IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
ORIENTAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS PARA
PESQUISA QUALITATIVA EM EDUCAÇÃO E
MOVIMENTOS SOCIAIS
Allene Lage
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Orientações Epistemológicas para Pesquisa Qualitativa em Educação e Movimentos Sociais
ORIENTAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS PARA PESQUISA QUALITATIVA EM
EDUCAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS
Allene Lage
Professora Adjunta da UFPE-CAA
[email protected]
RESUMO: Este artigo é baseado numa experiência prolongada de campo, realizada no
âmbito de uma pesquisa de doutorado e no exercício de docência com as componentes
curriculares “Movimentos Sociais e Educação” e “Pesquisa e Prática Pedagógica III” que
estudam as experiências educativas em movimentos sociais e organizações afins. Parte da
importância da pesquisa como estratégia curricular de educação crítica e criativa. Aqui
são tratadas questões referentes à pesquisa nos espaços das lutas sociais e o caminho
epistemológico para a (re)elaboração do conhecimento em diálogo com os sujeitos da
pesquisa. Apresenta um fluxograma que pretende esclarecer o caminho epistemológico
para a (re)elaboração do conhecimento e a necessária articulação entre as etapas de uma
pesquisa. Discute ainda algumas alternativas metodológicas para pesquisa nestes temas e
apresenta as principais questões em torno da observação participante. Por último aponta
as aprendizagens mútuas concernentes ao processo epistemológico inerente à pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: pesquisa; (re)elaboração de conhecimento; epistemologia;
movimentos sociais, educação.
1. CURRÍCULO, PESQUISA E LUTAS SOCIAIS
Muitos consideram o currículo apenas a grade curricular de um curso, a divisão
em disciplinas e os conteúdos trabalhados traduzidos em ementas e bibliografias. No
entanto o currículo é muito mais, pois tem a ver com todo o processo vivido na escola, na
universidade ou como uma componente do currículo. No âmbito do currículo acontece a
reprodução social dos conteúdos e concepções ideológicas, dentro do processo educativo.
Nesta direção é definidor do tipo de cidadão/cidadã a ser formado e qual a finalidade de
sua formação.
Historicamente a escola tem garantido por meio do currículo, sua reprodução tanto
ideologicamente quanto em termos de conteúdos específicos. Somente a partir da pós-
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graduação, quando entra o aspecto da pesquisa, esta percepção muda e o estudante entra
num processo de (re)elaboração de seu próprio conhecimento e passa a ganhar autonomia
na construção de novos saberes. Esse processo é importante, pois como afirma Paro
(1997), “quem só executa deixa de ser sujeito, e o ser humano é sujeito por natureza,
portanto, ao ser alijado da elaboração, participando somente da execução daquilo que
alguém “superior” elaborou e determinou, ele perde sua humanidade”.
Portanto o currículo encerra em si todos os aspectos concernentes a formação
proposta, a partir de uma combinação de temas e processos de vivências e aprendizagens
de modo a construir um conjunto de condições pedagógicas que levem o sujeito, por um
lado a elaborar ou organizar o seu conhecimento apreendido ou, pelo outro lado, apenas a
reproduzir o conhecimento aprendido.
De fato, a pesquisa é um caminho seguro para o processo de construção do
conhecimento sobre mundo, e do autoconhecimento, na medida em contribui para a
organização de estruturas cognitivas, por meio da compreensão de métodos que
asseguram não a reprodução do conhecimento, mas sua a (re) elaboração, a partir das
experiências de seus sujeitos. Neste sentido, convergimos com a idéia de Saviani (2000)
quando afirma que a busca pelo conhecimento cada vez mais elevado deve ser sempre o
objetivo do processo de ensino-aprendizagem (Saviani, 2000).
Nesta direção Pedro Demo (2007) afirma “o que melhor distingue a educação
escolar de outros tipos de espaços educativos é o fazer-se e refazer-se na e pela pesquisa”.
Este autor diz ainda que “a base da educação escolar é a pesquisa e não a aula ou o
ambiente de socialização ou a ambiência física, o mero contato entre professor e aluno”
(Demo, 2007: 7).
De fato, Pedro Demo tem razão em sua defesa pela pesquisa, pois o processo de
conhecimento pela pesquisa leva o confronto da teoria com a prática e a análise criteriosa
que permite a (re) elaboração crítica do conhecimento, a partir da experiência do método
que permitirá o estudante a compreender os caminhos metodológicos, para refletir sobre
os dilemas e curiosidade científica, descobrindo-se na construção do processo
epistemológico. Educar pela pesquisa é uma decisão política, pois tal como afirma Demo
“não aparece somente apenas na presença da ideologia, mas, sobretudo no processo de
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formação do sujeito crítico e criativo, que encontra no conhecimento, a arma potente de
inovação, para fazer-se e se fazer oportunidade histórica através dele” (Demo, 2007: 7).
Outro aspecto importante na formação do sujeito crítico e criativo tem a ver com
as áreas e temas das pesquisas e as possibilidades de vivências das experiências de campo
oportunizado pelo processo de coleta de dados, mais especificamente aqueles que levam o
estudante ao encontro da realidade e de suas contradições. Nesta direção, as lutas sociais
surgem como um espaço de aprendizagem acadêmico-político diferenciado quer seja pelo
dinamismo deste lugar, quer seja ainda pela urgência da inovação metodológica que possa
romper com a subalternização que as metodologias tradicionais impuseram a muitas
experiências sociais de luta e a seus processos educativos.
No entanto, apesar desta marginalidade imposta, as lutas sociais em suas
trajetórias diversas entraram em campo produzindo experiências de enfrentamento às
desigualdades sociais, econômicas, educacionais, ambientais e políticas, a partir de
epistemologias próprias de análise e de intervenção, capaz de confrontar as principais
problemáticas sociais e apresentar propostas de transformação para as condições sociais
historicamente desiguais. Neste sentido Arturo Escobar (2003) diz que os novos
conhecimentos baseados no senso comum passaram para um primeiro plano. Escobar
fundamenta a sua afirmação, a partir da observação dos tipos de conhecimentos, que os
ativistas dos movimentos sociais e as ONGs têm vindo a produzir no contexto de lutas
que são simultaneamente localizadas e globalizadas (Escobar, 2003:607).
Esta luta para além de política é também epistemológica, e tem levado os
movimentos sociais também a se apropriarem do saber científico e a reinventarem
metodologias sociais em campos historicamente afastados de qualquer possibilidade de
acesso, como o da educação. Nesta direção os movimentos sociais têm priorizado para
além de suas estratégias de ação mais visíveis - ocupações, marchas, greves, entre outras uma política da educação, na qual visa transformar e melhor qualificar suas organizações,
considerando o fato de que, dentro de um movimento social, a educação tem efeito
multiplicador.
Este esforço conjunto de aliar a luta política à luta epistemológica, articulando
estratégias de ação com saberes científicos e militantes tem produzido avanços
significativos na forma de atuação dos movimentos, tanto no que diz respeito à sua
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capacidade de negociação com o Estado quanto no enfretamento do debate político com
as forças conservadoras.
Outro aspecto de muita relevância é o crescente interesse da Academia em estudar
os movimentos sociais. Cada vez mais aumenta o número de estudantes – tanto no nível
da graduação quanto da pós-graduação - desenvolvendo investigações dentro destas
organizações, criando assim uma proximidade com estas lutas numa caminhada
epistemológica de aprendizagens mútuas. Neste sentido, Boaventura de Sousa Santos
(2004:74) aponta a pesquisa-ação como um dos caminhos epistemológicos que tem
contribuído para a legitimação da universidade, pois transcendem a extensão, uma vez
que tanto atuam ao nível da pesquisa quanto da formação.
A pesquisa-acção consiste na definição e execução participativa de projectos de
pesquisa, envolvendo as comunidades e organizações sociais populares a braços com
problemas cuja solução pode beneficiar dos interesses da pesquisa. Os interesses sociais
são articulados com os interesses científicos dos pesquisadores e a produção do
conhecimento ocorre assim esteitamente ligada à satisfação de necessidades dos grupos
sociais que não têm poder para pôr o conhecimento técnico e especializado ao seu
serviço pela via mercantil (Santos, 2004: 75).
Esta aproximação tem diminuído o fosso histórico que separa a ciências das lutas
sociais, e recheando não apenas a ciência de realidade social, mas principalmente
politizando-a. Contudo esta aproximação universidade-movimentos sociais, forja uma
pressão por políticas públicas de educação e condições e acesso e manutenção voltada
para um público historicamente expulsos dos processos de formação do saber científico.
Os sujeitos educativos dos movimentos sociais que passaram por experiências
deste tipo são sujeitos-chave de um processo de (re)elaboração do conhecimento, na
medida em que pensando no contexto político, social, educacional, econômico, cultural,
ambiental em que vivem, conseguem refletir sobre as possibilidades de superação. Com
isto conseguem uma atuação mais qualitativa, porque tiveram acesso não só ao
conhecimento, mas porque dominando e se apropriando do conhecimento técnico e da
linguagem acadêmica têm a oportunidade de reorganizar esses conhecimentos à luz da
luta social.
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2. A PESQUISA QUALITATIVA E A (RE)ELABORAÇÃO DO CONHECIMENTO
Deslandes et. al.(1994) diz que a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis (Deslandes et. al.1994: 21).
Godoy (1995), por sua vez, vê o potencial da pesquisa qualitativa, tendo em
conta o fato de esta não enumerar ou medir os eventos estudados, nem empregar
instrumentos estatísticos na análise dos dados. Parte de questões ou focos de interesses
amplos, que se vão definindo à medida que o estudo se desenvolve. Envolve a obtenção
de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos, pelo contacto direto do/a
investigador/a com a situação estudada (Godoy, 1995: 58).
De fato, a pesquisa qualitativa tem um viés que leva ao encontro de
subjetividades que não conseguem se esconder, como fazem no universo da pesquisa
quantitativa. Estas subjetividades afloram fora das regras e condicionamentos prévios,
no contato, no diálogo e no confronto da realidade. Entender estas subjetividades e delas
extrair novas compreensões requer metodologias claras, que possam admitir a
diversidade de discursos, sentidos e sentimentos inéditos dos sujeitos de pesquisa em
seus lugares de atuação.
Ao pesquisador cabe empreender novos caminhos analíticos que construam, a
partir do diálogo com estes sujeitos, conhecimentos novos advindos de um processo
epistemológico criativo que possa dar conta do enorme potencial de aprendizagem que
existe dentro do universo da pesquisa qualitativa.
2.1. (Re)elaboração do conhecimento: um caminho bem articulado
Diferentemente do que se pensa uma pesquisa na área das ciências sociais e
humanas não nasce dentro de uma experiência específica, ou pelo menos não deveria.
A pesquisa nasce a partir de uma curiosidade científica, que surge ao se olhar uma
realidade e suas contradições. A experiência ou o caso a ser estudado constitui-se
apenas em um campo empírico onde se estuda a realidade, dentro de um tema.
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O caminho epistemológico para a (re)elaboração do conhecimento tem coerência
e desdobramentos que articulam todos os passos de uma pesquisa. Um caminho seguro1
é marcado em primeiro lugar pela Problematização 2, seguida pela definição do
Problema3 e o Objetivo Geral.
A partir destes, o passo seguinte é apontar as principais dimensões do tema que
contribuam objetivamente para aprofundar as reflexões proposta pelo Problema, de
modo a se alcançar novas compreensões durante o exercício epistemológico da
construção do saber científico. Em seguida fazem-se os desdobramentos a partir destas
dimensões, que vão estruturar a pesquisa - da definição dos objetivos específicos até as
categorias de análise, conforme mostra o Fluxograma a seguir.
1
Utilizo a designação de caminho seguro para vincar a idéia de que uma pesquisa tem passos bem
definidos que vão se moldando a partir do problema da pesquisa.
2
A problematização é construida ao se olhar o contexto social e suas contradições, dentro do tema que se
pretende estudar.
3
Pergunta ou Problema da Pesquisa.
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Conforme aponta o Fluxograma acima, em particular no quadro 4, 5 e 6, a
Pergunta/Problema é fundamental para definir o Objetivo Geral e todo o desdobramento
das etapas seguintes, na medida em que as dimensões que serão elencadas deverão ter
estreita contribuição para que se alcance o Objetivo Geral. No quadro 6 percebe-se
claramente o desdobramento que articulará coerentemente todos as demais etapas da
pesquisa. Ou seja, este desdobramento em dimensões temáticas permite que as estude
teoricamente, empiricamente e analiticamente, de modo a assegurar que foram tratados
em todas as etapas da pesquisa.
Completada esta costura epistemológica é possível se encaminhar para as
conclusões, na medida em que um tema desdobrado foi refletido rigorosamente em
todos os eixos estruturantes do processo de (re)elaboração do conhecimento, tal como
pode ser visto no exemplo a seguir.
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3. ALTERNATIVAS METODOLÓGICAS
No âmbito da pesquisa qualitativa algumas abordagens metodológicas são mais
indicadas para se trabalhar na área da Educação e da Sociologia, especialmente quando
estas estão voltadas para o estudo de experiências dentro dos movimentos sociais e
organizações afins. Entre estas alternativas, importa citar as seguintes.
3.1. Método do Caso Alargado
O melhor método a ser utilizado não é aquele mais conhecido e de domínio
amplo, mas aquele que consegue investigar todos os pontos relevantes para que os
resultados da pesquisa sejam alcançados. O Método do Caso Alargado é caracterizado
por um estudo de caso convencional que tem alargada as suas implicações quando da
sua conclusões.
A base inicial deste método, especialmente a procedimental do Estudo de Caso,
proporciona aprender com a experiência e enriquecer o aprendizado a partir do encontro
da teoria com a realidade, da ação e da criatividade. Nesta direção, a utilização do
Estudo de Caso como etapa preliminar é importante por realizar um estudo intenso da/s
experiência/s para a compreensão do tema pesquisado.
Nesta direção Goldenberg
(2000) afirma que:
“O estudo de caso não é uma técnica específica, mas uma análise holística, a mais
completa possível, que considera a unidade social estudada como um todo, seja um
indivíduo, uma família, uma instituição ou uma comunidade, com o objetivo de
compreendê-los em seus próprios termos. O estudo de caso reúne o maior número de
informações detalhadas, por meio de diferentes técnicas, com o objetivo de aprender a
totalidade de uma situação e descrever a complexidade de um caso complexo. Através
de um estudo profundo e exaustivo em um objeto delimitado, o estudo de caso
possibilita a penetração na realidade social, não conseguida pela análise estatística”
(Goldenberg, 2000: 33-34).
Após a análise holística do caso, surge a necessidade de ampliar o universo das
implicações sobre o estudo. Dentro desta perspectiva, o Método do Caso Alargado
consubstancia a necessidade de ampliar as conclusões do estudo de caso, pela
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especificidade do tema da pesquisa.
Este método, utilizado primeiramente por
Boaventura de Sousa Santos (1983) e posteriormente por Michael Burawoy (1991;
2000), é muito adequado para estudos isolados e para estudos comparados.
Neste sentido, especialmente na sociologia há duas maneiras de fazer a
representatividade em estudos comparados. A primeira é pela quantidade que privilegia
a análise e tem por base a repetitividade, reduzindo a análise aos aspectos comuns e à
incidência e à prevalência destes. A segunda maneira é pela exemplaridade, que estuda
e compara os casos pela singularidade e não porque são estatisticamente relevantes, mas
sim porque são únicos, representativos de alguma coisa. A partir daí alargam o caso nas
suas implicações, não é na análise estrita do caso – o estudo de caso é uma janela
através da qual se vê a sociedade e outros fenômenos sociais de forma mais ampla.
Neste sentido, o Método do Caso Alargado propõe que,
“Em vez de reduzir os casos às variáveis que os normalizam e tornam mecanicamente
semelhantes, procura analisar, com o máximo de detalhe descritivo, a complexidade do
caso, com vista a captar o que há nele de diferente ou de único. A riqueza do caso não
está no que nele é generalizável, mas na amplitude das incidências estruturais que nele se
denunciam pela multiplicidade e profundidade das interacções que o constituem”
(Santos, 1983: 11).
De fato, o método do caso alargado propicia uma conclusão de maior
profundidade sobre a investigação realizada, incidindo não apenas sobre os casos
estudados – isoladamente ou comparados – mas porque oferece uma estrutura
metodológica capaz de ampliar o espectro das reflexões, amplia o universo da análise,
de modo que esta possa discorrer acerca de questões importantes relacionadas com o
tema e presentes na sociedade.
3.2. Estudo comparado
A tradição dos estudos comparados em educação na América Latina foi levada
adiante por organizações internacionais, com uma perspectiva funcionalista e
positivista, baseada nos estudos estatísticos, nos grandes surveys, voltados apenas para
uma descrição quantitativa do fenômeno, e não para uma análise qualitativa da realidade
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educativa. Os estudos que se cristalizaram nesta metodologia, e não tiveram outro tipo
de desenvolvimento, estão superados, quando não obsoletos, e não constituem fontes
fundamentais de informação, porque suas análises não vão além de uma visão dos
problemas fora de seu contexto, sem explicar as causas dos mesmos.
Para Peter Burke, o desenvolvimento da história comparada está muito ligado ao
desenvolvimento da sociologia, onde o método comparativo teve origem. A sociologia
se preocupa em estabelecer as leis gerais, enquanto a história se preocupa com os
eventos particulares, aqueles que não se repetem que são únicos. Teria sido a sociologia
a oferecer ao historiador não apenas os conceitos, mas também os instrumentos
metodológicos, tais como a observação, a análise cruzada, a análise de conteúdos e o
método comparativo (BURKE 1980, p.29).
Emile Durkheim e Max Weber deram as principais contribuições ao método
comparativo na sociologia, e esta contribuição extrapolou para as outras áreas, como a
dos s estudos comparados em educação. Na obra “As regras do método sociológico”,
Durkheim discute longamente a questão do método. O ponto de partida de seu
raciocínio é a afirmação de que o método da experimentação não se aplica a fenômenos
que não podem ser produzidos artificialmente pelo pesquisador, como ocorre com os
fenômenos sociais. Em tais casos, segundo Durkheim deve-se empregar "o método da
experimentação indireta ou método comparativo" cuja base se encontra na ciência
experimental, no axioma da relação causal entre os fenômenos, a relação de causa e
efeito. Ainda para este autor, o emprego do método comparativo de maneira científica
supõe que "a um mesmo efeito corresponde sempre uma mesma causa" e se há mais de
uma causa, é porque há mais de um tipo de um mesmo fenômeno (Durkheim,
1987:112).
Lage (2005), partindo de seu estudo comparativo sobre duas lutas sociais, diz
que não se deve realizar uma comparação entre as lutas sociais, pretendendo apontar
prós e contras e colocando-as numa disputa política, pois “comparar é estabelecer
pontes, aproximar margens, abrir caminhos para o diálogo” e neste sentido “deve-se
procurar, ao comparar, ampliar o universo das possibilidades das experiências que
compara, de modo que, a partir desta diversidade, seja possível olhar para as sociedades
e reconhecer os caminhos e as conquistas alcançadas” (Lage, 2005:676)
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Neste sentido, a realização de estudos comparados exige intensas travessias entre
os casos estudados. Compreender cada uma das experiências constituiu-se num
exercício epistemológico para dar conta da riqueza sociológica das experiências em
análise, não devendo subordinar as possibilidades emancipatórias para atender uma
grelha analítica comum; expressar a diversidade dentro de uma estrutura comparativa
deve ser uma escolha metodológica que tenciona experimentar epistemologias que
melhor expressem as realidades sociais do estudo em questão. Por fim, Lage (2005)
afirma ainda que
... a comparação entre duas ou mais experiências só faz sentido à luz destes contextos,
sobretudo quando se identifica os diferentes modos de ação e o êxito relativo, com que
cada experiência responde ao seu cenário social e como estas procuram superar, por
meio dos seus processos de luta, resistência as experiências a que estão submetidos
(LAGE, 2005: 611).
4. PESQUISA DE CAMPO E COLETA DE DADOS
A realidade por mais que seja vivida intensamente tem sempre um aspecto de
parcialidade e incompletude, quer devido às suas multidimensionalidades, quer seja pela
incapacidade do olhar humano em captar a diversidade social.
Deste modo, uma
pesquisa de campo deve ser conduzida na perspectiva de construir com os sujeitos da
pesquisa ou os sujeitos do campo, novas contribuições teóricas com base na realidade
vivida e consentida pelos grupos.
O principal “instrumento” de investigação é, sem dúvida o olhar do/a próprio/a
investigador/a. Todavia, esta autonomia para construir versões sobre a realidade
observada necessita, caso se pretenda contemplar o máximo de realidade possível, ser
revestida de um nível de dialogicidade com os sujeitos envolvidos, de modo a
transformar o olhar unilateral do/a investigador/a num olhar democrático. É, neste
âmbito, que surge a idéia de construção partilhada de dados, ancorada na interação
como possibilidade de trabalho democrático, indo além do simples ato de observar e de
coletar dados.
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Importa ainda ter em conta a autonomia que o/a investigador/a tem sobre o
planejamento do seu trabalho de campo. Nesta medida, existem muitas questões no
âmbito das suas decisões, como os vários aspectos relacionados com a sua presença no
campo, a duração do seu trabalho, a forma como se dá a sua inserção – as estratégias de
observação e de diálogos, interações, comportamentos - e os instrumentos de registro a
serem utilizados. Contudo, nem sempre o/a investigador/a terá total domínio sobre as
pretendidas situações de observação, pois muitas situações planejadas podem não
ocorrer, como também podem surgir oportunidades de observação não previstas.
Ou seja, por mais que o/a investigador/a tenha o domínio sobre o planejamento o
modo como se desenvolverá o seu trabalho de investigação no campo, envolvendo
vários aspectos e possibilidades do que possa imaginar que seja a realidade com que se
irá deparar, haverá sempre um frágil controle sobre as situações a serem observadas,
pois não se controla a realidade, principalmente quando se esta é estranha e se está
somente a observá-la. Podem, neste sentido, surgir possibilidades de observação
inesperadas e não planejadas e significativas para a compreensão do tema em
investigação.
Para Lage (2005) o acesso a muitas situações do campo dependerá de algumas
estratégias comportamentais que o pesquisador/a adotará, e que podem ser definidoras
do nível de abertura que se pretende alcançar, dentro da experiência em estudo. Assim,
Lage aponta as seguintes estratégias:
i. ir para o terreno com um planeamento de “possibilidades” de situações a serem
observadas, sem considerá-lo nem muito fechado e nem muito aberto - isto facilitou
uma constante adequação do planeamento à realidade que estava a conhecer;
ii. estar receptiva, atenta e disposta a participar em vários eventos ocorridos, planeados
ou não - isto contribuiu para que eu identificasse e expressasse o desejo de
participação nas situações importantes, inusitadas ou não, de serem observadas;
iii. estar disposta a ter uma relação horizontal com os sujeitos da investigação, de modo a
construir laços de confiança e possibilidades de diálogo e partilhas – isto abriu um
canal de acesso para “experimentar a realidade” que estava a observar, tornando mais
rico o contacto e a interacção com os grupos sociais envolvidos;
iv. não esquecer que todo observador é também um observado e, portanto, a aceitação do
outro dá-se nos dois sentidos - com isto quero dizer que não se deve ter pressa em se
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ser aceito/a pelo grupo no qual se está a desenvolver a investigação; pressionar uma
relação de confiança, ainda não estabelecida, pode ter efeitos desastrosos.
(Lage, 2005: 203)
4.1. Observação participante
A observação participante é uma técnica para o trabalho de campo que
proporciona grande aproximação à realidade sociológica. De fato, o estar no campo
proporciona muitas oportunidades de aprendizagem, de novas compreensões e permite
essencialmente o pesquisador entrar em contato com a realidade, que está à mão numa
imensa variedade de possibilidades de interações, articulações e também contradições.
Oferece ainda a oportunidade de espaços de inserção - e aceitação - em universos
simbólicos, em formas de organização social e saberes sociais presentes no cotidiano
dos grupos sociais.
Segundo Jorgensen, o que se consegue observar é influenciado em grande parte
pelo fato de a experiência ser baseada na visão, no som, gosto, cheiro ou em várias
combinações dos sentidos. Quanto mais informação se tem sobre alguma coisa com
múltiplos pontos de vista e fontes, menor é a hipótese de interpretá-la (Jorgensen,
1989:53).
De fato, o contacto com a realidade traz também a possibilidade de incluir os
sentidos no trabalho de observação. Traz ainda a possibilidade de uma intensa interação
e nesta medida, esta técnica oferece instrumentos para que o/a investigador/a se envolva
diretamente como participante no cotidiano das pessoas.
O foco de observação das experiências a serem estudadas são os encontros entre saberes, poderes, grupos sociais e pessoas. Neste sentido, a cada encontro deve-se
observar, além das falas e dos silêncios, os espaços, os atores, as atividades, a atmosfera
do ambiente, os comportamentos e os sentimentos. Além da própria observação, outras
técnicas podem ser utilizadas, como a conversa informal e as entrevistas semiestruturadas. É importante, caso haja condições, recorrer às histórias de vida/oral.
Como diz Becker (1994), as especificidades de uma pesquisa fazem de cada uma
delas uma pesquisa singular, na qual o pesquisador deve ter liberdade para construir seu
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próprio método de acordo com sua caminhada e com os obstáculos e imprevistos que
surgem à sua frente (Becker, 1994).
Contudo, um aspecto importante para conseguir realizar uma observação
participante, integrada no cotidiano dos grupos estudados, é sem dúvida a permanência
prolongada no campo do pesquisador/a, que para além de possibilitar um contato mais
intenso, cria também a oportunidade para novas percepções, tanto para o investigador/a
no campo, quanto para os grupos sociais em contacto com este/a.
Entretanto, sempre que se aborda a questão da permanência prolongada no
terreno do/a investigador/a, a possibilidade de a sua presença interferir na unidade social
na qual se inseriu, é sempre um ponto polêmico. Contudo, a observação participante é
um procedimento de investigação não interferente e bastante discreto, se comparado ao
caráter inquisitivo, interferente e indiscreto de questionários e entrevistas formais. Neste
sentido, Paul Lazarsfeld (1972) chega a classificar os dados obtidos pelo primeiro
conjunto de técnicas - observações - como “naturais” e os decorrentes do segundo como
“experimentais” (Lazarsfeld, 1972:16).
Tomando por base a experiência de Lage (20005 e 20005a) em trabalho de
campo prolongado, vivendo com os grupos sociais que estava a estudar e as reflexões de
António Firmino da Costa (2001) sobre o problema da interferência do/a investigador/a
quando de uma estadia no campo prolongada, podemos apontar os aspectos mais no
trabalho de campo:
i. a presença do/a investigador/a não passará desapercebida e pode interferir no contexto;
ii. falar com pessoas, fazer perguntas, participar em actividades é algo que interfere, porém
interfere muito mais ficar parado a olhar, sem dizer nada a ninguém;
iii. a presença do/a investigador/a introduz uma série de novas relações entre observador/a e
observado/a e reorganiza o próprio contexto social;
iv. a questão não está em evitar a interferência, mas tê-la em consideração, controlá-la e objectivála tanto quanto possível.
De fato, é importante refletir que a questão da interferência poderá perder um
pouco a sua importância, se considerarmos que não existem sociedades completamente
fechadas e estáticas. Poderão a todo o momento surgir novas presenças, como também
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novas ausências e estas estarão sempre em conjunto com o grupo, criando novos
dinamismos, acentuando velhos ou até mesmo mantendo-os despercebidos.
Pensamos, neste sentido, que a própria idéia de permanência prolongada acaba
por estabilizar os cotidianos que vão absorvendo os estranhos, tornando-os familiares
em muitos casos. Do lado do/a investigador/a haverá também uma acomodação dos
papéis, a partir do momento em que passa da novidade à rotina. É claro que isto pode
também levantar a questão da identidade e dos papéis do/a investigador/a no campo,
para além da questão relação de proximidade estabelecida com os grupos.
Contudo, importa ressaltar, que o fato de se estar bem inserido no campo não
significa dizer que haverá confusões sobre o papel e identidade, ou pelo menos que
prejudique o andamento da investigação.
A nosso ver significa que se avançou
principalmente na idéia de uma epistemologia mais democrática, conseguida somente
na relação entre sujeito-sujeito e não entre sujeito-objeto, dando assim passos decisivos
no estabelecimento de relações democráticas entre sujeitos do conhecimento.
De fato, esta aproximação rompe as freqüentes barreiras impostas pela condição
de investigador/a com as exigências metodológicas de distanciamento entre este e a
experiência, provoca também, para além de tudo, um distanciamento epistemológico,
que o/a impede de conhecer mais profundamente a experiência; em vez de viver a
experiência passa ao largo dela, mesmo estando inserido no campo.
Outra questão crucial é a saída do campo. Neste sentido, é muito importante
discutir com os sujeitos do campo as primeiras conclusões do trabalho de pesquisa antes
da saída definitiva do pesquisador/a. Criar esta possibilidade de diálogo contribui para
dirimir muitas dívidas ou interpretações errôneas sobre o comportamento, que
ocasionalmente poderão surgir. A nosso ver esta posição de uma saída dialógica, traduz
num comportamento ético que contribui para romper com os fortes argumentos dos
sujeitos do campo, em atribuir uma postura arrogante de muitos investigadores na
manipulação o conhecimento que adquirem em suas experiências, sem nenhum
momento de diálogo.
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4.2. A realidade e suas narrativas: os diários de campo
Viver a realidade, partilhando o cotidiano com os grupos sociais contribui para
um aprofundamento empírico que possibilita, não apenas uma riqueza epistemológica,
mas também uma vivência sobre aquilo que se pretende compreender, pois ambas
oferecem maior proximidade e interação entre o pesquisador/a, a realidade e os sujeitos
da investigação.
Nesta medida, torna-se imprescindível o registro da experiência por meio de
diários de campo, onde deverão ser anotadas em suas páginas a vivência da pesquisa e o
universo que se acessou - de entrevistas à conversas informais, de sentimentos à dados
quantitativos, de momentos de tensão até cânticos, marchas e encontros, para além das
observações e reflexões do pesquisador/a. Com isto pretendemos admitir a importância
de se criar novas possibilidades de narrativas das experiências de campo, oferecendo
aos interessados uma imersão tão profunda quanto possível sobre os casos estudados,
dando espaços e possibilidades para novas interpretações e descobertas para novos
estudos.
Sem uma forma sistemática de registro das observações, corre-se o risco de
findado o período do trabalho de campo, perder a memória de momentos importantes.
Nesta direção, Lage (2005a) reflete que,
“O diário de campo é um instrumento não só de registro, mas fundamentalmente um
instrumento de análise de todo o trabalho de campo. É ainda, um instrumento de
trabalho diário, literalmente diário, e por isso mesmo um incansável e por vezes
saturante trabalho, que exige disciplina mas que proporciona ao próprio pesquisador(a)
uma grande satisfação à medida que vai sendo construído e redescoberto a cada
consulta que se faz dos passos dados. Tal como um álbum de fotografias, que nos leva
ao reencontro das descobertas quotidianas” (Lage, 2005a).
À medida que se avança na escrita do diário de campo e este começa a ganhar
volume, o pesquisador/a começa a se aperceber de sua importância. Quanto mais
demorada a experiência do campo, mas importante o diário vai se tornando, pois passa a
se constituir numa fonte preciosa de dados organizados, numa memória muito rica sobre
Allene Lage
7019
Orientações Epistemológicas para Pesquisa Qualitativa em Educação e Movimentos Sociais
a experiência no campo. Através dos sentidos e sentimentos do pesquisador, é possível
outras pessoas conhecerem as descobertas do pesquisador em seu trabalho de campo.
5. PESQUISA: UM PERCURSO DE APRENDIZAGENS MÚTUAS
Paulo Freire tinha uma forma particular de conhecer o mundo. Para ele, o
conhecimento dá-se no diálogo do ser humano com o mundo e do seres humanos entre
si com o mundo, por isso muitos dos seus livros foram escritos em forma de diálogos.
Um destes, num diálogo com Sérgio Guimarães, disse que:
"… ninguém aprende individualmente apenas. Quer dizer: nós somos sócio-históricos,
ou seres sociais e culturais, e que, por isso mesmo, o nosso aprendizado se dá na
prática geral de que fazemos parte, na prática social. (...) não é possível fazer afogar,
fazer desaparecer a dimensão individual de cada sujeito histórico que se experimenta
socialmente. (...) Esquecer essa subjectividade, não reconhecer o papel dela no
aprendizado da história e mais do que no aprendizado, na feitura da história - que,
inclusive, é fazendo a história que a gente aprende a história (…)" (Freire e Guimarães,
2000: 27).
Por analogia, podemos afirmar que a pesquisa de campo oferece possibilidades
de construção intensa de novos conhecimentos e fortes momentos de aprendizagem. O
estar no mundo e com as pessoas e seus mundos é transformador, pois cria o contato
próximo e intenso com as realidades estudadas, seus saberes e suas histórias de vida.
Boaventura de Sousa Santos (2003) ao refletir sobre como as experiências
pessoais são assumidas como parte inseparável do processo de produção de
conhecimentos, diz que todo conhecimento é autoconhecimento, pois possui um caráter
autobiográfico e auto-referenciável, que está nitidamente presente na ciência apesar de
não ser assumido por esta.
“Hoje sabemos ou suspeitamos que as nossas trajectórias de vida pessoais e colectivas
(enquanto comunidades científicas) e os valores, as crenças e os prejuízos que
transportam são a prova íntima do nosso conhecimento, sem o qual as nossas
investigações laboratoriais ou de arquivo, os nossos cálculos ou os nossos trabalhos de
Allene Lage
7020
Orientações Epistemológicas para Pesquisa Qualitativa em Educação e Movimentos Sociais
campo constituiriam um emaranhado de diligências absurdas sem fio nem pavio. No
entanto, este saber, suspeitado ou insuspeitado, corre hoje subterraneamente,
clandestinamente, nos não-ditos dos nossos trabalhos científicos. (…) No paradigma
emergente, o carácter autobiográfico e auto-referenciável da ciência é plenamente
assumido. (…) Para isso é necessária uma outra forma de conhecimento, um
conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos una pessoalmente
ao que estudamos” (Santos, 2003: 53 e 54).
De fato, sem o eixo da nossa subjetividade e sem a bagagem cognitiva que
trazemos das nossas experiências pessoais e coletivas, não é possível produzir
conhecimentos alheios a tudo isto, principalmente porque o que aprendemos na escola
ou na universidade é apenas uma parte do nosso campo de aprendizagem.
Assim, sendo somos nós o próprio espelho das nossas das experiências de
campo, e ao estudá-las somos, simultaneamente, estudadas por elas e ao analisá-las
também somos analisadas por elas. Como bem fala Paulo Freire: «Não há pensar certo
fora de uma prática testemunhal que re-diz em lugar de desdizê-lo» (Freire, 2003: 34).
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7023
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
DOIS CAMPOS DE INVESTIGAÇÃO EM
DIÁLOGO: A ARQUITETURA DE UMA PESQUISA
Ana de Oliveira
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Dois Campos de Investigação em Diálogo: a arquitetura de uma pesquisa
DOIS CAMPOS DE INVESTIGAÇÃO EM DIÁLOGO: A ARQUITETURA DE
UMA PESQUISA
Ana de Oliveira
RESUMO: Neste artigo, apresento os aportes teórico-metodológicos com os quais
venho desenvolvendo a pesquisa A rede de (re)significações da comunidades
disciplinar História nas políticas curriculares para o ensino fundamental. Refiro-me ao
ciclo contínuo de políticas de Stephen Ball e à teoria do discurso de Ernesto Laclau. A
interconexão entre os campos do currículo (Ball) e o das ciências sociais (Laclau) tem
se mostrado relevante no sentido de compreender como sujeitos e grupos sociais atuam
na produção das políticas curriculares e de como essa atuação que envolve processos
articulatórios acaba por homogeneizar, de forma contingente e provisória, textos e
discursos das políticas curriculares. Indico questões que a leitura dos novos textos
curriculares para o ensino fundamental, editados pelo MEC/SEB, aponta como
necessárias para serem investigadas, defendendo a relevância do diálogo entre os dois
campos – o curricular e o das ciências sociais – na compreensão das políticas
curriculares.
PALAVRAS-CHAVE: Currículo – ciclo contínuo de políticas – teoria do discurso.
No momento em que chegam às escolas novos documentos curriculares
propondo, no caso do ensino fundamental, um debate sobre a concepção de currículo e o
seu processo de elaboração, parece-me oportuno trazer para este artigo a temática das
políticas curriculares.
Se os anos de 1990 corresponderam a uma intensificação de políticas
educacionais devido, sobretudo, ao processo de redemocratização do país, à mobilização
de diferentes movimentos sociais e à LDB-96, que instituiu a “década da educação”
(Dias, 2009, p.10) e serviu de temática a inúmeros estudos, que em diferentes
perspectivas se ocuparam de sua análise, agora, em 2009, após o estabelecimento da

