Texto 04
Os Serviços da Proteção Social Especial de Alta Complexidade e a população em
situação de rua
A Proteção Social Especial – PSE de Alta Complexidade, oferta serviços a famílias e indivíduos que
necessitam de proteção integral – moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido – por
estarem sem referência ou com os seus vínculos familiares e comunitários extremamente
fragilizados ou rompidos necessitando temporariamente de serem acolhidos.
Diante disto e da temática que estamos abordando, População em Situação de Rua, abordaremos
neste texto os Serviços da Alta Complexidade, relacionados na Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais, com foco ou exclusividade no atendimento a esta população, como parte do
processo de saída da rua abordado no texto anterior. Desta forma, serão abordados os seguintes
Serviços: Serviço de Acolhimento Institucional e Serviços de Acolhimento em Repúblicas.
O Serviço de Acolhimento Institucional conforme descrito na Tipificação é o
“acolhimento em diferentes tipos de equipamentos, destinado famílias e/ou indivíduos com vínculos
familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir proteção integral. A organização do serviço
deverá garantir privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à diversidade de: ciclos de vida,
arranjos familiares, raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual.
O atendimento prestado deve ser personalizado e em pequenos grupos e favorecer o convívio
familiar e comunitário, bem como a utilização dos equipamentos e serviços disponíveis na
comunidade local. As regras de gestão e de convivência deverão ser construídas de forma
participativa e coletiva, a fim de assegurar a autonomia dos usuários, conforme perfis. Deve
funcionar em unidade inserida na comunidade com características residenciais, ambiente acolhedor
e estrutura física adequada, visando o desenvolvimento de relações mais próximas do ambiente
familiar. As edificações devem ser organizadas de forma a atender aos requisitos previstos nos
regulamentos existentes e às necessidades dos usuários, oferecendo condições de habitabilidade,
higiene, salubridade, segurança, acessibilidade e privacidade.”
Especificamente para o atendimento a adultos e famílias em situação de rua o acolhimento é
provisório com estrutura para acolher com privacidade pessoas do mesmo sexo ou grupo familiar.
Ainda de acordo com a Tipificação o Acolhimento Institucional para adultos e famílias pode ser
desenvolvido nas seguintes modalidades respectivamente em Abrigo Institucional e Casa de
Passagem, a saber:
Atendimento em unidade institucional semelhante a uma residência com o limite máximo
de 50 pessoas por unidade e de quatro pessoas por quarto;
 Atendimento em unidade institucional de passagem para a oferta de acolhimento imediato
e emergencial, com profissionais preparados para receber os usuários em qualquer horário
do dia ou da noite, enquanto se realiza um estudo diagnóstico detalhado de cada situação
para os encaminhamentos necessários.

