Caso Clínico: Febre Pancitopenia Hepatoesplenomegalia Orientadora: Dra. Elisa Carvalho Interna: Raquel Barreto Alencar Escola Superior de Ciências da Saúde Internato em Pediatria HRAS História Clínica Admissão HBDF (29/11/06) + História Clínica (08/12/06) Informante: pai. SGN, 4 anos, sexo: Masculino, Branco, Naturalidade: Brasília-DF, Procedência: Valparaíso-GO QP: Fraqueza e febre há cerca de 30 dias. HDA O pai refere que há aproximadamente 30 dias a criança iniciou quadro de adinamia e fadiga. A criança não conseguia realizar suas atividades de rotina e cansava-se facilmente aos mínimos esforços, como andar. Refere que simultaneamente a esses sintomas, apareceu a febre. HDA A febre era quase sempre diária, aferida em 38°C em média e que cedia ao uso de dipirona. Durante esse período, notou o aparecimento de petéquias e equimoses disseminadas pelo corpo, após traumas pequenos e leves, ou até espontaneamente. Relata também gengivorragia após escovação dos dentes e um episódio de epistaxe. HDA Com o quadro descrito o pai refere ter procurado centro de saúde em Valparaíso, onde foram solicitados hemograma e EPF, e feita hipótese diagnóstica de anemia associada a parasitose intestinal. O pai procurou outro médico em consultório particular, que encaminhou o paciente para o HMIB para melhor investigação. Revisão de Sistemas Perda de peso de aproximadamente 3 kg no período. Inapetência alimentar. Dor abdominal difusa, principalmente após a alimentação. Antecedentes fisiológicos Nasceu de parto normal a termo hospitalar. Sem intercorrências na gestação e no parto. Amamentação: exclusiva (não sabe) mista (até 1 ano) Vacinação em dia (sic) Antecedentes patológicos e familiares Varicela aos 3 anos de idade. Nega outras internações. Nega alergias alimentares e medicamentosas. 2 irmãos (11 anos e 2 anos) saudáveis. Pai, 46 anos, saudável. Mãe com suspeita de Ca de colo de útero. Avós maternos sem patologias. Avós paternos falecidos (avó Doença de Chagas e avôDM, HAS) Hábitos de vida e condições sócio-econômicas Moradia: casa de alvenaria com 6 cômodos, com água encanada, fossa asséptica, energia elétrica e coleta de lixo. Não tem animais domésticos. Alimentação: Criança tem baixa ingestão de frutas e verduras. Não come carne. Exame físico (29/11/06) REG, hidratado, hipocorado 3+/4+, febril ao toque, eupnéico, acianótico, pálido, reativo. FC: 150 bpm Cavidade oral: gengiva friável. Aparelho respiratório: MV rude sem RA. Ausculta cardíaca: BNF com sopro 1+/4+. Exame físico (29/11/06) Abdome: Presença de distensão abdominal Hipertimpânico Baço palpável à 6,5 cm do RCE Fígado palpável à 3,5 cm do RCD Linfonodos palpáveis em cadeia inguinal bilateralmente. Testículos sem infiltração. Pele: equimoses difusas em MMII e dorso; petéquias em face e em tórax. Exames laboratoriais Hemograma (série vermelha) Hm (milhões) Hg Ht VCM CHCM HCM 28/nov 1,79 5,1 14,6 ------------- 1/dez 2,87 7,4 22,5 76.6 33,6 25,7 6/dez 1,87 4,8 14,8 79,2 32,6 25,8 Hemograma (série branca e plaquetas) Leuc. Linf. (%) Linf. (n°) Plaquetas (mil) 28/nov 8400 98 8232 1/dez 6000 58,5 3510 6/dez 3500 60,7 2124 19 14 15 Bioquímica Uréia Creatinina Ác. Úrico TGO TGP LDH Albumina Ptns totais CPK Na K Ca Mg P 28/nov 32 0,5 ----34 12 1024 ------------137 3,3 ------------- 1/dez 24 0,6 1,81 27 8 830 3,9 6,2 78 --------9,1 1,5 ----- 4/dez 23 0,5 1,59 27 8 851 3,7 ----------------9,4 ----4,8 Avaliação da coagulação 01/12/06 Tempo de protrombina D: 12’’6 N: 13’’1 R N/D: 90,4% PTTA N: 32’’0 D: 42’’7 R N/D: 1,3 Fibrinogênio: 80,5 mg/100ml INR: 1,06 Radiografia de tórax (28/11/06) Discreto infiltrado intersticial difuso perihilar bilateralmente e na base do pulmão direito. Área cardíaca normal. Radiografia de seios da face (28/11/06) Espessamento mucoso do seio maxilar esquerdo. Demais seios normais. LCR (01/12/06) Incolor, límpido, ausência de células nucleadas. 