Professora de História do Colégio Pedro II, Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação do
Proped-UERJ e integrante do Grupo de Pesquisa – Articulação nas políticas de currículo: o caso das
Ciências no Ensino Médio – em andamento e aprovada pelo CNPq, coordenada pela Profa. Alice
Casimiro Lopes. (www.proped.pro.br)
Ana de Oliveira
7027
Dois Campos de Investigação em Diálogo: a arquitetura de uma pesquisa
obrigatoriedade de nove anos para o ensino fundamental – Lei nº. 11.274/06 –, uma
coletânea de quatro documentos que tem como título Indagações sobre currículo,
editada numa tiragem de 740.000 exemplares pela Secretaria de Educação Básica
(SEB/MEC), em 2008, reacende o debate em torno dessa temática.
Cronologicamente inserida nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso e
tendo o economista Paulo Renato de Souza como Ministro de Educação, as propostas
curriculares dos anos de 1990 sofreram poucas alterações, mesmo quando, em 2003,
iniciou-se o primeiro mandato do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto,
a partir de 2006, mobilizaram-se, em uma série de discussões, diferentes sujeitos e
grupos sociais no sentido de analisar os efeitos daquelas propostas e apresentar, na
coletânea, “novas” proposições curriculares.
Embora situando a pesquisa1 a que ora me dedico em uma vertente que não se
circunscreve naquelas que, em número considerável, incorporam-se às teorias
estadocêntricas2, considero que a análise de documentos oficiais, entre outras fontes de
pesquisa3, decerto contribuirá para a compreensão das políticas curriculares brasileiras –
temática selecionada na pesquisa em processo. Entendo esses textos, não como coleção
lógica e racional de orientações, mas como construções sócio-históricas resultantes de
processos de recontextualização que se dão em meio a tensões e conflitos e, dessa
forma, busco compreender como sujeitos e grupos sociais atuam na produção das
políticas curriculares em diferentes contextos; como textos e discursos que são
produzidos por esses sujeitos e grupos sociais adquirem significado, como se
hegemonizam determinados sentidos e que processos de articulação, que incorporam
relações macro e micro, permitem tal hegemonização.
Neste artigo, apresento os aportes teórico-metodológicos com os quais busco,
respondendo às questões formuladas, ampliar a rede de trabalhos do campo curricular,
dando prosseguimento a um diálogo que se vem mostrando bastante importante no
1
Refiro-me ao Projeto de tese A rede de (re)significações da comunidade disciplinar História nas
políticas curriculares para o ensino Fundamental, aprovado no processo de seleção de 2009 para o curso
de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
– PROPEd-UERJ.
2
Refiro-me às pesquisas que trabalham na perspectiva da elaboração da política circunscrita ao espaço
oficial (Paiva et al, 2006).
3
Analiso também a produção da comunidade disciplinar de História, além das Diretrizes Curriculares e
dos Parâmetros Curriculares para o Ensino Fundamental.
Ana de Oliveira
7028
Dois Campos de Investigação em Diálogo: a arquitetura de uma pesquisa
campo: refiro-me às possibilidades de interconexão entre os campos do currículo e o das
ciências sociais.
Com essa intenção, apresento na 1ª seção as categorias de análise do ciclo
contínuo de políticas de Stephen Ball, enfatizando o que o autor inglês chama de
contextos de produção de políticas, indicando o entendimento com que os utilizo. Ainda
nessa seção, incorporo as interpretações de Canclini, por considerar que na formulação
inicial das políticas curriculares discursos e textos passam por processos de
ressignificações, originando novas coleções que associam discursos de matrizes
teóricas distintas (Lopes, 2003, p.267). Assim, no delineamento desta pesquisa, a
categoria de recontextualização por hibridismo contribui para a compreensão das
políticas curriculares nos recortes aqui propostos.
Entretanto, para a análise dos embates e disputas que têm lugar no processo de
formulação das políticas curriculares, a abordagem do ciclo contínuo de políticas de
políticas, defendida por Ball, deixa lacunas. A compreensão de como determinados
sentidos se hegemonizam e que processos de articulação permitem tal hegemonização
precisa recorrer a outros aportes teórico-metodológicos. Nesse sentido, creio que a
teoria do discurso de Ernesto Laclau, sobretudo seus conceitos de articulação,
hegemonia, diferença, cadeia de equivalência, ponto nodal e significante vazio
possam ajudar-me na superação das lacunas deixadas pelo modelo analítico de Ball com
relação à análise das políticas curriculares. Trato, então, da teoria do discurso de Ernesto
Laclau, na 2ª seção.
A título de considerações finais, indico, na 3ª seção, questões que a leitura dos
novos textos curriculares para o ensino fundamental indica como necessárias para serem
investigadas, defendendo a relevância do diálogo entre os dois campos – o curricular e o
das ciências sociais – na compreensão das políticas curriculares.
O ciclo contínuo de políticas
Os debates no campo do currículo, sobretudo a partir dos anos finais do século
XX, têm girado, entre outras, em torno de questões que dão centralidade à tensão entre
as propostas curriculares produzidas pelo Estado e as que são elaboradas em espaços
locais.
Ana de Oliveira
7029
Dois Campos de Investigação em Diálogo: a arquitetura de uma pesquisa
Objeto de trabalho de diferentes teóricos do campo do currículo, as propostas
vêm sendo analisadas nos grupos de pesquisa de instituições acadêmicas, e nessas
análises uma multiplicidade de concepções é evidenciada. Paiva (2006) identificou um
dos grupos4 em torno do qual se pode aglutinar essas pesquisas: aquele que pretende
referendar a ideia de que os currículos “vivenciados”5 pouco podem em relação aos
eixos norteadores dos textos oficiais. Esses trabalhos possuem o mérito de revelar o
forte caráter prescritivo dos currículos e os “regimes de verdade” que carregam.
Entretanto, deixam de considerar, primeiro, que as políticas enquanto discursos estão
imersas numa rede de outros discursos, menos dominantes, e, segundo, desconsideram
que os textos que a constituem não são independentes de história, poder e interesses
(Foucault, apud Mainardes, 2006, p. 54).
Os Estados - especialmente aqueles que iniciaram a trajetória do que se
convencionou chamar de modelo neoliberal – são pródigos na elaboração de textos que
têm como objetivo a reforma curricular em diferentes níveis de ensino. Essas políticas
produzem discursos nos quais se pretende definir ações que possam garantir a qualidade
da educação, desde que relacionada à inserção na economia de mercado e à
empregabilidade.
Com relação à centralidade que as decisões governamentais assumem nessas
concepções
curriculares,
Mainardes
(2006)
defende
que
essas
abordagens
estadocêntricas tendem a acomodar a complexidade e a diferença e priorizam as
macroinfluências (p.55). Ao considerarem o Estado como aparelho coercitivo que
impõe à sociedade um tipo de produção e economia em torno dos quais se conectam as
políticas curriculares (ibid.), deixam de considerar que a análise de políticas
curriculares exige uma compreensão que se baseia não no geral ou local, macro ou
microinfluências, mas nas relações de mudança entre eles e nas suas interpenetrações
(ibid, p.56).
Afasto-me, então, da concepção de que o poder está presente apenas no Estado,
entendendo que se encontra, capilarmente, distribuído por todas as esferas produtoras
4
Paiva et al (2006) identifica três tipos: enfocam diferentes contextos e sujeitos; trabalham na
perspectiva da elaboração da política circunscrita ao espaço oficial; e tratam do contexto da prática
como produtor de políticas (p.252).
5
Uso a palavra entre aspas por concordar com Lopes (2004) quando defende a ideia de que a dicotomia
entre currículo escrito e currículo em ação, precisa ser abandonada na medida em que cada uma dessas
categorias se define em estreita relação com a outra.
Ana de Oliveira
7030
Dois Campos de Investigação em Diálogo: a arquitetura de uma pesquisa
de discursos (Foucault, 2003) e que os textos que cada uma dessas esferas produz são
novas representações sujeitas a uma pluralidade de interpretações (Mainardes, 2006 e
Lopes, 2005), e me oriento pela concepção curricular do ciclo contínuo de políticas que
fundamentou os trabalhos de Stephen Ball, pesquisador da área de políticas
educacionais.
Os estudos de Ball (1989, 1998, 2004), embora referidos à realidade inglesa, têm
servido de paradigma para análises do campo curricular de outros países e colocado no
centro dos debates os processos micropolíticos e a necessidade de se articular os
processos macro e micro nas pesquisas desse campo. Assim, Ball & Bowe (1998)
propuseram um ciclo contínuo constituído por três contextos
principais: o contexto de influência, o contexto da produção de texto
e o contexto da prática. Esses contextos estão inter-relacionados, não
têm uma dimensão temporal ou sequencial e não têm etapas lineares.
Cada um desses contextos apresenta arenas, lugares e grupos de
interesse e cada um deles envolve disputas e embates.
Na análise da trajetória das políticas curriculares, é preciso considerar o contexto
de influência e entendê-lo como o espaço-tempo onde ocorre a formulação inicial das
políticas e onde os discursos políticos são construídos de modo que os conceitos
adquiram legitimidade e forneçam limites às leituras que serão feitas. Entretanto, essa
formulação inicial não é completamente original: ela se dá por processos de
ressignificações de discursos e textos que circulam nos outros contextos.
Assim, se por um lado a política curricular brasileira dos anos finais do século
XX inseriu-se em um modelo de globalização econômica e de mundialização da cultura,
trouxe, também, as marcas do Estado-Nação e de identidades locais (Macedo, 2004).
Embora tenha se constituído por processos de migração de políticas, essa migração não
foi uma mera transposição e transferência, pois as políticas foram recontextualizadas
dentro de contextos nacionais específicos, e sujeitas a um processo interpretativo
(Mainardes, 2006, p.52).
A representação dessa política hibridizada se dá no contexto da produção de
textos através de documentos oficiais, pronunciamentos, propagandas na mídia, entre
outros. Esses textos oficiais refletem e refutam, ao mesmo tempo, as ideias centrais que
Ana de Oliveira
7031
Dois Campos de Investigação em Diálogo: a arquitetura de uma pesquisa
o modelo de globalização pretende naturalizar, constituindo-se, assim, em discursos
também marcados pela hibridização, nos quais o global entrelaça-se ao local.
Lopes (2003), incorporando interpretações de Canclini, chama atenção para o
fato de que
a recontextualização de textos curriculares com base no hibridismo
pode ser entendida pelas novas coleções que são formadas
associando discursos de matrizes teóricas distintas Os textos são
deslocados das questões que levaram à sua produção e relocalizados
em novas questões e novas finalidades educacionais (p. 267).
Os processos de recontextualização que dão origem a coleções híbridas se fazem
acompanhar de embates e disputas envolvendo diferentes sujeitos e grupos sociais e
estão presentes nos três contextos sugeridos pelo modelo analítico de Ball – o de
influência, o da produção de textos e o da prática. Esses contextos, ratifico, estão interrelacionados, não têm uma dimensão temporal ou sequencial e não têm etapas lineares.
Cada um deles apresenta arenas, lugares e grupos de interesse em disputa. A interrelação que se apresenta nesses contextos propostos inicialmente por Ball, para ser
entendida, levou o autor inglês a sugerir a existência de outros dois contextos: o
contexto dos resultados/efeitos e o contexto de estratégia política. Com relação a esse
último, ainda pouco utilizado nas pesquisas do campo curricular, se entendermos como
estratégia as relações de força que tornam possíveis o estabelecimento de ações capazes
de delimitar um lugar de poder (Certeau, 2002), sempre contingente e provisório, a
utilização dessa categoria pode se constituir em ferramenta importante para os estudos
do campo curricular, na medida em que possibilite a análise de como se processam os
processos de articulação que têm lugar na formulação das propostas curriculares.
Nesse sentido, a abordagem do ciclo contínuo de políticas, defendida por Ball,
apresenta lacunas. A compreensão de como sujeitos e grupos sociais atuam na produção
de políticas em diferentes contextos de produção, de como os textos e discursos que são
produzidos por esses sujeitos e grupos sociais adquirem significado, de como
determinados sentidos se hegemonizam e que processos de articulação permitem tal
hegemonização precisa recorrer a outros aportes teórico-metodológicos. Creio que a
teoria do discurso de Ernesto Laclau, sobretudo seus conceitos de articulação,
hegemonia, diferença, cadeia de equivalência, ponto nodal e significante vazio, possa
Ana de Oliveira
7032
Dois Campos de Investigação em Diálogo: a arquitetura de uma pesquisa
ajudar na superação das lacunas deixadas pelo modelo analítico de Ball com relação à
análise das políticas curriculares. Apresento na seção a seguir o entendimento com que
trato esses conceitos.
Superando lacunas do ciclo contínuo de política: a teoria do discurso de Ernesto
Laclau
Para que possamos entender o que Laclau define como relação de equivalência,
é preciso aceitar a idéia de que as formações sociais atuais, longe de se constituírem
como algo essencialmente dado (Laclau, 2006, p.21), precisam ser analisadas tomando
como base a ideia da dispersão de posições de diferentes sujeitos. É a partir dessa
dispersão de antagonismos e de diferentes demandas que se pode compreender os
processos de articulação que acabam por hibridizar textos e discursos no sentido de
fixar sentidos para as políticas.
Laclau chama atenção para o fato de que os processos de articulação pressupõem
o fechamento de uma cadeia de equivalência entre demandas diversas. Para tal, se faz
necessário que alguns significantes sejam privilegiados, constituindo os pontos nodais
em torno dos quais se estabelece, de forma provisória e contingente, a hegemonia de
uma determinada concepção. Afirma, ainda, que esse processo de articulação delimita
uma fronteira política (Laclau, 2006, p. 23) que coloca em seu exterior um elemento
excluído da cadeia, mas que a ela pertence.
Em pesquisa6 anteriormente realizada, pude compreender como, em torno de
textos e discursos da reforma curricular do Estado nos anos de 1990, diferentes sujeitos
alinharam-se em uma cadeia de equivalência, colocando em xeque um ensino que
consagrava o eruditismo e o academicismo e construíram uma totalidade em torno do
discurso da qualidade de ensino. Embora distintas, diferentes demandas através de
processos de articulação dentro dos movimentos circulatórios das políticas (Lopes,
2007), estabeleceram entre si uma relação de equivalência que, ao se estender, precisou
ser representada simbolicamente como um todo (Laclau, 2006, p. 24), rompendo,
provisoriamente, o vínculo estrito que a constituía originalmente como particularidade.
6
No XIV ENDIPE (2008) tive aprovado para apresentação e publicação nos Anais do Encontro, o Painel
em que tratava dessa questão sob o título: “Qualidade de Ensino: afinal de que estamos falando?”. Nesse
trabalho identificava, como significante vazio, a qualidade de ensino. Acredito que a pesquisa definida
nesse projeto ajude a identificar outros significantes em torno dos quais se estabeleceram cadeias de
equivalência contingentes e provisórias.
Ana de Oliveira
7033
Dois Campos de Investigação em Diálogo: a arquitetura de uma pesquisa
Precisou também expulsar da cadeia de equivalência um determinado elemento ao qual
todas as demais diferenças a ele se deveriam antagonizar, para, de certa forma, garantir
a articulação da cadeia de equivalentes.
Para ter essa função de representação universal, as demandas precisam se
despojar de conteúdos precisos e concretos ou, em outras palavras: têm que se esvaziar
de sua relação com significados específicos para se transformar em um significante
esvaziado de sua referência direta a um determinado significado – que Laclau denomina
significante vazio (Laclau, 2006, p.25), termo vago e impreciso o bastante para
representar a totalidade de elementos heterogêneos (Laclau, 2006). Essa totalidade
significativa, resultado do fechamento da cadeia de equivalência, definiu-se, ratifico, em
relação a algo que foi colocado em seu exterior – mas que a ela pertencia – e contra a
qual todas as outras diferenças incluídas na totalidade, representada pela qualidade de
ensino, se antagonizaram.
Se os aportes teórico-metodológicos do ciclo contínuo de políticas me permitem
aprofundar questões levantadas anteriormente no que estas dizem respeito à
identificação dos sentidos que circulam nas propostas curriculares, apresentam limites
para a compreensão de como determinadas concepções se tornam hegemônicas. Nesse
sentido, o conceito de hegemonia, tomado de empréstimo à teoria do discurso de
Ernesto Laclau, decerto ajudará a superar essas limitações na medida em que pode
contribuir para a identificação dos processos de articulação e dos significantes em torno
dos quais se estabeleceram cadeias de equivalências contingentes e provisórias.
Considerações finais: levantando novas questões
Os aportes teórico-metodológicos apresentados na seção anterior implicam
entender os documentos oficiais que expressam as políticas curriculares primeiro, não
como coleção lógica e racional de orientações, mas como construções sócio-históricas
resultantes de processos de recontextualização que se dão em meio a tensões e conflitos.
Em segundo lugar, como sendo uma tentativa de fixar frequentemente parâmetros
importantes para a sala de aula (Goodson, 1997, p.20). É essa concepção curricular
que me permite entender os textos, oficiais ou não, como refletindo e refutando, ao
mesmo tempo, as ideias centrais que neles se pretende naturalizar, constituindo-se assim
em discursos marcados pela hibridização.
Ana de Oliveira
7034
Dois Campos de Investigação em Diálogo: a arquitetura de uma pesquisa
Isto porque, ao serem transportados para os espaços mais locais, os textos
oficiais das políticas curriculares, também hibridizados, passam por um processo de
recontextualização, produzindo novos discursos que modificam o que originalmente
lhes era próprio, não sendo a simples transposição das orientações oficiais. Ao se
deslocarem, os discursos se fragmentam, fazendo com que alguns fragmentos sejam
mais valorizados e se associem a outros discursos passando a ter novos significados e
sentidos. Essa associação se torna possível por um processo de bricolagem, e o arranjo
que dela resulta modifica sua relação com os discursos originais.
Em cada um dos diferentes patamares que os discursos atravessam, há uma rede
própria de poderes (Lopes, 2006) que entram em embates, o que me leva a defender a
ideia de que o poder está distribuído por todas as esferas produtoras de discursos e não
apenas no Estado (Foucault, 2003), e que os textos que cada uma dessas esferas produz
são novas representações de múltiplos processos de recontextualização (Lopes, 2006).
Voltando aos documentos oficiais listados a título de introdução neste artigo – a
coletânea Indagações sobre currículo –, apresento, norteada pelo diálogo que creio
possível entre dois campos de investigação – o da educação e o das ciências sociais –, a
título de conclusão, algumas indagações que a leitura do mais recente documento
curricular oficial sugere para a continuação da pesquisa a que ora me dedico.
O percurso traçado para a produção dessa coletânea constou, preliminarmente, de
uma reunião com profissionais indicados por diferentes representações – União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Conselho Nacional de
Secretários de Educação (CONSED), Secretarias Estaduais de Educação, Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), Comitê Nacional de
Políticas da Educação Básica (CONPEB) e REDE/MEC – que foram indagados sobre as
questões que um texto sobre currículo deveria conter. Em um segundo momento foram
selecionados textos preliminares elaborados por autores do GT-Currículo da ANPEd que
entregues ao grupo que anteriormente elencou as questões curriculares deveriam
destacar as questões que foram respondidas por esses textos e quais lacunas deixaram.
Surge aqui a indicação de novas pistas que precisam ser pesquisadas. Primeiro,
quais questões foram apontadas pelos diferentes grupos que, preliminarmente,
participaram dessa reunião, identificando demandas e concepções curriculares em
disputa. Segundo, que textos foram apresentados pelos autores do GT- Currículo da
Ana de Oliveira
7035
Dois Campos de Investigação em Diálogo: a arquitetura de uma pesquisa
ANPEd e que concepção curricular era defendida nesses textos? Essa concepção é
hegemônica no GT-Currículo da ANPEd? Que demandas foram aglutinadas formando
uma cadeia de equivalência e qual demanda foi jogada para o exterior dessa cadeia de
equivalência?
Numa terceira etapa de produção desse documento coube à Secretaria de
Educação Básica – SEB/MEC – sistematizar as informações colhidas nas etapas
anteriores em um texto a ser encaminhado para Seminários. Nestes – foram realizados
dois: um em novembro e, o outro, em dezembro de 2006, em Brasília – além das
entidades anteriormente listadas, foram incluídos representantes do Conselho Nacional
de Educação (CNE), da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
(CNTE), da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(ANFOPE), da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPEd) e professores universitários, totalizando 1500 participantes. Com relação a
essa etapa, novas pistas precisam ser recolhidas, como sugere Ginsburg (2001) ao
comparar o trabalho do pesquisador ao de um detetive. Nesse sentido, a análise das atas
dos Seminários realizados em 2006 e a identificação de seus participantes ajudam na
identificação de sujeitos e grupos sociais que, atuando no contexto de influência,
representam o que, tomando de empréstimo das ciências sociais, são chamadas de
comunidades epistêmicas7.
Dessa forma, considerando os processos de produção das políticas curriculares
nos quais se pretende a constituição de propostas hegemônicas, e que, por isso mesmo,
se dão em meio a tensões e conflitos, as pesquisas que visam à compreensão de como
sujeitos e grupos sociais atuam na sua produção em diferentes contextos, como os textos
e discursos que são produzidos por esses sujeitos e grupos sociais adquirem significado,
como se hegemonizam determinados sentidos e que processos de articulação, que
incorporam relações macro e micro, permitem tal hegemonização, torna-se relevante no
sentido de contribuir para o entendimento das políticas curriculares.
7
Com autoridade reconhecida pelo conhecimento e pelas relações de poder com a institucionalidade,
visam certa identidade na recontextualização dos discursos e procuram garanti-la por meio [dentre
outros] da participação em congressos. (...). Isto no contexto de influência. No contexto da produção de
textos participam de consultorias, conselhos, comissões e, no contexto da prática, em grande parte nas
Universidades e grupos de pesquisas. (Dias, 2009, p.14).
Ana de Oliveira
7036
Dois Campos de Investigação em Diálogo: a arquitetura de uma pesquisa
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Ana de Oliveira
7038
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
ORIENTAÇÕES CURRICULARES: UM DIÁLOGO
QUE SE CONSTRÓI NO CENÁRIO
RIOGRANDENSE
Giovana Gomes Albino
Maria Betânia da Silva Dantas
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
ORIENTAÇÕES CURRICULARES: UM DIÁLOGO QUE SE CONSTRÓI NO
CENÁRIO NORTE RIOGRANDENSE
Giovana Gomes Albino1
Maria Betânia da Silva Dantas2
RESUMO: O presente trabalho volta-se à explanação do percurso realizado pela
Comissão de Currículo da Secretaria de Estado, da Educação e da Cultura do Rio
Grande do Norte para a construção das Orientações Curriculares do Sistema Estadual de
Ensino. Evidencia o processo constituinte dessa Comissão e as ações por ela
desenvolvidas para a construção de um documento uno, capaz de articular as propostas
de todas as etapas e modalidades de ensino da Educação Básica existentes no âmbito
estadual. Retrata ainda os momentos de estudos, formações, reuniões e debates em torno
da temática, ocorridos nas distintas instituições e unidades escolares vinculadas à rede
estadual de ensino para a produção do referido documento, bem como o significativo
referencial teórico a que a Comissão se ateve para compreender e definir os
encaminhamentos a serem tomados. Por fim, destaca o sentido de currículo assumido
pelos membros dessa Comissão e as perspectivas futuras de suas ações, dentre elas, a
concretização da escrita do documento e seu ingresso no contexto escolar, a partir do
qual se objetiva o redimensionamento ou a produção de propostas escolares ‘vivas’, em
que a identidade e a autonomia da instituição estejam garantidas e sejam privilegiadas
em todas as suas ações.
PALAVRAS-CHAVE: Currículo. Comissão. Orientações Curriculares.
Refletir sobre o contexto atual da sociedade considerando seus muitos
aspectos constituintes não se traduz numa tarefa simples, tendo em vista que a mesma se
define como um conjunto de vários âmbitos diretamente influenciáveis e passíveis de
contínuas transformações. Dentre eles o econômico, o político, o cultural, o tecnológico,
o social que, direta ou indiretamente, lhe definem contornos, lhe destacam avanços e
1
Técnica Pedagógica da Secretaria do Estado, da Educação e da Cultura do RN. Membro permanente do
Núcleo de Referência em Currículo/RN. Professora da Rede Municipal de Ensino do Natal/RN.
Mestranda em Educação – PPGed/UFRN.
2
Técnica Pedagógica da Secretaria do Estado, da Educação e da Cultura do RN. Membro permanente do
Núcleo de Referência em Currículo/RN. Professora da Rede Municipal de Ensino do Natal/RN. Mestra
em Educação – PPGED/UFRN.
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7042
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
recuos, por fim, lhe tecem o fio em que se evidenciará a rede de relações que a
configura.
É considerando essa complexidade e, em meio a ela, a especificidade da
educação como espaço de vivência que o presente texto se desenvolverá, tendo por
finalidade explanar a forma como se articulou o processo de construção das Orientações
Curriculares da Educação Básica no âmbito do sistema educacional do estado do Rio
Grande do Norte. Para tanto, partiu-se de uma concepção de currículo enquanto
processo que se desenvolve nas relações intra e interescolares, o que reflete nos novos
encaminhamentos político-pedagógicos propostos pela Secretaria do Estado, da
Educação e da Cultura do Rio Grande do Norte – SEEC/RN para seu sistema de ensino.
Apresentando uma estrutura dividida em setores, esta Secretaria possui uma
Coordenadoria de Desenvolvimento Escolar – CODESE – que se estrutura em
Subcoordenadorias correspondentes a cada uma das etapas e modalidades de ensino que
compõem a educação básica. Por suas características específicas, cada uma dessas
Subcoordenadorias realiza atividades de assessoria, capacitação e acompanhamento
junto às equipes das escolas que compõem a rede estadual de ensino.
Essas atividades desenvolvidas pelas Subcoordenadorias, no entanto, sempre
se apresentavam como um mecanismo de atuação particular, voltado unicamente à etapa
ou modalidade à qual se destinava. Como exemplo pode-se mencionar: a
Subcoordenadoria do Ensino Fundamental – SUEF – articulava e desenvolvia ações que
atendessem e dessem suporte ao trabalho desenvolvido com professores, técnicos e
alunos do ensino fundamental; a Subcoordenadoria do Ensino Médio – SUEM – atendia
única e exclusivamente o que se destinava a esta etapa de ensino; a Subcoordenadoria
de Educação de Jovens e Adultos – SUEJA – centrava suas ações apenas no âmbito da
educação ofertada a esse alunado; e assim agiam os demais setores imersos nessa
realidade.
Mediante esse contexto de desarticulação entre as diversas ações, muitas
delas com caráter de complementaridade, a CODESE lançou-se na missão de
desenvolver práticas que viessem a reordenar o processo de atendimento prestado às
escolas por essas Subcoordenadorias, com vistas a promover um trabalho de articulação
e de maior entrosamento entre elas, iniciando-se com a convocação de representantes de
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7043
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
cada um desses setores para a explanação do quadro em evidência e a tomada de
decisões no sentido de amenizá-lo.
Em decorrência disso, aflorou a idéia de se organizar um grupo de estudo
composto por esses representantes para discutir questões inerentes ao contexto
educacional e à realidade vivida através das ações implementadas pela Secretaria
Estadual no âmbito escolar, cujas reflexões permitiram repensar as atividades em
decorrência, bem como planejar atuações que melhor se adequassem ao alcance de
resultados mais coerentes e significativos com a qualidade almejada para a educação
oferecida pela rede estadual de ensino.
Inicialmente centrado na disseminação dos trabalhos empreendidos por cada
um dos setores representados, o grupo tratou de observar as necessidades e
potencialidades existentes em cada ação, refletindo, analisando e ponderando as
possibilidades de mudança e de melhor articulação entre os ideais propostos. Assim,
definiram-se os momentos de estudo e de redirecionamento das atividades a serem
encaminhadas pelos setores. Nessa proposta, o retorno aos setores compreendia reuniões
em que se expunham os debates realizados, as colocações advindas dos demais
membros do grupo e os encaminhamentos sugeridos. As reuniões promovidas dentro de
cada uma das subcoordenadorias propiciavam também novas articulações e reflexões
entre todos os profissionais a ela vinculados.
Com isso, constituiu-se um contexto de reflexão sobre as ações, definindo-se
novos contornos aos afazeres propostos e encaminhados pela Secretaria de Educação
junto à sua rede de ensino. Nessa perspectiva, torna-se possível evidenciar o sentido de
reflexão na ação abordado por Alarcão (2003, p.50), quando a autora coloca que a
reflexão na acção acompanha a acção em curso e pressupõe uma conversa com ela.
Reflectimos no decurso da própria acção, sem a interrompermos, embora com breves
instantes de distanciamento e reformulamos o que estamos a fazer enquanto estamos a
realizá-lo.
Esse proceder do grupo e os resultados advindos das reflexões e dos debates
vivenciados elevaram-se à análise de projetos, propostas, orientações e documentos
específicos a cada um dos setores envolvidos, culminando com a abordagem de
diretrizes e construções curriculares correspondentes àqueles que já as tinham
regulamentadas. Novamente emergiu o sentido de desarticulação e distanciamento
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7044
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
empregado no campo das atividades educativas evidenciadas na rede estadual, tendo em
vista que as etapas e modalidades de ensino acompanhavam direcionamentos
curriculares singulares e pontuais, voltados a um segmento específico e distante das
orientações previstas para os demais. Essa observação levou o grupo à percepção das
inúmeras indagações e dúvidas geradas nos âmbitos escolares, quando várias se
destacavam as orientações advindas do órgão central.
Dessa constatação surgiu então o desejo no grupo de se debruçar sobre a
construção de Orientações Curriculares que viessem a reestruturar e integrar as
propostas já produzidas por algumas das Subcoordenadorias, bem como construir outras
ainda não existentes, de modo que se pudesse contar com um documento único, capaz
de abranger todas as etapas e modalidades da Educação Básica que compõem a rede
estadual, considerando princípios filosóficos, sociais e político-pedagógicos inovadores
e democráticos, correspondentes com as necessidades, aspirações e exigências que
definem o mundo atual.
Dentre as concepções e indagações inicialmente tomadas pelo grupo face à
construção a que se dispunha a realizar, destacaram-se os questionamentos propostos
por Scocuglia (2004, p. 115) quando discorre sobre reflexões e colocações realizadas
pelo educador Paulo Freire em diferentes momentos de sua produção a respeito da
constituição e do significado de um currículo que expresse a realidade, os anseios e os
ideais de todos os indivíduos a ele direta ou indiretamente vinculados. A este respeito,
assim se expressa o autor:
[...] dispomos de um amplo legado pedagógico, político, cultural..., disposto a
contribuir para que a educação sistemática e seu currículo sejam alicerces de
um país menos injusto, mais solidário, menos abismal nos seus aspectos
sociais. Alguém acredita que sem uma educação comprometida e focada nas
necessidades sociais, culturais, econômicas, educacionais e nos direitos a
conhecimentos da grande maioria dos brasileiros, isso seria possível? Como
seria um currículo focado nessas necessidades e direitos? Como nele se
processaria a relação entre o conhecimento popular ou do senso comum e o
conhecimento elaborado/científico? Quais seriam as ações dialógicas
propostas para a consecução de um currículo democrático e participativo?
Que grau de prioridade se daria para o binômio conhecimento-consciência
crítica? Como seria exercida a interdisciplinaridade/transdisciplinaridade do
currículo? Como seriam constituídas as ações da gestão escolar/educacional
para conseguir tal intento? Como se daria a permanente
revalorização/reeducação dos docentes e como a construção coletiva (críticoreflexiva) do currículo poderia contribuir?
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7045
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
As interrogações e reflexões oriundas desses estudos demarcaram uma nova
estruturação ao grupo, definindo a necessidade de outros direcionamentos mediante à
ousada proposta que ora se vislumbrava. Assim, da caracterização de um grupo de
estudo passou à instituição de uma comissão intitulada ‘Comissão Permanente de
Currículo da SEEC/RN, publicada através da Portaria nº 1.748/2007, no Diário Oficial
do Estado de 19/12/2007.
Oficializada a Comissão, novas configurações foram traçadas a fim de se
atingir os objetivos almejados. Assim, estruturou-se um cronograma de atividades
sistematizadas a serem cumpridas pelo grupo. Dentre essas atividades destacavam-se:
escolha de referenciais teóricos que pudessem embasar um conceito de currículo
centrado em ideais democráticos e inovadores de educação; estudos sistêmicos do
referencial selecionado; organização de roteiros regulares de ações a serem cumpridas
pelos membros; e, também, apresentação de seminários internos voltados à explanação
das articulações feitas junto às Subcoordenadorias.
Nesse ínterim, percebeu-se a relevância dos objetivos propostos pela
Comissão, bem como os desafios que a tomavam. Com isso, evidenciou-se a
consciência de que a construção de Orientações Curriculares voltadas à toda a rede
estadual de ensino não poderia centralizar-se unicamente a um grupo localizado órgão
central.
Tratando-se dos princípios de democratização e abrangência que permeavam
os ideais a serem disseminados, a Comissão decidiu enveredar por todo o território
estadual, adentrando em cada uma das unidades escolares, buscando apoio nos mais
diversos atores que as compõem e reconhecendo as reais necessidades e os desafios que
perpassam a dinâmica da sala de aula.
Esse pensar sobre a construção inicial do documento condiz com a colocação
de Tescarolo (2007, p. 18), para quem o currículo é por natureza uma rede de sentidos
capaz de estabelecer uma relação ativa entre o aluno e o objeto do conhecimento e de
relacionar, dialeticamente, o aprendido com o observado, a teoria com suas
consequências e suas aplicações práticas.
Com esse intuito e considerando a abrangência territorial do Estado, a
Comissão apercebeu-se de suas limitações em alcançar todas as instituições
componentes da rede de ensino. Assim, lançou mão da própria organização estrutural
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7046
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
dessa rede, cuja composição possui dezesseis Diretorias Regionais de Educação –
DIRED. Essas Diretorias localizam-se em diferentes cidades-pólos e respondem pela
articulação, divulgação e execução das ações advindas do órgão central junto às escolas
a ela circunscritas.
Contando com um grupo de técnicos pedagógicos e professores que
constituem uma Rede de Formadores – REDEF – existente nas DIRED, a Comissão
potencializou essa Rede através da promoção de encontros formativos em torno da
temática curricular. A partir desses encontros foram desencadeadas ações a serem
realizadas nas escolas. Essas ações compreendiam estudos, palestras, seminários e
levantamento das primeiras concepções e considerações acerca da temática em foco e
abrangiam os vários segmentos que compõem a comunidade escolar.
A realidade ora exposta remete à ideia apresentada por Tiné (2004) de uma
política de ação curricular em que as escolas juntamente com a comunidade local e os
professores debatam com seus pares e discutam com seus alunos, desenvolvendo
experiências próprias para as questões vinculadas à realidade comunitária, em que a
articulação entre saberes escolares e saberes extra-escolares da comunidade local
estejam presentes na própria produção ou sejam adquiridos por meio do acesso a outras
fontes.
Os contínuos encontros ocorridos entre a REDEF e as comunidades
escolares foram possibilitando a construção e reconstrução de concepções e temáticas
que serviram de base para a tessitura das Orientações Curriculares em andamento. A
necessidade de explanação das distintas concepções abordadas na tessitura do
documento emergiu dos estudos e discussões realizados entre os membros da Comissão
e também dos momentos de vivências entre estes e as equipes que compõem a REDEF.
Em meio às concepções destacaram-se um conjunto voltado ao homem em
que se abordaram algumas de suas dimensões, como as de criança, jovem e adulto;
outro, centrado em educação, escola, sociedade e cultura; e um terceiro com
explanações sobre currículo e aprendizagem.
Essas definições foram enviadas à Comissão por meio de relatórios
detalhados elaborados pelos membros da REDEF. A partir delas, a Comissão pode
perceber o pensamento coletivo de toda a comunidade envolvida e se debruçar sobre
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7047
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
ele, compilando ideias comuns e trazendo à luz de referenciais teóricos a elas
relacionados.
Nessa organização, foram assim definidas as ideias advindas dos relatórios:
o primeiro conjunto retrata o sentido de homem enquanto ser humano e se apresenta
numa referência às principais etapas de vida presentes no ambiente escolar. Ao tratar do
contexto educativo, o segundo conjunto infere sobre as relações tecidas no processo
educacional enquanto mecanismo de formação de seres sociais e culturais, cuja
efetivação acontece no espaço escolar. Por fim, agrupam-se as concepções de
aprendizagem e currículo. Este retratando os diversos saberes e definições que se
concretizam mediante a ação de aprender.
Um segundo passo dado em direção à construção das Orientações
Curriculares do RN foi a leitura, a análise e as discussões dos documentos nacionais que
tratam de cada uma das etapas e modalidades de ensino da Educação Básica, bem como
dos marcos que as legitimam. Esse momento efetivou-se em um processo interno à
própria Comissão cuja apropriação do conhecimento abordado permitiu a realização de
um novo encontro com a REDEF, a fim de se dimensionar a natureza de cada uma
dessas etapas e modalidades de ensino no contexto da educação norte rio-grandense.
Nessa realização, concluiu-se com o registro do entendimento adotado para as etapas e
modalidades tratadas.
Encontrando-se encaminhadas algumas das bases necessárias à construção
do documento em pauta, observou-se a necessidade de se abordar temáticas que
circundam o fazer educativo e, nesse contexto, enveredou-se por estudos sistemáticos
acerca da diversidade, do letramento, do numeramento, da interdisciplinaridade e da
transdisciplinaridade.
Ao tratar da diversidade as discussões centraram-se na busca de sentido e
compreensão da multiplicidade de fatos e fenômenos que tomam o cenário atual da
sociedade e, consequentemente, todos os indivíduos que a constituem. Esse pensamento
coaduna com o exposto por Gomes (2008, p. 18), ao dizer que
[...] a diversidade é um componente do desenvolvimento biológico e cultural
da humanidade. Ela se faz presente na produção de práticas, saberes, valores,
linguagens técnicas artísticas, científicas, representações de mundo,
experiências de sociabilidade e de aprendizagem.
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7048
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
Em relação ao letramento e ao numeramento – temas tão atuais e que
apresentam um significado relevante no contexto contemporâneo educacional – sua
adoção no documento deu-se especialmente por essas temáticas revestirem-se de sentido
amplo e completo na medida em que explicam a maneira dos indivíduos responderem às
demandas de aplicação real da matemática e da linguagem para solucionar situações do
seu cotidiano.
No que concerne ao significado de letramento, tomou-se como base inicial o
posicionamento defendido por Soares (2003, p. 92) que explicita:
O exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se
letramento, que implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler
ou escrever para atingir diferentes objetivos – para informar ou informarse, para interagir com outros, para imergir no imaginário, no estético, para
ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para divertir-se, para
orientar-se, para apoio à memória, para catarse...; habilidades de
interpretar e produzir diferentes tipos e gêneros textuais; habilidades de
orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar
mão desses protocolos, ao escrever; atitudes de inserção efetiva no mundo
da escrita, tendo interesse e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar a
escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos,
escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os
objetivos, o interlocutor...
A partir dessa ideia, outros estudos foram desenvolvidos acerca do tema,
utilizando-se diferentes referenciais como embasamentos para sua ampliação. De igual
modo, a abordagem do numeramento seguiu também uma conceituação inicial que se
expandiu à medida que outros referenciais foram sendo tomados como forma de
fundamentação.
Nessa perspectiva, ao adotar o sentido de numeramento, tomou-se como
base a colocação de Toledo (2004, p. 94), quando explicita que “ser numerado envolve
[...] a possessão de algumas habilidades de letramento e de algumas habilidades
matemáticas e aptidão para usá-las em combinação, de acordo com o que é requerido
em uma determinada situação”.
Quando desencadeados os estudos referentes à interdisciplinaridade,
buscou-se sentido na prática do professor, visto que é este profissional o agente que
efetivamente pode vivenciar o exercício da interdisciplinaridade no fazer do cotidiano
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7049
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
escolar. Estando em consonância com todas as situações experienciadas pelos alunos e
fazendo uso deste exercício, pode instigá-los a refletir e agir como sujeitos na
construção de seus próprios conhecimentos.
Assim, o que define a postura interdisciplinar do professor é a ousadia da
busca no ato de pesquisar; é a condição de se lançar ao novo na tentativa de estabelecer
um diálogo com conhecimentos diversos. A apreensão da atitude interdisciplinar
garante, para aqueles que a praticam, um grau elevado de maturidade. Aprende-se com a
interdisciplinaridade que um fato ou solução nunca é isolado, mas consequência da
relação entre muitos outros.
Para Severino (2008, p. 42), o questionamento do caráter interdisciplinar da
prática do conhecimento deve considerar a articulação do todo com as partes e dos
meios com os fins; ocorre sempre em função do agir; atrela-se à força interna de uma
intencionalidade e à prática da pesquisa; e concebe o aprender como base para a
pesquisa, para o construir, ou à ideia de que constrói-se pesquisando.
Dando vazão a essa concepção, o autor eleva suas noções destacando o
sentido da transdisciplinaridade. Nessa abordagem, assim se coloca:
[...] dadas as nossas condições e a complexidade da prática, precisamos de
múltiplos enfoques mediatizados pelas abordagens das várias ciências
particulares; mas não se trata apenas de uma justaposição de múltiplos
saberes: é preciso chegar à unidade na qual o todo se reconstitui como uma
síntese que, nessa unidade, é maior do que a soma das partes. Por isso precisa
ser também prática transdisciplinar.
A transdisciplinaridade é vista não como uma forma absolutamente nova de
procedimento do sujeito que conhece, que pudesse se apresentar como
independente de todas as modalidades anteriores do saber. Não é disso que se
trata, mas de uma síntese articuladora de tantos elementos cognitivos e
valorativos de uma realidade extremamente complexa, dada numa
experiência igualmente marcada pela complexidade.
Essas temáticas serviram, igualmente, como subsídio a outros momentos de
formação desencadeados junto à REDEF, ampliando-se, assim, o repertório de
conhecimentos dos atores envolvidos.
Nessa trajetória, a Comissão percebeu a necessidade de assumir então o
entendimento a ser adotado no documento acerca do sentido de currículo. Como definilo? O que o comporia? De que forma seriam organizadas as Orientações Curriculares
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7050
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
considerando todo o percurso já trilhado? Esses questionamentos serviram de norte aos
próximos encaminhamentos do grupo.
De posse do material já produzido junto à equipe da REDEF e desta no
trabalho com as escolas, os membros da Comissão debruçaram-se mais uma vez a
algumas das construções teóricas existentes sobre o currículo. Desta feita, encontrou-se
em Pacheco (2005) desde a dicionarização do termo ligada ao sentido de curso de
estudos, passando pela relação com a organização do ensino enquanto disciplina, até
demonstrar a imprecisão que define o seu real sentido em virtude da prática a que o
mesmo se destina.
Em Silva (2004) encontrou-se novamente um histórico acerca do termo
relacionando-o aos vários significados que este assume mediante as concepções
intrínsecas às teorias por ele apresentadas como tradicionais, críticas e pós-críticas.
Pereira (2004) relaciona o currículo à autopoiése com a ideia de
compreender como os seres vivos conhecem o mundo.
Coadunando com esse pensamento, Assmann (1996, p. 146) já expunha:
O que parece mais recomendável, nos dias atuais, é assumir uma postura
flexível. Reconhecer que nossas certezas não são provas de verdade.
Substituir a pedagogia das certezas por uma pedagogia plástica e sinuosa que
incentive certezas operacionais imprescindíveis, capacite para modelizações
da realidade, mas preserve também incertezas sobre os rumos para que estes
sejam descobertos e não estejam pré-definidos.
Em vista dessas visões e tantos outros autores que se remetem ao tema,
dentre eles: Libâneo (2001), Moreira e Candau (2007), Ferraço (2006), a Comissão
assumiu um entendimento de currículo enquanto um instrumento que agrega saberes,
fazeres, valores, práticas, ideias, sentimentos, concepções, vivências, e que propicia a
constituição dialógica de todos os atores envolvidos no processo educativo enquanto um
movimento de elaboração e reelaboração das relações ali concretizadas.
Esse instrumento então explanado, no entanto, não pode ser visto como
pronto e acabado. Requer constante atualização e mobilidade diante da realidade a que
se destina. Essa defesa a que se atém a Comissão, no que corresponde à construção do
currículo, converge com a colocação de Tescarolo (2007, p. 17) ao associá-lo a um guia,
um mapa orientador flexível, continuamente revisitado e adaptado às novas e diversas
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7051
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
situações a que se volta. Segundo o autor, ao se tomar o sentido direcionador que
abrange o currículo,
é como se desejássemos ajudar uma pessoa a visitar algum lugar maravilhoso
que conhecemos há muito tempo. Para orientá-la desenhamos um mapa.
Porém, nosso mapa se baseia em informações ultrapassadas e desfocadas
engavetadas em algum canto poeirento da memória. É pouco provável que
esse mapa seja eficaz. O terreno mudou. As referências são outras. Muitas
indicações não existem mais, enquanto outras surgiram alterando o
panorama. Precisamos estudar novamente a área e promover um
levantamento antes de criar um mapa útil, capaz de servir de orientação
segura em um terreno que não apenas pode ter mudado sua aparência externa,
mas sua própria natureza.
O currículo escolar é um mapa ainda mais especial, pois, à parte essa função
cartográfica básica, deve fornecer orientações sobre um território
desconhecido na ocasião em que está sendo desenhado.
Assim, a organização de todas essas produções e ideias encontram-se
estruturadas como corpo do documento previsto. No atual momento, a Comissão
desenvolve novos encontros de formação com o propósito de definir o conjunto de
saberes curriculares a serem contemplados também na composição das Orientações
Curriculares. Para isso, os professores e os alunos têm sido os atores principais.
Acredita-se que o percurso traçado tem correspondido com as expectativas iniciais do
grupo e aponta para perspectivas cada vez mais favoráveis a essa construção.
O trabalho evidencia ainda muitas outras etapas para sua realização. Se o
documento inicial requer contínuos olhares para que sua produção se efetive
significativamente, muitos serão também os caminhos a serem trilhados para que sua
chegada às escolas reflita a dinâmica e a dialogicidade que permearam sua construção.
Espera-se que esse reflexo possibilite o redimensionamento ou a produção de propostas
escolares ‘vivas’, em que a identidade e a autonomia da instituição estejam garantidas e
sejam privilegiadas em todas as suas ações.
REFERÊNCIAS:
ASSMAN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e
didática. Piracicaba: UNIMEP, 1996.
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7052
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
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e cultura. In: Indagações sobre currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Básica, 2008.
PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005
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conhecimento. In: GONSALVES, Elisa Pereira; CARVALHO, Maria Eulina Pessoa de.
(Orgs.). Currículo e contemporaneidade: questões emergentes. Campinas, SP: Alínea,
2004.
SCOCUGLIA, Afonso Celso. Paulo Freire: conhecimento, aprendizagem e currículo.
In: PEREIRA, Maria Zuleide da Costa; GONSALVES, Elisa Pereira; CARVALHO,
Maria Eulina Pessoa de. (Orgs.). Currículo e contemporaneidade: questões
emergentes. Campinas, SP: Alínea, 2004.
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saber como intencionalização da prática. In: FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. (Org).
Didática e interdisciplinaridade. Campinas, SP: Papirus, 2008.
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currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
SOARES, Magda. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera Masagão. (Org.)
Letramento no Brasil: Reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003.
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7053
Orientações Curriculares: um diálogo que se constrói no cenário Norte Riograndense
TESCAROLO, Ricardo. Currículo escolar: limites e possibilidades. Trabalho
apresentado no Congresso da Associação Católica de São Paulo, 2007.
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possibilidades, 2004. Disponível em <http:www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2004>
Acessado em 20 de agosto de 2007.
TOLEDO, Maria Elena Roman de oliveira. Numeramento e escolarização; o papel da
escola no enfrentamento das demandas matemáticas cotidianas. In: FONSECA, Maria
da Conceição Ferreira Reis. Letramento no Brasil: Habilidades matemáticas. São
Paulo: Global: Instituto Paulo Montenegro, 2004.
Giovana Gomes Albino & Maria Betânia da Silva Dantas
7054
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
ORGANIZAÇÃO CURRICULAR: AUTONOMIA E
CIDADANIA DO ADOLESCENTE
Luzia Helena Castro Squinca
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
ORGANIZAÇÃO CURRICULAR: AUTONOMIA E CIDADANIA DO
ADOLESCENTE
Luzia Helena Castro Squinca
RESUMO: Para atender as exigências de um ensino de qualidade, em que o aluno é o
protagonista do seu conhecimento, é necessário analisar a organização curricular no
Ensino Médio, a partir do olhar dos alunos e não somente nos documentos legais. A
amostra é composta 15 alunos que cursaram o 2º ano em 2008 no Centro de Referência
de Arcoverde escola da rede pública estadual, que aponta para o protagonismo juvenil
inserida no Programa da Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco – SEDUC. O
protagonismo implica a transgressão nos discursos pelos direitos e cidadania e não a
conformação com o estabelecido. Uma organização curricular que aponta para o
protagonismo juvenil se sustenta numa gestão democrática com a participação dos
diversos setores da comunidade escolar, uma concepção de ensino-aprendizagem que
supere a transmissão do conhecimento. Situação-problema não pode ser resumida a uma
relação do cotidiano com o conteúdo que está sendo estudado. Contexto escolar enseja
um espaço de convivência e aprendizado das relações interpessoais. Superar
estereótipos que muitas vezes apontam que os alunos não estão preocupados com o
estudo. É necessário que os diversos setores da escola conheçam sobre as fases do
desenvolvimento do ser humano e mais específico sobre a adolescência, período este
que caracteriza os alunos participantes da pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: Protagonismo Juvenil, Adolescência e Educação.
INTRODUÇÃO
A promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº
9.394) de 1996 1 e os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio – PCNEN
(BRASIL, 1999) trazem o desafio de transformar o modelo de Ensino Médio em nosso
país.
1
As citações das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) encontradas neste texto foram
extraídas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999).
Luzia Helena Castro Squinca
7058
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
O ensino médio passou a ter novas exigências com o objetivo de formar os cidadãos,
tais como, o desenvolvimento da capacidade de pesquisar, buscar informações,
capacidade de aprender, criar, formular e analisar, com ênfase no protagonismo juvenil
em vez do simples exercício de memorização, como também não ser um expectador ou
receptor dos conteúdos pedagógicos.
Para atender as exigências de um ensino de qualidade, em que o aluno é o protagonista
do seu conhecimento, é necessário analisar a organização curricular no Ensino Médio, a
partir do olhar dos alunos e não somente nos documentos legais. O Centro de
Referência de Arcoverde, escola da rede pública estadual, aponta para o protagonismo
juvenil uma vez que está inserida no Programa da Secretaria de Educação e Cultura de
Pernambuco – SEDUC. O estudo teve como objetivo verificar o que está implícito na
organização curricular que contribua para a formação mais crítica e autônoma do aluno
buscando identificar a relevância da situação-problema e como conceitua protagonismo
juvenil.
Desde 2004 encontra-se no contexto escolar do Estado de Pernambuco, anteriormente
denominados Centros Experimentais e atualmente Centro de Referência uma
organização curricular que aponta para o protagonismo do aluno, que difere de uma
concepção com ênfase na quantidade de informação que o aluno deverá adquirir. É um
programa da SEDUC e pela implantação dos diversos centros se justifica identificar
possíveis contribuições advindas desta realidade educacional (Centro de Arcoverde) que
possam estimular e apontar para outras instituições de ensino a formação de alunos
críticos e reflexivos protagonista de seus conhecimentos, uma vez que atualmente, o
Programa conta com 16 escolas localizadas no Recife e Região Metropolitana e 33
distribuídas pelo interior do Estado, sendo 33 unidades em horário integral e 16 semiintegrais.
A implantação desse programa tem sua proposta pedagógica fundamentada nas bases
legais que são: LDB, Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM)2,
2
As citações das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) encontradas neste texto
foram extraídas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999).
Luzia Helena Castro Squinca
7059
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
PCNEM e ensejam práticas pedagógicas capazes de permitir aos jovens desenvolverem
e vivenciarem a cidadania que segundo Esteves (2005) apud Costa (2000) entende-se
que o aluno age de forma protagônica quando é capaz de atuar efetivamente na sua
esfera familiar, social e escolar, seja essa ação individual ou em grupo”. Mas no
contexto do Centro de Referência o questionamento central foi: Como o aluno vivencia
a organização curricular que aponta para o protagonismo juvenil na sua formação?
Para tanto implica refletir a organização curricular como estratégia e meio que possa
proporcionar aos alunos o seu desenvolvimento biopsicosocial diferente de uma
formação contemplando somente o cognitivo (MACEDO, 2002; POZO, 1998).
A organização curricular vivencia as disciplinas do núcleo comum do Ensino Médio
com aulas nos diversos laboratórios, oficinas interdisciplinares, música e seminários. O
espaço físico acomoda os alunos em período integral possibilitando uma integração
maior entre os diversos funcionários com seus respectivos setores. Para compreender
melhor como a organização curricular aponta para uma formação autônoma e cidadã,
aqui denominada como protagonista, dentre as escolas do programa, foi escolhida o
Centro de Referência de Arcoverde para objeto de estudo. O mesmo se fundamenta na
proposta da SEDUC-PE aliada à vivência do aluno durante dois anos neste programa o
que possibilitou uma melhor investigação do olhar que o aluno tem da organização
curricular que se pretende ao protagonismo do aluno. O Centro de Arcoverde tem sede
própria desde a sua implantação o que implica uma variável importante neste processo
uma vez que este programa se viabiliza além das condições pedagógicas adequadas, isto
é, também requer uma infra-estrutura que atenda as necessidades do programa
possibilitando melhor condição no processo ensino-aprendizagem.
METODOLOGIA
A amostra é composta 15 alunos que cursaram o 2º ano em 2008 sendo 2 alunos de
cada sala contemplando as 8 salas (uma sala participou somente 1 aluno). Não houve
nenhum critério na seleção dos alunos ficando a escolha aleatória contando com a
Luzia Helena Castro Squinca
7060
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
disponibilidade e consentimento de participar na pesquisa. Os alunos do 1º ano não
participaram porque estavam iniciando no programa em 2008 e assim com pouca
vivência no contexto escolar, como também a amostra não contempla alunos do 3º ano
porque no referido ano ainda não era oferecido. Os dados da pesquisa foram
quantificados ao interpretar as respostas dos alunos o que possibilitou a categorização
dos mesmos. Em seguida foi realizada a análise qualitativa.
Os dados foram organizados e analisados a partir de questionários, documentos e
observação do espaço escolar. As respostas dos alunos com relação ao questionário
foram categorizadas e a análise e discussões contemplaram dados também da
observação, assim como o que consta no programa da SEDUC. Aprovado no Comitê de
Ética/ Parecer 27/20083.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O protagonismo juvenil que permeia vários segmentos da sociedade e na educação que
tem integrado vários programas não ocorre ao acaso, mas em um contexto de grandes e
vertiginosas mudanças na sociedade em que a transmissão de conhecimento deve ceder
lugar para concepções em que impera o envolvimento do aluno em todo processo de
construção do seu saber, isto é, como ator principal e os educadores como parceiros
nesta relação.
Embora o termo esteja sendo empregado com mais freqüência, historicamente segundo
Ferretti (2004, p.1) “data da década de 20 e 30 do século passado quando o pensamento
de Dewey foi adotado por diversos teóricos da educação”. Porém, a discussão presente
se reporta aos documentos oficiais da década de 90, mais precisamente as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM que difunde o protagonismo
juvenil no Ensino Médio. Como o aluno vivencia a organização curricular que aponta
para o protagonismo juvenil na sua formação?
3
Parecer Nº. 27/2008/CEP/AEB. Pesquisadora Responsável: Luzia Squinca Equipe executora: discentes
de Iniciação Científica da FABEJA Tipo de Pesquisa: estudo descritivo, com abordagem qualitativa e
estudo de caso. Registro do CEP: 18_2008 Processo Nº. 18_2008.
Luzia Helena Castro Squinca
7061
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
Ao falar de protagonismo na educação (COSTA, 2001, p.30) discute esta temática
estabelecendo a relação protagonismo com enfrentamento de situações reais em que o
adolescente é o empreendedor e construtor do seu SER no âmbito afetivo, social e
cognitivo, porém isto aproxima do termo resiliência, que é a capacidade de suportar as
pressões, e não estamos defendendo uma formação para criar forças para suportar, mas
transgredir o que é imposto.
No contexto da educação não cabe o discurso da submissão porque não coaduna com
uma proposta em que o aluno é protagonista, mas é preciso discernimento e olhar crítico
para não implementar uma política de resistência contra as forças opressoras o que o faz
mante-lo ativo sobre o que lhe oprime em detrimento de uma educação que liberta e
modifica o ambiente que engessa o protagonismo juvenil o que numa literatura freireana
uma educação que aponta para destravar as línguas e descruzar os braços, neste caso dos
alunos (FREIRE, 1994).
Esta idéia encontra forças quando:
o protagonismo não é tanto um discurso sobre a juventude (o que supõe a
distinção entre sujeito e objeto), mas como um discurso da juventude, porém
pode ser um discurso da juventude sem voz, dada a ausência da palavra que
possibilitaria a contraposição ao poder (SOUZA, 2006, p. 225).
Ainda baseada na mesma autora o protagonismo implica a transgressão nos discursos
pelos direitos e cidadania e não a conformação com o estabelecido. Assim, nesta
organização curricular o educador se insere como orientador e os conteúdos
disciplinares como fontes de informações e não verdades prontas transmitidas e o aluno
o centro do processo educativo considerando-o como fonte criativa e construtiva.
Ao se investigar sobre o protagonismo na escola o Aluno A8 aponta que “neste
programa o aluno tem oportunidade de interagir, de mostrar suas habilidades e de
formar seu próprio conhecimento” e corroborado indica o Aluno A6, “... é como se os
professores ensinassem algo, deixando espaços para que nós procurássemos as
Luzia Helena Castro Squinca
7062
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
respostas...”4.
É preciso sempre revisitar o “ensinar algo” não induzindo para caminhos
epistemológicos e ideológicos que muitas vezes gestores e docentes elegem como os
melhores, mas para aprendizados (social, cognitivo e afetivo) construídos na vivência da
escola que não defendam interesses individuais, mas coletivos; que não sejam
imediatistas mantendo a ordem estabelecida, mas transgrida o firmado provocando
rupturas, reconstruindo, construindo no cotidiano a desordem sempre uma nova ordem
(AQUINO,1996).
As informações trabalhadas na relação professor aluno deve ensejar Coll (2000, p.17)
“... o diálogo, a confrontação de pontos de vista, a coordenação entre a informação e os
modos de processá-la, a articulação entre o particular, atual e afirmativo com o geral,
atemporal e relacional”. O protagonismo juvenil numa organização curricular com essas
articulações entre a informação e a construção do conhecimento pelo aluno é o contexto
defendido neste estudo.
Os dados levantados com relação ao que propõe o protagonismo juvenil segundo os
alunos (amostra de 15 alunos) conviver predomina com 46%. A fala do Aluno A15 “O
protagonismo juvenil ao meu ponto de vista nos passa valores como: solidariedade,
respeito, ética e responsabilidade. Isto nos ajuda a ser mais humanos, melhor para a
sociedade..... eu tenho como base para minha formação – você é o protagonista da sua
própria história”. É neste contexto que se precisa refletir a não imposição de valores,
pois assim seria o espaço da escola como formação de alunos autômatos e não
autônomos.
O “melhor para a sociedade” (Aluno A15) não deve ser de conformação ou adaptação,
mas a busca pelos direitos como cidadão e é sobre esta ótica que a organização
curricular deve apontar e numa cultura democrática está implícita a participação de seus
integrantes e para tanto é necessário que a escola tenha, na organização do seu currículo,
uma educação em que o diálogo esteja presente, que as falas dos seus participantes
4
Os textos em itálico descrevem as respostas dos alunos (grifo nosso).
Luzia Helena Castro Squinca
7063
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
tenham vez quando discordarem, confrontarem e propuser situações no contexto
escolar, distanciando da escola que tem na figura do gestor e do professor o detentor do
saber e das decisões a serem tomadas.
Só a partir do compromisso do alunado com o que deve ser sua própria
educação, contando com suas experiências e seus interesses, pode
desencadear-se um autêntico processo de reflexão que ponha em relação as
tradições públicas de conhecimento, o mundo social e natural e a construção
de um sentido pessoal para suas vidas (CONTRERAS, 2000, p. 94).
Não é mais possível responder às questões sociais com uma prática pedagógica que
reproduza o que está na sociedade, assim também como a escola não é o espaço para
socializar o que está posto na sociedade, mas uma organização curricular em que a
escola como aponta Stenhouse (apud Contreras, 2000, pág. 91) “[...] deve pôr à
disposição do alunado o capital cultural da sociedade, mas para que sirva como recurso,
não como um determinante; e como tal recurso, deve proporcionar estruturas para o
juízo e para o pensamento criativo”. Para tanto é necessário haver um discernimento
para não incorrer em práticas pedagógicas que busquem como fim a sociedade, mas sim
que proporcionem ao educando a reflexão e a crítica da sociedade em que está inserido.
As práticas pedagógicas como espaços protagônicos segundo os dados 20% dos
entrevistados indicam as oficinas, debates e pesquisa como espaços protagônicos. O
Aluno A8 aponta que “nas sextas feiras vivenciamos as oficinas interdisciplinares
sobre temas diversos como dança, reciclagem, teatro, etc. Nessas oficinas os alunos
têm oportunidades de interagir, de mostrar suas habilidades, de formar seu próprio
conhecimento [...] vivenciamos seminários, onde uma turma apresenta um assunto a
outra, assim há sempre uma troca de conhecimento [...]”. É possível identificar que os
alunos interagem e tem ações participativas no contexto escolar.
Mas ao buscar uma sociedade mais igualitária, o Ser Humano autônomo, participativo,
solidário, crítico e uma escola que proponha uma formação do aluno como protagonista
da sua história implica conhecer quem é o adolescente.
Luzia Helena Castro Squinca
7064
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
Ser adolescente nos dias de hoje não é nada fácil. Ao viver sua crise
existencial maior, o ter que elaborar a perda da infância a fim de ingressar
no mundo adulto, onde se ama, se trabalha, se envelhece e se morre, ele o
faz em uma sociedade, ou melhor, em um mundo que também elabora
perdas e teme ingressar em novos tempos, ou seja, que também atravessa
uma crise (OLIVEIRA,1998, p. 7)
Ele está buscando formas alternativas de aliviar as tensões. Briga , contesta,
desafia. Vicia-se, afronta, apronta. Se une aos iguais para ficar mais forte.
Entre eles, sente-se compreendido. É a tal história de que adolescente gosta
de andar em bando (OLIVEIRA, 1998, p. 216)
Estas características são importantes ser compreendidas pelos educadores e todo
contexto escolar porque ao proporcionar uma formação em que os alunos são
protagônicos e que estão inseridos no contexto escolar no ensino regular, isto é, está
cursando a série respectiva a sua idade cronológica, conhecer sobre o público a que se
quer atender é uma condição sine qua non e para tanto (OLIVEIRA, 1998) referenda
características importantes que é preciso se dar a conhecer no contexto escolar
denominada Síndrome da Adolescência Normal.
O que caracteriza a Síndrome é: Busca de si e da identidade, a tendência grupal,
necessidade de intelectualizar e fantasiar, crises religiosas, desestruturação temporal, a
evolução sexual desde o auto-erotismo até a heterossexualidade, atitude social na
adolescência, contradição na conduta adolescente, busca da autonomia e humor e ânimo
na adolescente. Estas características apontam um adolescente que está vivenciando
identidades transitórias enquanto busca superar o luto da infância quanto a aquisição do
Eu adulto, assim como o fantasiar como aponta Oliveira (1998, p. 217) “está reparando
a angústia das perdas que vivem. Não é ao mundo que ele quer reconstruir ou salvar,
mas a si que deseja construir e estabilizar” e para tanto a vivência em grupo é
importante para suas identificações com seus pares.
Assim pode-se inferir a importância do relacionamento nesta fase do desenvolvimento
como destacam os alunos A1, A3, A7, A8 e A9. Para esses alunos o relacionamento dos
professores, administrativos e alunos é um contexto que difere da escola que estudavam
anteriormente. Este dado aponta a importância do relacionamento na vida do
adolescente, assim como o adulto no seu convívio. Embora a adolescência é
caracterizada pela formação de grupos com a mesma idade porque vivenciam
Luzia Helena Castro Squinca
7065
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
características semelhantes, a participação do adulto mostra-se um dado relevante na
diferença entre a escola anterior e a atual.
Para o adolescente o presente está implícito o passado e o futuro, tentando preservar as
conquistas passadas e apaziguar as angústias vinculadas ao futuro, o que conduz a
momentos de solidão, tão características e angustiantes neste período, como também
alternará momentos de recolhimento quase que autistas com fantasias mágicas de
alegria e realização manifestada através do seu humor, porém importantes na superação
dos lutos pela infância e a elaboração do futuro. Ao reconhecer um passado e formular
um projeto para o futuro, postergado a insatisfação no presente, estará superando a fase
da adolescência.
Isto implica dizer que o adolescente está preocupado com o futuro o que pode ser
interpretado através da preocupação do que moveu o aluno a estudar no Centro de
Referência, isto é, a qualidade do ensino como indica a resposta dos alunos A3, A4, A5,
A6, A8, A9 A10 e A12 como um indicativo de visão do futuro.
Estes dados sobre a qualidade de ensino, apontam com 33% como fator motivador para
escolher a escola. As informações de como é a escola foram obtidas informalmente na
comunidade em função de outros Centros de Referência em outras cidades do estado.
Isto mostra que embora o adolescente aparentemente não verbalize uma preocupação
com o futuro, mas internamente é algo que faz parte do seu presente. Isto mostra que a
escola é um dos espaços importantes na construção do seu mundo que ele quer
viabilizar na sua vida adulta.
Para viabilizar a escola no projeto de vida do aluno é importante a figura do professor e
segundo os alunos a qualificação, um ensino diferenciado e o ensino em período integral
aparecem cada um com 26,7%, 13,3% e 26,7% respectivamente. Estes dados nos
sugerem que os alunos buscam na escola o conhecimento acadêmico como parte
integrante da escola.
Luzia Helena Castro Squinca
7066
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
Ainda sobre esta fase do desenvolvimento, posturas revolucionárias, atitudes
negativistas e de oposição estão presentes no comportamento social do adolescente
como reação aos acontecimentos e cobranças no cotidiano. Estas características
presentes na adolescência precisam ser conhecidas pelos adultos e neste caso os que
compõem a escola, porque como também ressalta a teoria Walloniana que discute o
desenvolvimento do ser humano (MAHOHEY, 2002, p.85):
a principal tarefa do adolescente é escolher, definir e assumir valores morais
que são colocados a ele por seu meio social. Para realizar tal tarefa, ele
precisa resolver as ambivalências de sentimentos e atitudes que permeiam
todo o estágio, ampliar a consciência que tem de si mesmo, superar a
causalidade mecânica de seu pensamento e buscar uma autonomia cada vez
maior, tanto do adulto como do seu grupo de pares. Além disso, o resultado
revela também a grande responsabilidade que a teoria walloniana reserva ao
papel do adulto na orientação das atividades que possibilitam ao adolescente
construir sua personalidade mora.
Ao reportar ao âmbito escolar é relevante que o gestor, professores e administrativo
reconheçam esta fase como mais uma no desenvolvimento do Ser Humano com suas
peculiaridades superando estereotipo do adolescente aborrecente, pelo adulto
desconhecer as características dificultando o seu relacionamento. Neste contexto a
escola ocupa um lugar importante na formação do aluno para que o mesmo possa neste
ambiente ser protagonista do seu conhecimento e intervir na sociedade.
Este ambiente ocupa um espaço físico que para o aluno é uma característica apontada
como sugere a resposta sobre a diferença da escola com a escola atual em que aparece
com 33% sobre a estrutura física. Como aponta Menezes (2007, p.85):
A adolescência é, com certeza, uma das etapas da vida dos alunos em que a
necessidade de educação, entendida como serviço ao desenvolvimento
global da pessoa, mais se faz sentir. A escola hoje um lugar privilegiado de
vivência da adolescência. É o espaço físico, social, humano e, porque não
dizer, também ideológico – visto ser a escola o lugar das idéias por
excelência, o lugar da sua transmissão, do seu debate, da sua assimilação ou
rejeição – em que a adolescência acontece, durante muitas horas de quase
todos os dias, em inúmeros casos até aos 17 e 18 anos.
Mas, para esta formação global do adolescente a escola deve pautar por uma concepção
de gestão democrática, que envolva todos os segmentos da escola, isto é, alunos, pais,
professores, direção e administrativo e que o processo ensino-aprendizagem apontem
Luzia Helena Castro Squinca
7067
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
práticas pedagógicas com tendências construtivistas como sugere (COLL, 2001, p.22)
“uma aprendizagem contribui para o desenvolvimento na medida em que aprender não é
copiar ou reproduzir a realidade”. Uma aprendizagem que implica o professor como
mediador, com um compromisso de natureza ética entre o educador e o adolescente.
Isto implica o adolescente não somente como participativo, mas envolvido na
construção e resolução de problemas reais na escola e sociedade. Para o sujeito que
aprende, segundo Meirieu (1998, p. 168) “seu interesse é mobilizado por um enigma
[...]”. Este enigma poderá instigar uma prática que proporcionará desafios aos alunos, ao
buscar respostas para a resolução do problema. Os alunos não serão espectadores da
situação proposta, mas participarão da elaboração na busca dos resultados (SQUINCA,
2006).
Apontam os alunos A5, A6, A7, A10, A11, A12, A13 e A15 situação do cotidiano como
situação problema para ser resolvidos enquanto discutem os conteúdos disciplinares,
mas não é qualquer situação proposta que desencadeará um conflito cognitivo ou
desequilibração cognitiva numa linguagem piagetiana, mas para o sujeito que aprende,
aponta Meirieu (1998, p.168), “[...] é explicitamente colocado em situação de
construção [...]” e para tanto a situação-problema deve colocar o aluno diante de uma
série de decisões a serem tomadas para chegar ao objetivo proposto por ele ou pelo
professor.
Estas situações devem ser interessantes e estar ao nível do aluno e devem estar
estruturadas de maneira que os alunos efetuem as operações mentais requisitadas,
porém, respeitando o nível cognitivo de cada aluno. Diante do exposto, e agora de uma
forma mais clara, podemos explicitar a complexidade que envolve a situação-problema.
Uma situação-problema deverá, portanto, esforçar-se para instalar
dispositivos em que se articulem explicitamente problemas e respostas, em
que as respostas possam ser construídas pelos sujeitos e integradas na
dinâmica de uma aprendizagem finalizada (MEIRIEU,1998, p.170).
O que podemos observar é que para a organização da situação-problema está implícito
que a concepção de ensino do professor de transmitir o conhecimento muito comum na
Luzia Helena Castro Squinca
7068
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
abordagem comportamentalista não respalda teoricamente esta prática pedagógica. Ele
tem a função de mediador, colaborador e organizador do obstáculo a vencer. Para tanto,
é necessário que o professor proporcione ao aluno uma situação-problema acessível e ao
mesmo tempo difícil, que ele possa ir resolvendo aos poucos sem explorá-la de uma só
vez, nem dispor da solução antecipadamente (MEIRIEU, 1998). Portanto, é necessário
nesse processo, que o professor desenvolva e administre a progressão das aprendizagens
(PERRENOUD, 2000).
Uma situação-problema quando bem elaborada pelo professor, levando em consideração
o nível cognitivo do aluno para resolução poderá despertar nele o desejo pela resolução
da situação (MEIRIEU, 1998). Diante do exposto, julgamos importante o professor
recorrer a fundamentações teóricas para entender as situações ajustadas ao nível do
aluno porque a função do educador neste contexto é organizar o obstáculo que deve ser
vencido pelo aluno como aponta Meirieu (1998, p. 174) “em uma situação-problema, o
objetivo principal pedagógico está, portanto no obstáculo a vencer e não na tarefa a
realizar”.
Com isto a prática pedagógica do professor não contempla listas de exercícios para
decorar, tampouco o aluno se defrontará com questionários a serem respondidos cujas
respostas estão explícitas no conteúdo que está sendo trabalhado, como podemos
verificar:
O trabalho por situação-problema não pode utilizar os atuais meios de
ensino, concebidos em uma outra perspectiva. Não há necessidade de
cadernos de exercícios ou de fichas a perder de vista, mas sim de situações
interessantes e pertinentes, que levam em conta a idade e o nível dos alunos,
o tempo disponível, as competências a serem desenvolvidas (PERRENOUD,
1999, p.61).
Os alunos não abordarão as situações com os mesmos recursos (PERRENOUD, 2000) e
o professor ao propor a situação-problema não pode esperar do aluno que encontre
todos os mesmos obstáculos uma vez que cada um tem um nível de desenvolvimento
mental e de conhecimento sobre o que esta sendo proposto.
Assim os conflitos cognitivos serão diferentes para cada aluno o que torna importante
Luzia Helena Castro Squinca
7069
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
este conhecimento na formação do educador o que aponta Perrenoud (2002, p.123)
“Uma boa situação-problema mobiliza os recursos a que o aluno pode recorrer naquele
momento ou circunstância”. Este envolvimento do aluno na situação vem possibilitar
que ele seja o protagonista de sua aprendizagem e o professor um colaborador do
processo da construção das competências ao propor situações-problema que instigam a
participação do aluno tornando o ato de aprender prazeroso.
Identificamos que um obstáculo para Meirieu (1998, p. 176) “é transposto se os
materiais fornecidos e as instruções dadas suscitarem a operação mental necessária” e
que se os alunos não tiverem as condições para transpor os obstáculos poderá não haver
a aprendizagem, perdendo assim o objetivo da situação-problema.
Mas o espaço da formação do aluno não se limita ao intelectual, mas uma construção
progressiva através dos conhecimentos construídos ao longo da sua convivência no
contexto escolar que pode ser construído com a dança, música, pintura, literatura no
contexto da sala de aula resolvendo situações – problema, analisando estudo de caso e
os dilemas da sociedade é o que aponta as respostas dos alunos A3, A4, A5 e A8. com
as oficinas, debates e pesquisas e o Aluno A3 anuncia: “na sexta feira tem oficina
pedagógica. São com diversos temas: música, dança, conservação do patrimônio,
jornal [...]. Temos debates que nos deixam mais informados. Temos seminários [...]”.
É nesta perspectiva que a escola cumpre também o seu papel de socialização e
interação, que numa linguagem vygostskyana (REGO, 1997) não nascemos humanos,
mas nos tornamos humano a medida que interagimos com o outro o que ratifica os
alunos A6, A7, A11, A12 e A14 quando destaca a importância de “conviver” que é
uma característica muito importante no contexto da escola.como indica A12 “Em todo
início de ano, ao entrar novos alunos , a escola dispõe de alunos antigos que
recepcionam os novatos, fazem dinâmicas e sempre em cada sala, os alunos que tem
um conhecimento melhor na disciplinas ajudam aos outros colegas”.
Isto sinaliza para um contexto acadêmico que o conhecimento não é objeto de
premiação que é uma característica da concepção behaviorista que fundamenta o
Luzia Helena Castro Squinca
7070
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
processo
ensino-aprendizagem
no
reforço
destacando
os
melhores
alunos
desencadeando assim um contexto de competição em detrimento da socialização dos
conhecimentos na contra mão do trabalho integrado e de equipe próprio de um espaço
que discute e vivencie a democracia.
Para tanto sugerimos um projeto pedagógico, que implique o desenvolvimento
emocional, físico e social e a escola, como aparelho público voltado para a educação e
socialização do Ser Humano sugere a elaboração de projetos pedagógicos centrados no
acompanhamento e peculiaridade do adolescente, construir espaços que promovam a
prática política, da explicitação das dúvidas e negociação de interesses e desejos, que o
processo ensino-aprendizagem contemple situação-problema e a contextualização e que
os mesmos sejam resolvidos através de um olhar interdisciplinar das ciências superando
a visão linear cartesiana característica do ensino tradicional em que prevalecem as
ciências de forma fragmentada.
Quando se discute a educação na contemporaneidade, a interdisciplinaridade ocupa uma
função importante neste contexto, por que segundo Fazenda (2002, p.52) “[...] a
interdisciplinaridade é uma forma de compreender e modificar o mundo, pelo fato da
realidade do mundo ser múltipla e não una, [...]”. Esta visão direciona ensino no sentido
de superar a prática fragmentada dos conteúdos possibilitando que o aluno tenha um
olhar mais holístico sobre os fatos e as questões que estão postas na sociedade em que
está inserido. Sai da dimensão que um acontecimento pode ser explicado por um único
olhar ou ciência (SQUINCA, 2006).
CONCLUSÃO
Após análise dos dados é necessário considerar que uma organização curricular que
aponta para o protagonismo juvenil se sustenta numa gestão democrática com a
participação dos diversos setores da comunidade escolar, uma concepção de ensinoaprendizagem que supere a transmissão do conhecimento para uma prática pedagógica
interativa e participativa, o que implica a resolução de problemas, e que a busca da
solução envolva os diversos olhares das disciplinas.
Luzia Helena Castro Squinca
7071
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
A situação-problema não pode ser resumida a uma relação do cotidiano com o conteúdo
que está sendo estudado, mas questionamento que desperte a curiosidade
epistemológica do aluno.
O contexto escolar enseja um espaço de convivência e aprendizado das relações
interpessoais uma vez que na adolescência atitudes como negativismo, posturas
revolucionárias e de oposição são presentes. Para tanto é necessário que os diversos
setores da escola conheçam sobre as fases do desenvolvimento do ser humano e mais
específico sobre a adolescência, período este que caracteriza os alunos participantes da
pesquisa.
Superar estereótipos que muitas vezes apontam que os alunos não estão preocupados
com o estudo. Quando destacam a qualidade do ensino da escola e o que fizeram trocar
de escola são dados que mostram uma preocupação com o futuro, embora a literatura
sobre o desenvolvimento do ser humano aponte que é uma característica do adolescente
ser imediatista.
Todo este contexto deve se concretizar em um espaço físico que possibilite a vivência
de diversas atividades que compõe a organização curricular como, a sala de aula,
oficinas, seminários, laboratórios, espaço para esporte, salas de estudo, local para
alimentação e convivência, assim como local extra sala ou ambiente fora da escola para
socialização e integração do conhecimento construído. Portanto, a escola com os
profissionais que a compõe e a organização curricular numa concepção democrática de
gestão é um espaço por excelência para a construção do aluno protagônico.
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Luzia Helena Castro Squinca
7074
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
INVESTIGAÇÃO DA PEDAGOGIA NAS
POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES:
CIÊNCIA, EPISTEMOLOGIA/ECOLOGIA DE
SABERES COMO FORMAÇÕES DISCURSIVAS
Márcia Maria de Oliveira Melo
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
INVESTIGAÇÃO DA PEDAGOGIA NAS POLÍTICAS E PRÁTICAS
CURRICULARES: CIÊNCIA, EPISTEMOLOGIA/ ECOLOGIA DE SABERES
COMO FORMAÇÕES DISCURSIVAS
Márcia Maria de Oliveira Melo
RESUMO: Este estudo apresenta pressupostos e indicativos teórico-metodológicos de
uma pesquisa que foi desenvolvida durante o estágio de Pós-Doutoramento na
Universidade do Minho-PT, com financiamento da CAPES/MEC - Brasil, intitulada “A
pedagogia e a sua constituição no currículo dos cursos de Formação do Profissional da
Educação/ Professores: políticas e práticas curriculares em confronto, sob a interlocução
do Professor José Augusto Pacheco desta Universidade – do Centro de Investigação
“Teoria e Desenvolvimento Curricular”. Elege a pedagogia como objeto deste estudo, a
ser compreendida nas suas dimensões epistemológica, ontológica e ético-política, a
levar em consideração os contextos de mudança da sociedade, o debate teóricopedagógico, a relação entre as políticas e práticas curriculares institucionais. Requereu
analisar contextos e textos, com base no Ciclo Contínuo de Política de Ball (2001;
2006), a envolver as instituições universitárias públicas investigadas (UFPE – Brasil;
Universidades do Minho, Lisboa e Porto - Portugal). A parte da pesquisa aqui abordada
mostra a possibilidade de tratar de modo teórico-metodológico o objeto deste estudo à
luz de Ball (2001; 2006), Bernstein (1976a; 1976b), Fairclough (2001; 2005) e Santos
(2007; 2004), estando em fase da análise discursiva.
PALAVRAS-CHAVE: Pedagogia, Epistemologia, Ciência, discurso e ecologia de
saberes.
INTRODUÇÃO
Estuda-se a pedagogia no contexto sociocultural em mudança, no debate teórico
pedagógico, em particular, no contexto das políticas educativas e curriculares do Brasil
e de Portugal, na relação com as práticas curriculares dos Cursos de Formação do
profissional da educação/professores, realizadas nas instituições universitárias públicas
(UFPE – Brasil; Universidades do Minho, Lisboa e Porto - Portugal), a particularizar
sua relação entre as “Ciências da Educação” em formatos diferenciados de currículo e com
Márcia Maria de Oliveira Melo
7319
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
outros saberes e experiências, sob as influências dos discursos oficiais das políticas educativas e
curriculares vigentes e não-oficiais e de setores educativos da sociedade civil organizada.
Nesse sentido, entende-se a pedagogia sob as influências desses diversos
contextos e textos educativos e curriculares oficiais e não-oficiais, segundo o Ciclo de
Política de Ball (1992), que está a envolver os contextos de influência, os contextos de
produção de textos, os contextos de estratégias políticas, os contextos da prática e de
efeitos/resultados nas práticas sociais. Em meio a esses contextos analisa-se como a
pedagogia se constrói nas relações de saber-poder macro/ micro, nas práticas
curriculares dos cursos de formação do profissional da educação/ professores nas
universidades, em um contínuo retorno de efeitos/ influências que validam
conhecimentos/práticas, a considerar nesses discursos os impactos dessas práticas
políticas na vida profissional do docente universitário.
Assume-se uma abordagem teórica que trata do estudo da episteme, embora
neste estudo ela se expresse como um discurso de crítica à construção do conhecimento
científico com base em critérios de validade universal, dentro dos parâmetros da ciência
moderna, que historicamente desconsiderou as experiências sociais em nome de sua
hegemonia colonizadora do mundo ocidental (epistemologia do norte europeu em
detrimento da episteme do sul). Ao considerar a ciência e a epistemologia no âmbito da
“ecologia de saberes”, conforme propõe Santos (2004; 2009), pensa-se ser possível
identificar a ciência como discurso, segundo Fairclough (2001; 1997). Isso se justifica
pela perspectiva política e ideológica da prática discursiva. Ela interpreta, explica,
estabelece e transforma relações de poder e as entidades coletivas em que existem tais
relações, e que também produz, naturaliza e modifica significados de mundo
(Fairclough, 2001). Por esse prisma, tratou-se da pedagogia e as outras ciências da
educação como discursos que convergem para o ato educativo, escolar e não-escolar,
dentro de contextos socioculturais, político-educativo-formativos e curriculares
universitários, embora essas instâncias tenham considerado pouco a relação com outros
saberes/experiências sociais, segundo Santos (2006).
Em um primeiro momento deste texto serão apresentadas as bases
epistemológicas/ discursivas de como se constroem conhecimentos/ discursos, em uma
outra lógica de crítica à epistemologia e à ciência moderna (Santos, 2009; 2004); em um
segundo momento, será apresentadas algumas pistas teórico-metodológicas indicativas
Márcia Maria de Oliveira Melo
7320
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
da pesquisa; e, em um terceiro momento, será apresentado um mapeamento de pontos
de interconexão de contextos de abordagem do objeto, a envolver dois diagramas de
explicação de como se deu a pesquisa e o seu percurso, e mais o corpus dos
textos/discursos legais analisados do campo político mais amplo e de práticas locais,
bem como de outros contextos, com base em Ball (1992) e Bernstein (1976).
BASES EPISTEMOLÓGICAS / DISCURSIVAS
Nessa perspectiva, entendem-se as epistemologias, dentro de um projeto de
“reinvenção da emancipação social”, como Santos (2009); Nunes (2009), que se
produzem em outra configuração radical, ou seja, no movimento da crítica à
constituição de conhecimentos científicos (por fora dos cânones da ciência moderna), na
relação com os diversos discursos em diálogo (ecologia de saberes/experiências
sociais), em dadas relações de poder, entre práticas macro/micro, alinhadas à
constituição histórica de dadas pedagogias visíveis ou invisíveis, que se produzem,
mantêm e naturalizam na prática social e educativa certas ideologias, mesmo pelos
silêncios e pelas ausências (Bernstein, 1976a ;1976, b; Santos, 2009, p.24). Assim, as
epistemologias sociais que se engendram junto a dadas pedagogias se constituem no
social, no debate teórico e, em particular, nos processos de reformas educativas e
curriculares oficiais e não-oficiais e nas universidades/escolas (Popkewitz, 1997;
Bernstein, 1996b; Ball, 2001; 2006), em contextos de regulação social entre
territorialidades políticas: transnacional, supranacional, regional, nacional e local
(Pacheco, 2007a, p.97-203; Leite, 2005), em que pesem a relação teleológica e
axiológica da formação humana (Rönh, 2006) e a produção/ reconhecimento de
identidades acadêmico-científicas no currículo, como sociais, de raça, gênero, etnia,
sexualidade, idade, profissão, bem como as experiências/saberes sociais de setores
populares (Moreira e Macedo, 2002a, p.17). Advoga-se, assim como Santos (2009,
p.12), que a
pluralidade epistemológica
do mundo e, com ela, o
reconhecimento de conhecimentos rivais dotados de critérios
diferentes de validade tornam visíveis e credíveis espectros muito
mais amplos e de agentes sociais. Tal pluralidade não implica o
relativismo epistemológico ou cultural mas certamente obriga a
Márcia Maria de Oliveira Melo
7321
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
análise e avaliações mais complexas dos diferentes tipos de
interpretação e de intervenção no mundo produzidos pelos
diferentes tipos de conhecimento. O reconhecimento da diversidade
epistemológica tem hoje lugar, tanto no interior da ciência (a
pluralidade da ciência), como na relação entre e outros
conhecimentos (a pluralidade externa da ciência).
Nessa perspectiva, as pedagogias introduzem e interpretam textos e discursos na
relação com o social, o cultural e o político, e também no processo curricular na relação
com o discurso acadêmico-pedagógico e os saberes das experiências sociais, em
particular, nos diferenciados contextos universitários, como construções sociais,
teóricas, discursivas e autobiográficas, segundo Pinar (2007). Elas podem ser
acordadas/resistidas pelos sujeitos sociais e educativos, por veicularem concepções de
mundo diversas pela mediação das capacidades humanas a realizarem sucessivas
retraduções entre as “políticas educativas e curriculares oficiais” e as práticas
curriculares. Nessa pluralidade têm-se como resultado a produção de textos e
identidades híbridos, segundo (Ball, 2006; 2001; Bernstein, 1996b), como apontam os
trabalhos de pesquisa de Lopes (2005), no contexto de sobredeterminações entre o
econômico, o cultural e o político, no âmbito do capitalismo global. Esse contexto é
caracterizado por muitas tensões entre o global/local (Estado – Nação), conforme
Morgado (2007), entre homogeneidades/heterogeneidades hierarquizadas e injustas,
antidemocráticas e anti-solidárias (Jameson, 1996), sob o peso da ideologia neoliberal e
da cultura do consumo, informacional e comunicacional. A despeito disso, aposta-se na
possibilidade da concordância reorganização/resistência a essas forças (Ball, 2001), a
considerar o peso da formulação/desenvolvimento e avaliação de políticas no interior
das práticas institucionais, ainda embasadas, muitas delas, por disciplinaridades,
individualismos e formas clássicas de realizar o currículo, com base em Tyler (Pacheco,
2005a), não obstante as sinalizações de outras práticas.
Ressalte-se que os discursos pedagógicos, ou seja, as pedagogias, são assim
tecidas nas práticas sociais diversas como produtores e tradutores de diferentes
epistemologias/ discursos e culturas (no caso das reformas educativas, em particular, na
regulação Estado/ sociedade), enquanto um “instrumento de regulação social”,
conforme Popkewitz (1997). Para Bernstein (1976a; 1976b) e Goodson (2008), a
produção de conhecimentos/saberes/poderes nesses âmbitos passa por sucessivos
processos de recontextualização/refração de conhecimentos teórico-científicos, político-
Márcia Maria de Oliveira Melo
7322
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
oficiais, na esfera das entidades acadêmico-políticas organizadas, com regras e critérios
diferenciados de validade (que não estão isentos de significados, sentidos, “concepções
de mundo” no campo da cultura).
O debate teórico no Brasil e em Portugal tem se debruçado razoavelmente sobre
essas questões, mas quando se refere aos estudos culturais na elaboração de políticas e
práticas de currículo, sua influência ainda é mínima, conforme Silva (1999). De outra
parte, há críticas mais ou menos radicais e diferenciadas à postura do universalismo
particular científico e cultural da ciência moderna, expressa no pensamento de autores,
entre outros, como Santos (2004:2006), Veiga-Neto (2007), Lopes (2005), Moreira
(2005b), Silva (1999), Leite (2007), Pacheco (2005a); Carvalho (2004), Costa (2006) e
Melo (2000), sem todavia esquecer as literaturas estrangeiras influentes – inglesas,
americanas, francesas –,neomarxistas, pós-marxistas, no campo do currículo, como
lembra Moreira (2005b). Dentro deste campo, autores ressaltam mais ou menos a
importância do diálogo entre o conhecimento, a cultura escolar e o peso do social;
afirmam ou rechaçam mais ou menos radicalmente a ciência na relação com as
subjetividades/identidades individuais e coletivas e com os códigos culturais/classes
sociais e as macro e microrrelações de poder; outros consideram a reconstrução/morte
do social, do sujeito e das metanarrativas, etc, como Pinar, Bernstein, Goodson,
Forquin, Giroux, Habermas, Hall, Focault, Derrida, Jameson, Baudrillard, Deleuze e
Guattari. Alguns desses enveredam também pela crítica e/ou pela (des)construção
radical da epistemologia moderna junto aos seus colonialismos políticos, econômicos,
culturais, mostrando diversidades/ diferenças/significados culturais outros.
Como base nesse debate, a pedagogia, objeto e eixo curricular, oxigena-se e se
atualiza nessas tensões entre ortodoxias e heterodoxias, uma vez que seu discurso é de
princípios, regras, normas e forma condutas sociais (Bernstein, 1997a; Bernstein,
1976b). Está incumbida da retradução de discursos especializados, significados e
sentidos arrolados nas interatividades e interdiscursividades entre os sujeitos sociais e
da transformação deles em outros textos, por um conjunto de mediações necessárias.
Faz-se nesta metodologia uma ponte entre a epistemologia refundada por
Boaventura Santos (2004; 2009) e o entendimento de discurso de Fairclough (1997;
2001). Trata com o primeiro de compartilhar da tese da refundação radical de crítica à
lógica da epistemologia ocidental e ressaltar o peso das categorias de classe social
Márcia Maria de Oliveira Melo
7323
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
gênero, cultura, raça, etnia, poder, multiculturalismo, pós-colonialismo, experiências
sociais, sem deixar de considerar o econômico e a crítica à tendência cultural
colonizadora na sociedade capitalista ocidental. Com Fairclough (2001), trata de
compreender a teoria/a ciência como discurso, sem descartar, pelo que parece, aquelas
categorias, mais outras ênfases marcantes, ou seja, a relação entre discurso, ideologia,
classe social e hegemonia.
PISTAS COMO INDICATIVOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Pelo que foi posto, a metodologia deste estudo apresenta uma base teóricoprática com vistas à compreensão de saberes/discursos e práticas discursivas no plano
macro e microssocial (Sociedade/Universidade/Cursos de Formação de Profissionais da
Educação/ Professores), articulada à compreensão de uma dada epistemologia social,
inserida em tempos de mudança social e cultural (capitalismo globalizado × sociedade
esgarçada e fragmentada), com vistas a compreender o objeto – a pedagogia – e sua
constituição no processo curricular dos cursos de formação do profissional da
educação/professores no dilema entre a sua focalização/especificidade em objeto/eixo e
a sua dispersão plural (Estrela, t. 2008; Estrela, 1992; Boavida e Amado, 2006; Melo,
2006; Aguiar e Melo, 2005). Nesse sentido, caminha-se na tentativa de apreender
diversas falas (em grupos focais) e escritos (em questionários aplicados) de sujeitos
sociais (discursos oficiais e não oficiais), em particular de docentes de universidades
públicas com base na relação entre a linguagem, a ideologia, o sociocultural e o poder,
sem esquecer, todavia, como afirma Fairclough (1997), que
As convenções dos discursos podem encerrar ideologias
naturalizadas, que as transformam num mecanismo muitíssimo
eficaz de preservação de hegemonias. Para além disso, o controle
das práticas discursivas das instituições é uma das dimensões da
hegemonia cultural. A tecnologização do discurso faz parte de uma
luta, travada pelas forças sociais dominantes, para modificar as
práticas discursivas institucionais dominantes já existentes,
assumindo-se como uma dimensão do motor da mudança social e
cultural e da reestruturação das hegemonias (...).
Márcia Maria de Oliveira Melo
7324
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
Com base nesses fundamentos, permite-se fazer aberturas para a retradução/
resistências desses discursos e práticas, com apoio de outros estudiosos no assunto,
como Dijk (2005) e Pedro (1997).
Considera-se assim que a Análise Crítica do Discurso daria conta do objeto deste
estudo, cujo marco macro/micro teórico exige uma pluralidade de dados pelas
dimensões dos discursos envolvidos e de análises dos próprios discursos, em diversos
contextos sociais envolvidos, e também por envolver a especificidade de diversos
eventos discursivos que, no caso deste estudo, buscar-se-ia entendê-los (em uma forma
ainda inicial de aprofundamento), em quatro instituições universitárias públicas de
ensino no Brasil e em Portugal.
Então, essa adesão à ACD guarda, assim, uma coerência com o quadro teórico
/discursivo mais amplo deste estudo, a envolver a relação entre o objeto – a pedagogia –
na relação com currículo, ideologia, estrutura social, cultura, poder, discurso e
subjetividades e a favorecer/desvendar neste estudo possíveis expressões/repercussões e
problemáticas nos campos socioeducativo, político, epistemológico e curricular,
levando em consideração os contextos de mudança social, cultural e política,
especialmente da década de 90 para cá.
DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
O desenvolvimento da pesquisa baseou-se no diagrama 1, o qual, compõe as
dimensões do discurso e da análise crítica do discurso, por Fairclough (1997, p.84), no
sentido de compreender a pedagogia como discurso passível de ser descrito,
interpretado e explicado nas suas dimensões epistemológicas, ontológicas e éticopolíticas e na relação com práticas socioculturais e institucionais em que se situam os
currículos dos cursos de Formação de Profissionais da Educação/Professores em
universidades públicas (na relação com os contextos e textos políticos oficiais e nãooficiais, institucionais e docentes investigados):
Ao considerar as dimensões do discurso e a análise do discurso com base no
marco analítico de Fairclough (digrama 1) por ele elaborado (1997, p.84; 2001, p.3159), foram seguidos os seguintes passos para essa análise que demonstram ser
compatíveis com o estudo deste objeto (traduzidos por Pedrosa, 2009):
Márcia Maria de Oliveira Melo
7325
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
a) Centralização de um problema social que tenha um aspecto semiótico.
b) Identificação dos elementos da formação discursiva que lhe põem obstáculos
com o fim de abordá-los, mediante a análise:

da rede das práticas em que estão localizados,

da relação de semiose que mantém com outros elementos da prática
particular de que se trata,

do discurso, a envolver a análise estrutural – a ordem do discurso; análise
da prática discursiva (interação e interdiscursividade); a análise linguística
e semiótica.
c) Consideração da ordem social (a rede de práticas)
d) Identificação das possíveis maneiras de superar os obstáculos.
e) Reflexão critica da análise.
Na análise discursiva, com base nesses pontos, concebe-se a pedagogia (objeto
deste estudo), enquanto uma construção social, política, cultural e ideológica, a
depender da mediação de determinados contextos históricos de sociedade e das
mudanças imbricadas no movimento do seu campo discursivo das idéias teóricas sobre
a educação/ensino. Ao se localizar a pedagogia no processso curricular de cursos de
formação de profissionais da educação/ professores em algumas universidades públicas
(Brasil/ Portugal), ela está sob as influências da tecnologização do discurso, na
expressão do discurso oficial político, como “processo de intervenção na esfera das
práticas discursivas, que visa construir uma nova hegemonia na ordem de discurso da
instituição ou organização à qual se aplica, inscrevendo-se numa luta generalizada
para impor hegemonias (re)estruturadas
às práticas e culturas institucionais”
(Faircglough, 1997, p.89). Enquanto um discurso pedagógico, ela está a permear os
textos oficiais e das práticas institucionais, enquanto uma “formação discursiva”,
compondo-se de princípios/ pressupostos, conceitos, processos educativos e
profissionais, orientados por determinadas ordens do discurso macro e micro
(Fairclouhg, 2001), e em lógicas epistemológica, teleológica, axiológica e praxiológica
dirigidas para o sentido de formar sujeitos (condutas sociais) na prática pedagógica e
para constituição do quê (conteúdo) e do como se organiza essa formação e o seu
processo de aquisição e de produção de conhecimentos e práticas, em relações sociais
determinados contextos (Bernstein, 1978,p.106). E ainda, a pedagogia mantém uma
Márcia Maria de Oliveira Melo
7326
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
relação com a pesquisa, outros conhecimentos clássicos, contemporâneos e outros
saberes das experiências sociais que contribuem para compreender e tecer a realidade
educativa e formativa, a possibilitar uma dada intervenção. Esses processos de
produção, não estão isentos de princípios e estratégias de distribuição de poder e de
princípios ideológicos de controle e de resistência, segundo Bernstein (1996b, p.134) e,
especialmente, Fairclough (1998), quando admite uma maior mobilidade/ dinamização
das relações sociais em disputa por hegemonia.
MAPEAMENTO DA REALIDADE DA PESQUISA
Diante da realidade complexa da pesquisa, a envolver contextos e textos
diversos, em uma rede de articulações entre eles, traçou-se um mapa (Diagrama 2) para
situar o objeto nos seus contextos de influências, de produção de textos, a propiciar os
processos de sucessivas recontextualizações de textos/discursos, pela força dos
contextos de estratégias políticas, das práticas e dos efeitos/resultados de políticas
(Mainardes, 2006) e práticas envolvidas que estão norteadas pelas categorias:
pedagogia, epistemologia, discurso, políticas e práticas curriculares de formação dos
profissionais da educação professores, o que não dispensa as subcategorias de poder,
cultura, classe social e ideologia, intrincadas na dinamização das análises que estão
sendo realizadas no estudo.
A pesquisa empírica sobre as políticas e práticas foi desenvolvida em dois
capítulos – um texto a versar sobre “Análises críticas de discursos pedagógicos
inscritos nas propostas curriculares nos contextos das Universidades da UFPE/
U.MINHO, U. PORTO e U.LISBOA – PORTUGAL”, um outro, a tratar de “Análises
críticas de discursos pedagógicos inscritos nas propostas curriculares nos contextos
das Universidades da UFPE/ U.MINHO, U. PORTO e U.LISBOA – PORTUGAL”.
O corpus de análise dos discursos oficiais e das diretrizes nacionais curriculares
oficiais das Licenciaturas de Formação do Profissional da Educação, tem o sentido de
apreender, as categorias – pedagogia, educação, formato de organização do currículo/
prática docente, identidade/ perfil do curso e do profissional da educação, as quais serão
dimensionadas sobretudo pelos aspectos pedagógico-político epistemológico , a partir
da descrição (análise textual), interpretação (análise processual) e explicação (análise
social). Sabe-se que essa tridimensionalidade do discurso, com base em Fairclough
Márcia Maria de Oliveira Melo
7327
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
(1998), envolve um processo de produção – texto, processo de interpretação, prática
discursiva e prática sociocultural e que envolve uma rede de práticas em que estão
localizados, a análise estrutural - a ordem do discurso, análise das interações e da
interdiscursividade; análise lingüística e semiótica, sendo que esta será pouco
considerada pelos limites deste estudo.
O corpus de análise (quadro 1 anexo), compõe- se de dois conjuntos de
documentos básicos, com as seguintes especificações próprias, para posteriores
exposições da análise crítica de cada discurso, sendo que o primeiro grupo,foi analisado
no capítulo IV do trabalho (discursos oficiais da políticas curriculares), e o segundo
grupo, no V capítulo, é composto de outros documentos de ordem local, dos projetos
curriculares das instituições.
Os discursos curriculares das instituições formadoras foram analisados em
função dos seguintes aspectos: a) Estrutura e organização geral dos Cursos
(Licenciatura em Pedagogia/ Formação de Professores/Educação/ Educação Básica/
Ciências da Educação); b) Descrição da Matriz Curricular do Curso de Licenciatura de
Educação; c) A pedagogia inscrita no curso como objeto e eixo na relação com as
Ciências da Educação – primado ou campo educativo relativamente autônomo e plural
?; d)Sentidos e modos em que a Pedagogia é compreendida; e) A pedagogia e o modo
de organização currículo na multi, inter ou transdisciplinaridade?; f) Modo de orientar e
organizar o currículo como um projeto educativo articulado ou não, à docência, à
organização /gestão da prática educativa; e) A Pedagogia inscrita na matriz curricular.
Não coube neste estudo discutir os achados dessa pesquisa, uma vez que seria o
desenvolvimento de um outro artigo a fim de contemplar isso. Foi-se fiel então à
temática escolhida nesse Colóquio, centrando-se em uma abordagem teóricometodológica de como investigar a pedagogia na tensão entre políticas e práticas
institucionais curriculares.
Conclusões
Ao se adentrar em uma abordagem teórico-metodológica para o entendimento da
pedagogia, de como ela se constitui, ou seja, de como ela se direciona e se inscreve nas
Políticas Curriculares e práticas desses Cursos, na realidade brasileira e portuguesa,
Márcia Maria de Oliveira Melo
7328
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
pretendeu-se dar um contributo inicial para uma análise comparada, cujo teor, será
explicitada em uma outra produção.
A construção dessa metodologia, com base na interdiscursividade entre os
discursos de Ball, Bernstein e Fairclough, tem sido um grande desafio, ao mesmo tempo
que eles têm pontos que podem convergir entre eles, a se completarem, muito embora,
por outro lado, apresentam matrizes teóricas diferentes, tendo sido, portanto, um grande
esforço
de
captar
neste
estudo
a
pedagogia,
na
sua
complexidade,
multidimensionalidade e multireferencialidade, em meio a influências de
vários
contextos e textos, que pela singularidade de tratarem um assunto, são considerados
neste estudo de discursos, quer na condição de ser uma ciência moderna ou não.
Com Santos (2009, p. 23-57) e Nunes (2009, p.231) assumiu-se bem que a
ciência e a epistemologia não desaparecem no quadro de um pensamento pós-abissal,
mas passaram a existir numa configuração distinta de saberes, em que Santos designa
por ‘ecologia de saberes’, bastante útil esse conceito para o entendimento dos saberes
nos currículos dos cursos investigados nas suas mais diferentes experiências sociais.
Com Bernstein, foi possível identificar as identidades pedagógicas inscritas nas
políticas /discursos e práticas curriculares locais institucionais, uma vez que, em
contextos de reformas educativas, Bernstein (1998, p.9-107), admite a possibilidade do
Estado ligar-se à projeções de diferentes identidades pedagógicas (a depender das
relações de poder/ controle, de tempo, época, espaço), sob influências externas/ internas
de negociações/ acordos – 1. A postura retrospectiva (conservadora); 2. A postura
prospectiva 3. A postura instrumental neoliberal (des – centrada) e; 4. A postura
denominada descentrada terapêutica
Ele deu grandes contribuições neste estudo, ao admitir em sua teoria, hibridismo,
a constituição de discursos, outras identificações, além da classe social (gênero, raça
etc.), bem como a possibilidade de resistência e de recontextualização de discursos nas
práticas pedagógicas. Faz isso, dentro de uma certa mobilidade/ dinamização das
relações sociais e políticas determinadas, enquanto relações de poder, não apenas como
fonte externa (apesar do peso ser bem mais forte nesta fonte). Enquanto Fairclough é
chamado neste estudo, por trazer uma compreensão de mundo e de discurso mais aberta,
em que faz crítica às concepções de análises de discurso, com base em visões
estruturalistas e ideológicas, com base em Althusser, pela pouca mobilidade possível de
Márcia Maria de Oliveira Melo
7329
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
intervenção nas práticas, com suas idéias de inculcação/ reprodução de forças materiais
etc. Assim, este autor muito contribuiu para adentrar na pedagogia, pela compreensão
da tridimensionalidade dada ao discurso, a envolver um processo de produção – texto,
processo de interpretação, prática discursiva e prática sociocultural e uma rede de
práticas em que estão localizados, bem como com a sua idéia de análise estrutural – a
busca da ordem do discurso, equilibrada com a análise das interações e da
interdiscursividade; da análise lingüística e semiótica, sendo que esta foi pouco
considerada dentro dos limites deste estudo.
Ball, especialmente, em seu texto, que trata de uma sociologia da pesquisa para
análise de políticas, contribuiu por demais para se atentar para os diversos contextos,
textos, influências, ausências e presenças de estratégias políticas, em um ciclo de
continuidade de políticas, no contexto de influências societárias, em que as práticas dão
retorno a redefinição de políticas e também, ao contribuir para se avançar nas análises
de Bernstein, muitas vezes fragmentadas entre o campo da política e da prática, indo
mais a fundo no conceito de hibridismo, da tecnologização do discurso, com o conceito
da cultura da performatividade e individualismo.
Com esse referencial, está-se a conduzir uma pesquisa, com análises críticas
minunciosas, a fim de obter resultados que são também discursivos, mas com a
prudência de organização de dados, estabelecimento de critérios, porém admitindo a
subjetividade do pesquisador, a depender do “lugar social”, das formas de conceber o
mundo, a pedagogia, a educação, o ensino e as “formas de ver do pesquisador, de sua
história pessoal”, “como ato movido a poder”, segundo Kincheloe, Joe L. e Berry,
Kathleen S. (2009, p.16), em uma visão de “complexidade do mundo real”. Nesse
sentido, “os bricoleurs atuam a partir do conceito de que a teoria não é uma explicação
do mundo – ela é uma explicação de nossa relação com o mundo” (p.16), daí a razão de
se fazer uma ponte com o conceito de discurso de Faircloug (2001), que admite
substantivamente a sua singularidade como um modo peculiar de tratar um assunto/
problema (onde linguagens, realidades e sujeitos sociais entram em interdiscursividades
para produzir/ posições singulares em um discurso), como parte do que a humanidade
construiu e está reconstruindo em determinadas épocas.
Márcia Maria de Oliveira Melo
7330
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
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Márcia Maria de Oliveira Melo
7334
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
ANEXOS
DIAGRAMA 1
Márcia Maria de Oliveira Melo
7335
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
DIAGRAMA 2
MAPEAMENTO
SOCIOCOGNITIVO
E
POLÍTICO
DOS
MACRO
E
MICROCONTEXTOS EM QUE ESTÃO CONSTITUINDO A PEDAGOGIA E
SEUS EFEITOS:
Contextos de
globalização/educação
Brasil/Portugal
Textos oficiais
Estado - estratégias
políticas
Contexto macro
de políticas educativas e
curriculares oficiais
Acadêmicas
Textos não –
oficiais de
Entidades e outros
Contextos locais:
Contextos locais
Universidade/Faculdade/
Centro/ Instituto de
Educação
Constituição e
mediação da pedagogia
Efeitos das
Contexto
local
políticas
oficiais sobre as
práticas curriculares e
sobre a escola
básica/ resistências
Discurso do
Práticas curriculares Cursos de F. de
Profissionais da
Educação// Professores
Efeitos das
propostas das
entidades
acadêmicas sobre
os projetos oficiais
e de curriculares
QUADRO 1
Corpus legal para análise crítica do discurso
Legislações
pertinentes
às
Diretrizes
Nacionais e Supranacionais Curriculares de
Cursos de Formação de Profissional da
Educação no Brasil e em Portugal
Propostas Curriculares dos Cursos de
Formação do Profissional da Educação da
Universidade Federal de Pernambuco – Brasil
e das U. Minho. U. Porto e U. Lisboa –
Portugal
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Márcia Maria de Oliveira Melo
7336
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
Licenciatura Plena em Pedagogia e sua
relação com as Diretrizes de Formação de
Professores no Brasil:





Proposta curricular do curso de
Pedagogia – UFPE

Proposta curricular do Curso de
Licenciatura em Educação Básica
(educação Infantil e 1° e 2°ciclos) no
Instituto de Educação da U.Minho.

Proposta curricular da Licenciatura
em Ciências da Educação da U.Lisboa
CNE/CP N.5/2005 de 13/12/2005
(com a complementação do parecer
que deu base para o Parecer CNE/CP
N.°3/2006 de 21/2/2006, com
a modificação do art.14).
Projeto de Resolução
CNE/ CP N.°1 , de 18 de Fevereiro de
2002 - Brasil (equivalente à
homologação do Parecer CNE/ CP
09/2001 de 18/01/2002), com
complementações do Parecer CNE/CP
09/2001, homologado em 17 de
fevereiro
Destaques - a Lei n° 10.172/2001
(Plano Nacional de Educação, no
seu item IV).
Destaques Lei de Diretrizes de Bases
da Educação Nacional N.° 9.394/96,
de 20 de dezembro.

Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Licenciatura em Educação
Básica em Portugal:
No âmbito da Licenciatura em Educação
Básica

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Decreto-Lei n.° 240/2001, de 30 de
Agosto;

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Decreto-Lei n.° 241/2001, de 30 de
Agosto

Proposta curricular da Licenciatura
em Ciências da Educação da U.Porto

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Decreto-Lei n.° 43/2007, de 22 de
Fevereiro

Proposta curricular do Curso de
Licenciatura em Educação no
Instituto de Educação da U. Minho

