MOVIMENTOS SOCIAIS E MÍDIA NO BRASIL: ANÁLISE DO DISCURSO DA MÍDIA BRASILEIRA SOBRE O MST Carlos Pedretti Júnior Membro do GEDAP/UFG/CAC Universidade Federal do Goiás - UFG [email protected] Rafael de Melo Monteiro Membro do GEDAP/UFG/CAC Universidade Federal do Goiás - UFG [email protected] Marília Christina Arantes Melo Membro do GEDAP/UFG/CAC Universidade Federal do Goiás - UFG [email protected] Paulo Henrique Kingma Orlando Membro do GEDAP/UFG/CAC Universidade Federal do Goiás – UFG [email protected] Resumo Esse trabalho tem como objetivo compreender, através da análise do discurso, as representações do MST na mídia brasileira. Para tanto, utilizou-se, como procedimentos metodológicos: pesquisa teórica, com elaboração de um corpo teórico-conceitual e pesquisa documental, selecionando-se reportagens de veículos de comunicação brasileiros sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Percebeu-se que o discurso midiático sobre o MST é conservador e imprime uma ideia do Movimento como promotor de transgressões à lei, crimes e contravenções sociais. Para compor o imaginário social negativo, utiliza-se termos como invasões, ataques, saques, em referência às ações da luta do MST. Portanto, é possível considerar, a partir da análise de duas reportagens, uma da Revista Veja (2000) e outra da Revista Isto É (2011), que, muitas vezes, os veículos de comunicação de massa, no caso os impressos, atendem a interesses específicos: do Estado e das elites capitalistas brasileiras, avessos às ações sociais vindas de grupos sociais menos favorecidos. Palavras-chave: MST. Mídia. Análise do Discurso. Revista Veja. Revista Isto É. Intrudução Na sociedade contemporânea, assiste-se a uma midiatização das relações sociais. Nesse sentido, a mídia adquire força social, mais do que antes. Por conta disso, torna-se capaz de moldar comportamentos, pensamentos e discursos da sociedade brasileira. Como 1 atende, quase sempre, aos interesses dominantes, pouca abertura fornece aos movimentos sociais. Quando há espaço para eles, é de forma deturpada, associando-os a radicalismos, violência, “badernas”. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é compreender, através da análise do discurso, as representações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na mídia brasileira. Para tanto, utilizou-se, como procedimentos metodológicos: pesquisa teórica, com elaboração de um corpo teórico-conceitual e pesquisa documental, selecionando-se reportagens de veículos de comunicação brasileiros sobre o MST. Dessa forma, o trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: além da Introdução, apresenta a Fundamentação Teórica, com discussões acerca da relação movimentos sociais e mídia; Procedimentos Metodológicos, com teorizações sobre análise do discurso; Resultados e Discussão, apresentando a análise empreendida das reportagens selecionadas; e Considerações Finais, além das Referências. Fundamentação teórica Os movimentos sociais são fenômenos históricos presentes em várias regiões do globo terrestre. Suas demandas, tipos e formas são variadas: movimentos de luta por terra, moradia, direitos sociais (educação, saúde, transporte), direitos humanos, de negros, mulheres, ecológicos, pela paz, de homossexuais, entre outros (GOHN, 2006). No plano teórico-metodológico, considera-se a existência de alguns paradigmas sobre os movimentos sociais. Nesse sentido, Gohn (2006) apresenta os paradigmas norteamericanos (clássicos, mobilização de recursos, mobilização política), europeus (neomarxista e “novos” movimentos sociais) e latino-americanos. Dessa forma, os movimentos sociais foram, no decorrer do tempo histórico, principalmente a partir do século XX, interpretados como: anomias sociais; deturpadores da ordem estabelecida; grupos de interesses econômicos, com organização, estratégias e objetivos definidos; originários de oportunidades políticas criadas pelo Estado e/ou pelas elites dominantes; movimentos de lutas de classes sociais e por identidades coletivas (GOHN, 2006). Na América Latina, as formulações teóricas acerca da temática sofreram influências norte-americanas e européias. Aliás, equívocos surgiram devido a isso: o “transplante” 2 de teorias estrangeiras para tentar compreender a realidade social latino-americana, desconsiderando suas especificidades (GOHN, 2006). Em relação ao Brasil, devido a suas características históricas, os movimentos sociais