A MERCANTILIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE ATRAVÉS DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA AMBIENTAL LEANDRO MOREIRA BARRA Procurador do Estado de Minas Gerais Pós-Graduando em Direito Público pela Universidade Gama Filho – RJ. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora – MG. 1 – Resumo: Neste trabalho serão apresentados os aspectos relacionados à aplicação do termo de ajustamento de conduta no direito ambiental, no que se refere aos danos ambientais produzidos pelos empreendimentos turísticos e atividades com características de impacto local. A correta aplicação do compromisso de ajustamento de conduta (TAC) é fundamental para que os danos ambientais sejam realmente reparados, dando aos legitimados ativos tranqüilidade para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, conforme mandamento constitucional. Demonstrar-se-á a visão equivocada que alguns legitimados ativos possuem na aplicação do termo de ajustamento de conduta ambiental, principalmente quando aplicados em áreas de preservação permanente. Palavras chave: TAC - aplicação - correta - proteção – ambiental. 2 – Introdução: O termo de ajustamento de conduta é um acordo celebrado entre as partes interessadas com o objetivo de proteger direitos de natureza transindividual. Trata-se de um título executivo extrajudicial que contém a obrigação de fazer e de não fazer e uma cominação para o caso de descumprimento dessa obrigação. O presente trabalho tem como objetivo mostrar a visão equivocada que alguns legitimados ativos possuem na aplicação do termo de ajustamento de conduta ambiental. O termo de ajustamento de conduta não foi inserido no Direito brasileiro pela Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85), mas sim surgiu alguns anos depois, na década de 90, quando da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente e, posteriormente, foi generalizado pelo Código de Defesa do Consumidor. O art. 211 da Lei nº. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) introduziu o compromisso de ajustamento de conduta em matéria de defesa de interesses das crianças e dos adolescentes. Logo depois, o art. 113 da Lei nº. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) inseriu o § 6º ao art. 5º da Lei nº. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), por meio do qual o termo de ajustamento de conduta passou a ser admissível em matéria referente a quaisquer interesses transindividuais, sejam relativos ao consumidor ou não. Por meio deste instrumento, os órgãos públicos legitimados à propositura da ação civil pública ou coletiva passaram a poder tomar do causador de danos a interesses difusos e coletivos, o compromisso escrito de que adequassem sua conduta às exigências da lei, sob pena de cominações, previstas no próprio termo. Por força das leis que o instituíram, em caso de descumprimento das obrigações nele assumidas, o termo de ajustamento passa a constituir título executivo extrajudicial. 3 – Conceito de Meio Ambiente: Segundo o art. 3º, I, da Lei nº. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. A doutrina considera que a interação de elementos naturais, artificiais e culturais também integra o meio ambiente. O conceito legal e doutrinário é tão amplo que nos autoriza a considerar de forma praticamente ilimitada a possibilidade de defesa da flora, da fauna, das águas, do solo, do subsolo, do ar, e de todas as formas de vida e de todos os recursos naturais, com base na conjugação do art. 225 da Constituição Federal com as leis nº. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) e nº. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública). Estão assim alcançadas todas as formas de vida, ou seja, não só aquelas da biota (conjunto de todos os seres vivos de uma região) como da biodiversidade (conjunto de todas as espécies de seres vivos existentes na biosfera), e até mesmo está protegido o meio que as abriga ou lhes permite a subsistência. Diante de conceito tão abrangente, é possível considerar o meio ambiente sob três aspectos: o meio ambiente natural (os bens naturais, como o solo, a atmosfera, a água, qualquer forma de vida); o meio ambiente artificial (o espaço urbano construído); e o meio ambiente cultural (a interação do homem ao ambiente, como o urbanismo, o zoneamento, o paisagismo, os monumentos históricos, assim como os demais bens e valores artísticos, estéticos, turísticos, paisagísticos, históricos, arqueológicos etc.), nesse último incluído o próprio meio ambiente do trabalho. Tudo o que diga respeito ao equilíbrio ecológico e induza a uma sadia qualidade de vida, é, pois, questão afeta ao meio ambiente. Assim, devem ser combatidas todas as formas de degradação ambiental, em qualquer nível. Isso inclui, portanto, até mesmo o combate à poluição visual e à poluição sonora. Rui Carvalho Piva afirma que “bem ambiental é um valor difuso, imaterial ou material, que serve de objeto mediato a relações jurídicas de natureza ambiental”. 