Destaques - Decreto - Lei n°74/ 2006,
de 24 de março Declaração de Bolonha
OBS :
1.No âmbito da Licenciatura em Educação e
em Ciências da Educação, não existe
nenhuma legislação Nacional. A tendência
nesse
aspecto
evidenciou-se
pela
Márcia Maria de Oliveira Melo
7337
Investigação da Pedagogia nas Políticas e Práticas Curriculares: ciência, epistemologia/ecologia de saberes como
formações discursivas
especificidades do local (Universidades);
2. Ressalte-se que não irá se discutir os perfis
na sua parte específica da formação de
professores do Decreto n°241/ 2001 em
Portugal (educação infantil, 1°ciclo, 2°cclo e
secundário da educação básica), a fim de ser
compatível com as DCN do Formação de
Professores do Brasil (de âmbito geral). Ficou
– se então no desempenho geral
Márcia Maria de Oliveira Melo
7338
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
A ANÁLISE DA POLÍTICA CURRICULAR EM UMA
PERSPECTIVA DISCURSIVO-CULTURAL
Maria do Carmo de Moura Silva Soares
Ângela Maria Dias Fernandes
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
A ANÁLISE DA POLÍTICA CURRICULAR EM UMA PERSPECTIVA
DISCURSIVO-CULTURAL
Maria do Carmo de Moura Silva Soares1
Ângela Maria Dias Fernandes2
RESUMO: A cultura e o discurso vêm ganhado espaço relevante nas análises dos
fenômenos sociais. Tal perspectiva resulta do reconhecimento de que toda prática social
está imbricada em uma dimensão cultural, já que a prática social depende de
significados e com eles está intimamente associada. Nesse processo, a linguagem tornase fator determinante, pois os indivíduos, grupos ou tradições ao descrever, narrar ou
explicar o que as coisas são e como funcionam as institui. Ou seja, mediante um
conjunto de discursos e saberes é produzida uma “realidade”, instituindo-se algo como
existente de tal ou qual forma. Nessa perspectiva, o campo educacional e o curricular,
especificamente, por meio de seus discursos passam a ser vistos como lugares de
normalização da cultura e de produção de identidades sociais e culturais. No âmbito
dessa abordagem, o presente texto, constitui-se em uma sistematização de reflexões
acerca da Análise do Discurso articulada à análise da política curricular, a partir do
estabelecimento de um diálogo entre Michel Foucault e Stephen Ball. Tais reflexões
resultam da pesquisa de Mestrado que venho engendrado e que dissertará sobre a
Política Curricular vigente em PE.
PALAVRAS-CHAVE: Política curricular. Cultura. Discurso. Análise do discurso.
1 Introdução
É visível, na contemporaneidade, que os elementos culturais e discursivos
ganham espaço na análise social. Segundo Hall,
[...] a cultura é agora um dos elementos mais dinâmicos- e mais
imprevisíveis – da mudança histórica do novo milênio. Não deve nos
surpreender, então, que as lutas pelo poder sejam, crescentemente,
simbólicas e discursivas, ao invés de tomar, simplesmente, uma forma
física [...] (1997, p. 20)
1
Mestranda em Educação – PPGE/UFPB; graduação em Letras – UPE; especialização em Língua
Portuguesa – FAINTVISA; professora da Rede Estadual de Ensino de PE.
2
Professora orientadora – Programa de Pós-Graduação em Educação – UFPB.
Maria do Carmo de Moura Silva Soares & Ângela Maria Dias Fernandes
7078
A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
A cultura tem se tornado como uma arena de lutas, de contradições, e de
disputas travadas entre forças culturais diversas. Percebe-se que as fronteiras estão além
dos aspectos físicos, têm um caráter simbólico e cultural. Nesse cenário, compreende-se
a interferência da cultura e do discurso, ao se perceber que o dominado passa a ser o que
o dominador diz, ou seja, o discurso dominante impõe-se, impondo também a sua
cultura.
De acordo com Hall (1997), no cenário contemporâneo, a cultura ganha
centralidade ao se perceber que esta é constitutiva em todos os aspectos da vida social.
Toda prática social depende do significado e com ele tem relação e é a partir de um
modelo cultural que os saberes, valores e práticas são selecionados.
Kroeber (1950) apud Laraia (2001) ao definir a cultura como um processo
acumulativo, resultante de toda a experiência das gerações anteriores, afirma que,
diferentemente das outras espécies, o ser humano, ao adquirir o novo conserva o
anterior. Esse processo de acumulação é realizado, mediante a linguagem, elemento
fundamental para que toda experiência de um indivíduo seja transmitida a outrem.
Portanto, compreende-se que não existiria cultura se não houvesse o desenvolvimento
da comunicação e da linguagem em sua diversidade de modalidades discursivas.
Com a “virada lingüística”, Canning (1994) apud Popkewitz (2002, p. 183)
considera que há “um escrutínio e um re-exame da linguagem não apenas como
descrevendo e interpretando o mundo, mas como constituindo práticas e identidades
sociais”.
Os objetos não existem para nós, sem que antes tenham passado pela
significação e esta é um processo social de conhecimento. Toda teorização constitui um
conjunto de discursos, de saberes que, ao explicar como essas coisas funcionam e o que
são as institui. (COSTA M., 2005). Ou seja, ao descrever, narrar ou explicar algo, os
indivíduos, grupos ou tradições utilizam a linguagem para produzir uma “realidade”,
instituindo algo como existente de tal ou qual forma.
Em uma perspectiva analítica, centrada na inter-relação cultura / linguagem
pode-se ampliar o campo de análise da política curricular, pois a política passa a ser
concebida como um campo em que estão em jogo disputas sobre um conjunto de
significações culturais.
2 Política curricular e discurso: dialogando com Ball
Maria do Carmo de Moura Silva Soares & Ângela Maria Dias Fernandes
7079
A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
A cultura constitui-se em um elemento determinante do currículo escolar. Daí a
importância de se perceber a íntima relação entre currículo e cultura. Portanto, no atual
contexto político-social, analisar as políticas curriculares requer uma abordagem que
transcenda a abordagem verticalizadora e hierarquizante do poder hegemônico. Faz-se
necessário uma abordagem analítica que, embora reconheça as relações hegemônicas de
poder, considere que nestas estão imbricadas complexas relações entre o cultural e o
político.
A cultura será concebida, pois, não como uma esfera num conjunto de esferas e
práticas diferenciadas, mas como um terreno em que o político, o cultural e o
econômico formam uma dinâmica inseparável. (SANTOS, 2003).
Essa articulação mútua entre elementos políticos e econômicos e a cultura faznos repensar a articulação entre os fatores materiais e simbólicos, haja vista que, como
coloca Hall (1997, p. 18), estes, “causam impacto sobre os modos de viver, sobre os
sentidos que as pessoas dão à vida, sobre suas aspirações para o futuro” [...], enfim
interfere na formação de subjetividades e na sociedade como um todo em um constante
movimento de retroalimentação.
Ball (1993), apoiando-se em Foucault (2000) e Bernstein (1996), sugere pensar a
política como discurso e como texto. Nessa perspectiva o discurso é definido como
categoria na qual todo sujeito é posicionado ou reposicionado, práticas que
sistematicamente formam os objetos dos quais falam; enquanto que texto pode ser
compreendido como qualquer representação expressa pela fala ou pela escrita, nas quais
são realizadas a produção e a reprodução culturais. (LOPES, 2005).
Isso implica em se compreender que o discurso é produzido mediante o
entrecruzamento de diversos campos e resultam de incessantes negociações. Estes se
apresentam com poderes assimétricos e com múltiplos significados em disputa. Implica
também em redimensionar a figura do Estado, a fim de vê-lo não mais como centro e
origem da produção da política e do poder.
Nessa visão rejeita-se a concepção linear verticalizadora que visualiza o
processo político ora de cima para baixo, ora de baixo para cima e propõe-se uma
concepção de política curricular como um processo cíclico, conflituoso, ambíguo,
plural, contraditório e histórico que emerge de uma contínua interação entre contextos
inter-relacionados e entre textos e contextos. (BALL, 1998).
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7080
A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
Os discursos consistem, pois, em construções simbólicas em um mundo
globalizado, passíveis de recontextualizações, as quais produzem não apenas a
homogeneização, mas também a heterogeneidade no âmbito de uma tensão contínua
entre o local e o global e vice-versa.
A recontextualização constitui-se a partir da transferência de textos de um
contexto a outro, como por exemplo, da academia ao contexto oficial; do contexto
oficial ao contexto escolar. (BERNSTEIN, 1996)
Para haver a recontextualização, ocorre, a princípio, a descontextualização. Esta
consiste em um processo de seleção de textos em detrimento de outros e de
deslocamento dos mesmos para questões, práticas e relações sociais distintas.
Simultaneamente, há um reposicionamento e uma refocalização. Neste processo o texto
é modificado por processos de simplificação, condensação e reelaboração,
desenvolvidos em meio a conflitos entre diferentes interesses e possibilidades que
estruturam o campo de recontextualização. Desse modo, pode-se afirmar que o discurso
pedagógico é produzido a partir de um processo de recontextualização. (LOPES, 2002).
A partir do fenômeno da recontextualização, torna-se possível identificar o
hibridismo discursivo. Este envolve a mistura de concepções e é caracterizado pela
negociação entre os diversos segmentos sociais no processo de elaboração dos textos,
propostas e políticas curriculares, considerando-se as condições de possibilidades
discursivas. Nessa perspectiva, pode-se definir a política curricular como uma produção
resultante de negociações em múltiplos contextos, sempre produzindo novos
significados paras decisões curriculares nas instituições escolares. (CANCLINI, 1998 e
BALL, 1998)
No âmbito desse pensamento, Lopes e Macedo (2005) afirmam que o hibridismo
parece ser a grande marca do campo curricular em que é identificada uma
multiplicidade de teorizações. No entanto,
tal multiplicidade não vem se configurando apenas como diferentes
tendências e orientações teórico-metodológicas, mas como tendências
e orientações que se inter-relacionam produzindo híbridos culturais.
(p. 16).
Para Lopes (2002), as propostas curriculares oficiais consistem em híbridos
discursivos produzidos por processos de recontextualização, haja vista que na
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7081
A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
organização dessas propostas os textos são desterritorializados e deslocados das
questões que levaram a sua produção e relocalizados em novas questões com novas
finalidades.
Nesse processo, textos de matrizes teóricas distintas são associados produzindose, inevitavelmente, ambigüidades discursivas. No entanto, a superposição de discursos
ambíguos não autoriza a sua utilização independentemente dos contextos históricos e
das relações de poder. A ambigüidade apresenta-se no discurso buscando-se se legitimálo junto a diferentes grupos sociais. A apropriação e hibridização de discursos
acadêmicos e sua ressignificação, mediante a recontextualização, ocorrem de forma a
atender certas finalidades educacionais.
3 Discurso e poder
A linguagem significa a realidade no sentido de que constrói significados para
ela. Quem tem o poder do discurso, em suas diversas modalidades e campos, estabelece
o que tem ou não tem estatuto de “realidade”. Portanto, no processo de análise, as
construções lingüísticas precisam ser mapeadas conceitualmente, porque descrevem
mudanças na forma como os objetos da vida social são discursivamente construídos.
Constituindo sistemas simbólicos e ordens sociais, os discursos consistem em
instrumento de “apoderamento”. Daí por que instituições, grupos e classes sociais
lutam para ocupá-lo, controlá-lo, forjá-lo, a fim de legitimar e disseminar um universo
particular e único de saber. (CARLOS, 2002). Sendo instrumento de poder, o discurso é
disputado tendo em vista que o controle do mesmo implica em disseminação de
vontades de verdade, que resultam em legitimação de saber e de poder.
Visto como perigoso, o discurso é inserido, pois, em uma ordem que busca
controlá-lo e/ou excluí-lo, mediante mecanismos de controle.
(...) em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número
de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes, dominar
seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade. (FOUCAULT 2007, p.8-9)
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7082
A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
Portanto, há um conjunto determinado de relações que viabilizam a existência ou
não de certos enunciados e que detém uma força de produzir conceitos e valores. O
enunciado é, pois, tecido em uma rede na qual existe um conjunto de condições que
possibilitam ou não alguém enunciar algo, porque o ver e o falar são definidos por
condições de possibilidades.
Como afirma Deleuze (1998, p 87), “[...] cada formação histórica vê e faz ver
tudo o que pode em função das suas condições de visibilidades, assim como diz tudo o
que pode em função das suas condições de enunciado”.
Nas análises históricas foucaultianas são abordadas as tecnologias do poder e a
produção do saber na sociedade ocidental, a qual é denominada de sociedade
disciplinar, por identificar na mesma micro-poderes que são exercidos sobre os corpos,
mediante técnicas de controle e mecanismos de submissão.
No entanto, o fato de haver mecanismos de controle e vigilância contínuos
demonstra que os sujeitos lutam e, em decorrência dessa luta, nenhum poder é absoluto
ou permanente; ele é, pelo contrário, transitório e circular, o que permite a aparição de
fissuras, rupturas. (GREGOLIN, 2006, p. 136).
Um dado momento histórico é marcado por continuidades e descontinuidades,
de formações discursivas que aparecem e desaparecem. Desse modo, o discurso
pressupõe a possibilidade de dominação, mas por outro lado, também apresenta brechas,
que constituem em espaço de contestação e de resistência. Portanto, o discurso em curso
implica em um discurso de transgressão, em uma luta contínua e cotidiana.
São micro-lutas que se espalham por toda topografia social e que não decorrem
de um centro único do Poder. Tais micro-lutas transcendem à clássica idéia de “lutas de
classes”. Portanto, ao transcender, não nega a existência das mesmas e de um poder do
Estado, mas mostra que há outros poderes com naturezas diversas. Nessa perspectiva, o
que a resistência busca não é apenas libertar o indivíduo do poder do Estado e de suas
instituições, mas de libertá-lo dos sistemas de representação individualizantes e
totalizadores que atuam sobre sua vida cotidiana imediata. (Id, 2006. p. 133-137).
O discurso curricular é construído no âmbito da interdiscursividade e apresenta,
pois, marcas das diversos campos e ordens discursivas.
O discurso curricular consiste em um espaço onde estão imbricadas relações de
poder, no qual são engendradas técnicas de controle das subjetividades para atender a
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7083
A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
interesses determinados. Em um jogo de poder incessante, seleciona-se um
conhecimento e se interdita outro, privilegia-se uma subjetividade e se silencia outra.
São identificadas, pois, as marcas da ordem discursiva política delineando as condições
de possibilidades enunciativas do discurso curricular.
Nesse processo, as regras, padrões, valores, prioridades e disposições são
elementos ativos na formação dos sujeitos, constituindo-se em técnicas articuladas e
constituídas pelos discursos para o governo do indivíduo. Esses elementos, construídos
discursivamente e disseminados nas políticas educacionais, produzem efeitos de
verdade que são assumidos como “naturais” pelos sujeitos envolvidos no processo
educativo institucional. Inclui-se nesse processo tanto aqueles que formulam a política,
quanto os que as põem em prática; ou seja, desde a elaboração até a execução da
política, os sujeitos, a partir da posição que ocupam, impregnam e são impregnados por
um discurso resultante de uma rede interdiscursiva da qual fazem parte e que constituem
o discurso educacional e/ou pedagógico.
Além das marcas política e pedagógica, é possível identificar no discurso
curricular oficial fundamentos legais que norteiam a produção do mesmo. Isto é, as
marcas do imperativo das normas, características da ordem discursiva jurídica, fazem-se
presente definindo os enunciados do discurso curricular.
Nesse emaranhado das redes interdiscursivas produtoras do discurso curricular,
vale salientar a importância das comunidades epistêmicas que fazem circular, no campo
educacional, discursos que são base da produção de significados para as políticas de
currículo em múltiplos contextos discursivos. Segundo Lopes (2006), as comunidades
epistêmicas são compostas por grupos de especialistas que compartilham concepções,
valores e regimes de verdades comuns entre si e que operam nas políticas pela posição
que ocupam frente ao conhecimento, em relações de saber-poder.
4 Sobre a análise do discurso: dialogando com Foucault
Foucault, em seus livros “As palavras e as coisas” (1999) e “Arqueologia do
saber” (2000), apresenta uma proposta de análise discursiva que, discernindo-se de
outras perspectivas, não as nega, mas acena para outra possibilidade no campo de
análise do discurso e que traduz certas especificidades.
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7084
A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
Para enveredar pelos caminhos da análise do discurso faz-se necessário, a
princípio, compreender alguns conceitos específicos, tais como discurso, enunciado,
formações discursivas e práticas discursivas.
De acordo com Foucault, o discurso pode ser definido como
um conjunto de enunciados, na medida em que se apóiem na mesma
formação discursiva ; ele é constituído de um número limitado de
enunciados, para os quais podemos definir um conjunto de condições
de existência; é, de parte a parte, histórico – fragmento de história,
unidade e descontinuidade na própria história, que coloca o problema
de seus próprios limites, de seus cortes, de suas transformações, dos
modos específicos de sua temporalidade. (2000, p. 135-136)
Nessa perspectiva de análise discursiva, percebe-se que o objeto a ser encontrado
consiste, pois, nos enunciados e o campo de busca em que a mesma atua corresponde às
diversas formações e práticas discursivas. Sendo o enunciado o objeto da análise do
discurso, torna-se fundamental, compreender, por conseguinte, em que consiste o
enunciado.
O enunciado em seu modo de ser singular, nem inteiramente lingüístico, nem
exclusivamente material é indispensável para que se possa dizer se há ou não frase,
proposição ou ato de linguagem. Ele não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma
função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que
apareçam, com conteúdos concretos no tempo e no espaço. Portanto, é uma função que
se faz necessário descrever em seu exercício, em suas condições, nas regras que a
controlam e no campo em que se realiza (FOUCAULT, 2000, p. 98 - 99).
O enunciado não equivale nem a “proposição”, do domínio da lógica, e nem à
“frase”, do domínio da lingüística, dada a mobilidade e a condição daquele apresentarse nas mais diversas formas, as quais não correspondem às especificidades destas.
Também não equivale a “atos ilocutórios” (speech act), como falam os analistas
ingleses, pois é preciso freqüentemente mais de um enunciado para efetuar um speech
act, como em um juramento, prece, contrato, promessa, etc. Não há, portanto, uma
relação biunívoca entre o conjunto de enunciados e o dos atos ilocutórios (FOUCAULT,
2000 p. 94- 95).
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7085
A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
Ou seja, por enxergar o enunciado no interior de uma historicidade, o objeto da
análise discursiva “não é o enunciado atômico”, mas consiste no campo de exercício,
suas condições, suas regras de controle, pois entre o enunciado e o que ele enuncia não
há apenas relação gramatical, lógica ou semântica; há uma relação que envolve os
sujeitos, que passa pela História. (GREGOLIN, 2006, p. 89-90).
Os enunciados são essencialmente raros, portanto não pressupõem o implícito,
pois, não admitem a multiplicidade de sentidos, nem a diversidade de interpretações.
Interpretar é multiplicar o sentido, enquanto que analisar uma formação discursiva é
procurar a lei de sua pobreza e de sua raridade. (FOUCAULT, 2000, p.139). A palavra
“pobreza” denotando “escassez”, implica em raridade.
O enunciado refere-se, pois, ao efetivamente dito, embora este não seja
imediatamente perceptível, por se encontrar na inter-relação entre redes de signos,
sempre articulado mediante frases, proposições, imagens em uma diversidade de formas
da linguagem verbal e não-verbal. Ou seja, os enunciados não se confundem com
palavras, frases, proposições, imagens, mas podem ser extraídos delas. Portanto, a
investigação enunciativa só pode se referir a coisas ditas efetivamente, a frases que
foram pronunciadas ou escritas, a elementos significantes que foram traçados ou
articulados, mantendo-se fora de qualquer interpretação. (FOUCAULT, 2000, p. 126).
Quanto à formação discursiva, Foucault afirma que sempre
que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,
semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os
tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder
definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições,
funcionamentos, transformações) diremos, por convenção, que se
trata de uma formação discursiva (2000, p. 43).
Compreende-se, pois, a formação discursiva como um feixe complexo de
relações que funcionam como regra e prescreve o que deve ser correlacionado em uma
prática discursiva, para que se refira a certos objetos, empregue certa enunciação, utilize
determinado conceito e organize determinada estratégia.
Percebe-se, pois, que o que é descrito como formação discursiva consiste nos
grupos de enunciados, ou seja, no conjunto de performances verbais que, mesmo
dispersas, repartem regularmente aquilo de que falam no âmbito de um regime geral a
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7086
A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
que obedecem e que demarca sua singularidade em meio à multiplicidade, estando
sempre em relação com determinados campos de saber.
Definir em sua individualidade singular um sistema de formação é, assim,
caracterizar um discurso ou um grupo de enunciados pela regularidade de uma prática.
O campo de busca da análise consiste, pois, nas formações e nas práticas discursivas.
Estas compreendidas como um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre
determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma
determinada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício
da função enunciativa (FOUCAULT, 2000, p. 136).
Nessa perspectiva de análise, o lugar não funda, nem dá origem ao enunciado.
Desconstrói-se a idéia de que uma obra específica, um livro em particular, um autor
individual dá conta de uma formação discursiva. O corpus da análise, não se resumindo
a um livro ou a um conjunto de obras de um autor, em um determinado período,
consiste em um conjunto de enunciados dispersos e singulares, descontínuos e
regulares, que estabelecem relações entre si mediante todo um campo enunciativo.
Segundo Deleuze (1991), a idéia de enunciado posta por Foucault pressupõe três
espaços, a saber, o espaço colateral, o espaço correlativo e o espaço complementar.
O primeiro espaço, o colateral, é formado por outros enunciados que fazem parte do
mesmo grupo. O que forma um grupo ou família de enunciados é a coexistência de
outros enunciados anteriores, posteriores e simultâneos, dispersos, mas regulares. São
estes que constituem uma formação discursiva.
As formações discursivas configuram-se como um conjunto de regras para uma
prática discursiva. Em outros termos, corresponde a um feixe complexo de relações que
funcionam como regra: este prescreve o que deve ser correlacionado em uma prática
discursiva, para que esta se refira a tal ou qual objeto, para que empregue tal ou qual
enunciado, para que utilize tal ou qual conceito, para que organize tal ou qual estratégia
(FOUCAULT, 2000, p. 82).
O segundo espaço, denominado de correlativo trata da relação do enunciado, não
mais com outros enunciados, mas com seus sujeitos, seus objetos, seus conceitos. No
entanto, na análise foucaultiana não há a vinculação do discurso, do que foi dito, ao
sujeito concreto, individual. Foucault “situa os lugares do sujeito na espessura de um
murmúrio anônimo” (DELEUZE, 1991); nesta, o sujeito é uma posição e descrever uma
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A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
formulação, enquanto enunciado, consiste em “determinar qual é a posição que pode e
deve ocupar todo indivíduo para ser sujeito”. (FOUCAULT, 2000, p. 109).
Trata-se de uma impessoalidade que desconstrói a idéia do “eu” que produz o
discurso. Portanto o discurso não tem uma autoria individual, é produto de uma rede
concreta, e por isso, não há a preocupação em se estabelecer uma vinculação ontológica
entre o que foi dito e quem o disse, por que quem profere o discurso não é,
precisamente, o autor do discurso. As coisas ditas são possibilitadas por um conjunto de
condições histórico-sociais (instituições, condições de um tempo, tradições, práticas
culturais, etc.).
Desse modo, a análise dos enunciados não coloca a questão de quem fala, mas
situa no nível do “diz-se”; não como uma espécie de opinião comum, representação
coletiva ou uma grande voz anônima, falando através dos discursos de cada um, mas
como o conjunto de coisas ditas, as relações, as regularidades e as transformações que
podem ser observadas aí, o domínio do qual certas figuras e certos entrecruzamentos
indicam o lugar singular de um sujeito e podem receber o nome de um autor. O que
importa não é quem fala, mas que o que ele diz não é dito de qualquer lugar e é
considerado no jogo de uma exterioridade. (FOUCAULT, 2000, p. 109).
Portanto, o sujeito do enunciado não é aquele que emite o signo, aquele que
profere o discurso, nem o signatário do texto. O sujeito do enunciado é uma função
neutra, por que pode ser assumida por indivíduos distintos e indiferentes, ao formularem
os enunciados dispersos e descontínuos, no âmbito das formações discursivas. Há,
portanto, um deslocamento do foco, que sai do ator para as formações discursivas, que
são construídas para organizar e produzir subjetividades, através do discurso.
Quanto ao objeto da análise, este é discursivo e deriva do próprio enunciado, não
se submetendo a um referente. Na proposta foucaultiana, a realidade empírica – coisas,
fatos, seres concretos, contexto – consistem em um cenário importante, por que
possibilitam que novos objetos de enunciados apareçam no campo discursivo. No
entanto, esses elementos empíricos não constituem o referencial, pois o referencial do
enunciado consiste na condição, no campo de emergência, a instância de diferenciação
das relações que são postas em jogo pelo próprio enunciado e não pela situação do
sujeito falante (contexto, núcleo psicológico).
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O interesse da análise em questão não é descrever o contexto empírico, mas sim
o contexto discursivo, o que se disse efetivamente ou o que não pôde ser dito,
considerando os enunciados anteriores e paralelos que circulam nas diversas práticas e
formações discursivas e que definem a condição de existência do que está posto nos
discursos.
Em relação aos conceitos, estes constituem os esquemas discursivos próprios a
uma formação discursiva. O que permite delimitar o grupo de conceitos é a maneira
como os elementos pertencentes a uma formação discursiva estão organizados, o que
possibilita descrever sua dispersão anônima através de textos, livros e obras. Os
conceitos permitem estabelecer distinção entre os enunciados, proporcionando
identificar a especificidade que os remete a uma determinada formação discursiva.
Enfim, o terceiro espaço, o complementar, ou de formações não-discursivas,
corresponde a um cenário determinado sem o qual os objetos de enunciados não
poderiam aparecer. Na visão foucaultiana, os processos histórico-sociais, que envolvem
os aspectos políticos, econômicos e culturais, são apresentados como um cenário
importante, por que possibilitam que novos objetos de enunciados apareçam no campo
discursivo, mas não é este o objeto da análise.
Sendo assim, a relação do discursivo com o não-discursivo busca identificar qual
a participação desses aspectos não discursivos na inserção de objetos de enunciados no
discurso, com a intenção de realçar o domínio da existência e funcionamento de uma
prática discursiva num determinado momento histórico.
Não se trata, portanto, de buscar estabelecer, uma relação de causa e efeito, nem
de simultaneidade ou reciprocidade entre os aspectos sócio-político, econômico e
cultural e a forma de dizer no domínio do discurso. Neste caso, o aspecto não discursivo
torna-se importante, à medida que possibilita a emergência de elementos que serão
objetos de enunciados no discurso.
Foucault (2007) dispõe ainda a sua análise em dois conjuntos: o crítico e o
genealógico. O primeiro, o crítico, trata das funções de exclusão e os sistemas de
interdição da linguagem, de recobrimento do discurso, procurando
cercar as formas de exclusão, da limitação, da apropriação (...);
mostrar como se formaram, para responder a que necessidades, como
se modificaram e se deslocaram, que força exerceram efetivamente,
em que medida foram contornadas. (FOUCAULT, 2007, p. 60).
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A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
Nessa perspectiva de investigação, observam-se os processos de construção do
discurso, fazendo-se uma análise dos enunciados presentes no mesmo, tendo em vista
perceber por que determinados enunciados são colocados de uma forma e não de outra,
a fim de compreender as condições de existência ou não desses enunciados.
O segundo conjunto, o genealógico, trata da formação efetiva dos discursos
procurando apreendê-lo em seu poder de afirmação, de constituir domínios de objetos, a
partir dos quais se poderia negar ou afirmar proposições, seja no interior dos limites do
controle, seja no exterior, seja a maior parte das vezes, de um lado e de outro da
delimitação.
As duas possibilidades de análise, a crítica e a genealógica, não são totalmente
separáveis, sendo por vezes simultâneas e complementares. A diferença não é da ordem
do objeto ou do domínio, mas sim da perspectiva e da delimitação da análise. (id., 2007,
p. 67).
Enquanto o crítico analisa não somente os processos de rarefação, mas também
de reagrupamento e de unificação dos discursos; o genealógico estuda sua formação ao
mesmo tempo dispersa, descontínua e regular.
5 Considerações finais
A perspectiva teórico-metodológica apresentada propõe analisar a política
curricular enquanto discurso. Tal proposta é justificada, pois, ao se considerar a
premissa de que os textos e os documentos oficiais não consistem, apenas, em um
conjunto de palavras e frases organizadas, desprovidas de implicações políticas, mas
que estes em inter-relação constituem discurso(s).
O discurso curricular consiste em diretrizes revestidas de relações de poder e,
como tal, são apresentadas para “direcionar os sistemas de ensino na formação e atuação
dos profissionais da Educação Básica do Estado” (BCC-PE, 2008).
Na citação anterior, retirada da Base Curricular Comum de PE para as redes
públicas de ensino do Estado, fica nítido, pois, que os documentos enunciam, mediante
o discurso, as coordenadas, no sentido de posicionar os sujeitos da educação no âmbito
do contexto educacional e social.
Ao se enveredar pelo caminho restrito das coisas ditas e escritas, percebe-se que
o enunciado da política curricular é produzido na complexidade das inter-relações
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A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
enunciativas que ocorrem no âmbito das diversas ordens discursivas, com a participação
decisiva das comunidades epistêmicas. Fica nítido, pois, o poder enunciativo do
discurso político, jurídico e pedagógico na produção e constituição do discurso
curricular. Sendo assim, para a sistematização da análise discursiva de uma política
curricular, torna-se importante lançar mão de textos e documentos que se tornaram
referência para o campo historiográfico educacional, considerando-se as marcas
política, jurídica ou educacional predominantes, bem como as formações e práticas
discursivas articuladas.
Para tanto, faz-se necessário investigar os documentos e textos relacionados ao
objeto de estudo, atuais e anteriores, seguindo a direção apontada pelos enunciados que
vão surgindo, a fim de percorrer seus caminhos em sua dispersão e descontinuidade,
tendo em vista perceber sua regularidade. Nesse processo, as construções lingüísticas
precisam ser mapeadas conceitualmente, porque descrevem mudanças na forma como
os objetos da vida social são discursivamente construídos.
Nessa perspectiva, está incluída na análise discursiva a identificação dos
pressupostos filosóficos, sociológicos e pedagógicos que fundamentam e norteiam a
política curricular, com o intuito de perceber que vontades de verdade de ordem
epistêmica estão postas no discurso curricular que circula, disseminando-se no sistema
educacional.
A preocupação central da pesquisa consiste, pois, em identificar os conceitos, as
categorias e as idéias, articuladas pelo discurso curricular, a fim de compreender de que
forma esse discurso é definido e define as práticas e as ações dos sujeitos da educação
(educadores e educandos), sem perder de vista que esses discursos não apenas
produzem subjetividades, mas também são produzidos pelos sujeitos. Ou seja, mediante
a análise do discurso, pretende-se perceber que subjetividades estão sendo articuladas na
política curricular, tendo em vista que o discurso constitui e é constituído por sujeitos
que, por sua vez, constituem as identidades sociais e a sociedade.
Nessa perspectiva, a análise da política curricular é engendrada, pois, a partir da
concepção de que o currículo consiste em um terreno de produção e de política cultural,
no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação, recriação e,
sobretudo, de contestação e transgressão. (MOREIRA e SILVA, 1995, p. 28).
Maria do Carmo de Moura Silva Soares & Ângela Maria Dias Fernandes
7091
A Análise da Política Curricular em uma Perspectiva Discursivo-Cultural
Portanto, será realizada na perspectiva de desvelar como o discurso curricular foi
constituído, bem como de que forma este interfere na constituição do que somos,
enquanto sujeitos. Ou melhor, ir mais além, no intuito de compreender como podemos
nos tornar diferentes do que somos, bem como possibilitar ao outro ser diferente do que
é, mediante o desvelar dos enunciados e a partir da análise do discurso curricular
empreendida. Pois acreditamos que onde há poder, há resistência; onde há discurso, há a
possibilidade do discurso da resistência e da transgressão.
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO
PAULO: RETORNO DO DISCURSO REGULATIVO
DA TYLERIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO PÚBLICA
Maria Izaura Cação
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO: RETORNO DO
DISCURSO REGULATIVO DA TYLERIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO PÚBLICA
Maria Izaura Cação
Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP - Marília
RESUMO: O ensaio analisa como inovações e reformas educativas afetam a
construção curricular na escola pública. Busca refletir se a Proposta Curricular do
Estado de São Paulo preserva a autonomia e identidade das escolas; respeita seu
projeto político-pedagógico, sem buscar homogeneizá-las; como altera o cotidiano
escolar, o trabalho docente, as relações interpessoais e de poder. Parte do pressuposto de
que ela adota princípios das reformas educacionais iniciadas em meados de 1990
mediante: adoção de currículos nacionais; introdução de mecanismos de mercado,
gerando fragilização da representatividade da categoria docente e sua
desprofissionalização; relativização do papel do estado; estímulo a parcerias públicoprivado, na gestão e financiamento do ensino e implantação de sistemas de avaliação
externa; enquanto o discurso oficial prega descentralização; gestão democrática;
participação da comunidade. Alguns princípios são recorrentes às reformas curriculares:
ênfase na sociedade do conhecimento, pedagogia das competências e do aprender a
aprender. Desse modo, entende-se que a proposta visa à homogeneização do
conhecimento escolar e das práticas curriculares, encerrando a noção de currículo como
produto. Considera que a recenticidade e relevância das medidas implantadas
requererem pesquisa aprofundada, o que a autora iniciará em 2010.
PALAVRAS-CHAVE: Retylerização do currículo. Projeto político-pedagógico.
Trabalho docente alienado. Discurso regulativo.
1. INTRODUÇÃO: currículo como projeto político-pedagógico
Referindo-nos aos textos do currículo, devemos partir da idéia de que
não constituem em si mesmos a terra prometida, mas podem ser um mapa
melhor ou pior para sua busca. O problema é ter consciência de seu
valor operativo limitado, lembrando que boa partitura não é música, nem
o mapa é o terreno. É útil quando o texto que codifica a música é tomado
por bons músicos e há bons instrumentos. Dar demasiada ênfase ao texto
e não prestar atenção às condições e aos agentes da execução;
subestimar o valor e o poder do texto; é pensar que, mais do que uma
Maria Izaura Cação
7098
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
partitura, são fichas perfuradas do órgão em que o executante, com
voltas regulares da manivela, converte mecanicamente em melodias.
(SACRISTÁN, 2007, p. 122)
Este ensaio visa, do ponto de vista da pesquisadora e docente na área de
currículo e planejamento educacional, refletir e lançar alguns questionamentos ainda
iniciais sobre como as inovações e/ou reformas educativas afetam e de que forma o
fazem na construção cotidiana do currículo das escolas públicas, considerando que
reforma ou inovação não se configuram em políticas educacionais, mas em mediação
para a efetivação das mesmas.
Em nenhum período da história da educação atribuiu-se tamanha importância às
políticas e propostas curriculares ou debateu-se tanto sobre o campo do currículo como
a partir da segunda metade do século XX.
Etimologicamente currículo (latim currere) significa caminho, jornada,
trajetória, percurso a ser seguido, e encerra duas idéias essenciais: de seqüência
ordenada e noção de totalidade de estudos. Silva (1999, p. 21) aponta que a emergência
desse campo de estudo e da palavra modernamente conhecida liga-se à organização das
experiências educativas.
Entendido como rol de disciplinas ou conteúdo a ser ministrado, atualmente
apresenta múltiplas definições contraditórias, que oscilam entre uma concepção restrita:
“são as disciplinas de estudo”, e outras onde se opera ampliação do conceito e do
significado: “currículo é o ambiente em ação”. Ou seja, currículo pode ser tudo ou nada,
o que pode colocar em risco a especificidade e a efetividade da ação docente.
O que o texto da Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008) pode
revelar-nos sobre essas múltiplas apropriações?
Atualmente na berlinda, o currículo converteu-se em objeto de debate e de
disputa entre diferentes concepções, uma vez que sua visibilidade e importância
cresceram em escala internacional nas últimas décadas, com traços e tendências bastante
semelhantes. (CAMPOS, 2008)
Ora, o currículo não é um conceito, mas construção social; itinerário formativo,
organização e articulação interna de um curso de estudos no seu conjunto, no âmbito do
qual devem colocar-se organicamente os currículos específicos, tendo em vista o projeto
político-pedagógico construído pela escola, o orientador e organizador de todas as
práticas educativas que se desenvolvem no interior da instituição escolar. É ele que
Maria Izaura Cação
7099
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
confere organicidade, sentido e o horizonte a ser atingido pela totalidade dos agentes
educacionais, considerando as finalidades da educação, a filosofia e objetivos da escola.
(PONTECORVO, 1985; GRUNDY, 1987; SACRISTÁN, 2000)
É uma prática na qual se estabelece um diálogo entre agentes sociais, elementos
técnicos, alunos que reagem à prática da função socializadora e cultural da escola
(SACRISTÁN, 2000), num dado período e que se consubstancia no projeto políticopedagógico.
Currículo é, então, práxis, não objeto estático a emanar de um modelo coerente
de pensar a educação ou de um currículo prescrito, formal. Ao definir currículo
estamos descrevendo a concretização das funções socializadoras e culturais de uma
escola, em sua forma particular de visualizá-las num determinado momento histórico,
político, econômico, social, para um determinado curso ou modalidade de educação, em
uma trama institucional, concretizada no projeto político-pedagógico que a escola
constrói e lhe confere identidade.
Como projeto embasado num plano construído e ordenado, relaciona a conexão
entre determinados princípios e a realização dos mesmos. É um campo prático
complexo a modelar-se num sistema de ensino concreto, dirige-se a determinados
professores e alunos de uma determinada escola, com suas características específicas,
numa dada região do país, num dado local, utiliza-se de determinados meios, cristalizase num contexto que confere o seu significado real. Ele não existe em abstrato.
Partindo do princípio de que as escolas públicas, mesmo ao participarem da
mesma problemática, não são iguais, cabe à equipe diretiva organizar a ação
pedagógica da escola, buscando a autonomia do fazer educacional e pensando
coletivamente a prática, sem perder de vista o vínculo entre ação-reflexão-ação,
característica das atividades humanas. Isso não significa buscar uma única forma, um
modelo universal de organizar o trabalho nas escolas, mas, a busca da identidade de
cada uma delas.
A partir da promulgação da LDB – Lei n. 9394/96, legalmente cabe à escola
incumbir-se de elaborar e executar sua proposta pedagógica. A Secretaria de Estado da
Educação de São Paulo utiliza a expressão proposta pedagógica, considerando que a
esta deve expressar a busca da qualidade de formação a ser oferecida a todos os alunos,
como exercício de cidadania, a exigir “o acesso de todos à totalidade dos recursos
Maria Izaura Cação
7100
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
culturais relevantes para intervenção e participação responsável na vida social.” (SÃO
PAULO, 2000, p. 10)
A variedade terminológica dificulta o pleno entendimento, por parte dos
profissionais da educação, do que vem a ser o projeto político-pedagógico. Ao detalhar
as incumbências das escolas e docentes, a LDB faz distinção entre proposta pedagógica,
plano de trabalho e projeto pedagógico. O Artigo 12 refere-se à proposta pedagógica; o
13 menciona a elaboração e execução do plano de trabalho docente “segundo a
proposta pedagógica do estabelecimento de ensino” (BRZEZINSKI, 1997, p. 211),
enquanto o Artigo 14 utiliza projeto pedagógico como sinônimo de proposta
pedagógica.
Utilizamos a denominação projeto político-pedagógico (PPP) por considerar
que esta expressa com organicidade, visão totalizante e totalizadora o trabalho
desenvolvido pela escola, ao traçar seus rumos; sua política; sua visão de mundo, de
homem, de sociedade, da educação; seus princípios norteadores; seus objetivos; sua
identidade; metas e ações. É político ao partir da visão da escola como organização
social e do tipo de homem, de cidadão que quer formar e para qual sociedade;
pedagógico ao definir as ações educativas necessárias para mudar a realidade, com
qualidade de ensino.
Assim, pensamos o projeto político-pedagógico como um articulador da ação
educativa da escola, não como algo a mais que a ela se coloca, mas como instrumento
teórico-metodológico que visa auxiliá-la a enfrentar os desafios cotidianos, de modo
reflexivo, consciente, sistematizado, totalizante, orgânico e participativo. É metodologia
de trabalho a possibilitar a ressignificação das ações dos agentes educacionais: ao
caracterizar-se pela busca de um rumo, de uma direção, carrega em si um compromisso
coletivamente definido.
2.
REFORMAS E INOVAÇÕES EDUCACIONAIS DE CUNHO NEOLIBERAL
É no contexto apresentado que devemos pensar o lugar e a função das inovações
no cotidiano das práticas pedagógicas, em consonância com os objetivos traçados pelo
projeto político-pedagógico elaborado pela escola.
Maria Izaura Cação
7101
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
Ante essas considerações, como compreender as Propostas curriculares do
Estado de São Paulo, ora em vigor na totalidade das escolas da rede pública estadual?
Em que medida preservam a autonomia e a identidade das escolas, respeitam seu projeto
político-pedagógico, sem buscar homogeneizá-las? Como e em que medida alteram o
cotidiano escolar? O trabalho pedagógico? As relações interpessoais e de poder?
Discutiremos, então, o teor da Proposta Curricular do Estado de São Paulo
(FINI, 2008) como reflexo das reformas educativas de cunho neoliberal, emanadas de
governos que se regem pelos princípios do Banco Mundial e de outros organismos
internacionais, pautadas, portanto, nos pressupostos da globalização econômica, sob a
égide do capital, mediante adoção de políticas intensificadas a partir dos três últimos
decênios do século XX e que transcendem os limites geográficos entre as nações.
Assim, as reformas educacionais são empreendidas em diferentes países, Brasil
incluído, visando “ajustar” a escola à nova conjuntura do processo de acumulação
capitalista; às novas demandas da economia, da cultura, da sociedade cada vez mais
midiática, hedonista e imediatista. Nesse sentido, a valorização da educação na
perspectiva da sociedade de classes na atual fase de reestruturação do capitalismo é
acompanhada pelo esvaziamento da educação escolar, desintelectualização do professor,
precarização, aligeiramento, fragmentação da formação inicial e esvaziamento do
conteúdo no processo de formação docente, com a prevalência das chamadas teorias
pós-modernas, aí inclusa a pedagogia das competências. (CAMPOS, 2002; DUARTE,
2003; KUENZER, 1999; MORAES e TORRIGLIA, 2003)
Dentre os pressupostos norteadores comuns a essas reformas, destacamos:
adoção de currículos nacionais, cujos parâmetros direcionam os critérios avaliativos;
introdução de mecanismos de mercado, como a premiação das escolas por
“produtividade” e o estabelecimento da competitividade entre as organizações escolares
e entre os docentes, uma vez que critérios de promoção na carreira e de aumentos
salariais baseiam-se em metas predeterminadas, gerando a pulverização e fragilização
da representatividade da categoria docente, enquanto incentivam-se, via discurso oficial,
a descentralização, gestão democrática e participação da comunidade. Relativiza-se o
papel do estado, redirecionando-o, como condição para a eficiência e produtividade;
estimulam-se escolas cooperativas, parcerias público-privado, na gestão e financiamento
Maria Izaura Cação
7102
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
do ensino, mediante, inclusive, a criação jurídica do “público não estatal” e implantamse os sistemas de avaliação externa do ensino.
Alguns princípios recorrentes dão a tônica a essas inovações/reformas
educacionais e curriculares: a ênfase na sociedade do conhecimento, na pedagogia das
competências e do aprender a aprender. Dessa forma, entendemos que a proposta
paulista visa à homogeneização do conhecimento escolar e às práticas curriculares,
carregando a noção de currículo como produto acabado, como fato (ou artefato)
(PACHECO; PEREIRA, 2007), o que caracterizaria, no limite, um retorno ao
paradigma técnico-linear (MACDONALD, 197; DOMINGUES, 1986), às proposições
de Tyler (1974), ainda que sob nova roupagem, muito mais sofisticada, inclusive no
plano teórico-metodológico e ideológico.
Com a mesma lógica instrumental e normativa, os professores são expropriados
do seu legítimo papel de construtores da prática docente e, consequentemente, do
currículo, para se tornarem executores de um projeto concebido nos gabinetes da
Secretaria da Educação paulista.
Sobre este processo, podemos concordar com Pacheco e Pereira (2007), ao
afirmarem que os professores trabalham projetos “num ritual de cumprimento de
macrodecisões, mesmo que a sua justificação seja feita na base da autonomia das
escolas e de identidades curriculares locais”. (p. 371)
3. PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO: “São Paulo faz
escola”?
Com esta nova Proposta Curricular, daremos também subsídios aos
profissionais que integram nossa rede para que se aprimorem cada vez
mais. [...] Mais do que simples orientação, o que propomos com a
elaboração da Proposta Curricular e de todo o material que a integra, é
que nossa ação tenha um foco definido. Apostamos na qualidade da
educação. Para isso, contamos com o entusiasmo e a participação de
todos. (Carta da Secretária, apud FINI, 2008, p. 6)
Fruto da recente reforma curricular empreendida pela Secretaria de Estado da
Educação – SEE/SP, a Proposta Curricular do Estado de São Paulo faz parte de um
conjunto de medidas adotadas pelo governo Serra com relação à educação básica,
alterando o cotidiano das escolas públicas estaduais a partir de 2008, com o lançamento
do programa “São Paulo faz escola”.
Maria Izaura Cação
7103
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
Dentre outros dispositivos do programa, por meio da Resolução n. 92, a
Secretária da Educação, em 19 de dezembro de 2007, “estabelece diretrizes para a
organização curricular do ensino fundamental e médio nas escolas estaduais”,
considerando como necessárias:
a reorganização curricular da educação básica como uma das ações
viabilizadoras das metas de melhoria do processo educacional paulista;
- a implementação, em 2008, das propostas curriculares de ensino fundamental e
médio organizadas por esta Pasta;
- a necessidade de se estabelecer diretrizes que orientem as unidades escolares na
montagem das matrizes curriculares desses níveis de ensino, [...] (SÃO PAULO,
2007, p. 196)
Na Carta de apresentação da Proposta Curricular, a secretária argumenta:
A criação da Lei de Diretrizes e bases (LDB), que deu autonomia às escolas para
que definissem seus próprios projetos pedagógicos, foi um passo importante. Ao
longo do tempo, porém, essa tática descentralizadora mostrou-se insuficiente. Por
esse motivo, propomos agora uma ação integrada e articulada, cujo objetivo é
organizar melhor o sistema educacional de São Paulo. (FINI, 2008, p. 6)
Seguindo esta lógica, a SEE/SP investe contra a autonomia das escolas, ao
centralizar as decisões curriculares, ainda que afirme o contrário, e mais, “no intuito de
fomentar o desenvolvimento curricular”, a Secretaria toma duas iniciativas
complementares: “realizar amplo levantamento do acervo documental e técnico
pedagógico existente.” (p. 8) e
[...] iniciar um processo de consulta a escolas e professores, para identificar,
sistematizar e divulgar boas práticas existentes nas escolas de São Paulo.
Articulando conhecimento e herança pedagógicos com experiências escolares de
sucesso, a Secretaria pretende que esta iniciativa seja, mais do que uma nova
declaração de intenções, o início de uma contínua produção e divulgação de
subsídios que incidam diretamente na organização da escola como um todo e nas
aulas. (FINI, 2008, p. 8)
Entretanto, este sedutor discurso não correspondeu à prática real: as escolas não
tiverem oportunidade de opinar sobre os pressupostos e as necessidades de implantação
de uma nova proposta curricular, sequer foram consultadas sobre suas experiências
exitosas ou mesmo sobre as condições concretas de trabalho para o desenvolvimento
dessas
inovações.
Uma
vez
mais,
docentes,
gestores
e
estudantes
foram
desconsiderados. Os docentes, novamente, viram-se alijados dos processos de tomada
Maria Izaura Cação
7104
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
de decisões a eles diretamente afetas. Expropriados dos meios de produção de seu
trabalho e do seu saber, tornam-se executores reincidentes.
Assim, viram seu cotidiano ser totalmente alterado ao serem obrigados a atender às
novas diretrizes e metas definidas pela SEE, mediante a adoção compulsória do
JORNAL DO ALUNO, no início do ano letivo de 2008.
Dessa forma, a ingerência direta da SEE/SP sobre a organização do trabalho docente
no interior das escolas, obrigou-as a abandonar ou a “contornar” objetivos, metas e
atividades propostas em seu PPP e trabalhar com o material didático elaborado pela
SEE, o JORNAL DO ALUNO, nos meses de fevereiro e março, visando recuperar
conteúdos, sobretudo de Língua Portuguesa e Matemática e sanar defasagens. Ao final
deste bimestre, a SEE/SP realizou uma avaliação centralizada
Após esse período introdutório, a cada bimestre o professor recebeu material
didático denominado CADERNO DO PROFESSOR, que, à guisa de subsídio
pedagógico ao seu trabalho, detalhava para cada disciplina os conteúdos tidos como
necessários e a metodologia a ser utilizada. Posteriormente, esses conhecimentos foram
“cobrados” em avaliação realizada pela SEE, assim como pelas avaliações externas:
SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica); SARESP (Sistema de
Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo); ENEM (Exame Nacional de
Ensino Médio).
4. DO TEOR DA PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
4.1 Antecedentes
Para a SEE, o envio à totalidade das escolas da Proposta Curricular do Estado de
São Paulo foi mais do que uma declaração de intenções, sua meta era “garantir a todos
uma base comum de conhecimentos e competências [...].” Seu objetivo é muito claro:
dar início a “uma contínua produção e divulgação de subsídios que incidam diretamente
na organização da escola como um todo e nas aulas.” (FINI, 2008, p. 8)
Assim, o texto deixa bastante elucidado o pressuposto de que a autonomia
construída pelas e nas escolas não foi positiva para a qualidade de ensino, o que, aliás, é
confirmado pela Secretária da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, em
entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, e mais, que a organização do trabalho docente,
Maria Izaura Cação
7105
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
direito e competência, inclusive legais, que cabem à escola não mais serão afetos a ela,
pois esta passará a ser “tutelada”.
Do ponto de vista pedagógico, identificamos que tínhamos uma grande
fragmentação. Cada escola fazia uma coisa [...]. Ficou provado que essa plena
autonomia didático-pedagógica não era boa, levou a uma queda da qualidade. A
progressão continuada não é o problema. [...] Estamos enfrentando a desorganização
pedagógica com várias ações, que já estão em andamento, como a criação de um
currículo para todas as séries e disciplinas e as expectativas de aprendizagem. Ou
seja, as escolas agora sabem o que devem ensinar aos alunos. Não significa que a
escola não tenha autonomia. Ela continua escolhendo seus livros e seu projeto
pedagógico. Mas isso tem que seguir os conteúdos básicos. (TAKAHASHI, 2008, p.
A 18).
Ora, o conceito de autonomia não pressupõe a independência ou exclusão da escola
de um sistema ou rede de ensino, ao contrário, trata-se de conceito relacional. Somos
sempre autônomos em relação a outros. (BARROSO, 1996; 1997)
Como já a conceituava Vergnaud, em 1983,
L autonomie peut, alors se definir comme l’espace de liberté et d’iniciative qui est
laisseé à la collectivité scolaire dans le cadre de l’instituition à laquelle elle
appartient – le service publique d’enseignement – pour affirmer sa personnalité,
prendre em compte sés données spécifiques et répondre à sés propres besoins; c’est
par son autonomie qui lui donne une vie personnalisée et affirmée, que la
communauté scolaire peut exprimer de la meilleure maniére son appartenance au
système éducatif et lui donner son efficacité. Une telle autonomie n’est donc ni
l’indepéndance, ni l’isolemente, ni la sortie du système. (VERGNAUD, 1983, p. 11,
apud BALLALAI, 1985 p. 43).
Desse modo, tanto os órgãos centrais do sistema – Coordenadoria de Estudos e
Normas Pedagógicas – CENP, Coordenadorias de Ensino: da Grande São Paulo e do
Interior – COGSP e CEI -; Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE;
como os setoriais – Diretorias Regionais de Ensino - DRE – devem assessorar as escolas
de todas as formas possíveis: mediante visitas; esclarecimentos; publicação de textos
teórico-metodológicos destinados a docentes e especialistas de ensino; assistência direta
às escolas com dificuldades, por meio de seus assistentes técnico-pedagógicos, numa