15 hemácias/mm³ Glicose: 57 Proteínas: 21 Conduta 29/11/06 Colhidos hemocultura e hemograma completo. Hiperidratação + alcalinização Cefepime, mebendazol, tiabendazol, alopurinol, furosemida. Resumo do caso Febre Fadiga Sangramento Equimoses Petéquias Hepatoesplenomegalia Qual a conduta diagnóstica inicial? Hipóteses Febre Doenças infecciosas Neoplasias Doenças inflamatórias Fadiga Anemia Equimoses + Petéquias + Sangramento Distúrbio da hemostasia Hepatoesplenomegalia Infecção, colagenoses, neoplasias. Investigação inicial Hemograma Avaliação da coagulação Avaliação da função hepática e da possível lesão hepatocelular Hemograma (série vermelha) Hm (milhões) Hg Ht VCM CHCM HCM 28/nov 1,79 5,1 14,6 ------------- 1/dez 2,87 7,4 22,5 76.6 33,6 25,7 ANEMIA NORMOCÍTICA NORMOCRÔMICA 6/dez 1,87 4,8 14,8 79,2 32,6 25,8 Hemograma (série branca e plaquetas) Leuc. Linf. (%) Linf. (n°) Plaquetas (mil) 28/nov 8400 98 8232 1/dez 6000 58,5 3510 6/dez 3500 60,7 2124 19 14 15 LINFOCITOSE PLAQUETOPENIA Avaliação da coagulação 01/12/06 Tempo de protrombina D: 12’’6 N: 13’’1 R N/D: 90,4% PTTA N: 32’’0 D: 42’’7 R N/D: 1,3 INR: 1,06 EXAMES NORMAIS!!! Avaliação da coagulação Fibrinogênio: 80,5 mg/100ml FIBRINOGÊNIO REDUZIDO Avaliação hepática TGO TGP Albumina 28/nov 34 12 ----- 1/dez 27 8 3,9 EXAMES NORMAIS!!! 4/dez 27 8 3,7 Conclusão laboratorial Anemia normocítica normocrômica Linfocitose Plaquetopenia Fibrinogênio reduzido Anemia Anemia normocítica normocrômica Avaliar reticulócitos Reticulócitos aumentados Hemorragia aguda Hemólise Reticulócitos normais ou diminuídos Leucemias Linfomas Aplasia medular Infecção Fazer mielograma Linfocitose Linfocitose Leucemia Leucemia linfóide (presença de linfoblastos) Linfocitose benigna por infecção viral (respiratória, digestiva, com "rash" cutâneo) Leucemia mielóide (presença de mieloblastos) Síndrome da Mononucleose Plaquetopenia Sangramento de pele e mucosas Plaquetas baixas Púrpura plaquetopênica idiopática Defeitos plaquetopênicos hereditários Insuficiência da medula óssea Plaquetas normais Pancitopenia Pancitopenia Insuficiência da medula óssea Leucemias Aplasia medular Infecção Principais hipóteses: Infecção Síndrome da Mononucleose Leishmaniose Sepse Aplasia medular Linfoma Leucemias agudas Linfóide Mielóide Síndrome da Mononucleose 1)Mononucleose infecciosa (MI) Febre prolongada ou intermitente com abatimento Linfadenopatia dolorosa (cervical é mais comum) Amigdalite ou faringite exsudativa Esplenomegalia Linfocitose (> 50%) com linfócitos atípicos Diagnóstico: Monoteste Hoff-Bauer + confirmação com Anticorpos anti-capsídeo do vírus Epstein-Baar. 2)Toxoplasmose Quadro clínico semelhante à MI Esplenomegalia rara Manifestações possíveis: exantema maculopapuloso, pneumonite e encefalite. Linfócitos atípicos em n° pequeno Diagnóstico: Imunofluorescência indireta com presença de Ig M 3)Citomegalovírus Quadro clínico semelhante à MI Infecção pouco comum Leucopenia com linfócitos atípicos Diagnóstico: Sorologia para CMV Leishmaniose Protozoonose que acomete principalmente crianças até 4 anos de idade. Incide em regiões endêmicas. Agente etiológico: Leishmania donovani Acometimento do sistema retículoendotelial. Leishmaniose Quadro clínico: Febre Astenia Distúrbios gastrointestinais: diarréia, vômitos, anorexia, obstipação Tosse Sangramento nasal e/ou gengival Leishmaniose Petéquias Micropoliadenopatia inguinal e axilar Emagrecimento progressivo Hepatoesplenomegalia Edema de mãos e pés Ascite Leishmaniose Exames laboratoriais: Hemograma: Pancitopenia Hipoalbuminemia Raio-x de tórax: Infiltrado perivascular e peribrônquico Pesquisa do parasita em aspirado de medula óssea Imunofluorescência indireta > 1:400 positivo Teste ELISA Boa especificidade Aplasia medular Palidez, fraqueza Febre e infecções freqüentes e graves Quadro clínico de início lento e gradual Hemorragia Petéquias Ausência de hepatoesplenomegalia Ausência de adenopatia significativa Aplasia medular Anemia normocítica normocrômica Leucopenia acentuada (redução de granulócitos) Plaquetopenia Mielograma: Hipoplasia ou aplasia de células hematopoiéticas. Substituição da medula por tecido gorduroso. Aplasia medular Etiologias: Primeiros meses de vida: Síndrome de Diamond-Blackfan Pancitopenia