1 Com base no art. 225 da Constituição Federal, Celso Antônio Pacheco Fiorillo acertadamente retira o conceito de bem ambiental, afirmando sê-lo “um bem de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais, e, ainda, um bem essencial à qualidade de vida”. 2 Os dois conceitos acima transcritos, na verdade, se conjugam, na medida em que o bem ambiental é um bem jurídico de natureza material ou imaterial, de uso comum do povo, e que permite a manutenção de uma vida com qualidade. Diante disso, não há dúvida alguma em afirmar que a nova ordem constitucional recepcionou o conceito de meio ambiente previsto no art. 3º, I, da Lei nº. 6.938/81, posto que amplo o suficiente para abarcar todos os interesses de natureza ambiental (meio ambiente natural, cultural, do trabalho e artificial). 4 – Os bens ambientais e a nova ordem constitucional: Nosso ordenamento jurídico foi construído com base na existência de duas espécies de bens, quais sejam, os de natureza privada e os de natureza pública, nos exatos moldes do que previu o Código Civil de 1916, e se repetiu no de 2002. Essa dicotomia entre bens públicos e privados teve significativa modificação com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, que aceitou o avanço da doutrina internacional no sentido de verificar a existência de bens que se apartam deste dualismo, pois não são integrantes do patrimônio público ou privado. Tal quadro se dá em razão da previsão, pelo novo Texto Constitucional, de uma nova categoria de bens, denominados de bens difusos, e 1 2 Bem Ambiental, p. 111 e 114. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 52. que, entre outros direitos e interesses, abarca a tutela do patrimônio público e social e do meio ambiente (art. 129, III). E a estrutura deste novo bem foi sistematizada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90), que inclusive conceituou o que são interesses ou direitos difusos, a saber, “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, par. único, I). O conceito de bem difuso acima transcrito está absolutamente em consonância com o bem de natureza ambiental criado pela Constituição Federal de 1988, pois preceitua o art. 225, caput, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Destarte, como se pode verificar é o bem ambiental bem jurídico de uso comum do povo, e, portanto, não integrante do patrimônio público ou particular, e é essencial à sadia qualidade de vida, o que se coaduna com a transindividualidade dos bens difusos quanto à titularidade, que recai sobre pessoas indeterminadas ligadas por circunstância de fato, sendo indivisível. Assim, não pode mais prevalecer o entendimento várias vezes propagado pelo legislador no sentido de que os bens de natureza ambiental integram o domínio público, pois estes não poderão ser jamais considerados como pertencentes a qualquer ente público ou a pessoa jurídica ou física em particular. Dessa forma, são os bens ambientais considerados bens difusos, ou transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, estando em categoria diversa dos bens públicos e privados. 5 – O Meio Ambiente como Direito Fundamental: O bem ambiental, além de ser de natureza difusa, repousa na categoria dos direitos fundamentais da pessoa humana, sem o que não haverá vida com dignidade. Em junho de 1972 a Organização das Nações Unidas promoveu em Estocolmo, na Suécia, a 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, aprovando, ao final, a Declaração Universal do Meio Ambiente que declarou que os recursos naturais devem ser conservados em benefício das gerações futuras, cabendo a cada país regulamentar esse princípio em sua legislação de modo que esses bens sejam devidamente tutelados. Foi estabelecido no Princípio 1 que “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada em um meio, cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações futuras e presentes”. Dentro desta perspectiva, o Brasil editou a Lei nº. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), que declarou pela primeira vez no ordenamento jurídico nacional a importância do meio ambiente para a vida e para a qualidade da vida, delimitando os objetivos, os princípios, os conceitos e os instrumentos de proteção. Pelo art. 2º dessa lei, “A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”. É importante destacar que em 1981 esta lei já estabelecia a dignidade da vida humana como objetivo maior de todas as políticas públicas de meio ambiente. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente se consagrou como um direito fundamental da pessoa humana, visto que no Título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais, faz uma referência direta ao meio ambiente quando no art. 5º estabelece a ação popular como instrumento para a defesa do meio ambiente. Ademais, como o art. 225 do mesmo texto constitucional classificou o meio ambiente como bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, é evidente que se trata de um direito humano fundamental reconhecido constitucionalmente. Não se pode deixar de frisar que de acordo com o § 2º do art. 5º da Carta Magna, os direitos considerados como humanos fundamentais não são apenas aqueles elencados pelo art. 5º, mas também os outros decorrentes do regime e dos princípios adotados constitucionalmente, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Direito Ambiental é um direito fundamental de terceira geração, visto que cuida não só da proteção do meio ambiente em prol de uma melhor qualidade de vida da sociedade atual, mas também das futuras gerações, caracterizando-se assim como um direito transindividual e transgeracional. Dessa forma, sendo os direitos fundamentais aqueles inerentes ao piso mínimo de dignidade humana, é evidente que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se enquadra nessa classificação. Por isso, ao mesmo tempo em que é colocado como um direito de todos, o papel de defender o meio ambiente é dever de toda e qualquer pessoa, tanto física ou jurídica quanto pública ou privada. 6 – Conceito e Objetivo do Termo de Ajustamento de Conduta: O termo de ajustamento de conduta é um acordo celebrado entre as partes interessadas com o objetivo de proteger direitos de natureza transindividual. Trata-se de um título executivo extrajudicial que contém a obrigação de fazer e de não fazer e uma cominação para o caso de descumprimento dessa obrigação. Hugo Nigro Mazzilli entende que “o compromisso de ajustamento é apenas um instrumento legal destinado a colher, do causador do dano, um título executivo extrajudicial de obrigação de fazer, mediante o qual o compromitente assume o dever de adequar sua conduta às exigências da lei, sob pena de sanções fixadas no próprio termo”. 3 Edis Milaré, Joana Setzer e Renata Castanho afirmam que se trata “de um mecanismo de solução pacífica de conflitos, com natureza jurídica de transação, consistente no estabelecimento de certas regras de conduta a serem observadas pelo interessado, incluindo a adoção de medidas destinadas à salva-guarda do interesse difuso atingido”. 4 O instrumento encontra fundamento no inciso VII do art. 585 do Código de Processo Civil, que determina serem títulos executivos extrajudiciais “todos os demais títulos, a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva”. É um mecanismo que procura viabilizar a solução pacífica de determinados conflitos no âmbito extrajudicial, fazendo com que os direitos em questão sejam mais efetivamente resguardados. O objetivo do termo de ajustamento de conduta é fazer com que determinadas condutas que resultem em ameaça ou lesão aos direitos de natureza transindividual possam ser corrigidas por meio de negociação entre as partes interessadas. O fato de o dano ao meio ambiente possuir um caráter de irreversibilidade, ou pelo menos de difícil reversibilidade, ressalta ainda mais a importância do instrumento em estudo, já que ele permite mais celeridade e empenho por parte dos interessados. É claro que o mesmo só poderá ser aplicado àquelas situações passíveis de serem corrigidas ou reparadas, estabelecendo um prazo e as condições para que isso ocorra. Com efeito, não se pode admitir que um mecanismo criado para facilitar a defesa e a recomposição do meio ambiente seja transformado em um instrumento para a legitimação de degradações e de irregularidades. 