relação de mão dupla, e não deixá-las à própria sorte e depois culpá-las pela baixa
qualidade de ensino da rede estadual
Não fosse a Secretária da Educação acadêmica renomada, docente da UNICAMP,
poderíamos incorrer em erro ao acreditar que sua concepção de autonomia é
equivocada, no entanto, consideramos, sim, que se trata de um posicionamento
Maria Izaura Cação
7106
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
ideológico para agradar a mídia e a opinião pública, ao conceder a citada entrevista ao
jornal Folha de S. Paulo, em 25 de fevereiro de 2008.
Outro aspecto relevante da citada entrevista refere-se à questão da avaliação
externa, outro princípio caro às reformas atuais e que tem tido importância fundamental
nas políticas educacionais em curso, “constituindo-se em um dos elementos
estruturantes de sua concretização [...].” (SOUSA, 2002)
Assim a Secretária, ao ser indagada sobre o mecanismo de concessão de bônus às
escolas e aos professores, mediante os resultados do SARESP, responde:
Não estou querendo que a escola dê um salto no SARESP de um ano para outro.
Mas qualquer avanço no SARESP ou melhora na estabilidade do quadro de
professores terá impacto no índice. (TAKAHASHI, 2008a, p. A 18).
Em debate posterior, promovido pelo mesmo jornal e publicado em 12 de março de
2008, “a política de premiar em dinheiro professores e funcionários de escolas que
atingirem metas de qualidade foi alvo de polêmica [...]” (TAKAHASHI, 2008b, p. C 6)
A Secretária, uma das participantes do debate a defender essa política, foi enfática:
Vamos valorizar os bons profissionais, que são maioria na rede. O bônus, existente
desde 2000, contabiliza basicamente a assiduidade dos professores. Vamos ampliálo, contando também o desempenho dos alunos no SARESP, a taxa de reprovação,
evasão e a fixação dos professores na escola. [...] Quanto mais ela [a escola] se
esforçar, mais a equipe será beneficiada, com incentivos concretos. (TAKAHASHI,
2008b, p. C 6)
Ao que o professor José Marcelino de Rezende Pinto rebateu: “Sou contrário à
política de bônus. A medida traz um pressuposto implícito de que o professor não
ensina porque não quer. Isso não é verdade.” (TAKAHASI, 2008b, p. C 6)
As avaliações externas preconizadas pelos documentos internacionais e nacionais
retiram do Estado o poder de condução e execução das políticas públicas, para que ele
assuma seu papel de avaliador.
Para Sousa (2002), o SAEB, basicamente, possibilita ao Estado: compreender e
intervir na realidade educacional; controlar os resultados; estabelecer parâmetros para
comparação e classificação das escolas; estimular a escola e o aluno por meio da
premiação via competição; dentre outros mecanismos. (SOUSA, 2002, p. 29-34)
Maria Izaura Cação
7107
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
Consideramos que as avaliações externas não sejam um mal em si ou indesejáveis
para os sistemas de ensino, pois estes devem tornar públicos seus resultados à
sociedade, entretanto estas não devem constituir-se únicos critérios para a avaliação do
trabalho do professor e da escola, desconsiderando outros fatores intervenientes do
processo educativo. Igualmente, concordamos com afirmação de Sousa (2002) de que
essa avaliação “não deve se traduzir na aplicação de testes de rendimento escolar.” (p.
34)
4.1 Do documento oficial: pressupostos teórico-metodológicos
A autonomia para gerenciar a própria aprendizagem (aprender a
aprender) e o resultado dela em intervenções solidárias (aprender a
fazer e a conviver) deve ser a base da educação das crianças, dos jovens
e dos adultos, que têm em suas mãos a continuidade da produção cultural
e das práticas sociais. Construir identidade, agir com autonomia e em
relação ao outro, e incorporar a diversidade são as bases para a
construção de valores de pertencimento e responsabilidade, essenciais
para a inserção cidadã nas dimensões sociais e produtivas. (FINI, 2008a,
p. 11)
O que a Secretaria de Educação paulista denomina Proposta Curricular compõe-se
de vários documentos. Inicialmente, as escolas receberam o primeiro deles:
PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, que contém, na
Apresentação, os objetivos e seus princípios estruturantes:
1.
2.
Uma educação à altura dos desafios contemporâneos.
Princípios para um currículo comprometido com o seu tempo
I. Uma escola que também aprende
II. O currículo como espaço de cultura
III. As competências como referência
IV. Prioridade para a competência da leitura e da escrita
V. Articulação das competências para aprender
VI. Articulação com o mundo do trabalho. (FINI, 2008a, p. 7).
Integra-a, ainda, um segundo documento: ORIENTAÇÕES PARA A GESTÃO DO
CURRÍCULO NA ESCOLA, “dirigido especialmente às unidades escolares e aos
dirigentes e gestores que as lideram e apóiam: diretores, assistentes técnicopedagógicos, professores coordenadores, supervisores.” (FINI, 2008, p. 8) Mais do que
tratar da gestão curricular em geral, sua “finalidade específica” é: “apoiar o gestor para
Maria Izaura Cação
7108
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
que seja um líder e animador da implementação desta proposta curricular nas escolas
públicas estaduais de São Paulo.” (FINI, 2008, p. 9)
Por último, compõem a Proposta os CADERNOS DO PROFESSOR, organizados
por bimestre e por disciplina.
Neles, são apresentadas situações de aprendizagem para orientar o trabalho do
professor no ensino dos conteúdos disciplinares específicos. Esses conteúdos,
habilidades e competências são organizados por série e acompanhados de
orientações para a gestão da sala de aula, para a avaliação e a recuperação, bem
como de sugestões de métodos e estratégias de trabalho nas aulas, experimentações,
projetos coletivos, atividades extraclasse e estudos interdisciplinares. (FINI, 2008, p.
9)
As próprias expressões gestão do currículo e gestão da sala de aula já apontam
que o modelo burocrático de currículo (SACRISTÁN, 2000) subsidia a opção da SEE e
que esta se filia, tardia e de forma mais sofisticada, ao paradigma técnico-linear, cujo
maior expoente foi Tyler (1974) (MACDONALD, 1975; DOMINGUES, 1986),
operando no sentido de uma retylerização.
Esta expressão permitimo-nos emprestá-la de Pacheco e Pereira (2007), que assim a
conceituam:
Retorno a Tyler (back to Tyler), aceitando-se que o currículo é um plano, um
dispositivo normativo definido pela administração, embora possa ser gerido pelos
professores, desde que essa gestão seja controlada pelo currículo nacional e pela
avaliação estandardizada. (PACHECO; PEREIRA, 2007, p. 372)
Para Tyler, a educação “é um processo que consiste em modificar os padrões de
comportamento das pessoas [...] num sentido lato que inclui pensamentos e sentimentos,
além da ação manifesta.” (TYLER, 1974, p. 5). Na apresentação do seu opúsculo, o
autor afirma que este visa
desenvolver uma base racional para considerar, analisar e interpretar o currículo e o
programa de ensino de uma instituição educacional. [...] Este livro apresenta, em
linhas gerais, um modo de encarar um programa de ensino como instrumento
eficiente de educação. (TYLER, 1974, p. 1).
Em 1986, Domingues apontava: “a análise das propostas de Tyler permite verificar
que o interesse subjacente é técnico, ou seja, de controle, e que seu paradigma é um
paradigma técnico-linear de reação em cadeia [...]”. (DOMINGUES, 1986, p. 355)
Maria Izaura Cação
7109
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
Quanto ao que Sacristán denomina modelo intervencionista e burocrático, em
linhas gerais pode ser caracterizado pelos seguintes fatores, também presentes na
Proposta Curricular do Estado de São Paulo:
1) A administração regula o currículo determinando conteúdos, aprendizagens que
considera básicos e aspectos relacionados com a educação (hábitos, habilidades,
atitudes, etc). [...] 2) A intervenção se produz igualmente na hora de propor
sugestões metodológicas [...]. 3) O modelo administrativo de comunicação teoriaprática deixa nas mãos da burocracia a definição e a operacionalização de modelos
pedagógicos [...]. 4) Por tudo isso, é um modelo desprofissionalizador do
professorado1, ou no mínimo, duvidosamente profissionalizador. O papel dos
professores fica relegado à concretização das diretrizes metodológicas em suas
classes, vigiados e orientados [...]. A autonomia se circunscreve fundamentalmente
aos aspectos metodológicos e às relações pessoais com os alunos. Tira-se deles a
possibilidade de intervirem nas variáveis contextuais, culturais e organizativas. [...]
5) Produz-se uma relação unidirecional e individualista entre o professor e a
burocracia que presta orientações precisas de ordem metodológica para realizar o
ensino ‘adequado’. [...] As prescrições curriculares e as orientações metodológicas
vão dirigidas ao professor que realiza sua prática pessoal [...]. Essa relação
unidirecional reforça, por sua vez, uma ética profissional individualista que
gera dependência e impede o desenvolvimento de espaços coletivos de
profissionalização nas escolas.2 (SACRISTÁN, 2000, p. 140-143)
Quanto à concepção de gestão do currículo, o Caderno do Gestor assim a define:
“o conjunto de iniciativas que devem ser adotadas na instituição como um todo, para
que o currículo proposto se transforme em currículo em ação nas situações de ensino e
de aprendizagem.” (FINI, 2008b, p.2)
Nesse sentido, o PPP é encarado como “um recurso efetivo e dinâmico para
assegurar aos alunos a aprendizagem dos conteúdos e a constituição das competências
previstas nesta Proposta Curricular.” (FINI, 2008a, p. 9)
5. QUESTÕES EM ABERTO: algumas considerações que não se pretendem finais
[...] as escolas não são unicamente espaços físicos, confinados a uma
geografia localizada, que sofrem um processo de normalização, mas
também espaços discursivos, constituídos pelo sistema de idéias, distinções
e separações que funcionam para confinar o aluno a determinadas
normalizações. (POPKEWITZ, 2001, p. 37)
1
Grifos nossos.
2
Grifos nossos.
Maria Izaura Cação
7110
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
Como enunciado no início, as reflexões aqui apresentadas são ainda embrionárias, e
não pretendem, de forma alguma, esboçar conclusões ou “fechar” a discussão, apenas
abri-la, uma vez que nosso próximo projeto de pesquisa trienal (2010-2012) versará
sobre o estudo dos pressupostos e concepções subjacentes às Propostas Curriculares do
Estado de São Paulo.
Assim, permitimo-nos algumas breves considerações.
A primeira refere-se à perspectiva adotada pela SEE no tocante à chamada
sociedade do conhecimento.
A sociedade do século 21 é cada vez mais caracterizada pelo uso intensivo do
conhecimento, seja para trabalhar, conviver, exercer a cidadania [...] produto da
revolução tecnológica que se acelerou na segunda metade do século passado e dos
processos políticos que redesenharam as relações mundiais, já está gerando um novo
tipo de desigualdade ou exclusão, ligada ao uso das tecnologias de comunicação que
hoje mediam o acesso ao conhecimento e aos bens culturais. (FINI, 2008a, p. 9)
Para os teóricos da globalização e da sociedade da informação ou do
conhecimento, como é chamada o que se considera como sociedade “pós-moderna”,
esta possui regras básicas às quais a escola e nós docentes ainda não dominamos.
Nesta “sociedade do conhecimento”, a educação adquire o status de propulsora
do desenvolvimento, devendo voltar-se, fundamentalmente, às necessidades das forças
produtivas, ou seja, do mercado, para criar melhores condições de competitividade.
Por outro lado, a globalização opera no sentido da homogeneização escolar e no
reforço da noção de currículo como produto e não práxis.
Para países periféricos como o Brasil, a educação passa a ser entendida como
condição essencial para a superação das dificuldades e desníveis de inserção nos
mercados mais competitivos.
Com a hipervalorização da informação e da comunicação, passa-se a alertar a
escola e seus docentes para trabalharem as denominadas competências para discernir os
valores transmitidos pela mídia, no intuito de desenvolver o espírito crítico.
Essa noção inclui conhecimentos, mas, sobretudo, capacidades – saber fazer experiências, relações sociais, valores e poder. Desenvolve-se, então, o conceito de
escola que aprende, deslocando-se o eixo do ensino para a aprendizagem.
Duarte (2001) questiona o que seria essa sociedade do conhecimento na ótica
pós-moderna. Seria pós-capitalista? Para o autor, não deixamos de ser uma sociedade
Maria Izaura Cação
7111
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
essencialmente capitalista, apontando algumas das ilusões dessa sociedade do
conhecimento.
Para as finalidades deste trabalho, importa ressaltar apenas uma delas e, talvez, a
mais perversa para os sistemas públicos de ensino: a de que o conhecimento nunca
esteve tão acessível como hoje e que o acesso a ele foi amplamente democratizado, o
que não é verdade.
Desse modo, está implícita a falsa concepção de que todos os estudantes, tanto
do sistema privado como público, possuem iguais possibilidades de acesso ao
conhecimento, quando estes últimos, na sua grande maioria, nem possibilidades
concretas de acesso às máquinas possuem de fato. Trata-se, pois, de uma falácia, pois o
que as redes de informática propiciam é informação, já que o acesso e posse do
conhecimento pressupõem a “construção subjetiva resultante de processos semióticos
intersubjetivos nos quais ocorre uma negociação de significados.” (DUARTE, 2001,
p.39). Para o autor, a validade do conhecimento é conferida pelos contratos sociais,
tendo em vista este ser uma convenção social. Ou seja, ele não se configura como mera
informação objetiva, pseudamente neutra ou mera apropriação da realidade pelo
pensamento.
Por outro lado,
Ao apresentar-se como instrumento transparente, a máquina se pretende um mero
repositório de dados que podem ser acessados, quando desejado, com rapidez e
eficiência. Mascaram-se as atomizações e as sistematizações necessárias para a
operação dos sistemas de armazenamento de informações. É como se as infindáveis
categorizações, necessárias à ordenação e ao acesso de qualquer sistema de dados,
seguissem um procedimento lógico e natural (MACEDO, 1997, p. 45)
A generalização de tal ideologia traz conseqüências temerárias para o currículo.
“Pensar o conhecimento como produto atomizável, natural, neutro e objetivo implica
renunciar à compreensão de currículo como cultura (MACEDO, 1997, p. 45).
Outra consideração possível, neste momento, é o retorno à educação paulista de
um discurso extremamente regulativo.
Para Bernstein (1990), o discurso pedagógico é constituído por regras que
determinam a forma social de como certas competências serão transmitidas e pressupõe
dois componentes: o técnico - discurso instrucional, que determina o que deve ser
transmitido pela educação, e o componente moral - discurso regulativo, que determina
Maria Izaura Cação
7112
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
como deve ocorrer essa transmissão. Desse modo, o que distingue o discurso
pedagógico é exatamente o seu aspecto regulativo que domina o instrucional.
Ao reapropriar-se de discursos alheios, o discurso pedagógico retira-os de seu
contexto original, num processo de recontextualização. Desse modo, cria “uma
regulação moral das relações sociais de transmissão/aquisição, isto é, regras de ordem,
relação e identidade [...] prévia à transmissão de competências e constitui uma condição
para que ela ocorra.” (BERNSTEIN, 1990, p. 184)
Considerando esse processo de recontextualização, a questão de que o
conhecimento e o currículo não podem ser reificados, pois materializam relações
sociais, e o fato de não ser o currículo algo estático, pronto, acabado, mas, como
enfatiza Silva (1996, p. 77), “um artefato social e histórico, sujeito a mudanças e
flutuações”, o processo educacional é permeado por e construído em um contexto de
relações de poder, regulado por um discurso marcado por ideologias e interesses de
classe na sociedade capitalista.
Para Pacheco e Pereira (2007), a globalização, como estratégia de
homogeneização cultural, cuja base ideológica é o neoliberalismo, carrega uma
“linguagem de uniformização para a escola que não lhe é totalmente estranha,
contribuindo para a retylerização das práticas curriculares, sobretudo com o reforço da
lógica dos conteúdos, competências e avaliação.” (p.372)
Os autores afirmam mais,
as identidades de actores educativos [...] – dentro de um léxico comum que integra,
entre outras palavras, ‘autonomia’, ‘descentralização’, ‘projecto’ e ‘comunidade’ –
existem mais no plano dos discursos políticos burocráticos do que nas práticas
políticas de professores e alunos. (PACHECO; PEREIRA, 2007, p. 372)
Desse modo, o planejamento do trabalho docente, cada vez mais escapa das
mãos de professores e gestores, estes considerados “animadores”. Retira-se dos agentes
educacionais o papel de educadores que são. Aprofunda-se a experiência alienada do
trabalho dos docentes, uma vez que o currículo e o seu planejamento não mais lhes
pertencem. E assim, à guisa de conclusão, afirmamos com Gitlin: “O ensino como
gestão do currículo desprofissionaliza os professores e lhes exige a competência
necessária para fazer seus alunos se dirigirem de forma efetiva ao longo de uma rota
predeterminada.” (GITLIN, 1987, p. 117).
Maria Izaura Cação
7113
Proposta Curricular do Estado de São Paulo: retorno do discurso regulativo da tylerização na educação pública
Diante do volume e riqueza do material produzido pela SEE, dos fatores
imbricados em sua tessitura, da recenticidade das medidas adotadas e de sua
importância para a reconfiguração do currículo, do projeto político-pedagógico e da
docência nas escolas públicas paulistas, consideramos inadiável a tarefa de nos debruçar
sobre a Proposta Curricular do Estado de São Paulo.
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Maria Izaura Cação
7115
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
ESCOLA PÚBLICA E VONTADE POLÍTICA: O PPP
COMO BASE DE FORMULAÇÃO DE UM
CURRÍCULO EMANCIPATÓRIO
Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga
Maurício Cesar Vitória Fagundes
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
ESCOLA PÚBLICA E VONTADE POLÍTICA: O PPP COMO BASE DE
FORMULAÇÃO DE UM CURRÍCULO EMANCIPATÓRIO
Dda. Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga (UECE/UFPE)
Dr. Maurício Cesar Vitória Fagundes (UFPR)
RESUMO: O texto parte do pressuposto de que a escolarização pode contribuir com a
humanização do sujeito, a partir de intenções que se configuaram em ações voltadas
para a sua elevação cognitiva, cultural, espiritual e estética através do ensino e da
aprendizagem – vontade polítca. Reconhece que a construção de um currículo
emancipatório encontra na elaboração coletiva do projeto político-pedagógico suas
bases de formulação, condição sine qua non para a (re) afirmação da escola pública
como espaço democrático para a construção de um projeto alternativo de sociedade. A
construção das discussões se serve de duas pesquisas, uma realizada em uma escola
confessional do Estado do Rio Grande do Sul e outra em uma escola pública do Estado
do Ceará. Ambas pesquisas tiveram como aporte teórico-metodológico o estudo
qualitativo com enfoque etnográfico. Considera que o impacto da construção coletiva do
PPP na prática educativa, enquanto materialização do currículo, abre espaço para a
leitura histórica da política curricular e suas múltiplas relações, tornando possível, além
da denúncia de seus limites, o anúncio de realidades que poderão ser criadas em função
da ação de seus sujeitos.
PALAVRAS-CHAVE:
Vontade Política.
Currículo
Emancipatório;
Projeto
Político-Pedagógico;
A título de introdução
O homem é, de um lado, um conjunto de relações sociais e, de outro, o conjunto
das suas condições de vida, que lhe possibilitam a fazer ou não determinadas coisas.
Para que se torne sujeito cultural, apto a transformar a realidade em que vive, ele
necessita apropriar-se dos diferentes tipos de saber culturalmente construídos pela
humanidade. Dentre os processos que concorrem para tal está a escolarização.
Subjacente à tomada de decisões no âmbito educacional está a intenção de
viabilizar, ou não, a escola pública; uma escola que contribua para que todos se tornem
aptos e socialmente reconhecidos e legitimados para a convivência social, para o
Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga & Maurício Cesar Vitória Fagundes
7119
Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
exercício do trabalho (produção técnica e produção cultural) e para a arte de viver
humanamente.
Partimos do princípio de que uma condição sine qua non para que a escola
pública de qualidade aconteça é a existência de vontade política de assegurar uma
escola de qualidade na perspectiva da classe trabalhadora. Pressupomos, assim, que a
existência de liberdade de ação, a não-vinculação dos que governam a interesses
particulares é um princípio básico para que se atinja os objetivos articulados à vontade
da maioria da população, enquanto vontade viva e fecunda de contribuir para a sua
elevação cognitiva, cultural, espiritual e estética através do ensino e da aprendizagem.
No Brasil, historicamente, observa-se um distanciamento da vontade expressa
nos documentos e discursos oficiais de contribuir para a construção dessa escola e o
envidamento de esforços para objetivá-la, na expressão da aprendizagem de crianças e
jovens, predominando a mera priorização retórica.
Saindo da perspectiva global, país, Brasil, como grande referente e instituidor
dos marcos regulatórios, nos remetemos ao espaço local, as escolas. Chama-nos a
atenção um fato não raro de observar, nas escolas públicas ou particulares, o
silenciamento do corpo docente, direção e técnicos, enquanto educadores, referente à
construção de um projeto político-pedagógico que explicite e discuta suas
intencionalidades coletivas, frente e junto ao seu tempo e lugar. Comumente, a
preocupação com o projeto educacional gira em torno da visão particular de cada
docente. De forma coletiva, algumas escolas centram suas preocupações nos conteúdos,
outras na estatística de aprovação e/ou reprovação, sem aprofundar a leitura diagnóstica
do processo do ensinar e aprender.
Identificar que respostas político-pedagógicas são dadas, no sentido de construir
uma escola pública de qualidade, na perspectiva da classe trabalhadora, vem se
constituindo nosso objeto de pesquisa, tanto em nível de mestrado como no doutorado,
cujo foco é o currículo.
O
currículo
tem
assumido
centralidade
nas
reformas
educacionais
desencadeadas, nos anos noventa do século passado, sob argumentos em favor de uma
escola pública de qualidade (OLIVEIRA, 2005). Em nosso ponto de vista, a construção
que tem como horizonte um currículo emancipatório encontra na elaboração coletiva do
projeto político-pedagógico suas bases de formulação, condição sine qua non para a (re)
Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga & Maurício Cesar Vitória Fagundes
7120
Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
afirmação da escola pública como espaço democrático para a construção de um projeto
alternativo de sociedade.
O Projeto Político-Pedagógico (PPP) por ser um elemento que aglutina, em
espaço micro, as relações (“práticas”) desenvolvidas na sociedade, torna-se um
instrumento rico do pensar (“teoria”) e do agir (“processo histórico em ato”)
docente/discente/comunidade, tanto para sua reprodução como para sua superação.
Discutir o impacto da construção coletiva do PPP na prática educativa, enquanto
materialização do currículo, abre espaço para a leitura histórica da política curricular e
suas múltiplas relações, e, parafraseando Freire (1982), torna possível, além da denúncia
de seus limites, o anúncio de realidades que poderão ser criadas em função da ação de
seus sujeitos.
Para a construção das discussões que desenvolvemos neste artigo, nos servimos
de duas pesquisas, uma realizada em uma escola confessional do Estado do Rio Grande
do Sul e outra em uma escola pública do Estado do Ceará. Ambas pesquisas tiveram
como aporte teórico-metodológico o estudo qualitativo com enfoque etnográfico.
A reafirmação da escola pública: mapeando concepções de homem, de educação e
de escola
Esta produção se inscreve na luta pela reafirmação da escola pública. Uma
escola que ultrapasse os limites do ler, escrever e contar, que considere o processo
dinâmico e contínuo de interação do ser humano com a natureza, com outros homens e
consigo próprio, fazendo-o reconstruir-se e buscar a melhor forma de viver. Essa melhor
forma de viver pressupõe uma concepção de homem, de sociedade, de educação.
Adotamos a concepção de homem, segundo a qual ele é, de um lado, um
conjunto de relações sociais e, de outro, o conjunto das suas condições de vida, que
possibilitam a que ele faça ou não determinadas coisas. Essa possibilidade é que dá a
medida da liberdade do homem, sendo necessário que ele conheça suas condições
objetivas, saiba utilizá-las e queira utilizá-las. Neste sentido, o homem é vontade
concreta, isto é, "aplicação efetiva do querer abstrato ou do impulso vital aos meios
concretos que realizam esta vontade” (GRAMSCI, 1989, p. 47). O homem cria sua
própria personalidade, na medida em que: dá uma direção determinada e concreta racional - ao próprio impulso vital ou vontade; identifica os meios que tornam esta
Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga & Maurício Cesar Vitória Fagundes
7121
Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
vontade concreta e determinada e não arbitrária; contribui para modificar o conjunto das
condições concretas que realizam esta vontade, na medida de suas próprias forças e da
maneira mais frutífera. Nesta perspectiva,
... o homem deve ser concebido como um bloco histórico de elementos
puramente subjetivos e individuais e elementos de massa - objetivos ou
materiais - com os quais o indivíduo está em relação ativa. Transformar o
mundo exterior, as relações gerais, significa fortalecer a si mesmo. (...) Por
isso, é possível dizer que o homem é essencialmente “político”, já que a
atividade para transformar e dirigir conscientemente os homens realiza a sua
‘humanidade’, a sua natureza humana. (GRAMSCI, 1989, p. 47-8)
A concepção de educação que, a nosso ver, muito contribui para a realização da
humanidade dos homens encontra-se fortemente marcada na concepção freireana,
segundo a qual, a educação deve estar voltada para a realidade material e a perspectiva
que se abre para o ensino é a de que ele seja público, gratuito, universal e obrigatório,
tendo em vista a construção do homem integral, completo.
Realizar essa educação pressupõe, segundo Freire (2007), proporcionar aos
homens e mulheres possibilidades de superação de suas atitudes ingênuas, mágicas,
diante da realidade em que vivem, cabendo buscar formas que os ajudem a assumir
atitudes de engajamento social, apostando “num método ativo, dialogal, crítico e
criticizado”. (FREIRE, 2007, p. 115)
Afinal, do ponto de vista da escolarização, os diferentes tipos de saber
culturalmente construídos pela humanidade não interessam em si mesmos, mas sim,
enquanto elementos que os indivíduos da espécie humana necessitam assimilar para se
tornarem sujeitos culturais e transformarem a realidade.
Na realidade, a educação continua o trabalho da vida,
...instalando-se no domínio eminentemente humano de trocas: de símbolos, de
intenções, de padrões de cultura e de relações de poder. A educação dá
continuidade ao desenvolvimento de homens e mulheres, fazendo-os evoluir,
tornando-os mais humanos (BRANDÃO, 1982, p. 3).
O nosso desafio, como educadores, é o de contribuir para a superação dessa
realidade social e econômica em que alguns podem optar e outros não, quer do ponto de
vista da saúde, alimentação, moradia ou educação. Desafio que se configura como
resistência e que deve ser enfrentado com trabalho e reflexão, através da socialização do
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Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
saber. Esse processo de coletivização pode contribuir com a criação de condições para
uma vida melhor, sendo dirigida a todos os homens e não a uns poucos eleitos. Deste
modo, "uma escolarização voltada para as camadas populares poderá contribuir para
uma correta interpretação da realidade social, auxiliando-as na busca do caminho
para superar a dominação" (DAMASCENO, 1986, p. 2). Uma escolarização que, ao
invés de reforçar as diferenças, reafirme a coletivização.
Compete à escola formar cidadãos capazes de participar da vida política, social e
econômica, tríade conseqüente da busca pela realização de homens e mulheres - o
exercício pleno da condição de ser humano, do desempenho de sua “vocação para o ser
mais, enquanto expressão da natureza humana, fazendo-se na História (FREIRE, 1995,
p. 11). Ou seja, o sentido do homem de hoje só pode revelar-se plenamente quando visto
em sua historicidade.
Partindo do princípio de que não há neutralidade nos diferentes âmbitos numa
sociedade de classes e que em educação não existe conhecimento desinteressado,
consideramos que, subjacente à tomada de decisões no âmbito educacional, está a
intenção de viabilizar, ou não, a escola do povo. Uma escola que atenda quantitativa e
qualitativamente àqueles que por ela demandam. Uma escola, cujo saber torna a todos
aptos e socialmente reconhecidos e legitimados para a convivência social, o trabalho, a
arte.
Essa proposta educativa fundamentada numa concepção de homem como sendo
“um conjunto de relações sociais determinado pela consciência historicamente
situada” (NOSELLA, 1992, p. 45), leva-nos a pensar que “o critério da possibilidade
ou impossibilidade dos sonhos é um critério histórico-social e não individual”
(BRANDÃO, 1982, p. 99). Se assim o é, o que seria então uma escola possível para a
classe trabalhadora?
Uma escola para todos, “como espaço e tempo de plenitude de vida”
(NOSELLA, 1992, p. 6), cujos processos educativos se dêem numa perspectiva
alternativa, “situados no conjunto de forças que elegem o ser humano como sujeito
social no desenvolvimento omnilateral de suas possibilidades históricas” (FRIGOTTO,
1995, p. 57).
Compreendemos que a preocupação da escola com seu papel social não deve
centralizar-se no fazer pelo fazer, no reproduzir, mas no pensar, no refletir, no conhecer,
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Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
no fazer, no refazer, no construir, no reconstruir, enfim, na ação pensada a partir da
realidade concreta dos alunos e seu meio, refletida individual e coletivamente, na
perspectiva de construção de cidadania, com enfoque emancipatório.
Nesse sentido, há necessidade de um PPP que viabilize ao educadores e
educados o exercício da reflexão e tomada de decisões sobre suas vidas, tanto
individualmente como coletivamente, esclarecendo sua concepção de vida; sua
concepção de homem e de mundo, tendo como parâmetros as exigências de um período
histórico complexo e orgânico, o que implica na construção de uma vontade racional 1.
Reflexão essa que tenciona tornar a vontade racional em um novo ‘senso comum’ e uma
nova ‘direção intelectual e moral’ e dentro dela conquistar sua hegemonia ideológica
antes mesmo da tomada do poder. O partido, a escola, o sindicato assumem papel
fundamental nesse processo, uma vez que,
...não há filosofia que se irradie sem a introjeção ou adesão das grandes massas
às suas idéias, e também não há superação de uma ordem intelectual e moral
(idéias, valores e costumes) por outra, sem que os homens estejam persuadidos
por uma nova maneira de pensar e sentir. (MOCHCOVITCH, 1992, p. 40)
Os intelectuais orgânicos2 é que promoverão, nas instâncias mencionadas acima,
a elevação das massas3 do senso comum à consciência filosófica. O papel do professor é
relevante nesse contexto de superação, consistindo na tentativa de, por meio de um
processo reflexivo, contribuir para mudar o modo de pensar, sentir e agir das pessoas.
Numericamente falando, é a sua profissão a melhor distribuída, uma vez que em todos
os municípios existem professores, pelos quais passam milhares de brasileiros todos os
dias, representando “audiência” superior a qualquer canal de televisão. Por outro lado,
há que se considerar que os professores em seu conjunto não constituem um bloco
homogêneo em termos de concepções político-filosóficas.
1
Segundo Gramsci, “a vontade racional se realiza enquanto corresponde à necessidades objetivas
históricas, isto é, enquanto é a própria história universal no momento da sua atuação progressiva”.
(1989, p.32)
2
Os intelectuais orgânicos são os organizadores e dirigentes, pessoas ‘especializadas’ na elaboração
conceitual e filosófica, responsáveis pela teorização da relação teoria-prática.
3
Esse é o momento cultural de que fala Gramsci, cuja importância consiste no fato de que “todo ato
histórico não pode deixar de ser realizado pelo ‘homem coletivo’, isto é, ele pressupõe a obtenção de
uma unidade cultural-social pela qual uma multiplicidade de vontades desagregadas com fins
heterogêneos, se solidificam na busca de um mesmo fim” (GRAMSCI, 1987: 36-7).
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Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
A estratégia política a ser adotada pela classe oprimida deve ser a busca pelo
controle da sociedade civil, a consolidação de uma contra-hegemonia4. De que modo
isso pode acontecer se os meios necessários estão à disposição e sob o controle da classe
dominante? Nos espaços concedidos a ela para que se sinta livre, mesmo que
ilusoriamente, através de uma ocupação consciente, via seus intelectuais orgânicos, ao
construir uma contra-ideologia5, alternativa àquela dominante. Consolidando uma
hegemonia da classe trabalhadora, tomando o poder político e alterando a lógica
existente de dominação. Evidentemente não defendemos aqui outro tipo de tutela, mas a
criação de condições objetivas para que os trabalhadores possam tornar-se intelectuais
orgânicos e contribuir para essa dialética homem-massa.
A pergunta que fazemos diz respeito a como desenvolver em nossos educadores,
alunos e pais, “a exemplo do que fazem os índios e os camponeses, a consciência de que
o saber que se transmite de um ao outro deve servir de algum modo a todos”
(BRANDÃO, 1982, p. 67). Presumimos que a resposta pode ser dada por meio das
ações, atos de execução, avaliação, deliberação, preferência e resolução, no âmbito das
administrações dos recursos públicos, que priorizem os direitos sociais das classes
trabalhadoras, dentre os quais, a sua própria educação. E fazê-los acontecer no cotidiano
escolar, desenvolvendo uma prática pedagógica que contribua para a humanização dos
alunos
... uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as
condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos
com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se.
Assumir-se como um ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz
de amar. (FREIRE, 1996, p.46)
No caso particular do Brasil, historicamente observa-se um distanciamento do
desejo vivo e fecundo de contribuir para a elevação espiritual das camadas populares
através do ensino e o envidamento de esforços para objetivá-lo, predominando a mera
4
A contra-hegemonia pressupõe uma contraposição à hegemonia dominante. Hegemonia é uma categoria
criada por Gramsci, que significa o conjunto das funções de domínio e direção exercido por uma classe
dominante sobre outra, ou mesmo sobre o conjunto das classes da sociedade, em um dado período
histórico.
5
A compreensão de contra-ideologia está respaldada no conceito gramsciano de ideologias historicamente
orgânicas: ideologias que “organizam as massas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se
movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc” (GRAMSCI, 1987, p. 62-3).
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Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
priorização retórica. Significa dizer que não existe uma vontade política de proporcionar
a libertação das amarras da heteronomia naqueles que só contam com a escola pública
para fazê-lo, quando contam. Predomina a visão positivista-funcionalista, uma vez que
objetiva-se garantir o bom funcionamento da sociedade.
Contrapondo essa visão, interessa buscar mudanças efetivas no sistema
educacional de modo a assegurar a consciência crítica, a valoração da auto-estima
coletiva de educadores e alunos, a confiança, o respeito mútuo, o sentir-se gente. Como
isso pode ser feito? Como promover um sistema educacional que promova o
desenvolvimento do conjunto da sociedade, em vez de reproduzir para elites segmentos
de país desenvolvido?
Experimentar dentro da escola pública a impossibilidade de responder a estas
perguntas; inserir-se nos movimentos pela valorização do magistério e do ensino
público suscita grandes inquietações, que potencializadas e somadas às de outros
educadores mobiliza para a luta pela escola que queremos, mesmo que sua construção
pareça-nos distante; avaliar o que consideramos, muitas vezes, como insucessos do
movimento docente; buscar na academia o substrato teórico para refletir a conjuntura
educacional de forma ampliada, compreendendo que essa seria também uma
contribuição para a reafirmação da escola pública; denunciar as condições
desalentadoras nas quais a escolarização da sociedade brasileira se efetiva nos impele a
buscar a devida compreensão de processos sociais que anunciam a materialização de
condições que rompem com essa lógica perversa.
Vontade política e escola pública: direcionando o olhar
Etimologicamente, a palavra vontade significa consentimento, ato de querer. É o
sentimento, aspiração, anseio, desejo que incita alguém a atingir um fim proposto.
Genericamente, a vontade exprime "a manifestação exterior de um desejo, o propósito
de fazer alguma coisa, a intenção de proceder desta ou daquela forma" (SILVA,1980,
p. 1665). Ela se manifesta sob diferentes maneiras, seja tácita ou expressamente.
Quando sob a forma tácita, ela resulta da prática de atos, gestos ou de fatos que,
de modo indireto, revelam a intenção das pessoas que os praticaram ou produziram. Não
tem forma substancial, vai além das palavras. É um modo exterior de revelar uma
intenção. Pode ser identificada, por exemplo, nas ações e práticas de pais para
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Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
oportunizar a escolarização aos seus filhos. Para eles, escolarização corresponde ao
patrimônio, à herança a ser legada, no intuito de preparar os seus descendentes para
auferir melhores condições de vida
Quando, de outra maneira, o desejo, decisão ou determinação dá-se de forma
expressa, diz-se que ali está configurada a vontade expressa, uma vez que é declarada
formal e verbalmente ou por escrito, podendo resultar em uma presunção legal. No
campo educacional, em geral, manifesta-se através de discursos, na legislação e
pareceres, entre outros, que dizem respeito à garantia formal de escolarização da
população brasileira.
A articulação e a coerência entre a vontade expressa e a vontade tácita resulta em
vontade política. A vontade política, neste sentido é, mais do que a intenção, o querer
fazer acontecer algo que é idealizado. Nesse sentido, a coerência é um fator
determinante para que o discurso formal e a prática real se coadunem. A vontade
política revela-se através de "atos de execução, avaliação, deliberação, preferência e
resolução que, necessariamente, refletem o objetivo que se quer atingir - é a intenção
configurada na ação" (BRAGA, 1995, p. 40).
Alusões feitas à vontade se dão no cotidiano dos seres humanos, sendo
frequentemente atribuídas ao Divino. Quem já não ouviu expressões do tipo: “se Deus
quiser”, “se depender da vontade de Deus”, “queira Deus...”, “a Deus querer...”, “foi
Deus quem quis assim”? Estas são apenas algumas expressões veiculadas no senso
comum de muitas pessoas. Aliás, parece que quanto menos consciência política se tem,
maior é a crença de que os seres humanos muito pouco podem fazer sem o aval, a
deliberação, a decisão ou arbítrio de uma entidade superior. Ou seja, o homem parece
não ter vontade própria, assumindo um perfil heterônomo no modo de ser e de viver.
Nesse sentido, percebe-se que a "vontade de Deus" coloca uma perspectiva que
referencia o espírito de conformação, de acomodação, posto que nela está embutida uma
concepção de que as coisas e fatos já estão postos, estabelecidos, e portanto, são
imutáveis. Essa é uma visão que assume feições da consciência do tipo tradicional,
religiosa, mágica que
... capta os fatos, emprestando-lhes um poder superior, que a domina de fora e
a que tem, por isso mesmo, de submeter-se com docilidade. É próprio desta
consciência o fatalismo, que leva ao cruzamento dos braços, à impossibilidade
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Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
de fazer algo diante do poder dos fatos, sob os quais fica vencido o homem.
(FREIRE, 1982, p. 105-6)
Esta falta de iniciativa, bem como a sucessão de derrotas, faz surgir a “vontade
real”, identificada como uma força de resistência moral, de coesão, de perseverança
paciente e obstinada, disfarçada em um ato de fé numa certa racionalidade da história,
em uma forma empírica e primitiva de finalismo apaixonado, como um substituto da
predestinação. A vontade real pressupõe uma forte atividade volitiva, uma intervenção
direta sobre a força das coisas, mas de uma maneira implícita, velada, que se
envergonha de si mesma, revelando a contraditoriedade da consciência, a falta de
unidade crítica (GRAMSCI, 1987).
A unidade crítica pressupõe a superação da autonomia pautada em uma
construção individual, baseada nos princípios liberais, apartada da totalidade e não
construída na relação com outros sujeitos como resultado de diálogos e reflexões.
Nessa perspectiva, não se percebe a educação como um elemento que
possa, por meio de seu fazer coletivo, realizar a promoção dos sujeitos enquanto sujeitos
históricos, mesmo admitindo-se que, no caso específico da escolarização, sua
constituição se dá no conjunto das relações sociais do mundo presente. Essas relações,
percebidas a partir do modo de produção capitalista, buscam estabelecer formas para
reprodução e ampliação do capital. As classes dominantes, por meio do Estado, têm
utilizado histórica e sistematicamente a educação formal para alcançar seus objetivos.
Na contramão da reprodução, reconhecemos que a concepção de educação
em Paulo Freire, como processo de humanização do sujeito, com vistas à intervenção na
realidade, marca o currículo emancipatório que tem no diálogo a indispensável relação
com o ato cognoscente, desvelador da realidade (FREIRE apud SANTIAGO, 2007, p.
35), “...uma educação [...] identificada com as condições de nossa realidade. Realmente
instrumental, porque integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço e levando o homem a
refletir sobre sua vocação ontológica de ser sujeito”. (FREIRE, 1996, p.114)
Um currículo emancipa tório pressupõe a construção coletiva do PPP
Sousa Santos (1996) faz referência ao sistema educativo construído pela
modernidade, destacando que “foram moldados por um único tipo de conhecimento, o
conhecimento científico, e por um tipo único da sua aplicação, a aplicação técnica” (p.
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Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
18). Essa tendência homogeneizante da educação tem, entre tantas possibilidades, as do
silenciamento, da naturalização das relações de dominação e de escamoteamento de
possíveis conflitos. A respeito, afirma o autor: “o conhecimento-como-regulação
consiste numa trajetória entre um ponto de ignorância designado por caos e um ponto de
conhecimento, designado por ordem” (p. 24) [grifos nossos].
Contraditoriamente, o mesmo sistema que busca a homogeneização tem a
necessidade de aprofundar e/ou ampliar o campo dos saberes e conhecimentos para dar
conta de suas necessidades de produção do sistema econômico. Apesar da
intencionalidade técnica, esses saberes são fundados em fazeres construídos
socialmente, que carregam consigo, além da necessidade da classe dominante, também a
leitura e necessidade da classe dominada. Nessa direção, Cury (1979) afirma que “a
ação pedagógica, enquanto apropriação pelas classes dominadas de um saber que tem a
ver com os seus interesses (acrescentamos, ou em oposição explícita aos seus
interesses), concorre para o encaminhamento da modificação das condições sociais” (p.
71).
Nesse movimento, o conflito começa a ficar latente. Em oposição, a classe
dominante dispara com todos seus aparatos ideológicos, principalmente a mídia, com o
objetivo de camuflar as verdadeiras causas dos conflitos sociais que possam ser
explicitadas pela classe dominada e gerar uma tomada de consciência objetiva da
realidade. Embora esse aparato ideológico tenha um forte poder, apenas escamoteia as
causas fundantes dessa realidade, mantendo a contradição latente. Por exemplo, hoje
vemos instalada a indústria do medo, do terror, localizando seus principais responsáveis
na periferia. As cidades apontam para as favelas, os países ditos de 1° mundo apontam
para os países ditos subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, fenômeno esse muito
facilitado pela globalização hegemônica da comunicação.
Esse contexto da realidade social, percebido em um projeto político-pedagógico
de intencionalidade emancipatória, sustentado como defende Sousa Santos (1996) em
um modelo de “aplicação edificante da ciência” (p. 20), consistirá em construir o
conhecimento a partir de “um ponto de ignorância chamado colonialismo e um ponto de
conhecimento chamado solidariedade” (p. 24) [grifo nosso], corroborando com a
materialização de um currículo também emancipa tório.
Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga & Maurício Cesar Vitória Fagundes
7129
Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
Essa perspectiva paradigmática do currículo não tem em si a garantia de adesão
de seus sujeitos na direção intencionada. No momento em que os conflitos forem
potencializados como forma de ampliação de esclarecimento e de tomada de novas
posições, pode haver o desencadeamento da capacidade de “espanto, de indignação e a
vontade de rebeldia e de inconformismo” (id. p. 33). Pode, também, contraditoriamente,
gerar o desejo de voltar aos princípios dominantes onde havia uma pseudo-certeza e
uma pseudo-harmonia. A esses movimentos o autor se refere como a transição
paradigmática, que decorre de uma navegação de cabotagem, que vai de margem a
margem.
As possibilidades de explicitação das contradições presentes nesse processo são
muitas. A primeira refere-se à própria concepção do pensamento dominante que tem
legitimado historicamente os fazeres da escola, percebida como instância socializadora
dos conhecimentos produzidos pela e na universidade.
Conforme Sousa Santos (1996), o paradigma dominante tem como uma
de suas características a “aplicação unívoca e o seu pensamento é unidimensional. Os
saberes locais ou são recusados ou são funcionalizados e, em qualquer caso, tendo
sempre em vista a diminuição das resistências ao desenrolar da aplicação” (p. 19). Ou
seja, a Universidade, nesse contexto, tem toda legitimidade do sistema, pois ela é a
autoridade inquestionável na produção dos saberes. Cabe aos sujeitos da localidade não
questioná-la, por entenderem que seus conhecimentos pouco ou nada valem nessa
comparação. Contraditoriamente, tem também o poder e a legitimidade para construir
processos de outra concepção no meio onde se instalar. (FAGUNDES, 2009)
Destacamos como fundamental o entendimento de que o ponto de partida e de
retorno no processo ensino-aprendizagem é o aluno e sua realidade concreta, pois
aprendemos com Freire que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (1996, p. 25), proporcionando
condições e estimulando o aluno à assunção do protagonismo. Aprendemos, ainda, a
importância do fazer coletivo, da problematização, da busca de alternativas, de
construções para superação das situações-limite e a busca do “inédito-viável6” de Freire
6
Conforme Freire, “Essa categoria encerra nela toda uma crença no sonho possível e na utopia que virá,
desde que os que fazem a sua história assim o queiram”. Nesse querer está implícito a necessidade de
perceber as situações-limites como barreiras a serem vencidas e que, desafiados por elas, “se sentem
mobilizados a agir e a descobrirem o inédito-viável. [...] Esse inédito viável é, em última instância, algo
que o sonho utópico sabe que existe mas que só será conseguido pela práxis libertadora que pode passar
Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga & Maurício Cesar Vitória Fagundes
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Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
(1992), no contexto da permanente (re)construção do projeto político-pedagógico. Um
projeto político emancipa tório que dispute e conquiste a hegemonia na luta contra a
miséria, o desemprego, a exploração e a opressão da grande maioria dos brasileiros.
Essa é a perspectiva que assumimos, tomando por base o processo
coletivo de construção do PPP, para retomar Gramsci (1989) quando o autor enfatiza
que se “toda a ação é resultado de diversas vontades, com diverso grau de intensidade,
de consciência, de homogeneidade, com o conjunto íntegro da vontade coletiva” (p. 51),
a teoria correspondente e implícita “será uma combinação de crenças e pontos de vista
igualmente desordenados e heterogêneos. Todavia, existe adesão completa da teoria à
prática, nestes limites e nestes termos” (id.). Portanto, essa dialética teoria-prática,
existe e é presente nos processos educativos. Temos de criar espaços para reflexão
individual e coletiva para nos apropriarmos e/ou até mesmo descobrirmos a favor de
quem/que e/ou contra quem/que estamos trabalhando/formando.
Nessa direção, consideramos que a ação do professor ganha sustentação e força
quando o diálogo dá suporte e, especialmente quando é basilado por um projeto
político-pedagógico de caráter emancipatório. A construção dialógica de um projeto
político-pedagógico, com data para iniciar, mas sem data para terminar, torna possível
superar o senso comum. Esse projeto necessita autocriticar-se permanentemente,
elaborando o bom senso como caminho fundante de uma nova teoria, de um novo senso
comum. Como afirma Gramsci (1989), coincidir “identificando-se como os elementos
decisivos da própria prática, acelere o processo histórico em ato, tornando a prática mais
homogênea, coerente e eficiente em todos os seus elementos, isto é, elevando-a à
máxima potência..." (p. 51).
Essa é uma possibilidade de tornarmo-nos (comunidade escolar) intelectuais
orgânicos, protagonistas de uma nova cultura e de uma nova sociedade, contribuindo
com processos em que várias vontades desagregadas, podem solidificar-se na busca de
um mesmo fim, formando um conjunto íntegro da vontade coletiva, assumindo posições
de embate contra a hegemonia dominante, exigindo a afirmação de que o direito social,
e não as vontades particulares traduzam-se cotidianamente na vida da população.
pela teoria da ação dialógica de Freire ou evidentemente, porque não necessariamente só pela dele, por
outra que pretenda os mesmos fins” (ARAÚJO FREIRE In: FREIRE,1992, pp. 205-206).
Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga & Maurício Cesar Vitória Fagundes
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Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
As experiências que vividas nas investigações realizadas no Mestrado em
Educação7, junto a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas
(UFPEL) e Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC) centraram
o estudo na avaliação do Projeto Político-Pedagógico da Escola particular e
confessional no Estado do Rio Grande do Sul, e avaliação da política educacional de
uma rede de ensino do interior do Estado do Ceará, respectivamente. Ambas, coincidem
em seu objetivo de perceber as possibilidades e os limites da concretização de
intencionalidades emancipatórias, que, pela ação coletiva, propunha-se a gerar
significações subjetivas e objetivas na comunidade discente, através da produção de
conhecimentos, fortalecimento de valores e atitudes cidadãs.
Como resultado da primeira pesquisa, foi possível perceber que um Projeto
Político-Pedagógico de intencionalidade emancipatória substancia e dá corpo ao
trabalho coletivo, na perspectiva da visibilidade das ações, na e com a realidade
concreta, como possibilidade de teorizar e construir ações emancipatórias, superando
conceitos naturalizados pela educação e pensamento moderno, que persistem em
continuarem presentes nos currículos.
A pesquisa deixou evidente que, coletivamente, a educação é uma das
possibilidades de instrumentalizar os sujeitos sociais na construção de outro projeto
societário, tendo a clareza, não ingênua, de que esse é um processo que se dá em uma
sociedade estruturada e, portanto, se constitui no tensionamento entre estrutura e
superestrutura, com avanços e recuos. Assim se constituindo, possibilita a explicitação
das contradições permitindo que o real seja revelado à consciência e criando
possibilidades para a construção de uma nova prática (FAGUNDES, 2007).
Nesse caminho, foi possível entender que a relação da educação com a
totalidade concreta será tanto mais descortinadora das relações sociais, econômicas,
políticas e ideológicas da sociedade vigente, quanto mais contínua for sua dialetização;
deixou, também, a clareza de que os tempos dessas construções são históricos. Portanto,
embora seja um processo coletivo, alcança a cada um de seus protagonistas de forma
diferente, em um perpétuo devenir histórico.
7
A dissertação de mestrado de Maurício Fagundes, intitulada Reprodução e Emancipação – categorias de
análise histórico-ontológica de um projeto político-pedagógico: dialogando com a realidade concreta de
seus sujeitos, contou com a orientação do Prof. Dr. Gomercindo Ghiggi e a de Margarete Sampaio,
intitulada Escola Pública e vontade política. Icapuí: uma escola possível para os filhos da classe
trabalhadora?, foi acompanhada pela Profa. Dra. Ângela Souza.
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Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
A segunda pesquisa revelou que a educação de Icapuí (CE), naquele momento
em que a pesquisa se deu se constituía num projeto que se construia coletivamente no
dia a dia das escolas e contava com o apoio da comunidade e da
Secretaria de
Educação, Cultura e Desporto, que desenvolvia o seu papel de articuladora e
dinamizadora dos projetos de cada escola e da política educacional como um todo
(BRAGA, 1998).
Dessa forma, as deliberações e decisões sobre o possível, isto é, sobre aquilo que
podia ser ou deixar de ser, tornando-se real graças ao ato voluntário, que atua em vista
de fins e da previsão das conseqüências, configuravam a existência de vontade política
de construir a escola na perspectiva da classe trabalhadora, uma vez que os esforços
para vencer os inúmeros obstáculos eram contundentes e confirmadores disso: a
tenacidade e a perseverança, a resistência e a continuação do esforço erma marcas dessa
vontade (CHAUÍ, 1994). Apresentavam-se notórios o discernimento, a reflexão, a
avaliação antes das tomadas de decisão, numa estreita articulação com os interesses da
população.
Sínteses Provisórias
Conforme visto em nossos estudos, se determinados grupos puderam contribuir
significativamente para uma mudança radical em suas realidades locais, o que não
poderá acontecer quando toda uma geração estiver escolarizada? Essa reflexão nos leva
a pleitear que o homem seja o centro das ações e decisões, cabendo a nós, educadores,
contribuir para a mudança do pensar, sentir e agir dos nossos educandos. Para tanto,
interessa sedimentar uma nova concepção de homem, de sociedade e de educação,
esteio para um currículo comprometido com a humanização do sujeito.
Nessa direção, reconhecemos que a contribuição do pensamento de Paulo Freire
para o campo do currículo se dá no reconhecimento da condição de sujeito dos que
buscam produzir o conhecimento, na afirmação da finalidade da educação para o
desenvolvimento humano e social, como processo contínuo que respeita os diferentes
saberes e culturas. (SANTIAGO, 2007)
Portanto, a construção de um currículo humanizador passa pela dimensão do
trabalho coletivo em uma perspectiva emancipatória, de modo que o real se faça
presente revelando suas contradições e o humano recupere a dimensão ontológica de
Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga & Maurício Cesar Vitória Fagundes
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Escola Pública e Vontade Política: o PPP como base de formulação de um currículo emancipatório
sujeito, capaz de produzir o produzido que lhe produz, de questionar e superar a
concepção de cidadania impregnada da carga liberal, que escamoteia os privilégios e os
privilegiados. Um currículo humanizador e por isso emancipatório que possibilite a
comunidade escolar se perceber/agir como protagonista de seus processos educativos.
