Artigo Original LARINGECTOMIA PARCIAL SUPRACRICÓIDEA: RESULTADOS PRELIMINARES SUPRACRYCOID PARTIAL LARYNGECTOMY: PRELIMINARY RESULTS 1 Alfio José Tincani André Del Negro2 Priscila Pereira Costa Araújo3 4 Hugo Kenzo Akashi 4 Flavia Silva Pinto Neves Antônio Santos Martins5 RESUMO Introdução: A laringectomia parcial supracricóidea é uma alternativa no tratamento de lesões malignas da laringe que não são candidatas à laringectomia vertical ou supraglótica, evitando a laringectomia total. Pacientes e método: Avaliamos os resultados de treze pacientes portadores de carcinoma epidermóide de laringe, suas seqüelas funcionais, as principais complicações e a sobrevida. Os pacientes foram tratados com laringectomia parcial supracricóidea no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da UNICAMP, entre 2001 e 2005. A idade média dos doentes foi de 55 anos. Em dez casos, ambas as aritenóides foram preservadas e, em três casos, apenas uma. Dois pacientes receberam radioterapia adjuvante. Resultados: Doze (92%) pacientes foram decanulados e apenas um não conseguiu ser decanulado devido à aspiração. Nenhum dos pacientes manteve uso da sonda de alimentação por dificuldade na deglutição. A aspiração ocorreu em três (23%) dos pacientes, embora apenas um apresentasse pneumonia. Conclusão: A cirurgia demonstrou ser segura e oncologicamente satisfatória para pacientes selecionados que seriam tratados com laringectomia total. Terapia fonoaudiológica no pós-operatória é fundamental para reduzir complicações, como aspiração pulmonar e melhorar a qualidade vocal dos pacientes. Palavras-chave: Laringectomia parcial supracricóidea; 1.Professor Assistente Doutor 2. Médico Assistente 3.Ex-Residente 4. Residente 5. Chefe do Serviço Instituição: Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Departamento de Cirurgia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas/SP laringe; carcinoma espinocelular. ABSTRACT: Introduction: Supracrycoid partial laryngectomy is an alternative in the management of malignant laryngeal tumors which could not be treated by standard vertical or supraglottic laryngectomy, preserving the patient's speech and avoiding the total laryngectomy. Materials and methods: We analyzed the results in thirteen patients with squamous cell carcinoma of the larynx, their functional sequelae, pulmonary complications and overall survival of the patients treated with partial supracrycoid laryngectomy in the Service of Head and Neck Surgery of the Department of Surgery of UNICAMP, between 2001 and 2005. The mean age was 55. In ten cases, both arytenoid cartilages were spared and in three, only one was preserved. Two patients received adjuvant radiation therapy. Results: Twelve patients (92%) were decanulated; only one did not tolerate decanulation due to aspiration. None of the patients kept the nasoenteral feeding tube for deglutition impairment. Aspiration occurred in three (23%) patients, although only one presented pneumonia. Conclusion: The surgery is safe and oncologically adequate for selected patients that otherwise would be treated through total laryngectomy. Postoperative speech therapy is essential in order to minimize complications such as lung aspiration and to improve speech quality of these patients. Key words: Supracricoid partial laryngectomy; larynx; squamous cell carcinoma. Recebido: 02/10/05; aceito: 03/12/05 Endereço para contato: André Del Negro, Rua Governador Pedro de Toledo, 2157, ap. 141 13400-075 Piracicaba, Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 35, nº 1, p. 22-25, janeiro / fevereiro / março 2006 22 INTRODUÇÃO 1 Inicialmente descrita por Piquet em 1974 e popularizada por Lacourreye em 19902, a laringectomia parcial supracricóidea com crico-hioido-epiglotopexia (CHEP) ou crico-hioidopexia (CHP) é uma alternativa no tratamento de lesões malignas da laringe que não seriam candidatas a laringectomias mais conservadoras, como a laringectomia vertical ou a supraglótica, mas que também preserva a fonação dos pacientes e evita os inconvenientes da laringectomia total. Trata-se de cirurgia oncologicamente satisfatória para ablação de tumores glóticos e supraglóticos, pois envolve a ressecção de ambos os espaços paraglóticos, toda a cartilagem tireóidea, além do espaço pré-epiglótico, preservando o osso hióide, que constituem as maiores áreas de risco para disseminação tumoral3. Neste estudo retrospectivo, analisamos nossa série de treze pacientes portadores de carcinomas laríngeos da glote ou supraglote que foram submetidos à laringectomia parcial supracricóidea com CHEP ou CHP, seus resultados funcionais, como o tempo para decanulação e o uso de sonda naso-enteral (SNE), as complicações pulmonares e a sobrevida dos pacientes. pós-operatório. As tabelas 1 e 2 mostram os dados dos pacientes estudados. Todos os pacientes receberam fonoterapia nos primeiros dias de pós-operatório, na tentativa de minimizar-se o risco de aspiração e melhorar as