relação a um "Piso de Protecção Social" tal como previsto pela família das agências das Nações Unidas para incluir não apenas transferências sociais (da segurança social), mas também o acesso a uma série de serviços sociais básicos. Transferências sociais Todas as prestações de segurança social incluem transferências, em dinheiro ou em género, ou seja, representam uma transferência de rendimento ou de serviços (mais frequentemente de cuidados de saúde). Essa transferência pode ser, entre outras, das pessoas activas para as pessoas idosas, dos saudáveis para os doentes, dos ricos para os pobres. Os beneficiários de tais transferências podem estar em condições de recebê-las de um regime específico de segurança social, porque contribuíram para esse regime (regime contributivo), ou porque são residentes (sistema universal para todos os residentes), ou cumprem determinados critérios de idade (regimes por categorias específicas), ou vivenciam condições de recursos específicas (programas de assistência social) ou Um Compêndio 37 porque cumprem simultaneamente várias destas condições. Além disso, é uma exigência em alguns regimes que os beneficiários realizem tarefas específicas (programas de garantia de emprego, trabalhos públicos) ou que adoptem comportamentos específicos (CCTs). Em muitos países, vários tipos de regimes diferentes geralmente co-existem e podem conceder prestações a diferentes grupos da população para contingências semelhantes. As características mais específicas dos diferentes regimes são descritas de seguida. Nos regimes contributivos as contribuições feitas directamente pelos beneficiários determinam o direito às prestações (direitos adquiridos). A forma mais comum de regime contributivo é de um regime de seguro social obrigatório para um emprego formal assalariado e, em alguns países, para os trabalhadores independentes. Outros regimes contributivos comuns incluem fundos de previdência nacional, que geralmente pagam uma quantia fixa aos beneficiários quando ocorrem contingências particulares (normalmente velhice, invalidez ou morte). No caso do emprego assalariado, as contribuições são normalmente pagas pelos empregados e empregadores (em geral, os regimes de acidentes do trabalho são inteiramente financiados pelos empregadores). Os regimes contributivos podem ser totalmente financiados através de contribuições, mas muitas vezes são parcialmente financiados através de impostos ou outras fontes (quer sob a forma de um subsídio para cobrir o défice, ou sob a forma de uma subvenção geral suplantando as contribuições de todos os contribuintes, ou subsidiando apenas grupos específicos de contribuintes), ou beneficiários (os que não contribuem, porque estão a cuidar dos filhos, a estudar, a prestar serviço militar, estão desempregados ou aqueles com um nível demasiado baixo de rendimentos para contribuir plenamente ou com prestações sub-mínimas devido a contribuições baixas no passado). Os regimes de seguros, no âmbito da segurança social, referem-se a regimes que garantem a protecção através de um mecanismo de seguro. O seguro baseia-se: (1) no pagamento prévio dos prémios ou contribuições, ou seja, antes da ocorrência da contingência segurada; (2) na partilha do risco ou pooling, e (3) na noção de uma garantia. Os prémios pagos por (ou para) os segurados são agrupados e o fundo resultante é utilizado para cobrir as despesas incorridas exclusivamente pelas pessoas afectadas pela ocorrência da contingência ou contingências (claramente definidas). É comum os regimes contributivos fazerem uso de um instrumento de seguro (geralmente o seguro social), mas o inverso não é necessariamente verdadeiro (os fundos nacionais de previdência, por exemplo, geralmente não apresentam partilha de riscos). Note-se que o seguro social diferencia-se em termos estritamente técnicos na medida em que a partilha de riscos é baseada no princípio da solidariedade, ao contrário dos regimes de seguros de cariz mais familiar, tipo comercial, com base nos prémios de risco calculados individualmente. Muitos regimes de segurança social de tipo contributivo são apresentados e descritos como regimes de “seguro” (geralmente “os regimes de seguro social”), apesar de serem, na realidade, de carácter misto, com alguns elementos não-contributivos na atribuição do direito às prestações, o que permite uma distribuição mais equitativa das prestações, especialmente para aqueles com baixos rendimentos, com carreiras de trabalho curtas ou interrompidas, entre outros. Estes elementos nãocontributivos assumem várias formas, sendo financiados tanto por outros contribuintes (a redistribuição no âmbito do regime) como pelo Estado. Por outro lado, os regimes não contributivos e os regimes de assistência social (normalmente) não exigem contribuição directa dos beneficiários ou dos seus empregadores, como condição para o direito a receberem as prestações relevantes. Os regimes não contributivos incluem uma ampla gama de regimes, incluindo os regimes universais para todos os residentes, alguns regimes por categorias específicas ou regimes sujeitos à verificação da condição de recursos. Os regimes não contributivos são geralmente financiados através das receitas fiscais ou outras do Estado. Os regimes universais para todos os residentes fornecem prestações sob a única condição de residência. Esses sistemas são geralmente postos em prática para garantir o acesso aos cuidados de saúde. São geralmente financiados pelos impostos, mas podem exigir um co-pagamento por parte dos utilizadores dos serviços de saúde, por vezes com isenção para os mais pobres (geralmente estes últimos recebem vouchers). 