Em assim sendo, defendemos um currículo vivo e gerador de sentido diante da
vida, de existência, de totalidade das relações históricas passadas que fundam as
relações presentes e estabelecem possibilidades para a construção do futuro que
desejamos, portanto em uma concepção dialética e dialógica. Um currículo muito mais
do que uma relação de disciplinas, fragmentos de informações, com proprietários que
desejam apenas sua reprodução, mas um currículo que tenha vida, movimento, garanta o
espaço do desejo, do sonho, do amor, do ódio, da alegria, da tristeza, da utopia, do sabor
e do saber, que permita, constantemente, ser revelador das relações que nos oprimem e,
contraditoriamente, fundam os caminhos para a nossa liberdade.
Por onde começar? Sonhando juntos. E como dizia Amílcar Cabral, citado por
Paulo Freire: “ai das revoluções que não sonham.” (FREIRE, 1982, p. 101)8
REFERÊNCIAS
BRAGA, Maria Margarete Sampaio de Carvalho. Para quê escola pública no Brasil? In:
Cadernos da Pós-Graduação em Educação nº 4. Fortaleza, UFC, 1995, p. 40-45.
_________. Escola Pública e Vontade Política. Icapuí: uma escola possível para os
filhos da classe trabalhadora? 1998. Dissertação (Mestrado em educação Brasileira).
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. (Org.). O Educador: Vida e Morte. Edições Graal,
1982.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e contradição: elementos metodológicos para
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DAMASCENO, Maria Nobre. Questões Teóricas e Práticas da Pesquisa Social e
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8
Paulo Freire cita essa passagem no depoimento de uma militante do Partido Africano da Independência
da Guiné-Bissau e Cabo Verde, sobre o líder do movimento de libertação da Guiné-Bissau, Amílcar
Cabral.
Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga & Maurício Cesar Vitória Fagundes
7134
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Maria Margarete Sampaio de Carvalho Braga & Maurício Cesar Vitória Fagundes
7135
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
PROTAGONISMO DE SUJEITOS E GRUPOS NAS
POLÍTICAS CURRICULARES
Rosanne Evangelista Dias
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
PROTAGONISMO DE SUJEITOS E GRUPOS NAS POLÍTICAS
CURRICULARES1
Rosanne Evangelista Dias
UFRJ
RESUMO: A produção de políticas curriculares nos últimos trinta anos no Brasil
contou com a atuação de diferentes sujeitos e grupos, intensificada a partir do período
de redemocratização da sociedade brasileira. O aumento dessa produção pode ser
atribuído à mobilização de sujeitos e grupos, com conhecimento autorizado – as
comunidades epistêmicas –, na discussão e produção de políticas públicas para diversos
setores. Em tal processo, proposições sobre as políticas curriculares, foco deste trabalho,
foram formuladas, confrontadas e articuladas em diferentes arenas tendo em vista a
consolidação de uma proposta hegemônica (Laclau) para o país. A despeito da presença
dessa atuação de sujeitos e grupos, notamos a existência de poucas análises que dêem
conta dessa atuação. Frequentemente essas investigações ficam circunscritas ao âmbito
oficial (atuação do parlamento e executivo), sem considerar as diversas influências que
cercam as definições curriculares. Defendemos, portanto, o desenvolvimento de análises
orientadas pela abordagem do ciclo de políticas (Ball), a vertente das comunidades
epistêmicas (Antoniades) e os processos de articulação por demandas (Laclau) em
diferentes contextos por reconhecer o protagonismo de sujeitos e grupos na produção
das políticas curriculares.
PALAVRAS-CHAVE: Abordagens teórico-metodológicas; Protagonismo de sujeitos e
grupos; articulação por demandas; ciclo de políticas; comunidades epistêmicas.
Introdução
A produção de políticas curriculares deve ser entendida como um processo que
envolve a participação ativa de diferentes sujeitos e grupos em diversos tempos e
espaços. Portanto, os textos e discursos que são objeto de análises em investigações no
campo da educação não podem deixar de refletir sobre as vozes que expressam as ideias
difundidas nos documentos curriculares. O reconhecimento da ativa participação de
sujeitos e grupos nas proposições das políticas curriculares, especialmente nos anos de
1
Este trabalho é derivado da minha tese de doutorado: Ciclo de políticas curriculares para a formação de
professores no Brasil (1996-2006), orientado por Alice Casimiro Lopes.
Rosanne Evangelista Dias
7139
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
1990, não pode ser ignorado. Considero essa intensificação como resultado de um
período conhecido pela redemocratização do país que marcou a participação de sujeitos
e grupos impulsionados pela perspectiva de formulação de propostas para diversos
setores da educação como em outros campos das políticas públicas. Vários setores da
sociedade civil atuaram na produção, difusão e discussão de proposições, em processos
de articulação política em torno das ideias defendidas para a educação. Com a
aprovação da Lei Nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB/96), importante texto de definição de políticas para a educação, essa participação
ganhou novo sentido diante das configurações que estavam sendo definidas nos marcos
do processo democrático.
Por todos esses anos, uma série de sujeitos e grupos sociais participou nas
arenas de luta em defesa dos projetos que representavam, influenciando em maior ou
menor grau, a definição dessas políticas. Essa atuação se fez presente em diferentes
contextos de produção da política como defende Ball e Bowe (1998), a partir de
processos de articulação em luta por proposições que se espera ter hegemonizadas como
políticas. O modelo analítico de Ernesto Laclau (1993, 2005, 2006) sobre os processos
de articulação de demandas contribui nas investigações de políticas curriculares por
considerar não apenas os sujeitos que nelas atuam, como também a dinâmica de
negociação de sentidos que envolvem as políticas. Defendo, portanto, a contribuição de
Ball (1994, 1998) e Laclau (1993, 2005, 2006) para orientar as nossas investigações em
políticas públicas curriculares. Entre os méritos das abordagens desses autores está o de
focalizar as análises relacionais como macro e micro/ global e local; a contingência e a
provisoriedade
das
políticas
presentes
nesses
processos
caracterizados pela
complexidade. Não pretendo com essas perspectivas defender o apagamento do papel
do Estado ou da atuação de governos nas políticas públicas. Ao contrário, busco incluir
as ações que são produtoras de políticas envolvendo a atuação de sujeitos e grupos
sociais que produzem e fazem circular ideias, influenciando e definindo essas políticas e
que muitas vezes ficam sem visibilidade nessas análises.
Tenciono neste trabalho, apresentar as orientações teórico-metodológicas que
conduziram a minha pesquisa de doutorado e as discussões sobre política curricular que
Rosanne Evangelista Dias
7140
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
vêm sendo encaminhadas no âmbito do grupo de pesquisa no qual atuo2. Desenvolvo na
primeira seção uma síntese do debate no campo das ciências sociais sobre a pesquisa
desenvolvida na área de política pública, dialogando com a produção do campo da
educação e destacando, particularmente as abordagens do ciclo de políticas e a vertente
das
comunidades
epistêmicas
como
significativas
contribuições
para
essas
investigações. Na segunda seção, apresento as questões que orientam as pesquisas sobre
o protagonismo de sujeitos e grupos e os processos de articulação na produção de
políticas curriculares, apresentando os principais conceitos que defendo para a condução
dessas análises a partir das contribuições de Ball e Laclau. Finalizo com considerações
acerca das questões apontadas indicando as possibilidades presentes nas pesquisas sobre
políticas curriculares que se pautam nas abordagens apresentadas que tem como
referência o protagonismo de sujeitos e grupos e a política como um complexo processo
de articulação.
Políticas públicas: a produção em diferentes campos
A produção da pesquisa em políticas públicas tem crescido no Brasil em
diversas áreas do conhecimento. No campo da educação, a produção de teses e
dissertações em currículo da Educação Básica3 que tem como tema central a política
curricular, no período de 1996 a 2002, chegou a 42,5% (Paiva, Frangella e Dias, 2006).
Entendo que o resultado do aumento dessa produção, traz consequências de caráter
teórico-metodológico (Melo & Costa, 1995) que devem ser enriquecidas pelo debate
entre os campos das ciências sociais e da educação para a compreensão sobre os limites
e as possibilidades das pesquisas sobre políticas públicas no atual contexto.
Uma das críticas desenvolvidas pelos pesquisadores de políticas públicas nas
ciências sociais diz respeito à existência de micro-abordagens contextualizadas
desvinculadas de análises dos processos macro e limitadas no tempo, falhando na busca
de inter-relações entre os processos investigados (Frey, 2000). Este problema está
2
Grupo de pesquisa do CNPq “Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura”, coordenado pela Profa. Dra.
Alice Casimiro Lopes. Para maiores informações em www.curriculo-uerj.pro.br
3
As teses e dissertações analisadas nesse trabalho são oriundas da pesquisa “Estado da Arte do currículo
da educação básica no Brasil”, financiada pelo INEP/PNUD e realizada no âmbito da ANPED,
desenvolvida no ano de 2004.
Rosanne Evangelista Dias
7141
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
intimamente vinculado à relação macro e micro, objeto de debate também no campo da
educação. Muitas vezes, os aspectos macro e micro são expressos nas investigações
sobre políticas ressaltando a dicotomia e a unilateralidade entre as instâncias (Lopes,
2005, Brandão, 2002). Para Lopes, o problema não está na opção por investigações que
priorizem empiricamente instâncias macro ou micro em suas análises, mas quando é
inexistente a busca de relações entre essas instâncias, predominando o caráter
determinista entre as mesmas. Os pesquisadores devem sentir-se desafiados a
compreender como ambas as instâncias influenciam e estruturam, no mundo
contemporâneo, um número crescente de situações em nível global e local.
Tem sido destacado em trabalhos que analisam a produção de políticas no
campo do currículo (Lopes, 2005, 2004b; Paiva, Frangella e Dias, 2006) uma discussão
voltada para a produção dos governos, explorando muito o institucional, em especial as
ações no âmbito dos poderes executivo e legislativo. Outro aspecto presente é a
influência das reformas no contexto da globalização no cenário político brasileiro e de
outros países do mundo e a pouca presença de análises sobre o papel dos sujeitos e
grupos sociais que estejam fora do quadro burocrático do Estado. Desse modo,
lideranças que exercem influência na formulação e definição das políticas públicas
acabam tendo um papel secundário nessas análises, quando elas se apresentam. Resulta
assim, que na maior parte delas, silenciam os conflitos e polêmicas que cercam a
política curricular, revelando o papel da política como prescritiva da prática.
Fatores exógenos, como acordos transnacionais, financiamentos promovidos
por organismos internacionais, entre outros, têm um relevo significativo nas análises das
políticas públicas educacionais. O destaque conferido às agências multilaterais,
influenciando a produção de políticas públicas, não pode ser ignorado, mesmo por
aqueles que, como eu, consideram seu papel de influência relativo. Contudo, considero
a necessidade de se buscar nas análises de políticas públicas educacionais a inter-relação
entre esses organismos internos e os grupos e lideranças de um país, aspecto ainda
pouco presente nesses estudos. Em uma direção distinta da que enfatiza o papel central
do Estado na produção de políticas públicas, Ball incorpora em sua análise as relações
entre os contextos micro e macro e as complexas influências que marcam a produção
das políticas educacionais, como um processo dinâmico, introduzindo a questão da
Rosanne Evangelista Dias
7142
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
convergência de políticas que, para o autor, são influenciadas por processos que
transcendem os limites da territorialidade de um Estado-nação.
Outra perspectiva teórico-metodológica que vem
sendo
discutida e
aprofundada na área de políticas públicas no campo das ciências sociais tem como
central nas análises as políticas como processo, vistas como práticas políticas que
envolvem tensões e contradições. Como exemplo dessas abordagens, destaco a arena, a
rede e o ciclo de política que tendem a desfocar os denominados agentes decisores que
concentram a atenção no processo da definição das políticas, agentes esses, muitas das
vezes circunscritos à ação em cargos governamentais. Também o campo tem
reconhecido a existência de novos sujeitos e grupos atuando, via organizações para além
dos limites territoriais e da participação de redes de especialistas (Faria, 2003) – o caso
das comunidades epistêmicas. Neste trabalho o interesse está focalizado no ciclo de
políticas e nas comunidades epistêmicas.
O ciclo de políticas, caracterizado pela dinâmica e complexidade temporal,
assume importância como abordagem analítica por se constituir em um modelo
heurístico bastante interessante para a análise da vida de uma política pública (Frey,
2000, p. 226). Ao tecer um breve balanço da produção de políticas educacionais,
Mainardes (2007) defende a utilização da abordagem do ciclo contínuo de políticas4
desenvolvido por Ball (1994) e Ball e Bowe (1998), como contribuição para a pesquisa
no campo da educação. Destaco, ainda, que na análise do ciclo se faz presente a
interação entre sujeitos e grupos sociais nacionais e internacionais na formação de
agenda de políticas públicas, especialmente no contexto de globalização na qual o papel
das entidades transnacionais adquire especial relevo (Melo & Costa, 1995). Contudo,
para analisar essas interações faz-se necessário uma visão diferenciada daquela que
atribui às forças externas a responsabilidade total e inexorável pelo empreendimento da
política contra a qual não há espaço para “negociação”.
Outra tendência apontada pela literatura das ciências sociais indica a presença,
cada vez mais permanente, das ações de comunidades epistêmicas na produção e
4
Nesse ciclo contínuo de políticas Ball apresenta cinco contextos que podem ser entendidos como arenas
políticas nos quais o processo de produção de políticas deve ser analisado: a) contexto de influência; b)
contexto de definição de textos4; c) contexto da prática; d) contexto dos resultados / efeitos; e) contexto
da estratégia política. Esses dois últimos contextos resultam de uma expansão pelo autor, do ciclo
contínuo de políticas, incorporando nele as preocupações com a avaliação e o impacto das políticas na
alteração do quadro social. Os três primeiros contextos: influência, definição de textos e prática são para
Ball os contextos primários e todos eles produtores de política curricular.
Rosanne Evangelista Dias
7143
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
difusão de políticas. O conceito de comunidade epistêmica envolve questões como
conhecimento e poder em redes de influências que atuam em arenas políticas. Essas
redes, constituídas de sujeitos, na sua maior parte com atuação não-governamental,
congregam
lideranças
na
área
de
conhecimento
ou
em
determinada
instituição/empresa/entidade. O poder da comunidade epistêmica está associado ao
conhecimento ou a autoridade cognitiva aplicado à implementação de políticas (Melo &
Costa, 1995; Antoniades, 2003), mas não só a isso. Nesses processos de formação de
agenda e difusão de conhecimento, em escala global e local, faz-se muito importante
não apenas o conhecimento técnico-científico, mas, sobretudo, nos aspectos relativos à
produção de consenso como base para coordenação de políticas. Embora não aprofunde
a respeito da caracterização e dinâmica das comunidades epistêmicas, Ball (1998)
identifica a dessas comunidades de pensamento (Faria, 2003) influenciando de forma
direta a produção de políticas educacionais por meio do fluxo de idéias disseminado em
suas redes sociais e políticas. Mas, não é apenas no contexto de influência que a ação
das comunidades epistêmicas se realiza. No contexto de definição de documentos
curriculares, os membros de uma comunidade epistêmica são vistos participando em
comissões, consultorias, conselhos, etc.
A presença de investigações utilizando a comunidade epistêmica como vertente
analítica ainda é pequena no campo da educação, sendo mais notada no Brasil na
discussão de políticas setoriais na área da saúde e meio ambiente, como também no
campo das relações internacionais (Dias, 2009). Como exemplo de trabalhos que
utilizam o conceito de comunidade epistêmica, cito meu próprio trabalho com López
(2006) que analisa as proposições para a formação de professores e o processo de
avaliação contidas no Relatório Delors (2001). Podemos verificar o quanto a UNESCO,
na sua função catalisadora de políticas, desempenha esse papel de incorporar ideias
produzidas por sujeitos e comunidades com grande amplitude e também legitimando
ideias e propostas que tenha a UNESCO como referência. Lopes5 (2006, 2004a)
também discute o papel das comunidades epistêmicas na produção das políticas
5
Em sua pesquisa, financiada pelo CNPq e intitulada “A produção de políticas de currículo em contextos
disciplinares”, Lopes utiliza-se do conceito de comunidade epistêmica (Ball) na produção de discursos
sobre seleção e organização do conhecimento escolar às políticas curriculares para o ensino médio no
Brasil.
Rosanne Evangelista Dias
7144
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
curriculares para o ensino médio, demonstrando a força com que grupos e sujeitos
ligados a essa área influenciam na produção de políticas para o Brasil.
Um bom exemplo de trabalho, no campo da educação, que lança questões
sobre a atuação dos sujeitos e grupos também em ações que envolvem a produção de
sentidos junto aos organismos internacionais é o de Krawczyk (2001). Ela analisa a
influência dos organismos internacionais nas reformas educacionais na América Latina,
sem, contudo, avançar nos aspectos relacionais entre a participação desses
sujeitos/grupos políticos e os organismos internacionais. Cito ainda dois trabalhos
importantes para as análises que incorporem o papel de sujeitos e grupos políticos na
produção de políticas: os trabalhos de Hage (2003) e de Silva (2003). Ambos focalizam
a ação política de grupos como associações acadêmicas, sindicatos, segmentos privados
e religiosos, bem como a atuação de Fóruns cuja composição ampla permite a inclusão
de vários grupos organizados da sociedade. Embora esses dois autores se preocupem
com a explicitação das tensões do processo e das disputas de projeto presentes no
decurso da produção da política, ao terem como questão a luta pela hegemonia6 na
construção dos projetos, desconsideram os espaços de conciliação de interesses que
também se fazem presentes nesse processo complexo de produção de políticas. O
processo de produção de políticas é permeado de confluências e divergências
procedentes de fontes autorais distintas, o que nos permite pensar o contexto das
influências na suas múltiplas complexidades, derivadas de variadas fontes (sujeitos,
grupos, organizações, etc.), espaços (em diferentes escalas) e destinação.
Considerar a atuação de sujeitos na produção de políticas nos deve fazer
reconhecer as diversas identidades que participam nas ações políticas e as distintas
posições assumidas pelo mesmo sujeito, no mundo contemporâneo, e as ambivalências
que podem surgir derivadas dessas diferentes posições do sujeito, influenciadas também
pelas inserções em grupos que defendem semelhantes posições e suas relações de poder.
As diferentes formas de atuação repercutem nas distintas posições assumidas pelos
sujeitos (Laclau, 1996; Mouffe, 1996), relacionadas aos diferentes propósitos que
empreendem na luta política. Compartilho da defesa de Laclau a respeito do
pertencimento múltiplo do sujeito na vida social contemporânea, na medida em que esse
pertencimento é constituído em função de diferentes lutas políticas. As posições dos
6
O conceito de hegemonia empregado pelos dois autores em seus trabalhos é fundamentado na teoria do
Estado de Gramsci.
Rosanne Evangelista Dias
7145
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
sujeitos defendidas nos discursos se difundem nos variados espaços e grupos em que
participam, ou nas arenas de ação (Ball, 1994), vindo a constituir, entre os vários
pertencimentos, o de uma comunidade epistêmica.
Reconheço a relevância de modelos analíticos que contemplem o processo de
produção da política compreendendo sua dinâmica e complexidade. Defendo o emprego
das abordagens do ciclo de políticas e a vertente da comunidade epistêmica por
revelarem-se extremamente úteis para as análises em políticas curriculares.
Protagonismo e processos de articulação na produção de políticas curriculares
Na investigação que defende o protagonismo de sujeitos e grupos na produção
de políticas curriculares faz-se importante a análise da inter-relação entre os discursos
presentes nos textos de definição política com os discursos produzidos e difundidos nos
contextos da prática e de influência pelos seus autores nos diferentes textos que
defendem demandas dirigidas às políticas curriculares. Concordo com Ball (1994), que
as políticas são simultaneamente discursos e textos. Entendo discurso como prática
social, não se dissociando a linguagem da ação e das próprias regras que a constituem.
Os diferentes discursos produzidos nos variados contextos de produção curricular são
recontextualizados (Bernstein, 1996; 1998) por processos de hibridização (Canclini,
1998), com a finalidade de garantir às políticas a legitimidade, por parte de diferentes
grupos, bem como articular demandas desses mesmos grupos. A incorporação dos
diferentes discursos nos documentos curriculares é resultado de um complexo processo
de negociação de sentidos em torno das políticas pelos diferentes sujeitos e grupos
sociais. Por não estarem fechados, nem terem seu significado fixado nem claro, os
textos políticos, segundo Ball e Bowe (1998), estão submetidos a interpretações e
reinterpretações de sentidos, nos diferentes contextos marcados por uma variedade de
interesses. Esse processo de tradução, não é capaz de controlar por parte dos autores dos
textos todos os significados, pois podem ser lidos de modo diferente nos diversos
contextos em que são difundidos (Ball, 1994; Ball & Bowe, 1998). Ressaltam ainda,
esses autores, que os textos políticos possuem uma estreita relação com os contextos nos
quais são produzidos e dirigidos.
Rosanne Evangelista Dias
7146
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
Enfatizo a importância do discurso na produção dos sentidos de políticas
públicas e defendo a relevância da incorporação dessa análise. Analisar os discursos
como conteúdo da política, sejam eles associados aos mais diversos textos ou às ações e
embates em curso nas arenas políticas voltadas para a produção de políticas nos
variados setores, implica vê-los como expressão da prática social, constituindo-se de
fundamental importância para a compreensão das influências que envolvem a política.
Esses discursos têm por finalidade influenciar o contexto da prática, nos cursos de
formação de professores ou nas orientações de pesquisas que são desenvolvidas, pois é
para esse contexto que são produzidos. Por outro lado, esses mesmos discursos têm,
potencialmente, a capacidade de influenciar textos curriculares nos demais contextos de
produção de políticas: influência, prática e definição de textos, circulando entre os
diferentes contextos, com múltiplos sentidos e significados em disputa (Lopes, 2006a)
estando também sujeitos a múltiplas interpretações.
Os textos, a partir dos quais são analisados os discursos sobre políticas
curriculares, são todos eles, materiais caracterizados pela pluralidade (Laclau, 1996).
Essa pluralidade está presente em muitas dimensões. Há pluralidade de autores e
sentidos, além da pluralidade de leituras, decorrente dos diversos sentidos e
interpretações possíveis para um texto ou discurso, influenciado pelas contingências.
Muitas
dessas
interpretações
resultam
em
ações
políticas
como
acordos,
estabelecimento de agendas, etc. (Ball, 1994). Desse modo, não podemos esperar por
uma única opinião autorizada (Bauman, 1999) e sim por múltiplas opiniões também
autorizadas que disputam o campo da significação das políticas curriculares. Isso,
muitas vezes, pode vir a produzir a ambivalência nos discursos que circulam e são
incorporados nos textos de definição, manifestando sua hibridização.
Devo considerar ainda as possibilidades, nesses processos de articulação, de
que os sentidos sejam transferidos nos vários contextos de produção da política e que
nesse processo ocorram deslizamentos interpretativos e processos de contestação (Ball
& Bowe, 1998), capazes de dar uma nova dinâmica à produção do discurso da política.
As interpenetrações de sentidos nos variados contextos não nos permite, muitas vezes,
identificar a “origem” do discurso que acabou por ser legitimado e transformado em
texto de definição das políticas de currículo. O processo de definição de textos políticos
passa por processos de produção da política curricular baseados em articulações
Rosanne Evangelista Dias
7147
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
políticas em torno de demandas formuladas e difundidas pelos diferentes sujeitos e
grupos sociais que constituem essas comunidades epistêmicas. Os discursos em torno
das demandas são disputados nos diferentes contextos e visam a constituir propostas
hegemônicas em meio ao processo complexo de articulação discursiva que envolve
tensões e conflitos (Laclau, 1993, 2005, 2006). Na luta pelo reconhecimento de
demandas em torno dos sentidos para o currículo, há processos de incorporação pelo
Estado dos discursos em defesa de demandas. As demandas emergem dos discursos e
são processualmente alteradas seja pela inclusão de novas demandas, pelo deslocamento
de sujeitos e grupos incorporados ou excluídos ou pela reconfiguração delas no contexto
da política (Laclau, 2005) e na luta por políticas.
Defendo a investigação dos processos de construção de demandas e de
articulação (Laclau, 1993, 2005, 2006) em torno da política curricular a partir dos textos
produzidos por sujeitos e grupos sociais nos diferentes contextos em que participam. Ao
focalizar o processo de articulação de diferentes demandas podemos analisar como são
estabelecidas cadeias de equivalências entre diferentes demandas, tendo como propósito
uma determinada política. A lógica da equivalência não dilui ou apaga a diferença
existente entre as demandas em uma mesma cadeia, mas permite a vinculação delas em
torno de um propósito no qual há uma convergência, ampliando o arco de alianças. A
despeito das diferenças, as demandas, estabelecem relações que aproximam umas das
outras no processo de luta pela política por um projeto hegemônico, revelando toda a
multiplicidade e pluralidade e seus aspectos de continuidades e descontinuidades que
caracteriza esse processo. Lembro ainda que, embora possam se distinguir uma da outra
no seu sentido, as demandas podem se equivaler pela oposição, ou não, em relação a
uma determinada política, indicando complementariedade ou tensão. Ao se aglutinarem,
essas demandas acabam por constituir-se em outra com sentido geral, mais ampla, em
torno de um projeto hegemônico. Esse processo deve ser visto como resultado do
processo de luta pela política. Assim, há hegemonia quando uma particularidade assume
certa função universal (Laclau, 2006). Contudo, a hegemonia é provisória e contingente,
sendo o resultado da articulação de elementos em torno de certas configurações sociais,
estreitamente ligada às lutas concretas de sujeitos e grupos sociais. Inserir nas análises
das políticas curriculares todos os aspectos que envolvem os embates em torno das
diferentes proposições que disputam a hegemonia no campo político, nos faz
Rosanne Evangelista Dias
7148
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
compreender melhor a complexidade da produção das políticas nos mais diferentes
contextos.
Outra importante contribuição de Laclau para as análises das políticas
curriculares é o significante vazio que resulta do processo em que uma determinada
demanda deixa de estar marcada pelos seus significados particulares, de tanto que ela se
estendeu em equivalências. Assim, um significante vazio é capaz de incorporar todos os
sentidos possíveis, representando uma totalidade heterogênea (Laclau, 2006), deixando
de ser assumida e identificada, separadamente, pelas particularidades que as
constituíram, como é, por exemplo, a demanda pela qualidade da educação. O
significante vazio não apaga os limites entre aquilo a que se opõe, mas para existir
precisa de vê-los bem estabelecidos (Laclau, 2005, 2006), a partir de um discurso
privilegiado por ser capaz de incorporar conteúdos e sentidos diversos, mesmo que
provisórios e contingentes. Por não haver fixidez permanente nos processos políticos e
na produção de políticas, existe também uma significação indefinida ou flutuante na
representação das demandas que deve ser identificada nos textos curriculares. Essa
dimensão flutuante está presente quando as demandas podem ser articuladas em cadeias
equivalenciais alternativas em processos de pressão, na disputa de diferentes projetos
hegemônicos (Laclau, 2005). A presença de ambos os significantes, flutuantes e vazios,
corresponde à complexidade da política, pois se para a constituição de políticas são
necessárias as fixações de sentidos, elas não podem ser estabelecidas ad infinitum.
Conclusões
Defendo as análises da produção de políticas curriculares em sua dinâmica de
ciclo, considerando os contextos de influência, definição dos textos e prática como
responsáveis pela construção dos consensos possíveis sobre as políticas (Mouffe, 2005).
Esses consensos, provisórios e contingentes, são constituídos a partir dos processos de
articulação discursiva entre sujeitos e grupos sociais, que constituem as comunidades
epistêmicas, a partir das demandas que vêm a influenciar a definição dos textos políticos
curriculares. As opiniões autorizadas se distinguem de outras no terreno do político e,
muitas vezes se opõem ou antagonizam com as posições defendidas por outros sujeitos
e grupos investidos de poder. Essas posições se auto-afirmam na diferença entre si, nas
oposições que se constroem nas práticas cotidianas, sendo, portanto, relacionais (Laclau,
Rosanne Evangelista Dias
7149
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
2006; Mouffe, 1996), sendo essas diferenças fundamentais para o processo de
articulação. Assim, um texto ambivalente carrega em si, diferentes opiniões autorizadas,
ampliando a representatividade de determinado texto a partir dos grupos que venham a
se sentir apoiados pelas posições expressas e ainda legitimar diferentes campos de
conhecimento.
Considero que defender a inclusão dessa dinâmica de novos protagonistas na
produção de políticas implica uma compreensão não-verticalizada dessa produção e a
necessária incorporação de análises sobre as concepções de sujeitos e grupos sociais, a
partir dos textos e discursos produzidos e difundidos por eles nos contextos de produção
da política curricular. Em síntese, proponho uma análise para além das personagens do
cenário oficial, focalizando a investigação na produção de discursos (conteúdo das
políticas) e nos sujeitos e grupos sociais/políticos que formulam, defendem e negociam
ideias em torno dessas políticas nos processos políticos.
Entendo que os variados discursos que defendem, nos textos, as políticas
curriculares precisam ser analisados em seus processos de tradução e recontextualização
(Ball, 1998), considerados os diferentes contextos em que são produzidos e os sujeitos e
grupos sociais que neles participam. A complexidade desse processo se faz presente nos
esforços, no desenvolvimento de acordos para a produção dos textos políticos, como
também na interpretação dos significados atribuídos por parte dos diferentes sujeitos.
Essa luta pela significação do currículo entre diferentes grupos e sujeitos está envolta
em relações e tensões e tem por finalidade legitimar posições por eles defendidas em
meio a diversos sentidos em disputa.
Pensar o currículo como uma política cultural pública, implica entender o
currículo como uma arena de negociação de sentidos, marcado pela dinâmica de
complexidade sempre contingente e provisória (Laclau, 1996). Nesse aspecto, as
demandas apresentadas importam menos pela sua origem do que pelo modo como
organizou sujeitos e grupos em processos de articulação. Outro aspecto importante na
constituição do grupo relaciona-se às características heterogêneas que possibilitam as
articulações entre diferentes grupos, no sentido de constituição de formação de projeto
hegemônico ou mesmo do estabelecimento de limites em torno dos antagonismos entre
projetos. Defendo nas investigações sobre políticas curriculares o reconhecimento das
demandas e a compreensão dos sentidos que elas expressam nas disputas políticas por
Rosanne Evangelista Dias
7150
Protagonismo de Sujeitos e Grupos nas Políticas Currriculares
significações e na constituição das comunidades epistêmicas. Reconheço que esses
aspectos, presentes nos processos políticos e de constituição das políticas, permitem a
construção de consensos provisórios e contingentes na definição dos textos em defesa
de propostas hegemônicas marcadas pela mesma precariedade, pelo indecidível.
Tenho claro que, mesmo reconhecido o conhecimento especializado de
determinado grupo social ou sujeito, outras relações de poder influem nos processos de
negociação das políticas presentes nos discursos produzidos, na formulação e
estabelecimento de agendas políticas, em consonância às visões de mundo dessas
comunidades (Antoniades, 2003). Nesses processos, a política é tanto contestada quanto
alterável, sempre em um estado de ‘tornar-se’, do ‘era’, e ‘nunca ter sido’ e ‘não
exatamente’ (Ball, 1994), fruto da luta pela significação dos textos de definição de
políticas.
Compreendo a complexidade da realização de estudos sobre políticas públicas
e o quanto o pesquisador deve estar apoiado em orientações teórico-metodológicas que
o permitam realizar sua investigação visando a contribuir na produção do conhecimento
e em consequentes derivações que esse trabalho pode permitir, nos mais variados
campos, seja na pesquisa, na formação e mesmo na avaliação das políticas produzidas.
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
SABERES E PRÁTICAS NA JORNADA
AMPLIADA ESCOLAR NA AMAZÔNIA: UM
ESTUDO DE CURRÍCULO PAUTADO NA
EDUCAÇÃO INTEGRAL
Sheila Cristina Monteiro Matos
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
SABERES E PRÁTICAS NA JORNADA AMPLIADA ESCOLAR NA
AMAZÔNIA: UM ESTUDO DE CURRÍCULO PAUTADO NA EDUCAÇÃO
INTEGRAL
Sheila Cristina Monteiro Matos, UNIRIO
RESUMO: Este trabalho busca refletir sobre uma proposta curricular emancipatória
para escolas de tempo integral atendidas pelo Programa Mais Educação em regiões
periféricas de metrópoles na Amazônia. Este debate se justifica pela necessidade de as
escolas de tempo integral refletirem sobre os conhecimentos que os alunos da periferia
trazem como bagagem cultural, que perfazem um currículo oculto e que precisam ser
legitimados no ambiente escolar. Partimos da premissa que o currículo, os saberes e a
aprendizagem são componentes interligados e podem concretizar uma educação com
sucesso escolar. Assim, utilizamos como aporte teórico Stuart Hall, Antônio Flávio,
Anísio Teixeira, Dewey, Giroux e Apple. Os procedimentos metodológicos utilizados
foram: análise curricular de escolas das redes públicas estaduais atendidas pelo
Programa; observação das práticas pedagógicas no contraturno escolar; e entrevistas
com roteiros semiestruturados com coordenadores que gerenciam o projeto de Educação
Integral. Os resultados da investigação sinalizam que a proposta curricular das escolas
estudadas ainda precisa ser aperfeiçoada no que tange aos saberes não instituídos pelo
currículo formal, apresentando fragmentações na elaboração do saber e dissociando-se
da proposta de Educação Integral.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Integral, Programa Mais Educação, Proposta
curricular.
1 INTRODUÇÃO
A Amazônia é um celeiro de saberes populares. Sua origem e seu processo de
colonização formaram identidades bastante peculiares que não foram valorizadas
plenamente pelas políticas públicas, particularmente a educacional.
As atuais políticas educacionais, valorizando pressupostos de Educação
Integral, buscam universalizar o acesso, a permanência e a aprendizagem na escola
pública, com a finalidade de enfrentar as enormes injustiças na educação popular
brasileira. Uma de suas ações de fomento é o Programa Mais Educação.
Sheila Cristina Monteiro Matos
7158
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
Valorizando a ampliação da jornada escolar, o Programa Mais Educação é
uma realidade nas metrópoles da Amazônia. Entretanto, do que adianta chegar o recurso
se o currículo ainda não reflete os pressupostos básicos da Educação Integral?
Assim, este artigo tem por objetivo refletir sobre uma proposta curricular
emancipatória para escolas de tempo integral atendidas pelo Programa Mais Educação
em regiões periféricas de capitais na Amazônia.
Para tal, foi realizada pesquisa documental, bibliográfica e de campo ao se
analisar o currículo de escolas atendidas pelo Programa; ao se observar as práticas
pedagógicas no contraturno escolar; e ao se entrevistar coordenadores que gerenciam
projetos de Educação Integral.
2 CURRÍCULO, CULTURA E IDENTIDADE AMAZÔNICA
Existem várias correntes e concepções sobre identidade no Brasil. Dentre as
diversas concepções, adotamos o pensamento de Stuart Hall (2004), que a define como
resultado de “celebrações” históricas que resultam em um contexto sociocultural no
qual o sujeito está inserido, traduzindo-se em valorização das diferenças.
A identidade não é um simples produto biológico alinhado somente por
questões étnicas ou geográficas. Ela é “formada e transformada continuadamente em
relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas
culturais que nos rodeiam” (HALL, 2004, p. 13).
Fischmann (2002), ao referir-se às várias concepções de identidade no Brasil,
aborda que todas essas correntes asseveram algo em comum: a relevante
heterogeneidade presente na formação cultural, social e étnica brasileira.
Contextualizando este trabalho, afirmamos que a Amazônia é um celeiro de
heterogeneidades, que perfazem-na como uma das regiões mais complexas e
multifacetadas do Brasil. Comunidades indígenas, remanescentes de quilombos,
extrativistas, ribeirinhos, migrantes, camponeses, garimpeiros - diferentes culturas e
etnias que desenharam uma paisagem que Hage (2005) definiu como uma imensa
“pororoca multicultural” e que formou um “homo amazonius” (O HOMEM..., 2009).
Entretanto, essa especificidade multicultural popular da Amazônia, o que em
tese seria um significativo espaço pedagógico em que seriam levantadas importantes
questões com base na subjetividade e na experiência do aluno (cf GIROUX; SIMON,
Sheila Cristina Monteiro Matos
7159
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
2008), foi durante muitos séculos, conforme Loureiro (1995), ignorada pelos poderes
públicos, sendo tomada sob a condição de subcultura – inferior, primitiva, superficial e
puramente lúdica. “O país não o entende muito bem” (O HOMEM..., 2009, p. 26). O
chamado “homo amazonius” foi estigmatizado e passou a ser conhecido por
“inconstante,
despreocupado,
sedentário,
desambicioso,
indolente,
desleixado,
degradado” (p. 32).
Devido a essas condições, Cristo (2007) disserta que o amazônida não se
encontra somente às margens dos rios e igarapés, mas também está à margem das
políticas públicas, principalmente a educacional. As difíceis condições logísticas ainda
agravam essa situação, encaminhando a desejada qualidade de ensino público para uma
realidade distante (MATOS; MATOS, 2008). Logo, não é difícil perceber que educar na
Amazônia é um desafio e as políticas educacionais necessitam ser específicas em
considerar a identidade sociocultural de seu povo.
Hage (2005) reforça este pensamento, afirmando que um projeto de educação
na Amazônia deve ser includente, valorizando a cultura popular. Valorizar a cultura
popular nos remete ao campo das lutas sociais.
Cultura, por si só, já reflete um jogo de poder (SILVA, T., 2007). A cultura
popular, por sua vez, representa um contraditório terreno de luta social (GIROUX;
SIMON, 2008).
Por seu turno, Antonio Flavio e Tomaz Tadeu (MOREIRA; SILVA, T., 2008)
destacam a relevância do currículo para a transmissão de cultura popular em meio a esse
terreno de luta. Para os autores, a ideia de cultura é “inseparável da de grupos e classes
sociais” (p. 27), sendo o campo em que se luta pela manutenção ou superação das
divisões sociais. Assim, o currículo é um “terreno privilegiado de manifestação desse
conflito” (p. 27) e não deve ser um local de transmissão de cultura incontestada e
unitária. Pelo contrário, conforme Tomaz Tadeu (SILVA, T., 2007), o currículo é um
documento que forja a identidade cultural. O currículo deve, portanto, valorizar as
diferenças das culturas minoritárias no campo social, oficializando o que tem sido
chamado de currículo oculto1.
Como abordamos, o currículo não pode ser unitário, único para toda uma
região. Apple (2008), ao relacionar currículo à cultura em âmbito nacional, aborda que a
1
Refere-se àqueles aspectos da experiência educacional não explicitados no currículo oficial formal
(MOREIRA; SILVA, 2008, p. 31)
Sheila Cristina Monteiro Matos
7160
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
incorporação de um currículo centralizado oficial tornaria a escola uma escola de
classes, o que iria de encontro à democratização do ensino.
Pensar em um único currículo para toda a região amazônica, uma das áreas
mais multifacetadas culturalmente do mundo, é não respeitar a diversidade cultural
existente. É impor um modelo que, com certeza, não vai valorizar os saberes populares.
Infere-se, portanto, que as políticas públicas devem fomentar currículos
formais para Amazônia valorizando os saberes populares de cada região: ribeirinhos,
centros urbanos, tribos indígenas, campo, reservas florestais, assentamentos etc. Assim,
o currículo pode ser um efetivo terreno de política cultural que forneça condições rumo
à educação com qualidade.
3 REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO INTEGRAL E SUA IMPLANTAÇÃO NA
AMAZÔNIA
Neste Século XXI, diversos autores e pesquisadores brasileiros em educação
redescobrem e retomam a Educação Integral em prol de uma formação humana mais
completa, ao congregar e articular três instâncias básicas: a educação intelectual, a
educação física e a educação moral (GALLO, 2002). Sua relevância vem sendo
corroborada em termos de políticas públicas, tornando-se presente nas mais recentes
legislações educacionais brasileiras com a ampliação do tempo e espaço nas redes de
ensino em diversos estados e municípios do País.
Feldman (2003) afirma que essa ampliação possibilitaria a democratização do
ensino público
A escola pública tem um espaço próprio que precisa ser
redimensionado. Devem ser revistos seus métodos pedagógicos, sua
organização curricular, sua gestão, os saberes nela e por ela
veiculados, em concordância a uma definição e viabilização de
políticas públicas compromissadas com os princípios autênticos da
democracia e da participação. Mudar o tempo e o espaço da escola é
inserir-se numa perspectiva de mudança das estruturas sociais, tendo
como horizonte de possibilidades a transformação de uma sociedade
injusta e excludente para uma sociedade mais igualitária e integrada
(p. 88, grifo nosso).
Entender os atuais pressupostos de Educação Integral nos remete a estudá-la a
partir de sua história. Essa temática eclodiu no Brasil, de fato, em 1932, por meio de um
movimento de educadores e intelectuais renomados no campo educacional chamados de
Sheila Cristina Monteiro Matos
7161
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
Escolanovistas. Suas ideias foram em defesa da adoção de um tempo ampliado com
qualidade na escola, em favor de uma educação única, laica, obrigatória, pública e
gratuita.
Os ideais escolanovistas se materializaram a partir de alguns atos, tais como: a
criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), em 1938; a designação
para a chefia de cargos na burocracia educacional pelos signatários do Manifesto de
1932; e a criação dos periódicos da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, a RBPE,
que, em 1944, trazia temáticas renovadoras pautadas na concepção humanista moderna
(SAVIANI, 2008).
Já nessa época, os ideais escolanovistas chegaram a Belém, maior cidade da
região amazônica até então. Um texto da Assembléia Legislativa de 1937 atesta esse
marco.
A Escola Nova, revolucionando completamente os methodos de
ensino […] trouxe como consequencia a ampliação do
apparelhamento dídactico, tornando-o cada vez mais dispendioso. O
actual desenvolvimento da sciencia educacional exige não só
installações perfeitas para o preparo intellectual do alumno, como
também uma sã assistência moral e bem orrientada educação physica
[…] Além disso, é imprescindível que seu corpo docente seja culto,
dedicado, animado de um patriotismo e tenha á sua disposição um
apparelhamento escolar completo (apud ROSÁRIO, 2008, p. 49, grifo
nosso).
A precariedade de material e de pessoal foi decisiva para sua não efetivação na
Escola Pública, resultando em ações meramente discursivas e teóricas.
Preponderantemente, essa renovação no Brasil foi uma consequência dos
pensamentos de John Dewey, sobretudo na visão de “perceber que a escola não pode ser
uma preparação para a vida, mas sim, a própria vida” (LOURENÇO FILHO, 2002, p.
289). Toda sua discussão “continha a ideia de religamento entre os conhecimentos
escolares e a vida em plenitude” (CAVALIERE, 2002, p. 255). Com base nas
experiências que prova, a vivência educativa torna-se para a criança num ato de
constante construção e reconstrução de saberes.
Cavaliere (2002) ainda atesta que a prática do pensamento pragmático de
Dewey foi mais desenvolvida e consistente nos Estados Unidos devido à formação
social americana. “Sua pluralidade étnica e cultural demandava um tipo de
escolarização da qual emergissem cidadãos capazes de construir uma identidade
Sheila Cristina Monteiro Matos
7162
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
cultural” (p. 256), o que vem a democratizar o ensino, premissa tão necessária à
realidade educacional brasileira. Logo, a identidade cultural que emerge na Amazônia,
tão ímpar como foi visto na seção anterior, deve nortear os conhecimentos curriculares.
Anísio Teixeira, verdadeira legenda brasileira desse movimento, afirmou que o
pensamento renovador de Dewey trouxe como proposta inovadora fazer uma escola de
vida, em que as matérias fossem experiências e atividades da própria vida (TEIXEIRA,
1977).
As ideias de Anísio influenciaram a implantação da Escola-Classe em Brasília,
na década de 1960, e, posteriormente, a criação dos Centros Integrados de Educação
Públicas (CIEPS), na década de 1980, no Rio de Janeiro, bem como a dos Centros de
Atenção Integral à Criança (CAICs), na década de 1990, já em âmbito nacional (MOLL,
2008).
Os CIEPs e os CAICs foram experiências inovadoras, porém frágeis e
emblemáticas, sobretudo por não haver políticas de continuidade nessa esfera
educacional (COELHO; MENEZES, 2007). Essas experiências, aliadas a contrasensos e
dissensos de Políticas Educacionais naquele período, tornaram o discurso da Educação
Integral ser conhecido como utópico e fantasioso.
Algumas décadas depois, a temática da Educação Integral retorna aos cerne das
legislações de ensino. No campo ideológico, possui conotações das mais variadas
possíveis, perpassando por concepções que defendem a jornada ampliada a partir da
centralidade da escola, bem como outras concepções que entendem que há possibilidade
de tempo e espaço escolar sem a necessária centralidade da instituição escolar. Enfim,
são concepções que aparentam similaridades, porém em seu cerne conceitual e político,
são completamente diferentes.
Na concepção de Educação Integral numa perspectiva integrada, a escola está
integrada num contexto maior de aprendizagem escolar. “Essa ideia assevera que a
solução para muitos males e mazelas no interior da sociedade e, mais precisamente no
espaço escolar, está direcionado à falta de sensibilização e do envolvimento da
população” (GADOTTI, 2008, p. 14). Portanto, torna-se ímpar agregar a escola a outros
parceiros em prol de uma Educação Integral. Como exemplo, temos a “Escola
Integrada”, de Belo Horizonte, que nada mais é que a ampliação da Escola Plural.
Sheila Cristina Monteiro Matos
7163
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
A outra concepção de Educação Integral enfatizada pela literatura estudada é na
perspectiva de uma Educação Integradora. As características e princípios sobre essa
nova modalidade é claramente explicitada pela publicação organizada por Carmen
Granell e Vila (GOMEZ-GRANELL; VILA, 2003).
A publicação abarca que a escola precisa, necessariamente, comprometer-se a
um projeto de cidade. Nesse projeto, a escola deixa de ter a centralidade do
planejamento do processo educativo, ampliando-se os espaços escolares. A escola
adentra a esse projeto como mera parceira, destituindo-se, assim, do seu grande papel de
propulsora de uma educação comprometida com a criticidade e com a transformação
social.
É perceptível, ao estudar os diversos artigos que compõem a obra, que há
algumas “questões de fundo” que precisam ser identificadas, estabelecendo conceitos da
nova ordem econômica e social mundial. Nesta ordem, o Estado, o grande mantenedor
financeiro das Políticas Educacionais, passa a ser meramente o co-responsável,
destituindo-se de seu comprometimento em manter as políticas de fomento a uma
educação de qualidade.
Nessa conjuntura, corroboramos com o pensamento de Leher (Apud
FRIGOTTO, 2005) que afirma que
o fundo público garante apenas um patamar mínimo de escolaridade
ou de subsídio aos mais pobres. A educação e a qualificação
transitam, assim, da política pública para a assistência ou filantropia
ou como a situa o Banco Mundial, uma estratégia de alívio da
pobreza (p. 15).
Outras dimensões conceituais são tratadas no livro, abarcando que, no plano
ideológico, desloca-se a responsabilidade social para o plano individual. Nessa
perspectiva, o indivíduo passa a ser o grande mantenedor de seus sucessos e fracassos
na nova ordem mundial, culpabilizando este se não consegue ascensão profissional ou
cultural. Há a descaracterização de uma análise conjuntural e política de sociedade.
Estas idéias sobre Educação Integral numa perspectiva integradora são
corroboradas por discursos em defesa de parcerias, teias sociais, redes e, mais
exatamente, comunidade educativa. Este último conceito se mostra contínuo na defesa
de uma educação integradora e, como tal, vem se engendrando na perspectiva de semear
Sheila Cristina Monteiro Matos
7164
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
ideologicamente que a escola, sozinha, não tem a competência em prover esforços para
transmitir valores e atitudes educativas.
Assim, percebemos o quão querem desmoralizar a escola no seio de seu papel
social e cultural. A escola tem sua verdadeira missão no ato de educar para a cidadania a escola instrui e potencializa os indivíduos nas diversas linguagens do conhecimento!
Esse é seu verdadeiro papel. Ela não tem a obrigação de absorver todas as funções do
educar (família, igreja, grupos sociais, dentre outros).
Ainda sob esse prisma, devemos compreender que a escola deve ser a
protagonista no projeto educativo e, não necessariamente a cidade. Se acharmos que a
escola tem enfraquecido seus ideais de transformação social e cultural, permitir-nosemos assumir uma educação que reproduz uma sociedade excludente e desleal.
Para que possamos amadurecer nessa reflexão, temos que entender que a
educação é vista sob um prisma dos aspectos econômicos e produtivos, atrelados, é
claro, à teoria do capital cultural. Esta teoria defende que precisamos nos adaptar a atual
sociedade da informação, buscando uma qualificação desenfreada a qualquer preço, sem
de fato, ver se haverá um lugar promissor no mercado de trabalho (MOTTA, 2008). É a
apropriação de uma cultura que na maioria dos casos, forma mão-de-obra barata e
qualificada. Nas palavras de Gaudêncio Frigotto (2006), é a instalação da precarização
do trabalho na nova sociedade capitalista.
Esse período de modernização conservadora sob a égide da Pedagogia da
hegemonia do capital é claramente percebida quando Gomez-Granell e Vila (2003)
afirmam que
a educação deve transcender os muros escolares e direcionar uma
renovação escolar para práticas sociais agregado a parceiros e teias
sociais com o intuito de se resgatar um co-responsabilidade de todos
na construção de um mundo melhor e mais solidário ( p.17).
É a modernidade sob o pretexto da teia social e laboral!
Uma outra categoria analisada por Gomez-Granell e Vila é a discussão sobre
cidadania. Para os autores, a cidadania é construída a partir de uma proliferação de uma
educação referendada no projeto de cidade. Cabe ressaltar, que o conceito de cidadania
agrega-se aos quatro pilares da educação (aprender a fazer, aprender conhecer, aprender
a conviver e aprender a ser), estes condicionantes reais determinado pelos grandes
organismos internacionais, em especial, a UNESCO. Assim, os autores nos levam a
Sheila Cristina Monteiro Matos
7165
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
entender que lutar contra a exclusão e a marginalização dos indivíduos seria fomentar a
operacionalização desses pilares e congregar esforços nas redes comunitárias de
solidariedade. Observamos, assim que, o dissenso para a mobilização social, crítica e
participativa, não são levado as em consideração para a efetivação de práticas
emancipadoras no espaço educativo.
Outra modalidade de Educação Integral é caracterizada como o tempo ampliado,
subsidiada atualmente pelo Programa Mais Educação do governo federal, ao distribuir
recursos que visam a apoiar a ampliação da jornada escolar para aquelas escolas que
possuem o IDEB abaixo da média nacional.
Segundo o texto “Referência para o debate Nacional”, sua implantação deve
valorizar aspectos de identidade cultural, pois afirma que “a instituição escolar é
desafiada a reconhecer os saberes da comunidade […] e com eles promover uma
constante e fértil transformação” (MOLL, 2008, p. 33). De nada adianta a efetivação de
políticas de Educação Integral não respaldada pela identidade cultural do grupo em que
tiver inserida.
As propostas do Programa Mais Educação chegaram às capitais da Amazônia.
Em Manaus, a Secretaria de Estado de Educação e Qualidade do Ensino do Amazonas
(2008) delineia que suas políticas educacionais têm por finalidade possibilitar a
permanência do aluno na escola, no tempo devido para a construção de sua cidadania.
Assim, possui 6 escolas de tempo integral para o ensino fundamental e duas para o
ensino médio. O cotidiano dessas escolas inclui atividades como artes, música, teatro e
estudos dirigidos entre 07 e 17 horas.
Apesar de existirem críticas que afirmam que tal iniciativa somente possui
cunho político-eleitoreiro (SANTOS JÚNIOR, 2009), o governo estadual do
Amazonas vem aumentando a estrutura para abrigar escolas de Educação Integral.
Atualmente, estão sendo construídos quatorze Centros Educacionais de Tempo
Integral com estruturas que irão contar com piscina, campo de futebol, salas de aulas
climatizadas, laboratório de ciências, laboratório de informática, quadra poliesportiva,
refeitório e biblioteca (MANAUS..., 2009).
Percebe-se que em Manaus existe um planejamento bem definido para a
concretização do Programa mais Educação.
Sheila Cristina Monteiro Matos
7166
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
Em Belém do Pará, o Programa Mais Educação já atende 56 escolas.
Implantado em 2008, visa a garantir a permanência de crianças, adolescentes e jovens
por mais tempo na escola ao desenvolver oficinas pedagógicas e ações sócio-educativas
e de convivência no contraturno escolar (SEDUC, 2008).
Porém, realizando entrevistas semiestruturadas junto a professores das Escolas
Públicas que adotam o tempo ampliado no entorno das comunidades carentes dos
bairros do Guamá e da Terra Firme, verificamos que ainda falta capacitação contínua de
professores e estrutura interdisciplinar para a consecução dos objetivos da Educação
Integral. Para se ter uma ideia, há escolas que não oferecem comida entre os turnos
escolares.