possuem demandas relativas à questões socioeconômicas e culturais (exclusão social, pobreza, marginalização de grupos sociais). O país foi colonizado por europeus e explorado em suas riquezas naturais. Os povos nativos foram escravizados, bem como os negros. Iniciava-se a disputa pelo território. A concentração fundiária iniciou-se nesse período e permanece como problema estrutural não resolvido pela sociedade brasileira. Sendo assim, é comum na história do Brasil lutas camponesas por terra, como Canudos, Contestado, Trombas e Formoso, lutas indígenas e africanas (FERNANDES, 2000; OLIVEIRA, 1988). No contexto dos anos de 1980, surgiu no cenário político brasileiro o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um movimento social articulado em torno da luta pela terra e pela reforma agrária. Mais especificamente, o MST foi oficialmente criado em 1984, em Cascavel/Paraná. Produto da resistência e ação camponesa em diferentes regiões do país, espacializou-se e territorializou-se em diversas unidades da federação. Dessa maneira, o território torna-se elemento fundante da luta dos sem-terra, por isso ser denominado movimento socioterritorial (FERNANDES, 2000; FERNANDES, 2007), que atua contra as injustiças do modelo agropecuário desenvolvido no Brasil após a modernização da agricultura. O processo de modernização da agricultura, ocorrido no Brasil nos anos de 1960, foi responsável pela produção de milhões de sem-terra. No bojo desse processo conservador, engendrou-se expropriações massivas das populações do campo brasileiro. Expulsos para as cidades, muitos desses camponeses e trabalhadores rurais engajaramse em movimentos sociais de luta pela terra e reforma agrária, como o MST. Os que não o fizeram tornaram-se “fracassados” sociais, “sobrantes” nas cidades, ocupando-se em empregos informais, subempregos ou ficando desempregados (SILVA, 2004). Organizados no movimento social, os camponeses ressurgiram na cena política brasileira como interlocutores do Estado e das elites dominantes, colocando o tema da reforma agrária na agenda política do país. O MST conquistou espaços na mídia, devido suas ações. Ocupações de terra e órgãos públicos e formação de acampamentos e assentamentos rurais são as formas de atuação do movimento, o que despertou a atenção 3 da sociedade e da mídia (FERNANDES, 2000; FERNANDES, 2007), principalmente na década de 90. Nos anos de 1990, acontecimentos como o Massacre de Corumbiara (RO) e Eldorado dos Carajás (PA) foram noticiados e adquiriram repercussão internacional. Dessa forma, o MST conquistou popularidade. Em 1996, a Rede Globo levou ao ar a telenovela “O Rei do Gado”, de Benedito Rui Barbosa. Apesar das críticas à trama rural, é inegável que a novela contribuiu para aguçar o debate sobre a reforma agrária brasileira e auxiliou na formação da opinião púbica sobre o assunto. No entanto, normalmente, a mídia brasileira representa o MST de forma preconceituosa e deturpada. Isso faz sentido, uma vez que a mídia atende aos interesses do Estado e das elites políticas. Na sociedade contemporânea, regida pela midiatização (LOPES; SILVA, s/d) a postura contrária da mídia em relação aos movimentos sociais exerce influência sobre o imaginário da sociedade. É necessário ter em mente que a mídia representa uma indústria cultural, atravessada por interesses comerciais, políticos e ideológicos. Na mídia é possível identificar projetos e discursos políticos que atendem os interesses das classes dominantes (LOPES; SILVA, s/d). De acordo com Melo (s/d), a interação do MST com o campo midiático é marcada por uma dinâmica tensa e conflituosa, uma vez que possuem interesses distintos: o movimento social deseja reivindicar reforma agrária, revelar uma estrutura social que considera injusta e mobilizar a população em prol de uma transformação social. A mídia objetiva dar conhecimento à sociedade dos fatos ocorridos, ou seja, definir a informação da atualidade. Na verdade, os movimentos sociais têm percebido a mídia como um “novo” campo de disputas. As ações de protesto empreendidas pelos movimentos buscam a visibilidade pública como forma de conquistar legitimidade para sua causa. Portanto, ao considerar a dimensão midiática, esses movimentos incorporam e constroem novas formas de ativismo social (MELO, s/d). Nesse sentido, buscar compreender a representação do MST pela mídia brasileira, fazendo uso da análise do discurso enquanto recurso metodológico, torna-se importante para a desmistificação do movimento, associado a um ideário de radicalismo, socialismo, “baderna” e criminalidade. 