INCIDÊNCIA DE MEDIDA COMPENSATÓRIA AMBIENTAL Lucíola Maria de Aquino Cabral1 RESUMO No presente trabalho serão analisados os fundamentos, a incidência, bem como as finalidades da medida compensatória ambiental, em decorrência da implantação de obra, empreendimento ou atividades. Será enfatizada a incidência da medida compensatória ambiental cobrada por esta Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano – SEMAM, cuja legalidade é questionada sob o argumento de que se trata de uma taxa de compensação ambiental e que não há fundamento legal para ampará-la. Afirma-se que a atividade de construção civil indubitavelmente causa poluição ambiental, sobretudo ao meio ambiente artificial (ou seja, à cidade como um todo), como, por exemplo, à gigantesca quantidade de resíduos e dejetos que são diariamente descartados em via pública, às escavações, ao consumo exacerbado de energia e água, além da utilização de matéria prima que causa altos impactos ao meio ambiente, tais como aço, alumínio, cimento, dentre outros. Afora estes, pode-se mencionar os impactos relacionados à ocupação e ao uso do solo, como a redução das áreas verdes e permeáveis, a alteração do perfil natural do terreno e a poluição dos recursos hídricos devido ao carreamento de material sólido. É possível mencionar ainda, a produção de ruídos acima dos níveis permitidos pela legislação ambiental e aceitáveis para a saúde humana, bem como a emissão de partículas e pó na atmosfera, além do inevitável desmatamento. Não há como negar que a cobrança de medida compensatória ambiental é compatível e adequada para empreendimentos da indústria da construção civil, daí porque se afirma a constitucionalidade do art. 10 da Lei Municipal nº 8.738/03. Palavras chave: Compensação ambiental; Externalidades; Fundamentos; Licenciamento ambiental; Medida compensatória. Doutora em Direito Constitucional (UNIFOR – Fortaleza), Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA, Buenos Aires), Mestre em Direito Constitucional (UNIFOR – Fortaleza), Especialista em Direito Público (UFC – Fortaleza), Procuradora do Município de Fortaleza e membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública - IBAP. 1 ABSTRACT In this article we analyzed the foundations, the incidence as well as the goals of environmental compensation measure, due to the implementation of work, project or activities. Will emphasize the incidence of compensatory measure environmental charged for this Municipal Environment and Urban Control - SEMAM, whose legality is questioned on the grounds that it is an environmental compensation fee and there is no legal basis to support her. It is said that the construction activity will undoubtedly cause environmental pollution, especially the artificial environment (ie, to the city as a whole), for example, the massive amount of residues and wastes that are discarded every day in the street, the excavations, the excessive consumption of energy and water, and the use of raw materials that cause high environmental impacts, such as steel, aluminum, cement, among others. Aside from these, one can mention the impacts related to the occupation and use of land, such as the reduction of green areas and permeable, changing the natural profile of the land and pollution of water resources due to the drift of solid material. It is also possible to mention the production of noise above the levels permitted by environmental legislation and acceptable for human health, as well as the emission of dust particles in the atmosphere and in addition the inevitable deforestation. There is no denying that the recovery of compensatory measure is environmentally compatible and suitable for enterprises of the construction industry, hence why affirms the constitutionality of Art. 10 of Law No. 8.738/03 Hall. Keywords: environmental compensation; Externalities; Fundamentals; Environmental licensing; Compensatory measure. INTRODUÇÃO Muitos são os questionamentos apresentados relativamente a incidência de medida compensatória ambiental em decorrência do licenciamento ambiental. No presente trabalho serão analisados os fundamentos, a incidência, bem como as finalidades da medida compensatória ambiental, em decorrência da implantação de obra, empreendimento ou atividades, ou, quando da celebração de termo de compromisso firmado para promover a adequação necessária à legislação ambiental. Será enfatizada a incidência da medida compensatória ambiental cobrada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano – SEMAM, cuja legalidade é questionada sob o argumento de que se trata de uma taxa de compensação ambiental e que não há fundamento legal para ampará-la. Este trabalho está dividido em cinco itens. O item 1, Sistema Ambiental Brasileiro, explicita a estruturação do sistema normativo ambiental no Brasil, visando realçar a conformidade da lei municipal com o ordenamento jurídico pátrio. No item 2, Compensação Ambiental na Jurisprudência Brasileira, são analisados os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 3378, considerando-se sua importância para o esclarecimento da matéria. No item 3, Fundamentos da Compensação Ambiental, demonstra-se a fundamentação teórica desse importante instrumento de política ambiental. No item 4, Natureza Jurídica da Compensação Ambiental, põe-se em destaque o regime jurídico a que está submetida, realçando-se sua natureza indenizatória e não tributária. No item 5, Medida Compensatória Ambiental, faz-se breve distinção entre os dois instrumentos de política ambiental: compensação ambiental e medida compensatória, visando trazer ao debate a constitucionalidade as disposições constantes do art. 10 da Lei Municipal no. 8.738, de 10 de julho de 2003, do Município de Fortaleza, que regulamenta a cobrança da medida compensatória ambiental para as atividades passíveis de licenciamento ambiental. A análise do tema enfocado neste trabalho permitiu concluir que a cobrança de medida compensatória ambiental com base no art. 10 da Lei Municipal no. 8.738, de 10 de julho de 2003 não fere nem viola princípios constitucionais, caracterizando-se eficiente instrumento de política ambiental. 