no escolar: Anemia de Fanconi. Pancitopenia em criança previamente saudável: Anemia aplástica adquirida (radiação, drogas, infecções) Leucemia mielóide aguda Caracteriza-se por acúmulo de blastos na medula óssea e em sítios extramedulares a partir da proliferação anômala da linhagem mielóide Representa 20% das leucemias infantis Incidência estável do nascimento aos 10 anos e pico na adolescência Síndrome de Down risco 20x maior de leucemias. Incidência igual em ambos os sexos Leucemia mielóide aguda Quadro clínico: Febre Palidez Fadiga Adenomegalias volumosas > 25% Hepatoesplenomegalia > 50% Petéquias, equimoses Gengivorragia Infecções Leucemia mielóide aguda Hemograma: Anemia normocítica normocrômica Leucopenia ou Leucócitos > 100.000/mm³ 25% Plaquetopenia < 50.000 50% Leucemia mielóide aguda Mielograma: Presença de no mínimo 30% de blastos com características mielóides Avaliação do LCR: < 15% tem infiltração do SNC e destes apenas 2% são sintomáticos Leucemia linfóide aguda Neoplasia primária da medula óssea Resultado da transformação maligna de um precursor linfóide Crescimento desordenado de células linfóides imaturas (blastos). Pico de incidência: 3 a 5 anos Mais comum: sexo masculino e raça branca Leucemia linfóide aguda Quadro clínico: Febre (50%) Dor óssea e/ou articular (45%) Palidez Fadiga Sangramento Leucemia linfóide aguda Petéquias e equimoses Adenomegalias não dolorosas localizadas ou generalizadas (85%) Hepatoesplenomegalia (66%) Leucemia linfóide aguda Manifestações clínicas menos comuns: Infiltração do timo (Achado radiológico de alargamento do mediastino anterior) Envolvimento ocular (visão borrada, fotofobia, dor ocular) SNC: sinais e sintomas de acometimento de pares cranianos ou de compressão medular Nódulos subcutâneos Aumento das glândulas salivares Aumento não doloroso do testículo Leucemia linfóide aguda Hemograma: Anemia normocítica normocrômica com baixa contagem de reticulócitos. Hb < 10 g/dl 80% Leucócitos > 10.000/mm³ 50% Leucócitos > 50.000 /mm³ 20% Neutropenia (< 500 granulócitos /mm³ ) Presença de blastos Plaquetopenia Leucemia linfóide aguda Avaliação do LCR: Presença de leucócitos > 5/mm³ + Blastos Envolvimento do SNC (< 5% pacientes) Acometimento de pares cranianos Compressão medular LCR inalterado Leucemia linfóide aguda Avaliação radiológica: Tórax AP + Perfil massa mediastinal Ossos longos levantamento periosteal; bandas transversais e metafisárias, lesões osteolíticas e osteoporose difusa. Coluna desabamento vertebral US abdominal Leucemia linfóide aguda Avaliação bioquímica: Graus de disfunção dos órgãos (funções hepática e renal) LDH e ácido úrico elevados nas grandes massas leucêmicas Eletrólitos, proteínas e coagulograma. Mielograma Punção aspirativa da medula óssea define o diagnóstico de leucemia Estuda a morfologia, a citoquímica, a imunofenotipagem e a citogenética das leucemias. Mielograma Morfologia: Blastos linfóides > 25% indica diagnóstico morfológico de leucemia linfóide aguda. Imunofenotipagem: Determina a linhagem e a sublinhagem. (importância prognóstica) Linhagem B 80% das leucemias infantis Linhagem T 17% das leucemias infantis Citogenética: estudo cromossômico tanto numérico como morfológico (importância prognóstica) Diagnóstico final Resultado mielograma da criança: Leucemia linfóide aguda pré-B Pré-B é o estágio de maturação do blasto Imunofenotipagem: CALLA + CALLA + significa presença de antígeno da Leucemia linfóide aguda comum Tratamento 1)Indução da remissão: 1a etapa do tratamento Visa restaurar a função medular e normalizar sinais e sintomas Remissão clínica completa é alcançada em 97% dos casos Poliquimioterapia combinada 2)Intensificação: Mesmas drogas em doses maiores 3) Tratamento do SNC: Radioterapia ou Injeção intratecal de antimetabólitos ou Altas doses de antimetabólitos EV 4)Terapia de manutenção: Feita por 2,5 a 3 anos 5)Transplante de medula óssea Indicada para pacientes que não apresentam resposta na fase de indução ou caso apresentem recaída. Prognóstico 80% das crianças com LLA têm chances reais de cura