3 Mazzilli, Hugo Nigro. Compromisso de Ajustamento de Conduta: evolução e fragilidades – atuação do Ministério Público. Revista Direito e Liberdade, Mossoró, nº 1, 2005, p. 191. 4 Milaré, Edis; Setzer, Joana; Castanho, Renata. O compromisso de ajustamento de conduta e o fundo de defesa de direitos difusos: relação entre os instrumentos alternativos de defesa ambiental da Lei 7.347/1985. Revista de direito ambiental, nº 39. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.12. 7 – Natureza Jurídica do Termo de Ajustamento de Conduta: Tem prevalecido na doutrina brasileira que o termo de ajustamento de conduta de que trata a Lei nº. 7.347/85, em seu art. 5º, § 6º, tem uma natureza jurídica de transação. Vários experts no tema têm se pronunciado nesse sentido. No entanto, parece haver certo equívoco no termo, posto que o instituto da transação é de cunho jurídico eminentemente privado, não podendo ser aplicado em suas regras na defesa de interesses difusos e coletivos. Quanto ao objeto da transação, são importantes as palavras de Sílvio de Salvo Venosa no sentido de que “o direito indisponível fica subordinado ao controle, maior ou menor, do Estado. Certos direitos de família, por sua natureza, são indisponíveis, porque a lei veda-lhes a disponibilidade ou então lhes impõe certos limites. Assim, nos termos do art. 1035 do Código Civil, não podem ser objeto de transação os direitos não patrimoniais e os de natureza pública. O poder público só pode transigir quando expressamente autorizado por lei ou regulamento. Os direitos indisponíveis, direta ou indiretamente, afetam a ordem pública.” 5 Portanto, envolvendo o objeto do termo de ajustamento de conduta direitos indisponíveis, a utilização do termo transação não é a mais adequada a demonstrar o que de fato ocorre, na medida em que margem alguma de disponibilidade sobre o objeto é conferida aos co-legitimados a tomar o compromisso de ajustamento de conduta. Aliás, é entendimento pacífico o que impõe como condição de validade do termo de ajustamento de conduta a necessidade de ele estar a abarcar a totalidade das medidas necessárias à reparação do bem lesado, ou o afastamento do risco ao bem jurídico de natureza difusa ou coletiva. 5 Direito Civil, t. II, p.280. Ainda assim, a quase totalidade dos autores do tema se posiciona no sentido de que se trata de transação, que não envolve o bem ambiental em si, mas a situação periférica de resguardo do mesmo. Recentemente, este posicionamento ganhou reforço em acórdão do Colendo Superior Tribunal de Justiça, onde houve expressa manifestação quanto a ser o termo de ajustamento de conduta transação, e como exceção à regra, de que os direitos difusos não são passíveis de serem objeto deste instituto jurídico. 6 No entanto, ainda que posto pela doutrina como uma forma peculiar de transação, é certo que parece que o termo de ajustamento de conduta se insere dentro de outra espécie de um gênero mais abrangente, qual seja, o acordo. Realmente, os acordos nada mais são do que a composição dos litígios pelas partes envolvidas, sendo certo que esta composição pode ou não implicar concessões mútuas. Em caso positivo, diante do permissivo legal, estaremos diante do instituto da transação, como já acima delineado. Em caso negativo, posto que indisponível o seu objeto, então estaremos diante do que se convenciona denominar de acordo em sentido estrito. Ambos, portanto, integram o gênero acordo. O compromisso de ajustamento de conduta não se enquadra na figura da transação, que impõe necessariamente concessões bilaterais, mas sim, mero acordo, em que a liberdade do órgão público fica restrita apenas à forma pela qual se darão as medidas corretivas e o tempo, porém sempre após análise criteriosa da melhor forma, bem como do tempo mais exíguo possível. Todos os direitos transindividuais são indisponíveis e, por conseqüência, não podem ser alienados nem renunciados, mesmo quando considerados sob a ótica do direito privado (situação em que passam a ser tratados como direitos personalíssimos). São direitos que visam a ampliar e a garantir o conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana, valor constitucional supremo e fundamento da República, de acordo com o inciso III, do art. 1º da Carta Magna. 