1. SISTEMA AMBIENTAL BRASILEIRO Em primeiro é preciso destacar que o sistema ambiental brasileiro foi inicialmente regulamentado pela Lei Nacional no. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, devendo ser ressaltado que a referida Lei, embora anterior a Constituição Federal brasileira de 1988, foi recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio. Nesse contexto, o Município de Fortaleza, no exercício de sua competência constitucional, conforme previsão constante do art. 30 da Carta da República, cuidou de implementar políticas públicas ambientais e uma vasta legislação ambiental, em decorrência mesmo de sua condição de entidade local integrante do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA. Em segundo, a atividade de licenciamento ambiental no âmbito do Município de Fortaleza encontra-se regulamentada desde 1998, quando a Lei municipal nº 8.230, de 29 de dezembro de 1998 criou a taxa de licenciamento ambiental e definiu um rol de atividades passíveis de licenciamento. Alterações foram realizadas por meio da Lei municipal nº 8.497, de 18 de dezembro de 2000 e pela Lei municipal nº 8.738, de 10 de julho de 2003, merecendo destaque as disposições constantes do art. 10 da Lei Municipal no. 8.738, de 10 de julho de 2003. O citado dispositivo estabelece que as atividades, obras e empreendimentos potencialmente poluidores sujeitas ao licenciamento sofrerão incidência da medida compensatória ambiental. Observa-se, portanto, que as Leis Municipais citadas acima apenas regulamentam, na esfera municipal, o licenciamento ambiental, estando em consonância com a norma constitucional inserida no art. 225, IV, que diz expressamente que as atividades causadoras de significativa degradação ambiental são passíveis de licenciamento ambiental. Assim, a incidência da medida compensatória ambiental encontra-se legalmente disciplinada pela Lei Municipal no. 8.738, de 10 de julho de 2003, fundamentando-se, ainda, nos princípios constitucionais da precaução e do poluidor-pagador, ambos inseridos no texto constitucional. Inúmeros outros preceitos de ordem legal amparam a pretensão da municipalidade no sentido de fazer incidir a compensação ambiental sobre atividades, obras e empreendimentos licenciáveis. A medida compensatória instituída pelo Município de Fortaleza fundamenta-se em dois pilares: i) o uso dos recursos naturais; ii) potencial degradação do meio ambiente em virtude do uso dos recursos naturais. Assim, a obrigação de compensar resulta de fatores explicitamente considerados pela legislação municipal ambiental, atendendo aos princípios constitucionais e aos preceitos da Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. A medida compensatória ambiental encontra-se prevista no art. 10 da Lei Municipal n. 8.692/02, alterado pela Lei Municipal n. 8.738/03, o qual dispõe, in verbis: Art. 10 – Para fazer face à reparação dos danos ambientais, causados pelas atividades utilizadoras ou degradadoras do meio ambiente, o licenciamento das atividades definidas em Lei terá como requisito a destinação de percentual não inferior a 0,5% (meio por cento) dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, visando à criação, conservação e preservação de áreas especialmente protegidas e à proteção do meio ambiente natural e artificial, revertido em favor do Fundo Municipal de Defesa do Meio Ambiente. Como se vê, a legislação municipal exige do empreendedor a destinação de um percentual não inferior a 0,5% (meio por cento) dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento para fazer face aos danos ambientais que possam decorrer de sua atividade. Tal percentual corresponde, precisamente, a chamada medida compensatória ambiental, a qual se configura como requisito indispensável para o licenciamento ambiental de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. Essa previsão encontra-se alinhada com o que dispõe a Constituição Federal de 1988 e a legislação federal específica. Observa-se, portanto, que a cobrança da compensação ambiental da forma como é feita pelo Município de Fortaleza harmoniza-se com o sistema normativo constitucional de proteção do meio ambiente, em especial com o princípio do usuáriopagador. Segundo tal preceito, os ônus ambientais decorrentes da implantação de empreendimentos potencialmente lesivos ao meio ambiente devem ser suportados por todos aqueles que usufruem desse empreendimento. Tais argumentos são sustentados por Guilhermo Cano citado por Paulo Affonso Leme Machado2: O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia. Guilhermo Cano – um dos pioneiros do direito ambiental na América Latina – afirma: “quem causa a deterioração paga os custos exigidos para prevenir e corrigir. É óbvio que quem assim é onerado redistribuirá esses custos entre os compradores de seus produtos (se é uma indústria, onerando os preços), ou os usuários de seus serviços (por exemplo, uma Municipalidade, em relação a seus serviços de rede de esgotos, aumentando suas tarifas); a equidade dessa alternativa reside em que não pagam aqueles que não contribuíram para a deterioração ou não se beneficiaram dessa deterioração. A exigência da compensatória ambiental não deve ser compreendida apenas como instrumento de tutela do meio ambiente, mas sim como mecanismo de expressão de justiça social, considerando-se que tanto os responsáveis diretos, bem como todos aqueles que sejam beneficiários diretos ou indiretos pela implantação do empreendimento potencialmente poluidor deverão arcar com os custos da compensatória. Este entendimento decorre das disposições contidas nos artigos art. 4º, VII e 9º, IX, da Lei Federal nº 6.938/81, a qual dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação: Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará: VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Art. 9º. São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental. Por outro lado, o legislador federal estabeleceu no art. 36 da Lei n. 9.985/00 (Lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação) que: Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei. Constata-se, por conseguinte, que a legislação municipal não diverge nem em sua essência nem em seu conteúdo das diretrizes fixadas pelo sistema jurídico nacional, podendo-se afirmar que 2 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. encontra-se em sintonia com as regras do sistema normativo de proteção ao meio ambiente em âmbito constitucional e federal. Há que se distinguir, porém, entre compensação ambiental ex ante – vinculada aos preceitos contidos no art. 36 da Lei federal nº 9.985/2000, que instituiu o sistema nacional de unidades de conservação – SNUC, da medida compensatória usualmente imposta pelos órgãos ambientais como condicionante do licenciamento ambiental. Embora possuam semelhanças e tenham origem comum, apresentam traços distintos, aplicando-se em situações diferentes como se verá adiante. 2. COMPENSAÇÃO AMBIENTAL NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA O tema da compensação ambiental é relativamente novo para a jurisprudência brasileira. No entanto, questionamento apresentado por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI pela Confederação Nacional das Indústrias perante o Supremo Tribunal Federal encerrou a discussão acerca de sua constitucionalidade. Em decisão proferida na ADI 3378, o eminente Ministro Relator, Carlos Ayres Britto entendeu que a cobrança de compensatória ambiental é legítima e encontra fundamento no princípio da razoabilidade. O STF3 se pronunciou nos seguintes termos: Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. É sabido que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente decorre tão somente da prática de condutas e atividades lesivas, conforme §3º, do art. 225. Assim, a exigência de compensação ambiental pelo uso de recursos naturais ou, ainda, pela degradação causada ao meio ambiente em decorrência da implantação de empreendimentos se afigura medida apropriada para reduzir os custos gerados para o Estado e a sociedade. De outra parte, se revela de maior importância por se caracterizar a compensatória ambiental como espécie de composição prévia dos impactos ambientais que possam decorrer da implantação do empreendimento. No caso, não se exige prova da ocorrência de efetivo dano ao meio ambiente para que haja sua cobrança, mas apenas a utilização dos recursos naturais ou possível degradação ambiental. Ressalta-se que o Ministro Carlos Brito, relator da ADI 3378, em seu voto, ao tratar da compensatória ambiental prevista no art. 36, Lei n. 9.985/00, enfatiza que tal instrumento robustece o princípio usuário-pagador, afirmando que: entendo que o art. 36 da lei nº 9.985/00 densifica o princípio do usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção da responsabilidade social (partilhada, insiste-se) pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. Prosseguindo, o Ministro Carlos Brito acrescenta que: 3 ADI 3378. Relator (a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 09/04/2008. Nessa ampla moldura, é de se inferir que o fato de, aqui e ali, inexistir efetivo dano ambiental não significa isenção do empreendedor em partilhar os custos de medidas preventivas. Isto porque uma das vertentes do princípio usuário-pagador é a que impõe ao empreendedor o dever de também responder pelas medidas de prevenção de impactos ambientais que possam decorrer, significativamente, da implementação de sua empírica empreitada econômica. Verifica-se que a compensação ambiental, conforme entendimento pacificado pelo STF possui amplo embasamento jurídico para sua cobrança. Nesse contexto, a legislação municipal que autoriza sua cobrança como exigência para o licenciamento de empreendimentos, assim como pela utilização de recursos ambientais, não se afigura inconstitucional. Necessário apenas verificar se a atividade ou conduta poderá resultar em danos para o meio ambiente e, diante do caso concreto, sua incidência repercutirá como uma imposição do ordenamento jurídico brasileiro. 3. FUNDAMENTOS DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL Não obstante se trate de um tema pouco discutido na doutrina e nos tribunais, a medida compensatória ambiental constitui importante ferramenta de proteção ao meio ambiente, encontrando-se prevista na Convenção da Biodiversidade, subscrita em 1992 e ratificada por meio do Decreto Legislativo no. 2, de 03 de fevereiro de 1994. O ordenamento jurídico brasileiro contempla diferentes possibilidades de cobrança de compensação ambiental, podendo ser citadas as seguintes hipóteses: a) A compensação ambiental já estava prevista na Lei da Política Nacional de Meio Ambiente – Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981 – tendo sido recepcionada pela Constituição de 1988. Trata-se de medida de natureza indenizatória e não de tributária, aplicável tanto ao poluidor quanto ao usuário dos recursos naturais, como prescreve o art. 4º., inciso VII da citada Lei: Art. 4º. A Política Nacional do Meio Ambiente visará: II – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos naturais. Observa-se, ainda, que o art. 9º, inciso IX, da citada Lei insere a compensação ambiental dentre os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente: Art. 9º - São Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental. Observa-se que a regra do inciso IX transcrito acima trata de temas absolutamente distintos, como é o caso da aplicação de penalidades e a compensação ambiental. A aplicação de penalidades pressupõe a prática de um ato ilícito, ou seja, em desconformidade com legislação. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, prevê a obrigação de reparar o dano ambiental causado, independentemente de dolo ou culpa. A responsabilidade é direta. A obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente decorre diretamente do texto constitucional, conforme art. 225, § 3º. Contudo, como registra Paulo de Bessa Antunes4, a obrigação de reparar danos não tem como fundamento a prática de um ato ilícito, pois muitos danos ambientais decorrem da prática de atos lícitos. O autor cita como exemplo o licenciamento de atividade de mineração, cujo empreendedor estará obrigado a proceder a reparação dos danos causados ao meio ambiente por força de sua atividade econômica, adotando solução técnica determinada pelo órgão ambiental, consoante determina o art. 225, § 2º da Constituição Federal de 1988. b) Outras hipóteses de compensação ambiental estão previstas também no Código Florestal, como é possível verificar em seu artigo 48, §§ 2º e 3º (compensação de área de reserva legal – antigo art. 44, inciso III). Antes de sua reforma, o art. 4º, § 4º disciplinava a supressão de vegetação em área de preservação permanente. Contudo, tal disposição foi suprimida na lei atual. c) A medida compensatória está prevista no art. 3º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que preceitua que a ação civil pública poderá ter por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, que inclui a recuperação específica, e a reparação por equivalente, nos demais casos; d) Segundo Paulo Antunes Bessa, a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que regulamenta a Política Nacional de Recursos Hídricos prevê em seus artigos 1º e 5º que: Art. 1º - A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos: II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico. Art. 5º São instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos: IV - a cobrança pelo uso de recursos hídricos. e) Outra hipótese está prevista no art. 17 da Lei federal nº 11.428/2006, que dispõe sobra a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, exigindo uma compensação como condição para seu corte e supressão. A reparação do dano causado ao meio ambiente constitui forma de compensação ambiental. Contudo, segundo Érica Bechara5, qualquer forma de reparação consiste numa tentativa de compensar a vítima pelo mal sofrido. Entende a citada autora que a compensação é um tipo específico de reparação, que não se confunde com a reparação in natura ou retorno ao status quo ante. Acresce que a reparação, sob perspectiva jurídica, pode ser compreendida sob três diferentes aspectos: i) reparação in natura; ii) reparação por equivalente; iii) reparação pecuniária. A reparação in natura devolve a coisa ao status quo ante, vale dizer, em se tratando de dano ao meio ambiente, seria o retorno a situação que antecede o dano, o que nem sempre é possível. A reparação por equivalente ou compensação ecológica caracteriza-se pela concessão de um benefício ou ganho ecológico às vítimas da lesão ambiental irreversível, ou seja, a coletividade, visando promover o equilíbrio ambiental. Por último, a fixação de indenização – compensação pecuniária ou financeira – como forma de reparar o dano ambiental. Salienta-se que os recursos financeiros originados de indenizações, em geral, são destinados aos fundos de defesa do meio ambiente. Tal previsão consta no art. 13, da Lei nº 7.347/1985, que regulamenta a ação civil pública: 4 ANTUNES, Paulo de Bessa. Política Nacional do Meio Ambiente: Comentários à Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p.158. 5 BECHARA, Érica. Licenciamento e Compensação Ambiental na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 138-139. Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. Vale ressaltar que a Lei nº 7.347/1985 foi regulamentada por outra Lei – 9008, de 21 de março de 1995 – a qual criou na estrutura organizacional do Ministério da Justiça, o Conselho Federal do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Em seu art. 1º, §§ 1 º e 3º, foram definidas as finalidades dos recursos oriundos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos referido pelo art. 13, da Lei nº 7.347/1985, conforme se observa adiante: Art. 1º Fica criado, no âmbito da estrutura organizacional do Ministério da Justiça, o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD). § 1º O Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos. § 3º Os recursos arrecadados pelo FDD serão aplicados na recuperação de bens, na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente relacionados com a natureza da infração ou do dano causado, bem como na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas relativas às áreas mencionadas no § 1º deste artigo. Registra-se que o ordenamento jurídico brasileiro não estabelece uma ordem de preferência entre os vários instrumentos de reparação ambiental. No entanto, considerando-se a natureza do bem ambiental, sustenta-se que a reparação in natura apresenta maior possibilidade de contribuir para o equilíbrio ambiental, sendo, por essa razão preferível as demais formas de reparação. Pode ocorrer, porém, impedimento de ordem técnica que torne inviável a reparação do dano. Nesta hipótese a opção recairá sobre a reparação financeira, devendo o órgão ambiental dar destinação adequada aos recursos recebidos. A compensação ambiental deve ser utilizada para fazer cumprir a norma do art. 225 da Constituição Federal de 1988, assegurando o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Nesse sentido, é dever do poder público, por meio de seus órgãos ambientais, perseguir a redução e a mitigação de impactos ambientais, mediante a adoção de medidas preventivas e/ou mitigadoras, visando evitar ou minimizar os impactos ocasionados com a implantação de empreendimentos. 