ID: 55523047
02-09-2014
Tiragem: 35060
Pág: 8
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 16,09 x 30,68 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
Especialistas criticam barreiras
no acesso a cuidados de saúde
nos países da União Europeia
PAULO PIMENTA
Saúde
Catarina Gomes
A partir de ontem, os
portugueses passaram
a ter acesso a cuidados
de saúde em qualquer
país da União Europeia
Em teoria os doentes do Serviço
Nacional de Saúde português (SNS)
têm desde ontem garantido o direito
a cuidados de saúde prestados em
qualquer país da União Europeia,
nomeadamente em casos em que o
Estado português não os providencie “num prazo útil”. Mas na opinião
de especialistas a obrigatoriedade
de ser o doente a pagar os tratamentos à cabeça e a arcar com viagens e
alojamento significa que só os mais
favorecidos beneficiarão.
A directiva europeia, que é de
2011 mas foi agora transposta para
a legislação portuguesa, pretende
acabar com barreiras à circulação
no espaço europeu também em matéria de saúde. Mas uma coisa são
as leis, outra a sua aplicação, refere
a ex-ministra da Saúde, Ana Jorge,
que não conhece a versão final do
diploma, mas que sempre levantou
dúvidas quanto à sua aplicação em
Portugal.
Ana Jorge nota que “quem tem
mais informação e conhecimento
tem mais poder de decisão e de poder investir financeiramente, contrariamente a quem tem menos recursos”. A médica teme que a sua
aplicação possa “aumentar a desigualdade no acesso a cuidados de
saúde”. O que pode estar em causa,
na sua opinião, é “o Estado poder
financiar do dinheiro de todos para
dar a alguns”. O ex-presidente da
Entidade Reguladora da Saúde, Álvaro Almeida, nota que em países
do centro da Europa, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, em que as distâncias são pequenas e as deslocações
pouco onerosas, pode haver maior
uso deste recurso por parte dos cidadãos, mas em Portugal, devido à
distância geográfica, não lhe parece
que haja grandes possibilidades de
ir a outros países, excepção feita a
situações da fronteira com Espanha.
Isto porque as viagens e o alojamento são sempre pagos pelo doente,
algo que só estará ao alcance de
poucos, nota o responsável, que é
director do mestrado em Gestão e
Economia da Saúde da Faculdade
de Economia do Porto.
Adalberto Fernandes, professor
A directiva é de 2011 e só agora foi transposta para a legislação
de Gestão da Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, junta a essa
restrição o facto de o doente ter que
avançar com o valor das despesas
e só depois ser reembolsado pelo
Estado. É por isso que não tem dúvidas em dizer que havendo estas
barreiras económicas irá “beneficiar
a classe média, média alta.”.
Há também obstáculos técnicos e
clínicos. A transposição que o Estado
português fez da directiva europeia
prevê um sistema de autorizações
prévias. Está, por exemplo, sujeito a
autorização prévia “o reembolso dos
cuidados de saúde transfronteiriços
A directiva pode
ser usada como
forma de pressão,
obrigando os
hospitais a reduzir
as listas de espera
cirúrgicos que exija o internamento
durante pelo menos uma noite”, assim como em situações “que exijam
recursos a infra-estruturas ou equipamentos médicos altamente onerosos e de elevada especialização”. A
resposta tem que ser dada no prazo
de 15 dias úteis a contar da recepção
do relatório da avaliação clínica. O
pedido de autorização prévia pode
ser indeferido, por exemplo, “se os
cuidados de saúde em causa puderem ser prestados em Portugal num
prazo útil fundamentado do ponto
de vista clínico, tendo em conta o
estado de saúde e a evolução provável da doença do doente”, refere o
diploma. Já o direito ao reembolso
das despesas que não se encontrem
sujeitas a autorização prévia pressupõe a existência de uma avaliação
prévia por um médico de medicina
geral e familiar.
“O Estado receou que a despesa
fosse muito alta”, nota Adalberto
Fernandes. Em suma, considera
que a directiva vai ter muito pouco
impacto”. A directiva prevê 30 dias
para a regulamentação, que deverá
identificar os cuidados sujeitos a autorização prévia.
Mas o ex-presidente da Entidade
Reguladora da Saúde, Álvaro Almeida, deixa uma nota de optimismo:
acredita que haverá poucos portugueses a tratar-se no exterior mas
que a directiva pode ter “um efeito
indirecto”. Se, como prevê, a responsabilidade financeira destes cuidados fora de Portugal couber aos
hospitais de referência do doente,
estes terão todo o interesse que os
cidadãos não vão para fora. Acredita que a directiva pode ser usada
“como forma de pressão, obrigando os hospitais a serem capazes de
responder aos pedidos”, reduzindo
assim as listas de espera.
A Associação Portuguesa de Hospitalização Privada diz, em comunicado, que vê “com desilusão a transcrição da directiva comunitária que
lhe deu origem, que poderia ser o
preâmbulo de uma livre circulação
de doentes no espaço europeu.” O
presidente desta associação, Artur
Osório Araújo, diz que as autorizações prévias exigidas, “além de
serem ferozmente restritivas, são
contraditórias, pois aceitam a liberdade de escolha do doente na sua
deslocação ao estrangeiro quando
em Portugal essa liberdade é negada no acesso aos hospitais privados
portugueses, alguns dotados de tecnologia única no país”.
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