4 Procedimentos metodológicos Nesse trabalho, alguns procedimentos metodológicos foram adotados: a) pesquisa teórica; b) pesquisa documental. Dentro da pesquisa teórica, utilizou-se autores como Gohn (2006), Fernandes (2000; 2007), Lopes e Silva (s/d), Melo (s/d), entre outros, para discussão acerca da temática, formulando a fundamentação teórica. A estruturação teórico-conceitual auxilia na orientação da análise empírica do pesquisador e na contextualização do fenômeno no tempo e no espaço (MENDES; PESSÔA, 2009). A pesquisa documental foi realizada em sites de revistas brasileiras, como: Revista Veja e Revista Isto É (SP). Foram selecionadas, aleatoriamente, duas reportagens (uma em cada fonte documental) para utilização da análise do discurso, buscando interpretar os sentidos e intenções do enunciado nessas reportagens. Nesse sentido, a análise do discurso, enquanto recurso metodológico, auxilia na compreensão dos discursos enunciados. Esses discursos não são objetivos, neutros, não intencionais. Eles manifestam uma orientação ideológica dos agentes/sujeitos sociais que os enunciam. De acordo com a abordagem francesa da análise do discurso, os discursos são formas materiais de uma ideologia. Portanto, não são apenas formas linguísticas. Ancora-se em três pilares: ideologia, história e linguagem. A ideologia é o posicionamento do sujeito quando se filia a um discurso, sendo o processo de constituição do imaginário que está no inconsciente, ou seja, o sistema de ideias que constitui a representação. A história refere-se ao contexto socioespacial e a linguagem é a materialidade do texto, proporcionando “pistas” do sentido que o sujeito pretende dar a sua enunciação (CAREGNATO; MUTTI, 2006). Nessa linha de raciocínio, Pechêux (2009), ao teorizar sobre discurso, concebe que as ideologias não devem ser concebidas como ideias, mas como forças materiais. Elas não possuem suas origens nos sujeitos, mas constituem indivíduos em sujeitos. O “ideológico” apresenta-se como representação imaginária. Está necessariamente subordinado às forças materiais que dirigem os homens. Dessa maneira, é possível argumentar que todo dizer é ideologicamente marcado. Ou seja, não há um sujeito individual, mas coletivo. O assujeitamento ocorre no nível inconsciente, quando o sujeito filia-se ou interioriza o conhecimento da construção coletiva, tornando-se porta-voz daquele discurso e representante daquele sentido. O 5 assujeitamento é um processo de interpelação dos indivíduos por uma ideologia, condição necessária para que o indivíduo torne-se sujeito do seu discurso ao, livremente, submeter-se às condições de produção impostas pela ordem superior estabelecida, embora tenha a ilusão de autonomia. O sujeito insere-se, dessa forma, em uma formação discursiva (CAREGNATO; MUTTI, 2006). A formação discursiva produz-se na relação entre interdiscurso e intradiscurso. O interdiscurso são os saberes coletivos pré-construídos e antecede o sujeito. O intradiscurso é a materialidade (fala), a formulação do texto, o fio do discurso (CAREGNATO; MUTTI, 2006). De acordo com Pechêux (2009) a formação discursiva é aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito. Portanto, a análise do discurso é fundamental para ter em mente que a mídia possui poder para produzir formações discursivas e que a sociedade brasileira, por vezes, interioriza e reproduz os discursos midiáticos, sem se dar conta de que eles estão embutidos de interesses ideológicos e políticos de uma determinada classe social. Assim, explica-se o fato de parcela da sociedade ser contrária às ações do MST, uma vez que estão “contaminadas” com a visão de mundo apresentada pela mídia, que, no Brasil, representa interesses de latifundiários, empresas capitalistas nacionais e transnacionais e do Estado. Resultados e discussão Conforme argumentado na Introdução e Procedimentos Metodológicos, foram selecionadas duas reportagens de revistas brasileiras sobre o MST para análise. Essas reportagens foram: 1) “Sem terra e sem lei”, escrita por Eduardo Oinegue e publicada na edição 1.648, de 10/05/2000; 2) “O ocaso do MST”, escrita por Pedro Marcondes de Moura e publicada na edição 2.184, de 16/09/2011. A leitura dessas reportagens propiciou a retirada de diversos