4. NATUREZA JURÍDICA DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL No que concerne a sua natureza jurídica, entende-se que a compensação ambiental possui nítida característica indenizatória relacionada a obrigação de reparar o dano. Trata-se de responsabilidade civil objetiva, exigindo para sua confirmação apenas a existência do dano e do nexo de causalidade vinculando o dano ao sujeito/agente responsável. A compensação ambiental não possui natureza de tributo, não se tratando de taxa como equivocadamente sustentam alguns. Em certo sentido, pode-se compará-la a uma espécie de contribuição imposta ao usuário, em decorrência do uso dos recursos naturais com fins econômicos. Contudo, sua finalidade é clara, visa onerar o usuário pela utilização dos recursos naturais, no intuito de racionalizar o uso desses recursos e de promover um melhor aproveitamento de um patrimônio que pertence a comunidade, as gerações presentes e futuras. De resto, cabe ainda reforçar a natureza jurídica da medida compensatória ambiental. Tal instrumento afigura-se como mecanismo de caráter indenizatório – trata-se de uma indenização legalmente imposta em razão dos impactos ambientais que possam decorrer da implantação de empreendimento. Por tais razões, nota-se que a compensação ambiental possui natureza completamente diversa de quaisquer espécies tributárias. Considere-se ademais que o Direito mais se atém à essência das coisas do que a seu nomem júris, eis porque se deve realçar que não se trata de uma espécie tributária. A medida compensatória tem por escopo promover a reparação do dano causado ao meio ambiente, ainda que se refira a dano potencial ou dano futuro. Permite composição prévia e possui, no caso de Fortaleza, expresso fundamento legal, sendo exigível em razão dos impactos ambientais ocasionados pela implantação de empreendimento. Disso decorre sua natureza completamente diversa das espécies tributárias. Observa-se que o voto do Min. Carlos Brito elucida tal distinção, haja vista que ao relatar a ADI nº 3378/DF, interposta pela Confederação Nacional da Indústria contra o ar. 36, da Lei 9.985/00, que institui a compensação ambiental nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, o Ministro cuidou de destacar os elementos caracterizados da medida compensatória de par com a finalidade do instituto: O Tribunal iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria – CNI contra o art. 36, caput e parágrafos, da lei 9.985/2000, que determina que, nos casos de licenciamento ambiental, o empreendedor será obrigado a apoiar, nos termos que disciplina, a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral. O Min. Carlos Britto, relator, julgou improcedente o pedido formulado. Ressaltou que a Lei 9.985/2000, tendo em conta o especial trato conferido pela Constituição Federal ao meio ambiente, criou uma forma de compartilhamento das despesas com as medidas oficiais de específica prevenção em face de empreendimentos de significativo impacto ambiental. Afirmou que esse compartilhamento compensação ambiental não viola o princípio da legalidade, já que a própria lei impugnada previu o modo de financiar os gastos da espécie, nem ofende o princípio da harmonia e independência dos Poderes, visto que não houve delegação do Poder Legislativo ao Executivo da tarefa de criar obrigações e deveres aos administrados. O relator asseverou que a definição do valor do financiamento compartilhado não é arbitrária, uma vez que o órgão licenciador, cuja atuação está jungida aos princípios elencados no art. 37 da CF, deve estrita observância aos dados técnicos do EIA/RIMA, cabendo ao Poder Judiciário impedir, no caso concreto, os excessos ocasionais quanto à sua fixação. No ponto, destacou que o valor mínimo da compensação foi fixado em 0,5% dos custos totais com a implantação do empreendimento ante a impossibilidade de o legislador ordinário prever o grau do impacto ambiental provocado por essa implantação, restando atendido o que previsto no inciso IV do art. 225 da CF, que exigiu a elaboração de prévio estudo de impacto ambiental para a validade de qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ao meio ambiente. Também considerou que o dispositivo hostilizado densifica o princípio usuário-pagador, que impõe ao empreendedor a obrigação de responder pelas medidas de prevenção de impactos ambientais que possam decorrer da implementação da atividade econômica, razão pela qual a inexistência de efetivo dano ambiental não exime o empreendedor do compartilhamento dos custos dessas medidas. Por fim, afastou o argumento de desrespeito ao princípio da razoabilidade, dado que a compensação ambiental é instrumento adequado ao fim visado pela CF de preservação do meio ambiente; não há outro meio eficaz para atingir tal finalidade; e o encargo imposto é compensado de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. Após, pediu vista dos autos o Min. Marco Aurélio. ADI 3378/DF, rel Min. Carlos Britto, 14.6.2006. (ADI-338) Por conseguinte, não há dúvida de que a compensação ambiental possui robusto fundamento na ordem jurídica e natureza tipicamente indenizatória. Ademais, deve ser considerado que a proteção ao meio ambiente ocupa papel de destaque no texto constitucional, revestindo status de direito fundamental, como se depreende da leitura do art. 225. Não sem razão o legislador constituinte inscreveu o princípio do poluidor-pagador, previsto no art. 225, § 3º, de forma expressa no texto constitucional, cuja redação estabelece o seguinte: Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Paulo Affonso Leme Machado assevera que:6 O princípio do usuário-pagador não é uma punição, pois mesmo não existindo qualquer ilicitude no comportamento do pagador ele pode ser implementado. Assim, para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso ou pela sua poluição não há necessidade de ser provado que o usuário e o poluidor estão cometendo faltas ou infrações. No entendimento do citado autor fica claro que os custos advindos da medida de compensação serão invariavelmente repassados aos que usufruam do empreendimento potencialmente danoso ao meio ambiente. Nesse sentido, não se pode dizer que se trata 6 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, Editora Malheiros, 12ª edição, p. 54 simplesmente de uma imposição legal, haja vista que os custos ambientais são compartilhados entre todos que adquirem os produtos ou serviços cujos nexos etiológicos se relacionem ao empreendimento de significativo impacto ambiental. Isso certamente se aproxima de uma justa distribuição de ônus. Érica Bechara7 destaca que a compensação ambiental, diferentemente do que ocorre no modelo clássico da responsabilidade civil, não se afigura um dever do empreendedor, mas sim um ônus. Nada mais que um ônus a ser suportado pelo empreendedor que planeja exercer sua atividade econômica licitamente. 