O período de permanência neste Serviço é de até três meses. Contudo, orienta-se que este não
seja fixo, pois cada usuário tem suas necessidades e potencialidades que podem interferir na
dinâmica do processo de desligamento. Devemos aqui ressaltar que este processo deve ser
construído em conjunto com os usuários.
Todas as ações desenvolvidas neste Serviço devem ser orientadas, de acordo com a Tipificação
Nacional de Serviços Socioassistenciais, pelos objetivos gerais e específicos abaixo relacionados:
Gerais:
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Acolher e garantir proteção integral;
Contribuir para a prevenção do agravamento de situações de negligência, violência e
ruptura de vínculos;
Restabelecer vínculos familiares e/ou sociais;
Possibilitar a convivência comunitária;
Promover acesso à rede socioassistencial, aos demais órgãos do Sistema de Garantia de
Direitos e às demais políticas públicas setoriais;
Favorecer o surgimento e o desenvolvimento de aptidões, capacidades e oportunidades
para que os indivíduos façam escolhas com autonomia;
Promover o acesso a programações culturais, de lazer, de esporte e ocupacionais internas
e externas, relacionando-as a interesses, vivências, desejos e possibilidades do público.
Específicos:
 Desenvolver condições para a independência e o auto-cuidado;
 Promover o acesso à rede de qualificação e requalificação profissional com vistas à
inclusão produtiva.
A equipe do Serviço deve planejar as suas ações e atividades considerando os objetivos acima
expostos.
Serviço de Acolhimento em Repúblicas, aqui tratado apenas por República, conforme descrito na
Tipificação,
“oferece proteção, apoio e moradia subsidiada a grupos de pessoas maiores de 18 anos
em estado de abandono, situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos
familiares rompidos ou extremamente fragilizados e sem condições de moradia e
autossustentação. O atendimento deve apoiar a construção e o fortalecimento de vínculos
comunitários, a integração e participação social e o desenvolvimento da autonomia das
pessoas atendidas. O serviço deve ser desenvolvido em sistema de autogestão ou
cogestão, possibilitando gradual autonomia e independência de seus moradores. Deve
contar com equipe técnica de referência para contribuir com a gestão coletiva da moradia
(administração financeira e funcionamento) e para acompanhamento psicossocial dos
usuários e encaminhamento para outros serviços, programas e benefícios da rede
socioassistencial e das demais políticas públicas.”
Considerando a descrição acima, enfatizamos que uma característica singular da República é a gestão
coletiva do espaço, ou seja, os usuários são responsáveis pela higiene e organização da casa,
preparação de refeições, bem como, sempre que possível, pela definição dos moradores da
República. Está última orienta-se que ocorra de forma participativa entre estes e a equipe técnica, de
modo que, na composição dos grupos, sejam respeitados afinidades e vínculos previamente
construídos. Esta forma de gestão contribui de maneira significativa para o fortalecimento da
autonomia dos usuários, a socialização, a convivência, o respeito aos outros e para consolidação do
seu processo de saída da rua. A equipe técnica deste Serviço é um facilitador nesta forma de gestão.
Ressaltamos que na República não há educadores/cuidadores e demais profissionais de apoio
(auxiliar de serviços gerais, cozinheira, porteiro etc.).
A capacidade de atendimento na República é de até 10 usuários e devem ser organizadas em
unidades femininas e masculinas. Possui tempo de permanência limitado, de até 12 meses, podendo
ser reavaliado e prorrogado, considerando que cada pessoa tem suas potencialidades e desafios que
interferem no processo de desligamento do Serviço, inclusive em função do projeto individual
formulado em conjunto com o profissional de referência.
Todo o trabalho desenvolvido na República deve ser norteado pelos objetivos citados na Tipificação
dos Serviços, a saber:
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Proteger os usuários, preservando suas condições de autonomia e independência;
Preparar os usuários para o alcance da autossustentação;
Promover o restabelecimento de vínculos comunitários, familiares e/ou sociais;
Promover o acesso à rede de políticas públicas.
Ainda tendo em vista o que está posto na Tipificação, dentre o trabalho social essencial
desenvolvido pelas equipes dos dois Serviços supracitados, merece destaque a acolhida, escuta,
desenvolvimento do convívio familiar, grupal e social, orientação e encaminhamento sobre e para a
rede de serviços locais, atividades de convívio e de organização do cotidiano, orientação para acesso
a documentação pessoal, estímulo ao convívio familiar, grupal e social, estudo de caso,
acompanhamento e monitoramento dos encaminhamentos realizados, articulação de outras políticas
setoriais e de defesa de direitos.
É importante pontuar que as equipes também devem utilizar instrumentais que sistematizem e
subsidiem o processo de acompanhamento aos usuários e as famílias, bem como, a construção
dos novos projetos de vida destes, tendo em vista a saída da situação de rua, tais como: Plano
Individual ou Familiar de Atendimento, elaboração de relatórios, utilização de prontuários e
protocolos. Contudo, é fundamental que estes sejam precedidos de Estudo Diagnósticos PósAcolhimento que deverá ser construído pela equipe técnica de cada Serviço, após as primeiras
intervenções junto ao usuário a partir da escuta qualificada do mesmo e do diálogo direto com o
Serviço que realizou a primeira abordagem e o encaminhamento para o Acolhimento. Tal Estudo
possibilitará o conhecimento de elementos sobre a trajetória nas ruas, vínculos comunitários,
sociais e familiares, dentre outros que possam contribuir com a vinculação do usuário ao Serviço e
ao processo de saída das ruas.
Por oportuno, pontuamos que no processo de organização e desenvolvimento destes Serviços é
importante, para além dos protocolos, a construção conjunta com os usuários de regimento
interno.
Ambos os Serviços, tem período de funcionamento ininterrupto (24h) e podem receber usuários
por encaminhamento do Serviço Especializado em Abordagem Social, do Centro de Referência
Especializado de Assistência Social – CREAS, Centro de Referência Especializado para a População
em Situação de Rua – Centro POP ou demais serviços socioassistenciais, de outras políticas públicas
setoriais e de órgãos de defesa de direitos, bem como, demanda espontânea.
Compreendemos que o processo de saída das ruas inicia-se
desde o primeiro contato junto ao usuário, onde se inicia a
construção de vínculo, quer seja pela Abordagem Social,
CREAS, Centro POP ou mesmo pelo Serviço de Acolhimento ou
República no caso de demanda espontânea, dentre outros
conforme citado no parágrafo acima. A partir do vínculo e da
escuta ativa, os profissionais destes Serviços vão construir com
o usuário que está em situação de rua o seu desejo por um
novo projeto de vida e o encaminhamento para um Serviço de
Acolhimento ou República o qual irá compor este projeto. Daí
tão grande a responsabilidade do profissional que faz o
acolhimento/recebimento nestes Serviços, pois o mesmo não
pode fragilizar este desejo, mas sim fortalecê-lo.
Acolhimento é o ato ou
efeito de acolher.
Primeira etapa do
recebimento do usuário
no serviço, na qual são
apresentadas as
condições de
atendimento.
(Dicionário de termos
Técnicos, BH, 2006.)
Para, além disso, é uma
postura humanizada
com todo usuário que
procura o serviço.
Orientamos que o supracitado Estudo Diagnóstico subsidie a escolha de um técnico de referência
para o acompanhamento do usuário, que poderá ser o mesmo que realizou o Estudo ou
dependendo outro técnico que o usuário demonstre ter se identificado mais. Isto não implica em
dizer que o restante da equipe não deva conhecer os usuários e as suas situações, ou mesmo, que o
usuário só será atendido pelo técnico que realiza o seu acompanhamento, pois todos os técnicos
que compõem a equipe dos Serviços de Acolhimento e República devem estar aptos a atender
individual e em grupo, orientar e acompanhar os usuários destes.
Além das atividades desenvolvidas dentro das unidades de proteção integral, aqui abordadas,
desenvolvidas com o objetivo de fortalecer a auto-estima e a autonomia dos usuários desde os
atendimentos, as assembléias, grupos operativos, dentre outras, a articulação com a rede de
serviços socioassistenciais e outras políticas setoriais principalmente com saúde, educação e
habitação, órgãos de defesa de direitos e outros, podem contribuir na construção do processo de
saída das ruas, tais como:

Inserção em programas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família;

Acesso a serviços de saúde e de educação.

Acesso a benefícios assistenciais como o Benefício de Prestação Continuada – BPC;

Participação em projetos, programas e benefícios da assistência social;

Inserção em Projetos Habitacionais de aquisição de moradia ou aluguéis sociais;

Inserção no ACESSUAS Trabalho para qualificação profissional ou outro cursos de
qualificação promovidos pela rede socioassistencial;

Inserção profissional em trabalho digno e formal.
Somado a estes aspectos ainda temos o investimento no fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários. Este investimento deve ser conjunto da equipe e do usuário.
Faz parte dos novos projetos de vida, além da saída das ruas, o desligamento do Serviço de
Acolhimento ou República. Este desligamento deverá ser gradativo e construído com o usuário,
bem como, compreendido pela equipe e pelos outros integrantes dos serviços como um processo de
autonomia e de conquista para a consolidação de uma nova vida.
Desta forma, sugerimos que sejam realizadas atividades relacionadas ao processo de desligamento
e a este ritual de passagem para esta “nova vida”. Estas atividades são de suma importância, pois,
precisamos considerar que durante o tempo que ficou no Serviço, o usuário estabeleceu vínculos e
referências e estes precisam ser ressignificados. É importante trabalhar com os usuários que eles
poderão visitar as pessoas com quem criou laços de afetividade, bem como, que ele será visitado e
acompanhado pelo período mínimo de seis meses. Pontuamos, ainda, que este período pode se
estender por mais tempo a partir de uma avaliação da equipe.
Por fim, queremos concluir este texto e a discussão desta temática, contribuindo abaixo com um
fluxo que sistematiza o percurso do atendimento pela Proteção Social Especial a uma pessoa ou
família em situação de rua.
Serviço Especializado em Abordagem Social
(aproximação, construção de vínculo,
encaminhamento)
Acesso por
Demanda
Espontânea ou
por
encaminhamento
de outros
serviços
socioassistenciais
ou outras
Políticas Setoriais
Centro POP
Serviço Especializado para Pessoas em
Situação de Rua
Encaminhamentos, para
atender necessidades
imediatas dos usuários,
quando necessário, para
Rede socioassistencial e
demais Políticas
Setoriais.
Encaminhamento para
inserção no CadÚnico,
Acesso a documentação
e demais Políticas
Setoriais.
Serviço de Acolhimento Institucional
Ou
Serviço de Acolhimento em República
Encaminhamento para rede de Serviços Socioassistenciais e
ampliação de acesso as demais políticas setoriais
(BPC, Escola, Qualificação Profissional, Auxílio Moradia, etc.).
Reinserção Familiar ou Comunitária
* Apesar de poder ser inserido nos Serviços de Acolhimento por demanda espontânea, caso o
município possua Centro POP ou CREAS é importante que o usuário passe por este espaços como
parte da construção do desejo de saída das ruas, pois, respeitando o fluxo acima a probabilidade é
maior dele chegar ao Serviço querendo construir um novo projeto de vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. (2004). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de
Assistência Social/PNAS. Brasília: MDS.
BRASIL. (2009). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Tipificação Nacional de
Serviços Socioassistenciais. Brasília: MDS.
BRASIL. (2011). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. SUAS e a População em
Situação de Rua. Vol. III. Brasília: MDS.
BRASIL. (2013). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Texto de Orientação
para o Reordenamento do Serviço de Acolhimento para População em Situação de Rua. Brasília:
MDS.
SILVA, Maria Lúcia Lopes. Trabalho e População em Situação de Rua. São Paulo: Editora Cortez,
2009.
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