elementos para reflexão acerca do tratamento dispensando pela mídia (no caso, escrita) aos movimentos sociais. No caso da primeira reportagem, da Revista Veja, o título “Sem Terra e sem lei” já indica a postura da revista em relação ao MST. Ao argumentar sobre ações do MST, 6 faz-se uma associação de sem-terra a infrator da lei. Durante o texto, utiliza-se os termos invasões, ataques, saques, violação, crimes para qualificar a ação dos sem-terra. Interessante que há um reconhecimento da questão agrária brasileira pela revista. O trecho a seguir evidencia o argumentado: “A má distribuição de terra no Brasil tem razões históricas, e a luta pela reforma agrária envolve aspectos econômicos, políticos e sociais [...] Montar uma nova estrutura fundiária que seja socialmente justa e economicamente viável é dos maiores desafios do Brasil” (REVISTA VEJA, 10/05/2000). Nesse caso, a reportagem acerta ao salientar o caráter histórico da reforma agrária no país e a necessidade de alterar a estrutura fundiária brasileira. Em seguida, destaca: “No Brasil, ela [reforma agrária] se transformou numa questão diferente: pode evitar que as metrópoles sejam inchadas por desempregados do campo e também funciona na esfera da justiça social ao conceder terra a quem precisa dela para tirar o sustento da família. Isso na teoria” (REVISTA VEJA, 10/05/2000). Portanto, apresenta problemas gerados pela concentração fundiária que refletem-se no campo e na cidade. No entanto, a matéria salienta que há uma dissidência entre teoria e prática ao tratar-se da temática reforma agrária e, principalmente, MST. Ao argumentar a respeito da luta do Movimento, a revista destaca que, antes, o inimigo número um do MST era o latifúndio improdutivo e que, na contemporaneidade, o movimento passou a atacar latifúndios produtivos. Completa que, nas operações de ocupações de terras, há “ocorrências de roubo e venda de grãos estocados, depredação de tratores e sedes de propriedade e até mesmo um caso em que a fazenda foi incendiada” (REVISTA VEJA, 10/05/2000). Em momento algum, menciona-se a questão dos embates travados entre sem-terra e jagunços e policiais. Ou seja, aos leigos no assunto, fica a sensação de que os ataques são unilaterais, partindo sempre dos sem-terra. As ocupações de terras são interpretadas como atos criminosos e não como forma de atuação do Movimento para pressionar o Estado a atender suas demandas e reivindicações (FERNANDES, 2000; FERNANDES, 2007). Em outro trecho, a reportagem pontua: “Tal era o empenho do MST em enfatizar suas reivindicações que seus integrantes não hesitaram em violar o Código Penal em vários artigos. Invadiram repartições públicas, impedindo-as de funcionar. Mantiveram servidores do Estado em cárcere privado. Danificaram bens públicos e propriedades particulares [...]” (REVISTA VEJA, 10/05/2000). Na sequência, ao expor a ação policial para contenção dos protestos do Movimento, utiliza a expressão “conter a 7 baderna”. Portanto, os membros do MST são vistos como sujeitos que alteram a ordem social vigente e devem ser contidos por isso. A reportagem em questão foi escrita na época do governo FHC, conhecido pela criminalização do MST (FERNANDES, 2007). Ao comentar as ações desse governo para enfraquecer o Movimento (uso de força policial e do Exército, medidas de não desapropriação de fazendas ocupadas por sem-terra durante período de tempo determinado, entre outras), a revista ressalta que: “O governo demorou muito tempo para resolver que as invasões promovidas pelos sem-terra em prédios públicos, algumas com quebradeira, exigiam reação severa das autoridades” (REVISTA VEJA, 10/05/2000). Ou seja, percebe-se que há uma legitimação da violência contra os pobres do campo. Vistos como “baderneiros”, contraventores da ordem social, devem ser penalizados e reprimidos a qualquer custo. Outra questão suscitada pela reportagem de Veja é em relação a culpabilização do sujeito sem-terra pela sua própria “desgraça social”. Observe-se o trecho: “Não se sabe ao certo quais são os limites do MST, mas na contabilidade das vítimas são eles os que morrem, não os que matam [...]” (REVISTA VEJA, 10/05/2000). Dessa forma, fica implícita a ideia de que o sem-terra é responsável por sua morte, pela violência que sofre. Por fim, a reportagem, ao argumentar sobre os ideiais do Movimento, salienta que: “O problema com o MST é que seus militantes cruzaram a linha da pregação