5. MEDIDA COMPENSATÓRIA AMBIENTAL Como noticiado acima, a compensação ambiental possui natureza jurídica indenizatória e está relacionada a hipótese prevista no art. 36 da Lei nº 9.985/2000 (SNUC). No entanto, a medida compensatória é exigível nos procedimentos de licenciamento ambiental concernentes a empreendimentos e/ou atividades, cujos impactos sejam considerados medianos ou de menor grau. A exigência de prévia reparação constitui requisito para liberação de licença ambiental, constituindo prática comum dos órgãos ambientais. Sustenta-se que a distribuição prévia dos riscos inerentes aos empreendimentos potencialmente danosos ao meio ambiente, como se dá por intermédio das medidas compensatórias é ademais consentânea com o princípio da precaução. Esse o entendimento do Prof. Leme Machado: O princípio da precaução entra no domínio do direito público que se chama “poder de polícia” da administração. O estado, que, tradicionalmente se encarrega da salubridade, da tranqüilidade, da segurança, pode e deve para esse fim tomar medidas que contradigam, reduzam, limitem, suspendam algumas das liberdades do homem e do cidadão: expressão, manifestação, comércio, grandes empresas. O princípio da precaução estende este poder de polícia [...] ao aplicar o princípio da precaução os governos encarregamse de organizar a repartição de carga dos riscos tecnológicos, tanto no espaço como no tempo.8 Toshio Mukai9, citando Fernando Alves Correia se manifestam no mesmo sentido: O princípio da prevenção pode ser visto como um quadro orientador de qualquer política moderna do ambiente. Significa que deve ser dada prioridade às medidas que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente [...] as atuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser considerados de forma antecipada, reduzindo ou eliminado as causas, prioritariamente à correção dos efeitos dessas ações ou atividades suscetíveis de alterarem a qualidade do ambiente. 7 BECHARA, Érica. Licenciamento e Compensação Ambiental na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 204. 8 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 68. 9 MUKAY, Toshio. P. 35-36. A incidência da compensação ambiental, em regra, afasta a cobrança da medida compensatória. É possível que haja superposição quando ambas estiverem relacionadas ao mesmo dano ambiental, como ocorre na hipótese prevista no art. 32, da Lei nº11.428/2006. No que concerne a cobrança de medida compensatória ambiental instituída pela Lei municipal nº 8.738/03, do Município de Fortaleza, sustenta-se sua constitucionalidade em razão de guardar sintonia não só com o sistema normativo ambiental, mas, em especial, com as normas constitucionais. 5.1 Da constitucionalidade do dispositivo da Lei Municipal A cobrança da medida compensatória ambiental realizada pelo Município de Fortaleza possui fundamento em normas constitucionais de forte conteúdo axiológico, harmonizando-se com o sistema normativo de proteção ao meio ambiente. Não obstante sua fundamentação teórica, de indiscutível constitucionalidade, o art. 10 da Lei Municipal nº 8.738, de 10 de julho de 2003, do Município de Fortaleza, que regulamenta a cobrança da medida compensatória ambiental para as atividades passíveis de licenciamento ambiental tem sido questionada pelo segmento da construção civil, em decorrência do entendimento equivocado de que este instrumento de política ambiental é, na realidade, uma taxa, possuindo, portanto, natureza tributária. A irresignação do pagamento da medida compensatória revela, em verdade, uma resistência contra a inversão de recursos para tutelar o meio ambiente. Mais que isso, consubstancia uma apropriação indevida de um bem jurídico tutelado pela Constituição Federal de 1988, a saber, o meio ambiente adequado ou sadio. A imposição da medida compensatória encontra forte respaldo na ordem jurídica. Contudo, ao discutir a legalidade de sua cobrança, o sindicato da construção civil denominou de “taxa” o instituto da medida compensatória ambiental, chegando inclusive a inventar uma sigla “TCA”, que viria a ser Taxa de Compensação Ambiental. O fato causa estranheza, uma vez que em nenhum texto normativo, federal ou municipal, nem tampouco nos documentos administrativos oriundos do Município, denomina-se como taxa a medida compensatória ambiental. A medida compensatória ambiental regulamentada pela legislação municipal está dentro dos exatos limites traçados pela Constituição de 1988 e pelas normas federais. A disposição normativa municipal é constitucional (anota-se que eventual incompatibilidade entre normas federal e municipal não traduziria vício de inconstitucionalidade). A redação do art. 10 da Lei Municipal nº 8.738/03 é bastante clara, não deixa margem para outras interpretações, não se justificando a alegação de que se trata de uma taxa, como se pode constatar em seguida: Art. 10 – Para fazer face à reparação dos danos ambientais, causados pelas atividades utilizadoras ou degradadoras do meio ambiente, o licenciamento das atividades definidas em Lei terá como requisito a destinação de percentual não inferior a 0,5% (meio por cento) dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, visando à criação, conservação e preservação de áreas especialmente protegidas e à proteção do meio ambiente natural e artificial, revertido em favor do Fundo Municipal de Defesa do Meio Ambiente. Transcreve-se também o art. 36, da Lei Federal nº 9.985/2000, a fim de que se faça o necessário cotejo entre ambas: Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei. §1º O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento. Verifica-se que o dispositivo da Lei Municipal comunica-se perfeitamente com o regramento federal da matéria, em todos os seus termos, seja quanto ao percentual mínimo aplicável, seja quanto à destinação dos recursos aferidos, seja quanto à tomada do custo do empreendimento para a aferição do valor da compensação. Entende-se