capacidades de fonação e deglutição. Não foram utilizados métodos de imagem (videofluoroscopia) para avaliar e quantificar a presença da aspiração pulmonar, sendo os achados baseados exclusivamente no quadro clínico do paciente e, quando da suspeita de pneumonia, apenas foi realizada radiografia simples do tórax. PACIENTES E MÉTODO Foram avaliados treze pacientes portadores de carcinoma epidermóide primário de laringe glótica e supraglótica entre 2001 e 2005, submetidos à laringectomia parcial supracricóidea com CHEP ou CHP. Nove eram do gênero masculino e quatro do feminino. A idade média dos pacientes foi de 55 anos, variando de 40 a 71 anos. Em dez casos, ambas as aritenóides foram preservadas e, em três, apenas uma. Essa condição ocorreu na dependência de invasão tumoral, avaliada no préoperatório com nasofaringolaringoscopia flexível e, sempre que possível, confirmada com laringoscopia de suspensão. Esvaziamento cervical seletivo, envolvendo as cadeias de maior risco para metástases ocultas (níveis II, III e IV), foi realizado bilateralmente em todos os casos de tumores supraglóticos. Para tumores glóticos, o esvaziamento cervical bilateral foi empregado apenas para lesões T3 ou com linfonodos clinicamente palpáveis, menores que 3 centímetros (doença cervical N1). A decisão de empregar radioterapia adjuvante em dois pacientes foi devido à extensão tumoral (T3) ou à presença de margens exíguas no relatório do exame anátomo-patológico. Foram seguidas as indicações recomendadas para o procedimento segundo Lacourreye2 em que, para lesões glóticas T1 ou T2 e ainda casos selecionados de tumores transglóticos T3, procedemos à laringectomia supracricóidea com CHEP; e para os tumores supraglóticos T1 ou T2 com extensão para ventrículo ou epiglote infra-hioidéia ou ainda extensão glótica para a comissura anterior, procedemos à laringectomia supracricóidea com CHP. Não foram incluídos na casuística pacientes portadores de recidivas tumorais, pois acreditamos que, para esses casos, imponha-se a laringectomia total como resgate cirúrgico, por tratar-se de doença agressiva e pela dificuldade de avaliarem-se as margens microscópicas de congelação durante o ato cirúrgico. Avaliamos os dados referentes ao tempo de uso da cânula de traqueostomia e decanulação e a ocorrência de aspiração pulmonar, assim como o tempo de uso de sonda enteral para alimentação e a capacidade de deglutição no 23 Tabela 1 - Pacientes tratados. Legenda: M: masculino; F: feminino; RT: Radioterapia; QT: Quimioterapia; N: nada Tabela 2 - Resultados. Legenda: PNM: pneumonia; S: sim; N: não RESULTADOS Quando avaliamos os resultados funcionais em relação ao tempo de uso da cânula de traqueostomia, verificamos que, dentre os pacientes estudados, doze (92%) foram decanulados com sucesso após treinamento fonoterápico adequado, sendo que apenas um paciente, que teve ambas aritenóides preservadas, não tolerou a decanulação. O tempo médio para decanulação entre os dez pacientes com ambas aritenóides preservadas foi de 16,3 dias (variando de 4 a 75 dias); já para os três pacientes com apenas uma aritenóide preservada o tempo médio foi de 181 dias (variando de 28 na 480 dias), mostrando a importância da preservação, sempre que factível, de ambas as aritenóides. Quando estudamos os resultados funcionais da deglutição em tempo de uso de SNE para alimentação, observamos que o tempo médio para retirada entre os dez pacientes com ambas as aritenóides preservadas foi de 16,7 dias (variando de 5 a 70 dias); e, para os três pacientes com apenas uma aritenóide preservada, a média foi de 31 dias (variando de 21 a 42 dias), confirmando os achados anteriores em relação à preservação das aritenóides. Para os pacientes que mantiveram a cânula de traqueostomia, a SNE foi retirada no sétimo dia pósoperatório sem complicações pulmonares como aspiração ou pneumonia. Nenhum dos pacientes manteve uso da SNE por dificuldade de deglutição. Quando avaliamos o índice de aspiração, observamos que essa ocorreu em 3 (23%) dos pacientes, embora apenas um apresentasse pneumonia. No entanto, todos os portadores de aspiração laringo-traqueal foram submetidos à cirurgia em que ambas aritenóides foram preservadas. Embora o tempo de seguimento seja curto e a casuística modesta, os resultados oncológicos do procedimento em nosso serviço mostraram que apenas um paciente apresentou recidiva local, sendo tratado com laringectomia total associada à radioterapia adjuvante. Durante o seguimento, esse paciente apresentou nova recidiva na região para-estomal e foi submetido à nova ressecção cirúrgica após 53 meses de seguimento. Discussão No presente estudo, treze pacientes portadores de carcinoma espinocelular glótico e supraglótico estadiados como T1, T2 ou T3 foram submetidos à laringectomia parcial supracricóidea com CHEP ou CHP, numa tentativa de tratarse adequadamente o tumor, alcançando o mesmo controle local da laringectomia total, preservando as funções de