38 Um Compêndio Os regimes por categorias específicas têm grupos-alvo específicos (categorias) da população. As formas mais frequentes de regimes por categorias específicas são os de transferência de rendimento para as pessoas idosas acima de uma certa idade ou crianças abaixo de uma certa idade. Alguns regimes por categorias específicas também têm como alvo famílias com estruturas específicas (famílias monoparentais, por exemplo) ou grupos profissionais (como os trabalhadores rurais). Os regimes por categorias específicas podem também ser classificados como universal, se cobrirem todos os residentes pertencentes a uma determinada categoria, ou incluir condições de recursos (regimes de assistência social). Podem incluir outros tipos de condições, tais como executar ou realizar determinadas tarefas. A maioria dos regimes por categorias específicas é financiada através dos impostos. Os regimes que implicam verificação da condição de recursos destinam-se a pessoas cujos recursos (normalmente os seus bens e rendimentos) estão abaixo de um limiar. Tais regimes focalizados são muito diversificados em termos de concepção e nas características que possuem. Essa diversidade pode manifestar-se através dos métodos de focalização utilizados, das condições complementares necessárias para que os beneficiários tenham acesso às prestações e da inclusão de outras intervenções que são prestadas antes da transferência de rendimento propriamente dita. As transferências monetárias condicionadas constituem regimes de assistência social que concedem prestações em dinheiro às famílias na condição de que cumpram requisitos “comportamentais” específicos. Isto pode significar que têm de garantir que os seus filhos frequentem a escola regularmente (normalmente 85-90 por cento de frequência) ou que adoptem uma nutrição preventiva e usem os serviços básicos de saúde; as CCTs são geralmente sujeitas à verificação da condição de recursos. Os sistemas de garantia de emprego asseguram o acesso a um determinado número de dias de trabalho por ano para agregados familiares pobres, oferecendo geralmente salários a um nível relativamente baixo (ao nível do salário mínimo, se este estiver adequadamente definido). Esses programas geralmente tomam a forma de actividades de “trabalhos públicos”. Os regimes de segurança social (programas, medidas) devem ser vistos como um conjunto de regras distinto e, por essa razão, caracterizados por pelo menos um certo grau de "formalidade", apoiados por uma ou mais instituições de segurança social que administram a atribuição de prestações da segurança social e o seu financiamento. Deve, em geral, ser possível elaborar uma contabilidade separada de receitas e despesas para cada regime de segurança social. É frequente um regime de segurança social prover protecção contra um único risco ou necessidade, e cobrir um único grupo específico de beneficiários. No entanto, é habitual uma instituição administrar mais de um regime de prestações. Todos os regimes e instituições de segurança social de um país estão inevitavelmente interligados e são complementares nos seus objectivos, funções e financiamento e, assim, formam um sistema nacional de segurança social. Por razões de eficácia e de eficiência (e a OIT recomendará sempre isso aos seus constituintes), é essencial que haja uma estreita coordenação dentro do sistema, e que – não só para fins de coordenação e de planeamento - as receitas e as despesas de todas as contas dos regimes sejam agregadas num orçamento da segurança social do país, para que as despesas futuras e o financiamento dos programas, incluindo o sistema de segurança social, sejam planeados de forma integrada. Um Compêndio 39 Riscos, contingências, insegurança e gestão do risco As contingências são eventos que podem ou não ocorrer (ter um acidente ou ganhar na lotaria, por exemplo). Os riscos são contingências que são entendidos como tendo um efeito negativo ou prejudicial sobre os indivíduos, grupos ou sociedades - ou mesmo entidades mais complexas, como o ambiente. Os riscos, neste sentido, incluem uma ampla gama e variedade de contingências, tais como inundações, terramotos, conflitos, perda de emprego, a morte de um membro que assegura o sustento da família ou doença crónica. Um indivíduo (ou grupo) está exposto a um risco no caso de um determinado evento poder ocorrer e afectar o indivíduo. Um exemplo pode ser viver num ambiente onde pode ser contraída uma determinada doença. Um indivíduo que se desloque para um país onde essa doença particular não existe, já não está exposto. O indivíduo (ou grupo) é vulnerável a um certo risco se não tiver meios para lidar com as consequências desse risco, uma vez ocorrido: por exemplo, não poder pagar os cuidados médicos que poderiam ajudar a recuperar a saúde. As pessoas vulneráveis a um certo risco necessitam de um mecanismo de protecção que reduza essa vulnerabilidade. A segurança social reduz a vulnerabilidade às consequências financeiras de determinados riscos, se e quando se materializam, ou seja, proporciona a segurança ou reduz a insegurança. Embora se possam tomar medidas sempre que possível para evitar acidentes ou a doença, a contribuição directa da segurança social para reduzir a exposição a riscos é necessariamente limitada. Nem todos os riscos são imprevisíveis e incontroláveis. Por exemplo, a probabilidade de contrair uma determinada doença pode ser reduzida por comportamentos conscientes pró-saúde, o risco de desemprego, pela mudança para uma região onde as competências do indivíduo têm maior procura, e a exposição da sua família, enviando-os para fora de um país que está ameaçado por instabilidade política ou más condições de saúde. Tal constitui a redução, anulação ou prevenção de riscos. O pagamento das contribuições de seguro que garantem o direito a uma prestação pecuniária, caso ocorra uma determinada contingência, ajuda a reduzir o risco em causa. As prestações de assistência social atribuídas em caso de pobreza são consideradas como um meio de enfrentar o risco (embora o grau com que o faz esteja claramente reflectido na adequação ou não das prestações). A carteira global de estratégias e dispositivos que vão desde a redução, anulação ou prevenção do risco, à atenuação do risco e à capacidade de enfrentar o risco, é denominada gestão do risco. 40 Um Compêndio