ideológica para a prática da desordem pública. E isso não é tolerado passivamente em nenhuma democracia digna desse nome” (REVISTA VEJA, 10/05/2000). Portanto, a ideia de contraventores sociais é reforçada. Fala-se em respeito à democracia. No entanto, é possível refletir sobre isso: Por que uma democracia não pode aceitar ações de protesto social de parcelas da sociedade excluídas, mas aceita atrocidades estruturais que acometem essas pessoas, como a miséria, fome, desemprego, violência, entre outras? Há que interesses serve essa democracia? O discurso enunciado por essa reportagem assume a defesa dos interesses das elites dominantes do país e do Estado, manifesta um sentido classista. A segunda reportagem analisada, da Revista Isto É, intitulada “O ocaso do MST”, inicia, em seu subtítulo, decretando o fim do Movimento. Observe: “O Movimento dos Sem-Terra é um arremedo do que foi. Está sem rumo e é incapaz de promover grandes assentamentos. O Brasil avançou e os novos líderes da organização acabaram isolados 8 numa disputa por dinheiro público” (REVISTA ISTO É, 16/09/2011). As expressões “arremedo do que foi”, “sem rumo”, “O Brasil avançou”, tentam imprimir a ideia de que a luta dos sem-terra não faz mais sentido, seria um resíduo social prestes a ser definitivamente eliminado. Assim como a reportagem da Revista Veja, a da Revista Isto É, ao comentar a ocupação histórica da Fazenda Anoni/RS, utiliza a expressão “invasão”. Prossegue da seguinte maneira: “A organização que cortou as cercas da propriedade [Fazenda Anoni] ameaçava incendiar os campos brasileiros e despertava o medo nos latifundiários” (REVISTA ISTO É, 16/09/2011). Essa argumentação, ao que parece, busca imprimir uma visão dos latifundiários como vítimas das ações do MST, novamente encarado como grupo de infratores sociais. Essa matéria destaca outra questão polêmica: a saída de famílias dos acampamentos rurais. Esse processo acontece em alguns casos, mas devido às condições de vida nesses espaços sociais, onde as famílias não conseguem produzir, não contam com assistência técnica, acesso a serviços de saúde, educação, transporte, higiene, entre outros. No entanto, a reportagem coloca a ação como ato de má fé por parte dos sem-terra. Observe: “Das 83 famílias teoricamente instaladas no acampamento, um quarto só aparece aos sábados, domingos e feriados. Durante os dias úteis, tocam suas vidas. Moram e trabalham nas zonas rurais e urbanas de cidades próximas. Para eles, a peleja pela terra virou uma atividade de fim de semana” (REVISTA ISTO É, 16/09/2011). Portanto, as dificuldades da vida nos acampamentos não são devidamente evidenciadas. Em seu prosseguimento, a matéria de Isto É salienta que as melhorias sociais no Brasil enfraqueceram o MST. E acrescenta: “Viver anos a fio sob barracos de lona, à espera de um lote de terra, deixou de ser a única opção para uma legião de trabalhadores rurais” (REVISTA ISTO É, 16/09/2011). No entanto, não ressalta que as políticas sociais que atingem a população do campo e da cidade são de caráter assistencialista, promovendo transferência de renda. Ressalta ainda o surgimento de empregos em agroindústrias, sem ponderar a situação de dependência e exploração sofridas pelos camponeses e trabalhadores rurais assalariados. Num dos trechos da reportagem, aparece a afirmação: “Principal alvo da fúria do MST, o setor agroindustrial também passou por um importante processo de modernização e hoje se tornou um dos pilares da geração de emprego. [...] Fazendas que na década de 90 se destinavam a uma pecuária extensiva de pouco investimento deram lugar a 9 canaviais integrados a uma sofisticada cadeia produtiva, que desemboca em grandes usinas” (REVISTA ISTO É, 16/09/2011). Percebe-se um posicionamento a favor do agronegócio, escamoteando a exploração dos trabalhadores. Outro ponto de destaque na reportagem é a argumentação sobre reforma agrária. E a matéria debate o assunto, ressaltando que a reforma agrária perdeu seu sentido. “A própria ideia da reforma agrária como panaceia do desenvolvimento econômico perdeu seu charme. Ela não integra sequer o principal projeto de erradicação da pobreza extrema do país, o Brasil Sem Miséria. O programa, concebido pela presidente Dilma Roussef, aposta em regularizar, facilitar as linhas de crédito e melhorar a produtividade de terras já ocupadas. Não contempla investimentos para a ampliação do número de famílias