fonação e deglutição. Em nosso serviço, não realizamos cirurgias parciais em lesões em estádio T4, embora alguns estudos recentes mostraram não haver benefício com cirurgias mais radicais, mesmo para resgate cirúrgico4-7. Nosso principal objetivo foi avaliar os resultados funcionais pós-operatórios e as complicações decorrentes do procedimento numa série preliminar de treze pacientes. Nossos resultados funcionais foram bastante satisfatórios, pois 92% dos pacientes foram decanulados e 100% tiveram a SNE retirada, com bom desempenho na deglutição e fonação. Outros autores também obtiveram resultados semelhantes8-10, embora suas séries envolvessem um maior número de pacientes. Karasalihoglu et al. Obtiveram, em sua série de 68 pacientes submetidos à laringectomia supracricóidea com CHEP ou CHP, 100% de decanulação, com média de 27,7 dias, com apenas um caso de aspiração pulmonar. Verificaram melhores resultados funcionais nos pacientes que foram submetidos à CHEP8. Em outro estudo, Akbas e Demireller obtiveram 98% de sucesso na decanulação e, assim como em nosso estudo, apenas um paciente que teve ambas aritenóides preservadas não tolerou a decanulação. Seu tempo médio foi de 20 dias quando ambas aritenóides foram preservadas e 41 dias quando apenas uma foi preservada, com um caso de aspiração pulmonar em paciente que teve a parede lateral do seio piriforme ressecada durante a cirurgia10. Tais resultados são comparáveis aos nossos, embora seu estudo não envolva pacientes submetidos à CHEP. No estudo de Yuceturk e Gunhan, que envolveu quinze pacientes portadores de tumores T2 ou T3, observamos média de seis dias para início da dieta oral, variando de três a dez dias, com retirada da SNE, em média, no décimo sexto dia. Neste estudo, todos os pacientes foram decanulados com sucesso entre o 10º e o 38º dia pósoperatório. Verificaram também melhores resultados funcionais entre os pacientes que tiveram ambas as aritenóides preservadas9. Quanto à sobrevida, todos os autores referem resultados sobreponíveis entre a laringectomia supracricóidea e a laringectomia total2,4-10. Não tivemos óbito pela doença em nossa série, embora o tempo de seguimento seja curto e o número de pacientes pequeno. Apenas um paciente apresentou recidiva local, sendo submetido à laringectomia total seguida de radioterapia complementar, com controle adequado da doença. Acreditamos que, com maior tempo de seguimento pós-operatório e maior número de pacientes, nossos resultados devam assemelhar-se aos dados verificados na literatura. CONCLUSÕES Embora tempo de hospitalização prolongado e reabilitação funcional complexa sejam apontados como desvantagens da laringectomia parcial supracricóidea, a cirurgia é segura e oncologicamente satisfatória, desde que indicada para pacientes selecionados, que seriam tratados com laringectomia total e enfrentariam seus inconvenientes (traqueostomia definitiva, reabilitação fonatória com prótese, entre outras). Acreditamos que o sucesso da cirurgia dependa de rigorosa terapia fonoaudiológica no pós-operatório, realizada por profissional experiente, pois reduz o índice de complicações, como aspiração pulmonar e melhora significativamente a qualidade fonatória dos pacientes. REFERÊNCIAS 1.Piquet JJ, Desaulty A, Decroix G. Crico-hyoido-pexie. Technique operatoire et resuts fonctionels. Ann Otolaryngol Chir Cervicofac. 1974;91:681-89. 2.Lacourreye H, Lacourreye O, Weinstein G et al. Supracrycoid partial laryngectomy with crycohyoidopexy: a partial laryngeal procedure for selected supraglottic and transglottic carcinomas. Laryngoscope. 1990;100:765-761. 3. Pressman J. Submucosal compartmentation of the larynx. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1956;65:766-770. 4.Bron L, Brossard E, Monnier P et al. Supracrycoid partial laryngectomy with crycohyoidoepiglottopexy and crycohyoidopexy for glottic and supraglottic carcinomas. 24 Laryngoscope. 2000;110(4):627-34. 5.Spriano G, Pellini R, Romano G et al.. Supracrycoid partial laryngectomy as salvage surgery after radiation failure. Head Neck. 2002;24(8):759-65. 6. Lacourreye O, Brasnu D, Biacabe B et al. Neo-adjuvant chemotherapy and supracrycoid partial laryngectomy with crycohyoidopexy for advanced endolaryngeal carcinoma classified as T3-T4: 5-year oncologic results. Head Neck. 1998;20:595-99. 7. Gallo A, Manciocco V, Simonelli M et al. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;131(7):620-5. 8. Karasalihoglu AR, Yagiz R, Tas A et al. Supracricoid partial laryngectomy with crycohyoidopexy and crycohyoidoepiglottopexy: functional and oncological results. J Laryngol Otol. 2004;118(9):671-5. 9. Yuceturk AV, Gunhan K. Supracrycoid laryngectomy: oncological and functional outcome. Kulak Burun Bogaz Ihthis Derg. 2004;13(3-4):57-61. 10. Akbas Y, Demireller A. Oncological and functional results of supracrycoid partial laryngectomy with crycohyoidopexy. Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;132(5):783-7. 25