6 2ª T., Resp 299400/Rj, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 01.06.2006, DJU 02.08.2006. Prova disso é que o art. 841 do Código Civil determina que “Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação”. É nesse diapasão a opinião de Hugo Nigro Mazzilli ao mencionar que “Assim, o compromisso de ajustamento de conduta é antes um ato administrativo negocial (negócio jurídico de Direito Público), que consubstancia uma declaração de vontade do Poder Público coincidente com a do particular (o causador do dano, que concorda em adequar sua conduta às exigências da lei). Assim, não podem os órgãos públicos legitimados dispensar direitos e obrigações, nem renunciar a direitos, mas devem limitar-se a tomar, do causador do dano, obrigação de fazer ou não fazer (ou seja, a obrigação de que este torne sua conduta adequada às exigências da lei).” 7 Por essa razão que o legislador utilizou a expressão ajustamento de conduta, pois o instituto se propõe unicamente a fazer com que as pessoas físicas e jurídicas possam se adequar ao que determina a legislação. Existem limites que devem ser respeitados na celebração do termo de ajustamento de conduta, já que os direitos em questão são indisponíveis. A nenhuma parte é permitido negociar esses direitos, muito menos o Ministério Público, de forma que o instrumento em tela não pode ser considerado como uma transação e sim um compromisso extrajudicial. É que os órgãos públicos legitimados para celebrar o termo de ajustamento de conduta têm apenas a titularidade formal do instrumento, já que materialmente esses direitos pertencem a uma coletividade ou a um grupo de pessoas. 8 – Objeto do Termo de Ajustamento de Conduta: Entre os direitos que podem ser objeto do termo de ajustamento de conduta, é possível citar os seguintes: meio ambiente, consumidor, ordem urbanística, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ordem econômica e a economia popular, crianças e adolescentes, idosos, pessoas portadoras de deficiência e investidores no mercado de valores imobiliários, além de qualquer outro direito difuso ou coletivo que possa surgir. 7 Mazzilli, Hugo Nigro. Compromisso de Ajustamento de Conduta: evolução e fragilidades – atuação do Ministério Público. Revista Direito e Liberdade, Mossoró, nº 1, 2005, p. 186. Hugo Nigro Mazzilli 8 afirma que o termo de ajustamento de conduta deve zelar pelos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, os quais são definidos pelos incisos do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor: “I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.” A diferença entre os direitos difusos e os coletivos em sentido estrito, que são espécie do gênero direitos coletivos em sentido amplo, é que os titulares do primeiro não tem o vínculo comum de natureza jurídica e os do segundo devem ter já antes da ocorrência do fato danoso. Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, constituem uma ficção jurídica que permite a defesa coletiva de direitos individuais devido ao fato de terem uma origem comum. 9 – Legitimidade: Só podem tomar o compromisso de ajustamento de conduta os órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva. Isso significa que não são todos os legitimados à ação civil pública ou coletiva que podem tomar compromisso de ajustamento, mas só aqueles que somam à sua condição de legitimados ativos a condição de órgãos públicos. Podem tomar, portanto, o termo de ajustamento de conduta o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, enquanto órgãos legitimados. Até mesmo os órgãos governamentais sem personalidade jurídica, mas que tenham legitimidade para promover a ação civil pública, podem 8 Mazzilli, Hugo Nigro. Compromisso de Ajustamento de Conduta: evolução e fragilidades – atuação do Ministério Público. Revista Direito e Liberdade, Mossoró, nº 1, 2005, p. 177. tomar o termo de ajustamento de conduta. 10 – Medidas Compensatórias no Termo de Ajustamento de Conduta: O termo de ajustamento de conduta está previsto no art.5º, §6º da Lei nº 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública – contendo uma obrigação de fazer ou não fazer reconhecida pelo compromitente; é ele tomado por um dos órgãos públicos legitimados à propositura da Ação Civil Pública ou coletiva. Mediante este instrumento, o compromitente (o causador do dano ambiental), se obriga a adequar sua conduta às exigências da lei, sob pena de cominações pactuadas no próprio instrumento, o qual terá força de título executivo judicial ou extrajudicial. Dado o caráter consensual, as cláusulas compensatórias podem ser aceitas como garantias mínimas, desde