que o critério estabelecido para o cálculo da compensação ambiental, ou seja, toma-se como base o custo de implantação do empreendimento, pode mesmo não corresponder ao dano real ou futuro causado ao meio ambiente, todavia, não é este o objeto da questão. Aliás, este critério deixou de existir a partir da decisão do STF na ADI nº 3378, já mencionada. Acrescenta-se, por outro lado, que a própria natureza do patrimônio ambiental dificulta sua quantificação em termos valorativos, ou, poder-se-ia dizer, estabelecer a precificação de determinado impacto ambiental, consoante assevera diz Edis Milaré: O dano ambiental é de difícil valoração, porquanto a estrutura sistêmica do meio ambiente dificulta ver até onde e até quando se estendem as seqüelas dos estragos. Com efeito, o meio ambiente, além de ser um bem essencialmente difuso, possui em si valores intangíveis e imponderáveis que escapam às valorações correntes (principalmente econômicas e financeiras), revestindo-se de uma dimensão simbólica e quase sacral, visto que obedece a leis naturais anteriores e superiores à lei dos homens. 10 A Lei Municipal, como se pode perceber, reproduziu um critério fixado na legislação federal, o que é plenamente justificável e compreensível. Outros métodos de aferição poderiam ter sido adotados, porém, a municipalidade optou por utilizar um critério praticado na esfera federal. Não é demais lembrar que a Constituição Federal de 1988 atribuiu aos municípios a obrigação de proteger o meio ambiente e a poluição em todas as suas formas como anota Edis Milaré: Observa-se que este artigo (CF, 24) não explicita a competência legislativa do Município, o que tem levado muitos à conclusão precipitada que ele não teria competência normativa na matéria. Levado ao pé da letra tal entendimento, chegar-se-ia ao absurdo de sustentar também que ele não tem competência também para legislar sobre urbanismo, por ser matéria de competência concorrente incluída no art. 24. 10 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 4ª Edição. São Paulo: RT, 2005, p, 739-741. É evidente disparate! Se a Constituição conferiu-lhe poder para “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” – competência administrativa -, é obvio que, para cumprir tal missão, há que poder legislar sobre a matéria. Acrescente-se ademais, que a Constituição Federal, entre as inúmeras competências conferidas ao Município, entregou-lhes a de, em seu território, legislar supletivamente à União e aos Estados sobre proteção do meio ambiente.11 Reitera-se que a medida compensatória ambiental afigura-se como instrumento de caráter indenizatório – trata-se de uma indenização legalmente imposta em razão dos impactos ambientais que possam decorrer da implantação de empreendimento. Evidencia-se assim, que possui natureza completamente diversa de quaisquer espécies tributárias. 5.2 Da construção civil como atividade poluidora O sindicato da construção civil afirma ser ilegal a cobrança da medida compensatória ambiental. O fundamento de seu questionamento reside no fato de que a atividade da indústria da construção civil não estaria expressamente contemplada no anexo III, da Lei Municipal nº 8.738/03, o qual elenca atividades potencialmente poluidoras do meio ambiente. Ocorre, entretanto, que referido anexo remete ao art. 1º, da Lei, que trata do licenciamento ambiental e da respectiva taxa. Não há porque confundir medida compensatória com licenciamento ambiental e taxa de licenciamento. São coisas distintas e com fundamentos também distintos. Ademais, os anexos da Lei Municipal nº 8.38/03 não se referem à cobrança da medida compensatória ambiental, que nela é tratado apenas em seu art. 9º, ao alterar o art. 10 da Lei Municipal nº 8.692/02. Não há dúvida de que a atividade da indústria da construção civil apresenta potencial lesivo ao meio ambiente. A Resolução nº 307 do CONAMA, ao tratar dos resíduos produzidos pela construção civil, assenta a preocupação daquele órgão com o grave impacto que isso implica no meio ambiente, destacando que: Considerando a necessidade de implementação de diretrizes para a efetiva redução dos impactos ambientais gerados pelos resíduos oriundos da construção civil; considerando que a disposição de resíduos da construção civil em locais inadequados contribui para a degradação da qualidade ambiental; Considerando que os resíduos da construção civil representam um significativo percentual dos resíduos sólidos produzidos nas áreas urbanas; Os empreendimentos imobiliários, as edificações em geral, produzem significativo impacto ambiental, não sendo possível olvidar que o meio ambiente urbano é igualmente digno de proteção, de modo a evitar ou atenuar as intervenções na Cidade que importem em prejuízos para a harmonia da ordem urbanística, como bem assinala Fiorillo: 11 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 4ª Edição. São Paulo: RT, 2005, p, 230. (...) essa (classificação) busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido”.12 Assim é que o conceito de Meio Ambiente pode ser abordado sob os seguintes aspectos: Meio Ambiente Natural, Artificial, Cultural e do Trabalho.13 Raimundo Melo acrescenta que o Meio Ambiente Artificial pode ser definido da seguinte maneira: O meio ambiente artificial é o espaço urbano habitável, constituído pelo conjunto de edificações feitas pelo homem, estando ligado ao conceito de cidade, embora não exclua os espaços rurais artificiais criados pelo homem. Diz respeito aos espaços fechados e equipamentos públicos, recebendo tratamento especial na nossa Constituição Federal nos arts. 5º, XXIII, 21, XX, 182 e 225, sendo seus principais valores a sadia qualidade de vida e dignidade da pessoa humana.14 No mesmo sentido, Sachs fala em “sustentabilidade espacial” que deve “ser dirigida para a obtenção de uma configuração rural-urbana mais equilibrada e uma melhor distribuição territorial dos assentamentos humanos e das atividades econômicas”.15 A Constituição Federal de 1988 atribui a mesma dignidade ao Meio Ambiente Urbano quando em cotejo com os demais