assentadas” (REVISTA ISTO É, 16/09/2011). Nota-se uma contradição nessa argumentação: o problema dos sem-terra não será resolvido e a reforma agrária não é importante? O que será do destino dessas pessoas? A reportagem não esclarece essas questões. Dessa forma, a revista salienta o desgaste do MST perante a sociedade brasileira, mas não explicita o papel da mídia na formação do imaginário social sobre movimentos sociais, auxiliando na visão negativa da sociedade. Por fim, a reportagem pontua a hierarquização dentro do MST. “A direção do movimento passou a apostar numa estrutura altamente hierarquizada, mesmo entre seus pares. Nos seus primórdios, o MST parecia uma assembleia permanente. Hoje, os acampados apenas colocam em prática as decisões tomadas em esferas superiores” (REVISTA ISTO É, 16/09/2011). Sobre isso, é um elemento a ser refletido na discussão sobre o MST. No entanto, problemas internos não devem ser argumentos para desconsiderar a importância histórica do Movimento. Sendo assim, a matéria publicada pela Isto É também denota um discurso de deslegitimação do MST, estando, hipoteticamente, atendendo aos interesses do Estado e das elites capitalistas do país. Considerações finais A relação mídia e movimentos sociais, no Brasil, deve constituir-se em tema de pesquisas mais profundas acerca do assunto. Numa sociedade midiatizada, como a contemporânea, o campo midiático aparece como espaço propício à atuação de 10 movimentos sociais. No entanto, a mídia atende a interesses de grupos políticos e sociais dominantes. No caso do MST, suas ações de ocupação de terras e enfrentamento com forças estatais e particulares são “satanizadas” pela mídia brasileira, uma vez que intenta alterar a ordem social vigente no capitalismo, de exploração do trabalho de sujeitos sociais como os camponeses e trabalhadores rurais. Nesse sentido, os meios de comunicação, como revistas, jornais, televisão, sites, utilizam mecanismos sutis para inculcar uma visão negativa da luta de movimentos sociais como o MST no imaginário da sociedade. Os discursos enunciados, contrários às ações da luta e da resistência, são manifestações favoráveis às classes dominantes, o que comprova que esses discursos possuem um sentido e uma intenção de deturpar a luta pela terra e reforma agrária no Brasil. Dessa forma, considera-se oportuno o aprofundamento no estudo da análise do discurso da mídia brasileira sobre movimentos sociais como, por exemplo, o MST. Essa atividade propicia o “despertar da consciência” para as relações de forças que ocorrem na sociedade brasileira, mediadas, muitas vezes, pela mídia, que evidencia-se como um dos poderes do Estado e das classes dominantes contra os direitos, lutas, resistências e reinvindicações de dignidade e cidadania por parte dos grupos sociais menos favorecidos. Referências CAREGNATO, R. C. A; MUTTI, R. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto Contexto Enferm, Florianópolis, p. 679-684, out./dez. 2006. FERNANDES, B. M. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. FERNANDES, B. M. Movimento social como categoria geográfica. Revista Terra Livre, São Paulo, n. 15, p. 59 – 85, 2000. FERNANDES, B. M. Formação e territorialização do MST no Brasil: 1979 – 2005. In: MARAFON, G. J.; RUA, J.; RIBEIRO, M. A.(Org.). Abordagens teóricometodológicas em geografia agrária. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007. p. 139 – 167. GOHN, M. da G. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 5. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006. LOPES, D. B.; SILVA, L. A. P. Cidadania e novela: a midiatização de questões sociais em horário nobre. Google acadêmico, 14 páginas, s/d. 11 MELO, P. R. 25 anos do MST: um breve histórico de sua visibilidade midiática. Revista Memória em movimento, v. 03, n. 03, p. 1 – 19, s/d. MENDES, E. de P. P; PESSÔA, V. L. S. Técnicas de investigação e estudos agrários: entrevistas, registros de observações e aplicação de roteiros de entrevistas. In: RAMIRES, J. C. de L; PESSÔA, V. L. S. (Org.) Geografia e pesquisa qualitativa: nas trilhas da investigação. Uberlândia: Assis, 2009. p. 509 – 537. OLIVEIRA, A. U. de. A geografia das lutas no campo. São Paulo: Contexto, 1988. REVISTA VEJA. Sem terra e sem lei. Edição 1.648, 10/05/2000. REVISTA ISTO É. O ocaso do MST. Edição 2.184, 16/09/2011. SILVA, M. A. de M. A luta pela terra: experiência e memória. São Paulo: UNESP, 2004. 12