que não importem, por parte do tomador do compromisso, qualquer renúncia a direitos ou interesses de grupo lesado, dos quais o tomador do termo de ajustamento de conduta não pode dispor. Em decorrência de não terem os órgãos públicos disponibilidade sobre os interesses sobre os quais versa o termo de ajustamento de conduta ambiental, é uma vedação clara, de todo evidente, que o termo de ajustamento de conduta não pode importar disposição de direitos, dos quais não são titulares os órgãos públicos, que estão apenas legitimados a tomá-lo, mas não podem dispor do direito material, ou seja, não podem importar em renúncia ou verdadeira transação, nem conter concessões recíprocas. E, como se trata de garantia mínima, veda-se qualquer cláusula que disponha o contrário, e, mesmo que uma cláusula assim seja escrita, será ineficaz. Conforme estabelecido pela Lei da Ação Civil Pública, as cláusulas compensatórias ou indenização em dinheiro são um dos pedidos lícitos de serem feitos para tutela dos interesses difusos e coletivos, aí incluída a tutela ambiental, motivo pelo qual poderá, também, ser utilizada como obrigação possível de ser alcançada em sede de termo de ajustamento de conduta. Entretanto, é preciso que a sociedade e os órgãos públicos legitimados à ação civil pública se posicionem quanto ao real objetivo da tutela ambiental, que passa longe de ser a busca da reparação econômica do bem ambiental lesado. É princípio tácito que se extrai da Constituição Federal (art. 225, caput, § 1º, inciso I e §§ 2º e 3º) o da primazia da reparação específica do dano ambiental, ou seja, existe uma absoluta prioridade de retorno do bem lesado ao status quo ante. É o que pode-se entender também dos princípios (art. 2º, inciso VII) e objetivos (art. 4º, incisos VI e VII) da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/81. Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues deixam de forma bastante clara os motivos pelos quais é necessário alcançar o resultado acima mencionado: “Qual a intenção em se condenar uma determinada empresa que teria poluído um rio, lançando-lhe resíduos danosos? O que se visa ao responsabilizar civilmente um ente que teria desmatado uma reserva florestal? Ou ainda o que dizer daquele que promove publicidade abusiva, ferindo valores ambientais? Será que interessa ao titular do direito difuso ao meio ambiente a indenização em pecúnia? 9 Portanto, se uma área de preservação permanente sofre intervenção ilegal, deverão os legitimados à tutela coletiva do bem ambiental lesado buscar, de todas as formas, obter do degradador o compromisso de reflorestamento do local. Se uma construção é edificada sobre um costão rochoso, deverá ser obtido ajustamento no sentido de demolição das construções sobre a costeira. Ou seja, deve-se sempre tentar a recomposição do bem ambiental lesado ao seu estado original. Somente quando não for possível a reversão do dano é que se abrirá a possibilidade de indenização daquele em dinheiro através das medidas compensatórias do termo de ajustamento de conduta, anotando-se que a impossibilidade que ensejará essa medida é a impossibilidade técnica, e não financeira ou de outra ordem qualquer. 9 Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável, Celso Antônio Pacheco Fiorillo/Marcelo Abelha Rodrigues, Editora Max Limonad, p. 125-126. Ainda é possível que uma área degradada tenha no ecossistema lesado elementos que ou sejam insubstituíveis ou possam ser substituídos, mas conferiram ao degradador um lucro, que agora deve ser pelo mesmo suportado em prol da coletividade. É o caso, por exemplo, de uma área onde se deu a exploração de minério, que não retornará, mesmo com um projeto de recuperação da área degradada. Entre as desvantagens de se adotar as medidas compensatórias estão: a de que nem sempre a compensação será idêntica ao valor do dano, uma vez que o mesmo pode ser de difícil apuração, quando então o órgão público legitimado terá de lançar mão de seu bom senso para tentar obter resultado considerado excelente para o resguardo do meio ambiente, não podendo ele se contentar com menos do que isso; e a possibilidade de mercantilização do meio ambiente, pois diversos degradadores hoje buscam a forma compensatória para evitar o retorno ao status quo ante do bem lesado, fato que contrariaria seus interesses financeiros. 