aspectos do Meio Ambiente. Não é por outro motivo que Paulo de Bessa Antunes chega mesmo a afirmar que “os principais problemas ambientais globais, pode-se dizer, têm sua origem na urbanização e na industrialização”16 Tal entendimento não está dissociado das normas constitucionais, como é exemplo o art. 182 que trata da política urbana: Art.182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. A divisão do meio ambiente nas suas diversas vertentes tem como única finalidade proceder a sistematização da abordagem dos problemas específicos de cada área e, desse modo, conferir maior eficácia aos mecanismos de combate aos atos a ele degradantes. Esse entendimento é ressaltado por Paulo de Bessa Antunes, senão vejamos: O conceito de meio ambiente é totalizador. Embora possamos falar em meio ambiente marinho, terrestre, urbano etc. essas facetas são partes de 12 FIORILLO, Celso A. Pacheco, Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p, 19 apud MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do Trabalho e Saúde do Trabalhador. São Paulo: LTR, 2004. 13 MELO, Raimundo Simão de. Op, cit, p. 27 14 MELO, Raimundo Simão de. Op, cit., p. 28 (Grifo nosso). 15 SACHS, Ignacy. Estratégias de Transição para o Século XXI. In; BURSZTYN, Marcel. Para Pensar o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: Brasiliense, 1993, Cap. 1, p.36. apud BARACHO JR, José Alfredo de Oliveira. Responsabilidade Civil por Dano ao Meio Ambiente. Belo Horizonte: Del Rey. 1999, p. 190. (Grifo nosso) 16 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2000, p. 134(Grifo nosso). um todo sistematicamente organizados onde as partes, reciprocamente, dependem uma das outras e onde o todo é sempre comprometido cada vez que uma parte é agredida.17 Em razão da perspectiva sob a qual se coloca a vertente artificial do Meio Ambiente, com mais razão não se pode colocar a indústria da construção civil às margens da disciplina ambiental e da imposição das medidas de compensação ambiental. Isto seria o mesmo que aceitar os custos das externalidades negativas ambientais, privatizando-se os lucros e socializando-se as perdas. Tornase imperiosa a necessidade de promover o crescimento econômico nos limites da sustentabilidade ambiental, daí resulta a importância da medida compensatória ambiental. CONCLUSÃO O direito ao meio ambiente adequado possui status de direito fundamental, sendo um direito inseparável do próprio direito à vida, decorrendo dessa constatação os fundamentos de sua proteção jurídica. A ecologia, como anota Perez-Luño, representa o marco global para um novo enfoque nas relações entre o homem e seu entorno, podendo resultar na utilização racional dos recursos energéticos e substituir o crescimento desenfreado, ora considerado em termos meramente quantitativo para conduzir ao uso equilibrado dos recursos da natureza, tornando possível uma real qualidade de vida. A incidência imediata da natureza na existência humana, bem como a contribuição decisiva ao seu desenvolvimento é o que justifica sua inclusão no âmbito dos direitos fundamentais.18 Observa-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ou adequado está estreitamente relacionado ao direito ao desenvolvimento, que também possui idêntica estatura de direito humano. Ademais, o direito ao desenvolvimento referido ao princípio do desenvolvimento sustentável, impõe que sejam atendidas às necessidades e aspirações do presente sem comprometer a habilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades, criando-se, portanto, um vínculo entre o direito ao desenvolvimento e o direito ao meio ambiente sadio.19 O princípio do desenvolvimento sustentável, afirmado pela Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, datada de 1986, determina que o meio ambiente e o desenvolvimento sejam enfocados conjuntamente, considerando-se que estes elementos são indivisíveis e afetos ao interesse comum da humanidade.20 A afirmação do citado princípio requer, também, que sejam atendidas necessidades básicas como alimentação, saúde, moradia, educação, bem como de um meio ambiente sadio, assim como a liberdade e a segurança das pessoas.21 Assegurar o atendimento das necessidades dos cidadãos no tocante à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento de atividades econômicas é o desafio imposto pelo Estatuto da Cidade, portanto, a política urbana e o meio ambiente não podem ser considerados departamentos estanques. Resta claro que as diretrizes estabelecidas para uma política urbana eficiente deverão considerar, necessariamente, aspectos relacionados ao uso dos recursos naturais, considerando-se que os problemas ambientais e sociais ocorrem, de regra, na esfera local, para onde convergem mais 17 ANTUNES, op cit., p. 183. (Grifo nosso) LUÑO, Antonio-Enrique Perez. La Tercera Generación de Derechos Humanos. Navarra: Editorial Aranzadi, 2006, p. 30. 19 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Ob. cit., p. 165. 20 CANÇADO TRINDADE. Antônio Augusto.Direitos Humanos e Meio Ambiente: Paralelo dos Sistemas de Proteção Internacional. Porto Alegre: Fabris Editor, 1993, p. 165-166. 21 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Ob. cit., p. 178-179. 18 imediatamente as carências da população em termos de serviços públicos como habitação, saúde, educação, saneamento, transporte, assistência à pobreza, meio ambiente e planejamento urbano. Assim, para assegurar o exercício do direito ao meio ambiente adequado, considerado direito fundamental, essencial à sadia qualidade de vida, ou, com outras palavras, minimamente condizente com a dignidade da pessoa humana e o próprio direito à vida, deverá o poder público compor interesses diversos, sob pena de tornar suas normas ineficazes. No que concerne a aplicação de medida compensatória ambiental, matéria de interesse deste trabalho, entendo que sua incidência ficará vinculada as técnicas e processos produtivos utilizados pelos empreendedores, vale dizer, estudos técnicos poderão estabelecer as situações e as condições de sua aplicabilidade de maneira mais apropriada.