11 – A Mercantilização do Meio Ambiente através dos Termos de Ajustamento de Conduta: A Lei da Ação Civil Pública estabeleceu um instrumento judicial, de índole eminentemente preventivo e, portanto, mais adequado aos interesses ambientais. Trata-se do termo de ajustamento de conduta, disposto no art. 5º, § 6º. O legislador aumentou os poderes dos legitimados ativos públicos e facultou-lhes buscar acordos acerca do objetivo da demanda. O mecanismo, apesar de inovador e de incentivar a atuação preventiva dos legitimados públicos, com vistas à tutela dos interesses relevantes da sociedade, deve necessariamente sofrer um intensivo controle judicial, de legalidade e de validade, para que não se transforme em objetivos divorciados da proteção ambiental. Se, de um lado, o termo de ajustamento de conduta denota ser de utilidade visível para resolver litígios concretos de dano iminente ou consumado, no qual o responsável se dispõe a cumprir as exigências legais, de outro, a tarefa é incontestavelmente complexa, pois os interesses jurídicos ambientais são, em sua compreensão conceitual, indisponíveis. O caráter indisponível do bem ambiental impede que seja, por exemplo, feita uma transação, dispondo-se de maneira irrestrita dos interesses relevantes da sociedade. O termo de ajustamento de conduta, conforme anteriormente comentado, não é tecnicamente uma transação da forma consagrada pelo direito civil, mas, sim, um instrumento similar, em que o agente se submete a cumprir as exigências legais, sem que haja propriamente uma disposição. É importante salientar que o termo de ajustamento de conduta, portanto, não comporta a disposição de direito material. O termo de ajustamento de conduta é um instrumento de tutela de interesses metaindividuais preventivo e inibitório. Somente pode ter por objeto a adaptação da irregularidade às determinações das leis. Não existe meio termo. Não se pode admitir a continuidade da conduta inquinada de ilegal e lesiva ao meio ambiente, nem o seu temperamento. O termo de ajustamento de conduta poderá versar sobre prazos e condições para o efetivo cumprimento das normas legais que regem a matéria, não sendo de se admitir a tolerância com a prática de ato contrário ao interesse jurídico-ambiental. São esclarecedoras as argumentações de Milaré 10 de que o indispensável, em qualquer caso, é que haja integral reparação do dano, dada a natureza indisponível do direito violado. O que seria objeto do pedido na ação civil pública deve estar presente no termo de ajustamento de conduta. A lei qualifica o termo de ajustamento de conduta como um título executivo extrajudicial, mas, para que possa ser firmado judicialmente, no processo em andamento, deve ser submetido à avaliação do juiz, que poderá recusar a homologação diante da não adequação aos fins almejados. O termo de ajustamento de conduta traz, no seu contexto, duas 10 Milaré, Edis. Tutela jurídico-civil do ambiente. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 0, 1996, p. 44. conotações próprias, pois visa a aliviar a incidência de processos em trâmite no Poder Judiciário e dar uma oportunidade a mais para que o infrator venha a cumprir suas responsabilidades, sob pena de tornar líquida e certa sua obrigação em um título executivo. Embora o termo de ajustamento de conduta seja uma forma de pactuar com o infrator, este não objetiva admitir que as irregularidades e condutas antisociais permaneçam não resolvidas, mas, ao contrário, estabelece determinações quanto ao seu cumprimento, sob pena de desvirtuamento. Conforme já anteriormente comentado, a compensação ecológica ou medida compensatória deve ser uma forma apenas subsidiária de reparação, havendo sempre uma preferência pela recuperação total da área degradada. Porém, muitas vezes o bem ambiental degradado não tem a possibilidade de voltar ao status quo ante. Neste caso, deve ser substituído por outro bem ambiental funcionalmente equivalente ou deve ser aplicada a sanção monetária com o mesmo fim de substituição. O instituto da compensação ecológica, portanto, tem como pressuposto a impossibilidade de restauração das áreas afetadas e vale ressaltar que poderá ocorrer a restauração parcial concomitantemente com a compensação ecológica ou medida compensatória. A grande crítica que se faz no presente momento é justamente o desvirtuamento do que até aqui fora exposto, pois o que se observa na prática do direito ambiental é a completa inversão de valores quanto à aplicabilidade do instituto do termo de ajustamento de conduta, já que os grandes degradadores não querem ajustar suas condutas de maneira a retornar ao status quo ante, mas apenas pagar para manter seus danos ambientais, compensando, teoricamente, a sociedade lesada. O que se vê diariamente são os grandes empreendimentos pagando para manter seus danos efetivos ou pagando para degradar, simulando uma autorização da sociedade para que os mesmos permaneçam nas suas atividades. O que os degradadores querem é pagar para poluir, desconsiderando por completo a ordem natural da proteção ao meio ambiente determinada pelas legislações ambientais brasileiras. Consegue-se ilustrar tal afirmação se pegarmos como exemplo diversas casas de veraneio sendo construídas sobre o costão rochoso, sobre a areia da praia ou sobre o espelho d´água de uma região litorânia do país, mais precisamente no Município de Angra dos Reis. Adotando-se o critério da lei, o legitimado ativo para ação civil pública, dentro de um eventual termo de ajustamento de conduta, deveria exigir a demolição de todas as construções edificadas sobre os bens ambientais citados, retornando ao estado anterior, porém não é o que se verifica na prática, pois as construções acabam permanecendo nos mesmos lugares e os degradadores pagando para mantê-las onde estão. É a clara e evidente venda dos bens ambientais, mercantilizando-se o meio ambiente. 12 – Conclusão: É preciso que os órgãos públicos legitimados para a ação civil pública tenham sempre em mente que prioritariamente deve sempre se buscar o retorno ao status quo ante do bem lesado e, na impossibilidade técnica, deverá ser aplicada a medida compensatória pertinente. Não sendo assim, estará havendo um total desvirtuamento do instituto do termo de ajustamento de conduta, legitimando atos lesivos ao meio ambiente. A situação atual representa uma verdadeira mercantilização dos bens ambientais, pois, ao invés de se tentar uma reversão ao dano ambiental cometido, paga-se para mantê-lo, atendendo aos grandes interesses econômicos que permeiam as atividades produtivas no país. Deve sempre ficar claro para todos os envolvidos num termo de ajustamento de conduta que os bens ambientais são direitos difusos e coletivos, indisponíveis por qualquer legitimado ativo da ação civil pública, que não poderá em nome da sociedade abrir mão de qualquer reversão do dano ambiental ocorrido em troca de compensação financeira. Tal compensação somente poderá ser aceita quando tecnicamente for impossível a reversão do dano ambiental cometido. Assim, a legislação ambiental brasileira estabelece que a primeira forma de reparação dos danos ambientais é a restauração ao estado anterior, sendo notório que, neste caso, o início de qualquer reparação é a retirada do agente estressor ao meio ambiente, qual seja, a residência edificada sobre o costão rochoso, sobre a areia da praia ou sobre o espelho d´água, de acordo com o exemplo proposto no presente artigo. A reparação ambiental é a materialização do princípio do poluidorpagador e deve ser o mais integral possível, independentemente de seu valor econômico (se o lucro não é limitado, a responsabilidade pela reparação também não deve ser). Além disso, a reparação é o principal efeito da responsabilidade civil no direito ambiental brasileiro. O termo de ajustamento de conduta, assim, acaba servindo de instrumento de mercantilização dos bens ambientais envolvidos, pois ao invés do degradador ajustar sua conduta com a reversão ao estado anterior, compensa monetariamente a sociedade de forma a legitimar sua conduta irregular, desvirtuando por completo a aplicabilidade do instituto. 13 – Referências Bibliográfica: AKAOUI. Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de Ajustamento de Conduta Ambiental. 2ª edição – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental, 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 7ª ed., - São Paulo: Editora Saraiva, 2006. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 17ª edição – São Paulo: Editora Saraiva, 2004. BENJAMIM, Antônio Hermam (Org.); LECEY, Eládio (Org.) e CAPELLI, Silvia. 12º Congresso Internacional de Direito Ambiental, 13º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental realizado em São Paulo nos dias 1º a 5 de junho de 2008 – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. LEITE, José Rubens Morato; DANTAS, Marcelo Buzaglo. Aspectos Processuais de Direito Ambiental. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2004.