Falácia, assistencialismo, educação com qualidade, democratização do ensino?
Será que a precariedade de material e de pessoal, tal como aconteceu em 1937, será
decisiva para sua não efetivação na Escola Pública?
4 SABERES E PRÁTICAS NA JORNADA AMPLIADA
Como educadores, devemos valorizar a diversidade cultural e os saberes da
comunidade, garantindo a “identidade de cada tradição e promovendo a solidariedade tarefa intransferível da educação” (FISCHMANN, 2002, p. 112).
Conforme já delineamos anteriormente, de nada adianta se a efetivação de
políticas de Educação Integral não for respaldada pela identidade cultural do grupo em
que tiver inserida. Yrrla Silva (SILVA, Y., 2002) corrobora essa ideia, destacando que
uma das causas de fracasso dos projetos dos CIEPS foi, justamente, perceber os alunos
das classes populares como portadores de um déficit cultural, não de diferenças
culturais. Diferenças essas, conforme abordamos, andam geminadas com a construção
identitária.
Para tal, a escola, enquanto espaço heterogêneo e plural (GADOTTI, 2008),
deve aproveitar as situações comuns do dia-a-dia das crianças, empregando-as como
exemplos e como “matéria-prima” para desenvolver um raciocínio científico.
Relacionar questões do cotidiano com as estudadas na escola torna mais fácil a
assimilação de conteúdos estudados. Seria a aplicabilidade do pensamento de Dewey,
resgatando-se, no interior do cotidiano escolar, questões de “pertencimento” a um
Sheila Cristina Monteiro Matos
7167
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
grupo, a uma comunidade, a uma categoria profissional, em prol de efetivar
experiências transformadoras rumo a um ideal coletivo na sociedade.
Quando relacionamos currículo e cultura, verificamos que a discussão do
currículo nos remete a pressupostos de luta pelo poder. Essa luta deve ser concebida
pela equipe pedagógica que, como intelectuais transformadores (cf GIROUX apud
SILVA, T., 2007, p. 55), deve estabelecer objetivos valorizando a cultura popular,
silenciada historicamente pelas políticas hegemônicas de currículo.
Esta valorização vem, paulatinamente, surgindo na realidade amazônica. A
demanda por saberes historicamente construídos pelas minorias étnicas é real e latente.
Uma grande parcela professores, gestores e demais profissionais da educação, ao
elaborar os caminhos a serem percorrido no cotidiano escolar, já se propõem a pensar o
caráter histórico, social, ético e político dessas ações curriculares.
Em se tratando de Educação Integral em jornada ampliada, a estrutura
curricular para o ciclo básico do ensino fundamental nas escolas do Amazonas
(SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO E QUALIDADE DE ENSINO DO
AMAZONAS, 2008) tem seguido esta estrutura:
- Língua Portuguesa, Artes, Educação Física, Matemática, Ciências Naturais,
História, Geografia e Ensino Religioso. No contraturno, há oficinas de orientação de
estudos, leitura e escrita, resolução de problemas matemáticos, orientação em pesquisa,
práticas em laboratório de Informática e Ciências.
Como atividades complementares o currículo contempla:
- Informática, Língua estrangeira, capoeira, dança, teatro, música, xadrez, tênis
de mesa, coral e fanfarra.
Na análise desse documento, apesar de haver referências à capoeira e fanfarra,
não se verificou reflexões emancipadoras contundentes na forma de se pensar o
currículo, tampouco questões ligadas a saberes da comunidade, nem quais conteúdos
que deverão, propositalmente, ser legitimados em sala de aula.
Já em Belém, nossa entrevista com uma gestora de uma escola atendida pelo
Mais Educação torna evidente o não comprometimento efetivo com a identificação
desses saberes. O foco tornou-se o recurso financeiro administrado pelo Programa, e
não a educação com qualidade.
Sheila Cristina Monteiro Matos
7168
Saberes e Práticas na Jornada Ampliada Escolar na Amazônia: um estudo de currículo pautado na educação
integral
Essa análise sinaliza que a proposta curricular ainda precisa ser aperfeiçoada
no que tange aos saberes não instituídos pelo currículo formal, apresentando
fragmentações na elaboração do saber e dissociando-se da proposta de Educação
Integral.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação Integral visa a atingir um horizonte de transformação de uma
sociedade injusta e excludente para uma sociedade mais igualitária a partir da
democratização do ensino. De nada adianta, porém, se sua efetivação não for respaldada
pela identidade cultural do grupo em que tiver inserida.
Para a realidade amazônica, mais do que recursos como o Mais Educação,
deve-se implementar os currículos, verdadeiros documentos de identidade, abrangendo
e valorizando os saberes populares, o que fornece, de fato, condições rumo à educação
com qualidade.
Os resultados da investigação sinalizam que a proposta curricular das escolas
estudadas ainda precisa ser aperfeiçoada no que tange aos saberes não instituídos pelo
currículo formal, apresentando fragmentações na elaboração do saber e dissociando-se
da proposta de Educação Integral.
Assim, deve-se ponderar, no espaço escolar, os saberes que norteiam a
realidade amazônica2. Isso fomenta um novo direcionamento em prol da valorização dos
conhecimentos
culturais
socialmente
construídos
pela
comunidade
e
trilha
verdadeiramente o ensino rumo à qualidade.
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2
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Sheila Cristina Monteiro Matos
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Sheila Cristina Monteiro Matos
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
A PROPOSTA DE LETRAMENTO NA FORMAÇÃO
DO ALUNO – UM DIÁLOGO IMEDIATO COM A
SOCIEDADE
Sônia Maria Cândido da Silva
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
A PROPOSTA DE LETRAMENTO NA FORMAÇÃO DO ALUNO – UM
DIÁLOGO IMEDIATO COM A SOCIEDADE
Sônia Maria Cândido da Silva
RESUMO: Um breve estudo sobre as práticas educativas, tendo como subsídio o
gênero textual a canção Encontros e Despedidas. O objetivo é analisar a presença de
conteúdos curriculares como Movimentos Sociais na MPB, cujo estilo traduz uma
reflexão do fenômeno: migração interna no Brasil, como tema para fomentar métodos e
técnicas pedagógicas, à luz do pensamento de Freire.
PALAVRAS-CHAVE: práticas educativas – letramento – movimentos sociais.
1 INTRODUÇÃO
Nossa proposta de estudo defende os gêneros textuais se apresentando como um
“instrumento” metodológico, complexo que compreende níveis diferentes, o que faz
deles ser um megainstrumento para as práticas educativas e para o ensino com
linguagem na Educação Básica. Com base nesse entendimento, o estudo objetiva: 1)
apresentar uma reflexão, em torno do ensino aprendizagem com gêneros textuais,
especialmente, com uma canção: Encontro e Despedidas, que está sendo tomada num
contexto do fenômeno da migração interna no Brasil; 2) compreender os pressupostos
teóricos, advindos de uma metodologia de análise de diálogo interacionista que norteia
atividades de/com linguagem na construção de modelos didáticos de ensinar a
compreender textos; e, ainda, 3) analisar dados do perfil da população migrantes e suas
interações culturais em cujos movimentos de idas/ vindas ali interpretadas e
culturalmente experienciadas se apresentam no gênero a serviço do letramento, a
serviço das práticas pedagógicas dialogantes dos professores de Educação Básica.
Tratar-se-á de um estudo, em linhas gerais, sobre a canção, em epigrafe:
Encontro e Despedidas, traduzindo uma prática social, apontando uma cultura de
migração que faz parte da dinâmica social, ou seja, a canção traduz movimento social.
Sônia Maria Cândido da Silva
7176
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
Com base nessa canção, tomamos emprestada a questão: a migração pode ser
considerada um problema social? , colocada à discussão na Revista NOVA ESCOLA,
ano XXIV, nº.224 de agosto de 2009, para subsidiar uma prática educativa.
As canções são textos que apontam, elucidam questões sociais. Desta feita,
apropriar-se delas como um megainstrumento para as práticas educativas, torna-se
relevante, em especial, analisá-las sob a perspectiva do letramento, uma vez que
representam momentos significativos da história da sociedade. No Brasil, por exemplo,
tal migração inspira uma realidade vivenciada por cidadãos, considerados excluídos das
atividades sociais, como emprego, moradia, entre outros. Como texto, a canção em
foco, mostra os encontros e desencontros das culturas, das buscas, é realista e insere na
história uma gente que precisa estar incluído socialmente, num contexto histórico
marcado, desencadeado, ora pelas secas, ora pelos programas sociopolíticos e
econômicos contra essa fatia da população.
A discussão teórica contará com os estudos Schneuwly e Dolz (1998), Rojo
(2006) para tratar das práticas de linguagem instrumentando o ensino. Os estudos de
Contier (2005; 1996) para ancorar os estilos musicais nos Movimentos Sociais,
apontando cultura, autovalorização das raças, denúncias e exclusão social e racismo.
Para as questões de inclusão/exclusão, como prática educativa, elucidada nos textos e
discursos sociais, através do ensino, pautaremos nos trabalhos de Paulo Freire e
seguidores, como Libâneo, que pensam homens sociais como sujeitos sociais
politicamente conscientes que estão em/com o mundo para transformar a realidade, nãofixa, e “(i)mutável”, como é o caso da canção, ora em estudo.
Para tal reflexão, dividiremos o estudo em três partes: a) na primeira, estão os
gêneros textuais como megainstrumento para prática educativa, em especial, para o
processo de letramento, no caso, o gênero canção. b) Na segunda, discutir-se-á um
modelo de prática educativa, apontada nas políticas de currículo para o ensino com
linguagem; e, c) analisar-se-á a canção, objeto de estudo, a partir dos critérios: sóciohistória e descrição do fato social apontados na letra, conforme a hipótese de fatos
sociais colocada pelo autor da canção, como o da representação de um momento
significativo da história do(s) sujeito(s) em epígrafe – os migrantes; e, em seguida, a
análise linguístico-discursiva do texto.
Sônia Maria Cândido da Silva
7177
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
2 O MEGA-INSTRUMENTO DA PRÁTICA EDUCATIVA: OS GÊNEROS
TEXTUAIS E O LETRAMENTO CONSTRUINDO UM SUJEITO SOCIAL
A prática de/com linguagem é um instrumento que desempenha papel central no
desenvolvimento das atividades e das ações humanas. Com base nesse entendimento, as
reflexões, acerca das atividades sociais de/com linguagem, configuram-se pelas
escolhas dos gêneros textuais, cujas atividades sociais com a linguagem se dão em uma
determinada situação, o que confere uma ação didática dos saberes de referência que
possam fundamentar progressões curriculares de gêneros suscetíveis de serem
trabalhados no Ensino Fundamental e Médio, assim como no Ensino de Jovens e
adultos (EJA).
Tal pensamento conduz a investigações do ensino aprendizagem de leitura e
escrita, dentro de um processo de “letramento contínuo”. Nesse processo, as atividades
práticas conduzem ao desenvolvimento da consciência, do reconhecimento holístico das
palavras, abrem os horizontes dos sujeitos alunos ali envolvidos para compreender e
interpretar o mundo. A exemplo disso, têm-se esses sujeitos avaliando, inferindo fatos,
isto é, sendo sujeitos dessa história.
Do ponto de vista social, os gêneros textuais, em geral, são inerentes às
atividades do cotidiano dos sujeitos que vivem em sociedade, uma vez que cada
atividade suscita outras e, por sua vez, gêneros textuais diversos. No que diz respeito à
escola, são megaferramentas para planejar atividades diversas com alunos. E quanto à
vida sócio-individual, tais gêneros são práticas sociocomunicativas que fazem desse
discente um sujeito social que sabe e pode usar a língua nos textos em seu favor,
apreciando e experienciando-os e, ao mesmo tempo, apropriando-se deles no/para o
mundo. Como prática educativa, tais gêneros devem estar presentes no currículo
escolar, como artefatos riquíssimos para formar leitores, para subsidiar as atividades
escolares em situações reais, já que o fenômeno Letramento é sociocultural e envolve as
atividades sociais diversas, cuja ênfase recai nos usos, nas funções e nos propósitos de
se estar no contexto social.
Costa Val (2006) defende os gêneros textuais como processo de inserção e
participação na cultura escrita. Com base nesse entendimento, defende-se que os
suportes e os gêneros destes podem ser aqui colocados como “artefatos didáticos” já que
Sônia Maria Cândido da Silva
7178
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
possibilitam compreender o uso de textos diversos em situações também diversas, no
que trata o uso da língua(gem) em práticas sociais, em situações em que são necessárias,
como ler e produzir texto para atender uma exigência social. Como se pode notar,
concorda-se com esse pensamento de Val de esses gêneros em sala de aula também se
apresentarem como um conjunto de conhecimentos, atitudes e capacidades nas práticas
sociais.
No processo da prática educativa, fazer o “letramento”, com o subsídio dos
gêneros textuais, possibilita uma pedagogia com autonomia. Diante disto, é
imprescindível que os alunos tenham domínio do fazer/elaborar e produzir textos, pois
essa prática de letramento abre portas para o mundo, para o diálogo, tornando o aluno
capaz de participar do mundo real, como indivíduo social. Conforme esse entendimento,
essa prática educativa também pode estar presente na Educação Infantil, pois, mesmo
nas atividades educativas com criança “não-alfabetizada”, pequena, já se pode inserir o
processo de letramento. Para tal, os gêneros textuais possibilitam uma leitura
“incidental”, conforme pensa Soares (2004), como leitura de linguagens diversas:
rótulos, de textos não-verbais: gestos, imagens, emoções, conforme subsidio fomentado
pela linguagem, atividade inerente ao homem.
O diálogo(ismo) com/no o mundo nessa fase vem antes das letras, do ponto de
vista formal. Como afirma a mesma Soares, o contato dialogal vai além das letras, para
isto, o professor educador contará com a linguagem em seu funcionamento constituída
nos gêneros textuais, em seu favor, através do ato do diálogo: ensinar aprender e
aprender a ensinar, no caso com textos. Conforme esse diálogo(ismo), Bakhtin e Freire
nos mostram que o homem se constitui via linguagem, com isso, as práticas educativas
devem contar com esta estratégia de constituição para ensinar a ler e escrever e, assim,
atender às demandas sociais e, por sua vez, promover a inserção social formalmente
para que essa criança pequena comece a se preparar para o exercício da cidadania.
Com Freire compreendemos que a linguagem em seu funcionamento no mundo
é prescrita na leitura e na escrita. Para esse filósofo, que defende uma Educação
Libertadora e Autônoma, é preciso saber lidar com a leitura e a escrita, pois estes atos
empurram os aprendizes do saber para a vida e levam-nos, em qualquer fase, em que se
encontram, a incluírem-se no mundo. Para tal, têm-se os gêneros textuais levando esses
discentes para dentro desse mundo que lhes interessa viver.
Sônia Maria Cândido da Silva
7179
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
Com base nesse pensamento freiriano, contamos com os gêneros textuais nas
práticas educativas estabelecendo o caminho da invenção da cidadania, pois, em cujos
palcos estão as lutas e as conquista do cotidiano das gentes que vivem em sociedade.
Com isso, a aprendizagem requer uma dinâmica dos seus “ensinantes”, desfazendo,
como diz Freire, isto é, precisa-se desfazer a dicotomia da leitura de mundo da palavra
descontextualizada, sem gente, sem luta, sem mudança ou transformação social. Diante
disso, compreende-se que a leitura dessa palavra não encontrará sentido se não houver a
leitura do mundo. É preciso ensinar saber lidar com a palavra completa, porque fomenta
mudanças de atitudes diante das questões sociais, nossos discentes como “aprendentes”
utilizam os textos socialmente para serem reconhecidos como sujeitos plenos, diante da
cidadania.
Nesse contexto, as práticas devem visar a um saber sociocomunicativo, amplo,
de modo que a competência comunicativa perpasse o ensinar aprender texto pelo texto,
mas que vise à comunicação como um pilar de ações que permita o “aprendente” a usar
o mega-instrumento, definido-o como pessoa real e social atuando entre as pessoas e as
necessidades sociais, como recomenda os PCN’s no currículo escolar.
Nessa perspectiva de o gênero textual subsidiar as práticas de letramento, na
escola nas fases EI, EJA e ou Ensino Fundamental e Médio, têm-se as práticas
educativas mergulhando e inserindo ensinantes e aprendentes num contexto de relações
de convívio social vívido, onde e quando coloca a língua(gem) no texto. Com isso, os
sujeitos alunos e professores educadores, por excelência, estão convidados a lidar com
textos, o que faz retomar o pensamento dos filósofos: Freire e Bakhtin, ser produtor de
textos pressupõe dialogar com outros textos, outros sujeitos.
Essa relação dialóg(o)ica da palavra colocada por esses pensadores faz
compreender o ensino aprendizagem sempre relacionado à relação de interação social,
cujo espaço permite o ato de descoberta, privilegia a ação sociocomunicativa, o texto e a
palavra. Propõe o aluno ser um sujeito crítico que entende o mundo que pode ser
transformado socialmente.
2.1 A canção – megainstrumento textual para a prática educativa
Sônia Maria Cândido da Silva
7180
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
O Gênero canção na prática educativa torna-se relevante por trazer à sala de
aula, em qualquer fase, uma proposta de experienciar cultura(s) de processar o
letramento. Trata-se de uma língua(gem) da cultura que informa ludicamente sobre os
tempos e as formas e sociabilidades, assim como fatos sócio-históricos e sociais, em
especial, circuitos e culturas diversificadas que permitem estratégias educativas de
entender o funcionamento da língua(gem) apresentando os fatos sociais. Diante disso,
interessar-se por gêneros textuais, especialmente, as canções, é trazer cultura para o
ensino aprendizagem, é uma forma colocar em ação a palavra pela palavra na prática
educativa com letramento.
Com base nesse entendimento, a canção é uma condição didática para trabalhar
as questões e comportamentos sociais, como Movimentos Sociais (MS), por exemplo.
No evento comunicativo, ali constituído, estão a informação, o registro dos fatos sociais
na história; estão a denúncia, as ideologias locais e/ou nacionais, assim como as
identidades e as questões em torno de grupos e comunidades excluídos.
Tal gênero envolve o discente a querer se mergulhar nos acontecimentos, ali
instituídos, com o fim de refletir o conteúdo ali apontado, assim também a informação
viva num certo contexto sociocultural. Envolve esse aluno desde o estilo ao ritmo, as
letras traduzem a ideologia e são textos que mostram momentos significativos da
história do Brasil, isto, ao colocar temas sociais, como: a fome na canção: Comida é
arte...; adoção de bichos/crianças em: Troque seu cachorro por uma criança pobre...;
violência contra as raças em: O canto das três raças; movimentos sociais em: Canção
do estudante e etc.
Nesse viés, vê-se que a canção possibilita uma proposta de prática educativa,
coloca os alunos em contato com as questões sociais, em diálogo com as culturas e as
subculturas, retratando os fatos da realidade do mundo desses discentes. Não só através
da linguagem verbal, como também outras formas de linguagem como o estilo, o ritmo;
e, ainda o contexto sócio-histórico cultural, tais elementos fazem o leitor experienciar a
realidade ali constituída sobre a vida cotidiana de um brasileiro.
3 UMA PROPOSTA DE MODELO DE PRÁTICA EDUCATIVA PARA O
ENSINO COM LINGUAGEM NOS GENEROS TEXTUAIS
Sônia Maria Cândido da Silva
7181
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
Nessa discussão, propõe-se um modelo de prática educativa de base pluralista,
em cujas atividades pedagógicas contemplem a inter transdisciplinaridade, a fim de
colocar, no espaço escolar, um exercício que possibilite autonomia para o educando. Tal
proposta está dentro da educação freiriana, a que faz o educando despertar um senso
crítico, diante das condições oferecidas pela sociedade, no sentido de saber se libertar
das opressões, de aprender a transformar certos valores que amarram e empurram-no
para baixo, sem dar-lhe chance de se inserir na sociedade como sujeito pertencente. A
esse respeito, como diz: Azanha (2004), a sociedade é um conjunto de vínculos sociais,
que são frutos da adesão ou da rejeição de uma multiplicidade de valores pessoais e
sociais.
A ideia de um modelo pedagógico tendo os gêneros textuais como suporte de
ensino aprendizagem visa a praticar melhor a relação dessas práticas com o mundo, das
práticas especificas com esse mundo, conscientes da realidade social. Estas devem,
desde já, ser vivenciadas na escola, por serem rotinas que constam saberes, valores,
identidades impregnadas nas relações sociais, conforme papéis a serem experienciados
em suas devidas fases. Executar tal propósito é fazer o aluno tomar consciência dos
valores que a sociedade disponibiliza e exige para que possa ser um sujeito de sua
própria história, eticamente social.
Acerca desse modelo de prática educativa, que se quer refletir, é interessante
lembrar que a proposta de ensino não está apenas no saber, ou apenas depende do
professor, assim como a aprendizagem não depende apenas do aluno. Com esse
pensamento, à luz de Freire, vê-se que a relação dual discente/docente complementa-se
com uma prática com gêneros textuais para tornar real a aprendizagem do saber que está
no mundo.
Diante disso, é mister lembrar o rigor metodológico para tal prática. Nesta,
espera-se que se desenvolva uma atividade que busque o saber do mundo assimilando
fatos, de forma crítica, com questionamentos para entender o que acontece nesse mundo
à mostra naquele texto escolhido, isto relacionando com os conhecimentos e
experiências vívidas pelos alunos ali envolvidos. Tal prática escolar fará o aluno
aprender a pensar, com isso, esse aluno terá a facilidade de se desenvolver socialmente,
a se sentir no/com mundo, como quer Freire.
Sônia Maria Cândido da Silva
7182
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
Uma proposta, nesse âmbito, é inovadora porque os gêneros textuais desafiam os
alunos e professores a entenderem a dinâmica do continuum de viver participando das
atividades sociais. Isto, porque esses educandos veem que tais textos fazem parte da
vida de qualquer cidadão, independente das classes e/ou raças sociais, fazem-nos
compreender que viver socialmente é saber lidar com textos, é comprender como
funciona a linguagem colocando as situações sociais no texto.
Esse propósito de experienciar o mundo e de buscar de saberes nos textos suscita
o espaço para o diálogo. Neste, o educador se envolve com a história do seu aluno, com
o pensamento dele, o que suscita ouvi-lo, promover um debate, uma troca de
experiência e de cultura. Tudo isso estimulará o gosto pelo texto, pois, sem ele, a prática
escolar não terá sentido de existir. È interessante refletir que tal proposta metodológica
torna-se inesgotável, uma vez que é multi trans e interdisciplinar, porque envolve
realidades diversas e dinâmicas do mundo, envolve desde a dimensão individual à
coletiva.
É relevante esclarecer que essa perspectiva de ensino não permite memorização
mecânica, porque as palavras, as ideias que surgem no embate vêm da experiência
individual e coletiva daquele espaço escolar, vindas de das crianças, jovens e ou adultos
que estejam envolvidos na discussão nesse espaço de aprendizagem, dialogante. Tal
prática conduz os educadores a propor atividades que respeitam os saberes do educando,
que fazem perceber as identidades culturais e rejeitam certos valores atravessados na
sociedade que discriminam as gentes, e negam o direito da liberdade e da autoria de
suas atividades, de ter consciência do direito de ser autônomo na construção da
sociedade pertença.
O significado de ensinar nessa visão é o processo de interação social: aluno e
professor, aluno/professor e escola, escola e sociedade. Diante disso, é papel do
educador combater as mazelas sociais, como preconceitos, falsos moralismos, isto
conforme as propostas que estão marcadas no texto, conforme o procedimento didáticometodológico que os gêneros textuais suscitam
Esse entendimento da interação social, advinda da prática educativa, voltada
para a tríade aluno, escola e sociedade, traz à cena o pensamento de Bakhtin (1997) em
comunhão com o de Freire (1997), a cerca da ideia do inacabamento das coisas do/no
mundo. Em Bakhtin, trata-se de um acabamento inacabado, alocado nas enunciações do
Sônia Maria Cândido da Silva
7183
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
discurso do homem, nos textos que circulam socialmente; em Freire, trata-se da
realidade do inacabamento do ser, ou sua inconclusão que lhe é inerente: ser inconcluso,
ou se complementa no outro, na sociedade. Assim como o discurso do homem e o
próprio homem são (in)acabados, assim também o ato de ensinar na escola deverá sê-lo,
deverá estar em uma sempre (re)construção de atividades, em reformulações de pontos
de vistas para se chegar à produção e/ou à construção de conhecimentos. Para isso, é
necessário estimular momentos de experiências, como fomentar o debate, fazer produzir
textos em situações reais.
4 PROPOSTA DE ANÁLISE DA CANÇÃO: ENCONTROS E DESPEDIDAS –
UMA PRÁTICA EDUCATIVA E DE LETRAMENTO
Para compreender a proposta acima, aponta-se a canção Encontros e
Despedidas, para trazer à prática educativa uma atividade de letramento com gêneros
textuais subsidiando saberes e produção de conhecimento na escola.
Encontro e Despedidas
( Autoria:Milton Nascimento e F Brant)
Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço, venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero
Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim, chegar e partir
Sônia Maria Cândido da Silva
7184
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também de despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida.
(Acesso pelo site: http://letras.terra.com.br)
4.1 As contribuições do gênero canção nas praticas educativas
A análise, ora proposta, explorará, em linhas gerais, alguns dados básicos dos
fatos sociais para pautar a discussão, em torno das práticas educativas, no que se refere
à geração do conhecimento sobre o fenômeno da migração, através das canções. Tais
dados possibilitam apre(e)nder as ações sociais, sejam elas de caráter (ex)includentes
nas práticas sociais, ao serem colocadas nas práticas educativas. Quando se considera
essa
pràtica:
a)
oportunizam-se
os
saberes,
que
circulam
no
contexto
socioculturalmente, o que possibilita à relação discente docente um diálogo com o
mundo fomentando atividades sociais em sala de aula. b) Capacita-se o aluno a ser um
sujeito socialmente inserido na história social, ao se comunicar em diferentes níveis de
linguagem, promovidas pela canção, como debate, relatar os fatos da canção em outra
esfera contextual. Tal atividade faz o aluno conduzir a experiência vivenciada na sala de
aula e no mundo, para fora da escola, experiências estas propostas pela intenção da
canção, como: a denúncia, a informação, os pedidos etc. Diante dessa habilidade, esse
discente se sentirá capaz de recepcionar outras canções e captar as ações ali
constituídas, conforme a habilidade pedagógica conduzida para tal percepção.
Com tal prática, tem-se um momento de construir saberes, de tal feito que
propiciará, nas atitudes do docente, no momento da recepção do texto, da escolha da
canção, um atitude pedagógica mais moderna que faz aluno e professor pensarem,
conhecerem o mundo, em especial, as situações sociais no Brasil. Essa atitude
desenvolve um meio de didatizar um estudo multi trans e interdisciplinar, cujo papel da
Sônia Maria Cândido da Silva
7185
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
linguagem, configurada nesse gênero, relaciona a linguagem e o desenvolvimento
humano - foco de interesse da escola.
Conforme os estudos de Rojo (2000), e o grupo de Genebra, pode-se considerar
o gênero textual, a canção, ser uma ferramenta para uso de modelo de prática educativa.
Esta gera conhecimentos sociais, fomenta procedimentos didáticos pensantes e
dialógicos, porque incita a competência e a habilidade inerentes ao aluno: a
comunicação, e, ainda, habilita o docente a construir saberes, como: a escolha do
gênero, no caso a canção, o procedimento metodológico para inserir o conteúdo
curricular devido. Tudo isto, conforme o contexto do ensino, os níveis dos educandos,
os objetivos de interesse para estudar o tema proposto naquele gênero.
4.3. Do Encontro e Despedidas: um espaço sócio-interativo cultural nas práticas
educativas
Para o procedimento de análise da canção, eis a questão para destacar a
contribuição do gênero nas ações educativas: o processo da migração pode ser
considerado um problema social? Como um fenômeno social natural, a migração no
Brasil nessa orientação é um acontecimento de interação sociocultural, cujos “encontro
e desencontros”, proporcionados pela migração interna no Brasil, formam um espaço de
interação sociocultural. É um processo natural de quem vive socialmente, pois, através
desse contato, dos que migram, é que os indivíduos sociais ali envolvidos dialogam suas
culturas, ganham espaços e saberes sociais, sejam de forma direta, como as visitas
periódicas; ou, sejam de forma menos direta, como as comunicações internas, via
correios, telefone, via Internet.
Com base no pensamento de Barcellos (1995), esse processo gera troca diversa,
por envolver grupos e classes sociais. Apresenta-se com caráter socioeconômico, no
âmbito do planejamento rural e urbano de modo que gera (des)emprego,
(re)qualificação do mercado de trabalho, do tipo descentralizado, no que trata de
padrões de rendimentos.socioeconômicos.
A mesma Barcellos defende que o processo de troca influencia desde o processo
de urbanização, como é o caso do movimento rural-urbano e ainda urbano-urbano. Este
Sônia Maria Cândido da Silva
7186
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
movimento social e popular contribui na integração das regiões no âmbito do
desenvolvimento produtivo das relações de trabalho no que diz respeito à ascensão da
propriedade, em termos da mobilidade social.
Com base nesse entendimento, procede-se a análise numa visão contexto
sociocultural. Para tal, é interessante destacar o título da canção: Encontro e
Despedidas, pois remete às principais características das migrações no Brasil: as
migrações temporais, as de retorno, conforme o termo técnico utilizado no estudo de
Bacellos (2005). A esse respeito, a primeira estrofe da canção mostra a situação da
família do migrante temporal, a que fica, ao dizer: Mande notícias do mundo de lá , diz
quem fica. E do migrante de retorno ao dizer: Me dê uma abraço, venha me apertar, Tô
chegando. Coisa que gosto é poder partir sem ter planos, Melhor ainda é poder voltar
Quando quero.
No que concerne à mobilidade social, o fluxo populacional de idas e vindas, a
canção retrata que: Todos os dias é um vai-e-vem, A vida se repete na estação. Já no
trecho: Tem gente que chega pra ficar, tem gente que vai pra nunca mais... Consta no
relato da canção o migrante de destino; já o trecho que diz: tem gente que vem e quer
voltar, caracteriza o migrante sazonal. E, no verso que diz: tem gente que veio só olhar;
constata-se o migrante que se configura como um “turista de situação” (termo nosso),
também podendo ser caracterizado nesta passagem: Tem gente a sorrir e a chorar, E
assim, chegar e partir.
Acerca desse migrante “turista de situação forçada”, pode-se compreender uma
questão social, advinda do fenômeno de migração no Brasil, a da marginalização desse
migrante. Nesse viés, a migração mostra seu lado cruel, o de possibilitar o caráter
excludente ao marginalizar essa classe social, conforme pode-se refletir na passagem do
texto: Tem gente a sorrir e a chorar E assim, chegar e partir ...
Com base na mesma Bacellos (2005), existem fatores “atrativos e expulsivos”
nesse movimento social. O da atração – configura-se na busca de trabalho e de moradia;
o da expulsão - a falta destes elementos. Como se sabe, muitas vezes, se o movimento
de ida dá-se em grande fluxo, pode causar problemas no planejamento social do local
receptor. Tais sujeitos migrantes, no âmbito geral, saem com destino a ter uma condição
Sônia Maria Cândido da Silva
7187
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
de trabalho marginalizado, a de sub empregos, o que já os leva à condição ser sujeito
excluído.dos segmentos sociais, desta feita voltam, ou por vontade própria, ou por
sugestão dos assistencialistas do governo local, que controlam o fluxo e repetição das
idas sem sucesso do migrante e, assim, ajudam financeiramente a volta desse sujeito.
Na segunda estrofe, o autor da canção coloca o fluxo pendular dos movimentos
populares: são só dois lados da mesma viagem, o trem que chega é o mesmo trem da
partida. E retoma o início do novo ciclo da migração: A hora do encontro, é também a
hora de despedida, A plataforma dessa estação, É a vida desse meu lugar...
Ainda buscando saberes sociais na canção, a MPB representa um movimento
significativo na historia social, só que no âmbito das classes mais favorecidas. Tal estilo
musical inspira uma reflexão em torno desse migrante, que chega e que sai, ao chamar
atenção dos problemas sociais porque muitos passam. Desta feita, sabe-se que existe no
planejamento local de campos mais atrativos, como o Rio de janeiro e São Paulo, como
o de mandar volta tais migrantes temporários aos seus locais de origem, o que Bacellos
chama de migrantes de retorno por pressão dos agentes do planejamento local.
Quanto á presença de figuras de linguagem na canção, atente-se para as
passagens: a) Mande noticias do mundo e lá... b) Todos os dias é um vai-e-vem, c) A
vida se repete na estação, d) Tem gente... tem gente ... tem gente... e) Tem gente a sorrir
e a chorar, f) São só dois lados da mesma viagem O trem que chega É o mesmo trem de
partida A hora do encontro é também a hora da despedida, e g) A plataforma dessa
estação é vida desse meu lugar... é a vida é a vida...
As metáforas alijadas, na canção, têm-se em (a) mostrando uma relação de
distância indefinida entre os que ficaram e os que partiram, num âmbito geográfico: do
Norte/ Nordeste para o Sudeste; no âmbito afetivo: saudades; no âmbito econômico, o
sustento.da “família ficante”. Em (b), tem-se o mobilização intra-urbana, conforme a
expressão vai-e-vem, designando a origem e o de destino. Já em. (c) mostra-se o
cotidiano da vida desse sujeito social, o migrante. A passagem em (d), a repetição tem
gente, tem gente... representa a grande quantidade de migrante, um aglomerado de
gente, suscitando planejamento social; O (e) mostra o antagonismo da situação dos
migrantes sonhos e decepção, por não encontrarem o apoio a seu desejo: o trabalho e a
Sônia Maria Cândido da Silva
7188
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
moradia e, com isso, precisa(rá) voltar. (f) Traz a antítese do movimento, a dialética da
questão social: a migração por duas faces, a que contribui socioculturalmente e a face
que traz problemas sociais quando não planejada pela cidade receptora. E (g) a metáfora
do cotidiano desse sujeito: AVIDA É UM VAI-E-VEM NA ESTAÇÃO.
4 À GUISA DE CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no exposto, procurou-se nesse estudo, pautar uma proposta dialógica
com: escola e mundo social, ensinante e aprendente em situação dialogante, uma vez
que sociedade e homem se constituem pela linguagem. Desta forma, a hipótese aqui se
confirma, a de que as práticas educativas constroem um saber, um saber ensinar e
aprender para atender às demandas sociais, o que configura uma proposta de letramento.
Para isso, o megainstrumento – os gêneros textuais – pode promover a inclusão social
desse discente, porque nessa proposta prepara-se esse aluno para a realidade, para uma
cidadania no mundo.
Aqui se tomou a canção como exemplo para eestabelecer práticas educativas no
viés sociocomuncativo, ao colocar a multi e transdisciplinaridade em foco, através do
saber (re)conhecer nesse gênero os movimentos sociais ali alijados, o da migração.
Nessa proposta, viu-se que os procedimentos metodológicos, para tal pratica, requerem
do professor um perfil moderno, de buscas de conhecimento para colocar na sala de aula
questões sociais que estão marcadas em canções. Tal procedimento didático é eficaz,
porque aluno e professor se envolvem, reconhecem-se como sujeito da história que são
Ca(o)ntadas no gênero, suscita saberes diversos, assim como integração com outras
áreas de conhecimento. Tal proposta contextualiza as práticas pedagógicas para um
saber comunicativo, cuja base dessas práticas esteja no ato de preparar o aluno para ser
sujeito de sua própria história. Para isso, ele precisa dominar a linguagem que o rodeia,
conforme está presente nos textos em diferentes suportes e situações sociais.
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básica. In: Revista Educ e Pesquisa. Vol 30, n. 2, são Paulo: mai/ago de 2004. Acesso
pelo site: Scielo [email protected], em 13 de set de 2009.
Sônia Maria Cândido da Silva
7189
A Proposta de Letramento na Formação do Aluno – um diálogo imediato com a sociedade
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec,1997.
_______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARCELLOS, Tanya M de. Migrações internas: os conceitos básicos frente à realidade
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RIBEIRO, Vera Masagão (org.). Educação de Jovens e Adultos. Novos leitores, novas
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ZABALA, Antoni Zabala. A prática educativa. Porto Alegre: Artmed, 1998.
Sônia Maria Cândido da Silva
7191
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
UM OLHAR NA ELABORAÇÃO DE
ORIENTAÇÕES CURRICULARES NO RN:
DIZENDO DE SONHOS E AÇÕES
Vânia Maria Benevides Marinho
Maria do Socorro Moreira Santana
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Um Olhar na Elaboração de Orientações Curriculares no RN: dizendo de sonhos e ações
UM OLHAR NA ELABORAÇÃO DE ORIENTAÇÕES CURRICULARES NO
RN: DIZENDO DE SONHOS E AÇÕES
Vânia Maria Benevides Marinho
Secretaria Estadual de Educação e Cultura
[email protected]
Maria do Socorro Moreira Santana
Secretaria Estadual de Educação e Cultura
[email protected]
RESUMO: No presente artigo as autoras dizem a respeito de uma experiência
formativa da Comissão de Currículo/Secretaria Estadual de Educação e Cultura do
Estado do Rio Grande do Norte – SEEC/RN, no processo de elaboração coletiva das
Orientações curriculares para a rede estadual pública de educação. Relatamos a ação, a
formação em rede, agregada a composição de uma coletânea de textos com
fundamentação teórica referenciada por diversos teóricos que contribuíram nos estudos
dos formadores e nos desdobramentos na formação de professores nas escolas estaduais.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Orientações curriculares. Formação.
“Merece mais confiança um só testemunho ocular do que dez que
testemunhem por ouvir dizer”
(PLAUTO apud Comenius,1977, p 234)
O escritor Leonardo Boff (2001) diz que os “olhos partem de onde os pés
pisam” e Gaiarsa (2000) adverte que “os olhos são os maiores espiões do mundo. São
dois, mas funcionam como se fossem um só”. É a partir do testemunho ocular das
autoras que será construído o projeto de dizer sonhos e ações que envolveram e
envolvem a elaboração de orientações curriculares no Rio Grande do Norte. Olhar e
dizer. Considerando todos os significados contidos no dicionário da Língua Portuguesa
(mini-Aurélio, 2001), para essas palavras viu-se que as duas demandam sensibilidade,
envolvimento e coragem.
A escritora Clarice Lispector (2007) quando fala sobre o ato de escrever diz
“Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer.” E o objetivo deste texto é
Vânia Maria Benevides Marinho & Maria do Socorro Moreira Santana
7195
Um Olhar na Elaboração de Orientações Curriculares no RN: dizendo de sonhos e ações
dizer. Dizer de um escrito de uma ação formativa vivenciada no estado do RN, que
envolveu os técnicos das dezesseis Diretorias Regionais de Educação e os professores
da educação básica da rede estadual pública, na visão de suas autoras. Dizer, também,
sobre o olhar na travessia, desde a formação do grupo de estudo, do planejamento,
seleção de material, composição de uma coletânea de textos sobre currículo e dos
saberes e fazeres vividos e experenciados até a atividade formativa, objeto deste texto.
Entende-se, relevante, estender o olhar ao passado para alcançar os últimos
referenciais curriculares do RN, publicados nos anos noventa, um pouco antes do
advento da Lei de Diretrizes e Bases – LDB 9394/96. Na época foi forjada uma
coletânea para todos os componentes curriculares, resultado de uma ampla discussão
com todos os professores da rede estadual. O fato de ter sido publicado sob a égide da
lei 5.692/71 que havia sido revogada pela atual lei, tornou sem efeito a sua utilização.
Em 1998, os professores do ensino fundamental participaram de um Curso de
Atualização Curricular – CAC, com foco nos Parâmetros Curriculares Nacionais e a
implantação dos ciclos no ensino fundamental e tinha como objetivo geral de acordo
com o Manual de informação (1998, p.11):
Promover a melhoria do ensino fundamental, de 1ª a 8ª série, através da
disseminação de novos procedimentos quanto ao planejamento e
implementação do projeto pedagógico da escola, principalmente no que se
relaciona a organização curricular e avaliação do processo ensinoaprendizagem e normatização do fluxo escolar, contribuindo-se, assim, para
a redução dos índices de repetência e evasão na rede estadual pública de
ensino.
Importa dizer a esse respeito que a Coordenadoria de Desenvolvimento
Escolar – CODESE/SEEC atenta às exigências da sociedade do conhecimento, as
inquietações dos coletivos de educadores e a ausência de uma orientação curricular
na/da rede e, sobretudo, a situação dos estudantes e professores e as condições para o
desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem, formou um grupo
intersetorial ligado a CODESE para a articulação e discussão das atividades
desenvolvidas em cada setor que envolveu a dimensão curricular. O grupo, inicialmente,
Vânia Maria Benevides Marinho & Maria do Socorro Moreira Santana
7196
Um Olhar na Elaboração de Orientações Curriculares no RN: dizendo de sonhos e ações
se reunia semanalmente, depois pelas exigências e carências da temática aumentou para
duas reuniões semanais com um cronograma de estudo.
Depois de um ano atividade foi criada oficialmente a Comissão de Currículo,
foram realizados vários encontros e reuniões para apresentar os seus membros e
disseminar a natureza do trabalho que se desejava realizar com intuito de modificar a
ação educativa nas escolas, conjuntamente com todos os seus atores: estudantes,
professores, gestores, funcionários e a comunidade. Buscando-se o envolvimento de
todos como co-produtores de um novo momento educativo.
Para tanto, tornou-se visível o partilhamento de orientações curriculares, ou
seja, de algo que não dependia somente de uma ação/instituição/ator, e sim todas as
pessoas para implementar e desenvolver um conjunto de ações com um objetivo
comum. Considerando-se por esse viés que “a educação dever da família e do estado,
inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento da pessoa, sem preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 2º LDB). Com os olhos nesse artigo,
como não incluir toda escola na feitura das orientações curriculares? Sem negá-las o
direito ao exercício da cidadania? O que é mais cidadão do que opinar legitimamente
sobre o desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem? A quem caberia
dizer, por exemplo, do conteúdo, da complexidade do assunto, da dificuldade da
matéria, de como situar-se no estágio de compreensão do estudante, senão ao professor?
Apresenta-se, portanto, o resumo das ações da comissão de currículo:
reuniões da Comissão para estudos e discussão dentro da temática curricular; encontros
em duplas para a escrita de uma versão preliminar do documento das orientações;
encaminhamentos para que os setores da SEEC, para contribuição na escrita da versão
do documento; encontros de formação para os integrantes da Rede de Formadores do
Ensino Fundamental – REDEF, encontros para trabalhos com professores, gestores e
coordenadores das escolas estaduais; organização de dois seminários e do roteiro para
elaboração do documento das orientações na sua versão preliminar.
Para dar uma maior e melhor visibilidade apresenta-se a formação original:
Apresentação, Introdução, (Contexto, estrutura educacional e legal do ensino no Brasil e
RN), Concepções norteadoras das Orientações Curriculares: homem, sociedade, cultura,
educação, aprendizagem, escola, currículo, criança, jovem e adulto; Fundamentos
Vânia Maria Benevides Marinho & Maria do Socorro Moreira Santana
7197
Um Olhar na Elaboração de Orientações Curriculares no RN: dizendo de sonhos e ações
Filosóficos e Político-pedagógicos; Etapas e modalidades da educação básica
(Proposições de espectativas de aprendizagens); Considerações e Perspectivas.
Ancorada nesse roteiro que daria corpo as orientações curriculares para a
rede estadual em um movimento que vinha sendo anunciado e pactuado com as escolas
enquanto ato coletivo, propiciado por uma ação compartilhada em que cada pessoa
participante contribuiu com um saber. Saber resultante de experiências produzidas no
cotidiano de fazeres e afazeres e nas vivências e estudos trilhados na estrada da vida,
chegara à hora de realizar uma ação mais ousada com mais tempo para estudo
presencial e com material teórico para maior e melhor embasamento.
Nesse propósito, escolheu-se dez textos sobre currículo que comporiam uma
coletânea, com objetivo de avançar na temática e contribuir para a confirmação de que é
possível construir uma escola que deseja ser um espaço educativo de vivências sociais,
de convivências democráticas e, ao mesmo tempo de apropriação, construção e
divulgação de conhecimentos. Para a escolha dos textos considerou-se a relevância, a
pertinência e a consonância com o que já vinha sendo estudado, bem como, a
dialogicidade e intertextualidade propiciada pelo conteúdo. Cada texto escolhido,
mesmo na sua singularidade, remetia a Paulo Freire no seu entendimento de educação
como um fazer essencial da vida humana. Para o autor, educação é “um que fazer
humano. Quefazer, portanto, que ocorre no tempo e no espaço, entre homens uns com
os outros” (FREIRE, 1999). Portanto uma ação coletiva por excelência que só se realiza
quando há interação e dialogicidade.
Nesse sentido a decisão de escrever orientações curriculares partiu da
compreensão de que pensar currículo é pensar escola. Uma escola que se constrói e se
reconstrói no cotidiano de seu trabalho pedagógico. Uma escola, cujos educadores estão
preocupados com a ausência de sintonia entre os currículos e a realidade de seus alunos.
Uma escola que deseja uma educação para a cidadania, para a criatividade e para a
vivência da democracia e da liberdade. Uma escola que visualiza a possibilidade de
diálogos com os dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases, LDB 9394/ 96, no seu Artº.
3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) “II- liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; IIIPluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV- Respeito à liberdade e apreço à
tolerância; (...).
Vânia Maria Benevides Marinho & Maria do Socorro Moreira Santana
7198
Um Olhar na Elaboração de Orientações Curriculares no RN: dizendo de sonhos e ações
Isso significa dizer que a lei, não obriga nem tampouco garante mudanças,
mas abre um leque de possibilidades para quem deseja estabelecer um pacto ético pelo
bem comum e aposta em se unir aos outros para realizar. Paulo Freire, situava a
educação no campo da ética: ele estava convencido da natureza ética da prática
educativa enquanto prática especificamente humana. Defendia a presença consciente no
mundo, e que a pessoa não pode fugir da responsabilidade ética de atuar e transformar,
procurando criar um mundo melhor.
Reparando na escolha dos textos, para a composição da coletânea e o projeto
de dizer currículo de cada um, traz a memória das autoras os nomes de Izabel Alarcão,
Antonio Nóvoa, Tomaz Tadeu, Sandra Corazza, Paulo Freire e outros que contribuíram
para a escolha desses textos.
Após a escolha dos textos, Criou-se um circuito de reflexão, debate, estudo,
discussão, acertos e combinados e o encontro foi gerado e gestado por dezesseis mentes
e corações, na tentativa de se fazer um trabalho interessante, contextualizado,
diversificado e gerador de situações de aprendizagens significativas, identitárias e
capazes de despertar o sentimento de pertencimento de cada pessoa envolvida na
atividade e, por conseguinte nas escolas. Para COMENIUS (1977 p. 96).
Com grande Sabedoria falou quem disse que as escolas são oficinas da
humanidade: elas transformam os homens em homens de verdade, ou seja,
(visando aos fins já estabelecidos):1) uma criatura racional; 2) uma criatura
deleite de seu criador. Isso acontecerá se as escolas se esforçarem por tornar
os homens sábios na mente, prudente nas ações, piedosos no coração.
Acreditando-se na escola e na possibilidade de sonhar e concretizar uma
educação que possibilite a construção de um país para todos e sem negar as condições
econômicas, políticas e socioculturais adversas, os membros da comissão de currículo
foram desenhando o projeto de formação, selecionando as atividades e os princípios
metodológicos.
Em princípio foi preciso pensar na coletânea. Os textos já estavam
selecionados. Como deveria ser a capa? Quem imagem gráfica usar? E as palavras?
Que palavras? Depois de muitas sugestões e recusas escolheu-se uma capa branca com
pedras preciosas circundando a palavra escola. Uma mandala de pedras e palavras, ou
melhor,
entre as pedras palavras: conhecimentos prévios, saberes,
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fazeres,
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conhecimentos científicos, conteúdo escolares, metodologias, processos avaliativos,
aprendizagem, ensino, formação, reelaboração, alunos, professores. Palavras que se
soube captadas nas falas de estudantes, professores, gestores, funcionários, comunidade.
E a poetiza Cecília Meireles no seu poema vôo (1987 p. 627) nos diz que:
Alheias e nossas. As palavras voam (...) Oh! Alto e baixo
Em círculos e retas
Acima de nós, em redor de nós
As palavras voam
E às vezes pousam.
As palavras estavam ali em circularidade rodopiando entre pedras.
Convidando para pousar o olhar em uma delas ou no conjunto. Capa aceita. Aceitos os
desafios. Partiu-se para o planejamento e surgiram alguns questionamentos.O que fazer
com os textos escolhidos para compor a coletânea? Que objetivos serviriam para
desafiar os educadores no avanço de seu processo de conhecimento e ação sobre a
temática em estudo? O que significaria desafiar os educadores? seria na perspectiva de
explorar o dizer/fazer currículo com autonomia? O desafio estaria nas reflexões teóricas
postas em suas mãos? Será que proporcionaria a ruptura, mesmo tímida, de alguns
paradigmas? Serviria para reorientar a prática educativa?
Nesse sentido, (SCOCUGLIA, 2006) diz que “O currículo é algo para ser
assumido pelos sujeitos cotidianos das escolas como protagonistas legítimos e autores
das possibilidades de interação na realidade”. E os membros da comissão qual a
dimensão de sua assunção nessa proposição?
O olhar pairou nos questionamentos e na clareza da contribuição dos
textos para essa etapa de formação, assim deixou-se que a imaginação, o sonho e o
diálogo se tornassem os ingredientes necessários para a realização de uma atividade que
deveria retratar uma proposta educacional inovadora, revolucionária, comprometida
com a formação e o desenvolvimento de uma nova sociedade.
O acolhimento dos participantes envolveu música, poesia, abraços, e
aconchegos, bem como, as informações gerais relativas a horários e rotinas de trabalho
bem como distribuição das salas. Assim, na chegada a sala Cecília Meireles, local onde
as autoras atuaram, os participantes foram intimados a dizer o seu nome e uma palavra
que pudesse contribuir para o sucesso do encontro. Surgiu uma profusão de palavras-
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conhecimento, disponibilidade, alegria, prazer, cooperação, prudência, fé, coragem,
esperança, harmonia, saberes, socialização, motivação, companherismo, partilha,
compromisso, entusiasmo, sintonia – grávidas da intenções e de ações que foram
compartilhados, nos três dias de duração da formação.
Na seqüência, pediu-se a elaboração de um acróstico com a palavra currículo
para tecer uma rede de idéias que anteciparia a leitura do texto de Afonso Celso
Scocuglia: Paulo Freire – conhecimento, aprendizagem e currículo que destacou a
necessidade de construção-reconstrução permanente do currículo formado pela
consciência, pelo conhecimento e pela dialogicidade (enquanto metodologia). Para o
autor “O sentimento de pertencimento em relação ao conhecimento, a construção do
currículo e a sua aplicação coletiva pode vir a ser detonador (individual ou coletivo) de
um sentimento mais amplo de pertencimento em relação ao processo educativo e a
escola”.
Trabalhou-se os textos em cinco grupos de trabalho, cada grupo receberia
duas perguntas e respondia para depois socializar em plenária. Estabeleceu-se o mesmo
tempo para todos os grupos lerem o texto e depois responder aos questionamentos. O
autor inicia o texto falando sobre a leitura de mundo e a leitura da palavra, para tanto ele
afirma que os conteúdos programáticos e as metodologias, os fundamentos
epistemológicos, devem estar contextualizados e influenciados pelas experiências de
vida dos atores, destacando o direito subjetivo ao conhecimento em um país marcado
pela exclusão social.
Como o título afirma o texto tem o aporte teórico em Paulo Freire em sua
forma de pensar/dizer educação vendo o ser humano como ser histórico-social
desapropriado de seus direitos a uma aprendizagem que garanta viver com liberdade e
autonomia na sociedade determinada pelo letramento em geral. Há no texto o
reconhecimento de que o ritmo humano não é só o ritmo biológico, o caráter social,
cultural do simbólico torna a administração das necessidades e, sobretudo, dos desejos,
um problema coletivo e não apenas individual.
Elegeu-se alguns momentos lúdicos na formação, o primeiro foi uma sessão
de cinema com o filme Escritores da liberdade, uma produção do diretor Richard
LaGravenese, gênero: drama, país de origem Alemanha/EUA, 2007, com duração de
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122 minutos. Aborda de uma forma comovente e instigante, o desafio da educação em
um contexto social problemático e violento.
O referido filme inicia com uma jovem professora, Erin (interpretada por
Hilary Swank), que entra como novata em uma instituição de “ensino médio”, a fim de
lecionar língua inglesa e literatura para uma turma de adolescentes considerados
“turbulentos”, inclusive envolvidos com gangues. Ao perceber os grandes problemas
enfrentados por tais estudantes, a professora Erin, resolve adotar novos métodos de
ensino, ainda que sem a concordância da diretora do colégio. Para isso, a educadora
entregou aos seus alunos um caderno para que escrevessem, diariamente, sobre aspectos
de suas próprias vidas, desde conflitos internos até problemas familiares. Ademais a
professora indicou a leitura de diferentes obras sobre episódios cruciais da humanidade,
como o célebre livro “O Diário de Anne Frank”, com o objetivo de os alunos
perceberem a necessidade de tolerância mútua, sem a qual muitas barbáries ocorreram e
ainda podem se perpetrar.
O filme contribuiu com o debate sobre currículo e as possibilidades de
quebra de paradigmas quando há envolvimento e compromisso. O filme fez os
participantes, rir e se emocionar fazendo avaliar suas possibilidades reais e intervir na
realidade. A discussão gerada a partir de um roteiro que perguntava: a) que história é
contada no filme? (Reconstrução da história) b) Como é contada a história?O que mais
chamou atenção visualmente e o que destacaria nos diálogos) c) Que contribuição o
filme traz para a discussão sobre currículo? d) Quais os modelos de sociedade e de
relações culturais são apresentadas? e) que valores são afirmados/negados? f) Há
mensagens não mencionadas, mas sugeridas pelo filme?
A escolha desse filme teve como aporte o texto: A proposta curricular: a
organização e o desenvolvimento do currículo de José Carlos Libâneo, cuja metodologia
adotada para a feitura e compreensão do texto foi o estudo dirigido. O autor faz,
inicialmente, um breve histórico de currículo, traz algumas definições de outros autores
e afirma que o currículo escolar se manifeste em três níveis:

1 – Currículo Formal estabelecido pelos sistemas de ensino ou instituição
educacional, expressando as diretrizes curriculares, objetivos e conteúdos das
áreas ou disciplinas de estudo.
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
2 – Currículo real é o que acontece nas salas de aula em decorrência de um
projeto pedagógico e dos planos de ensino, ou aquele que sai da prática dos
professores da percepção e do uso que professores fazem do currículo formal.

3 – Currículo oculto é tudo que os alunos aprendem pela convivência
espontânea em meio a várias práticas, atitudes, comportamentos, gestos,
percepções que vigoram no meio social e escolar.
Níveis que entrecruzam de alguma forma na prática escolar e o filme foi uma
vitrine onde se manifestaram os três níveis do currículo. O texto de Libâneo trouxe o
reconhecimento de algumas práticas curriculares, ainda em uso na escola e a clareza de
“O currículo constitui o elemento nuclear do projeto pedagógico, por ser ele que
viabiliza o processo de ensino e aprendizagem”.
Contudo, antes do grupo mergulhar de cabeça no texto a ser estudado, viveuse um momento de interatividade com a roda poética cuja temática envolvia o autoconhecimento e o reconhecimento do eu, enquanto ser finito e inconcluso. Cecília
Meireles, Adélia Prado, Mário Quintana, Manoel Bandeira e Paulo Leminski foram os
poetas escolhidos para esse momento, os títulos dos poemas, muito semelhantes,
aproximaram os participantes para descoberta dos títulos e para combinar a forma de
apresentação na roda. Depois cada um falou da experiência e do momento vivido.
Após o momento poético e das inferências dos participantes sobre a atividade,
explorou-se os territórios de Carlos Eduardo Ferraço, em uma exposição dialogada que
fez ver entre outras as implicações da visão de currículo proposta para a educação e para
a prática pedagógica, apontando os sujeitos cotidianos das escolas (professores, alunos,
serventes, coordenadores, diretores, entre outros) como protagonistas legítimos e
autores das possibilidades de intervenção na realidade, contudo ele, também chama
atenção para a necessidade de se adotar uma postura teórico-metodológico para
elaboração do currículo.
Cada participante foi convidado para observar nas palavras do autor a
importância de envolver cada pessoa da escola. fazê-la olhar currículo como recomenda
(HORÁCIO apud Comenius,1977,p.234-235) “Aquilo que no teu espírito entrar
passando pelo ouvido, menos força há de ter sobre ti que o que for posto sob o fiel
olhar, e que tu mesmo aprenderes à força de fitar.”
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Um Olhar na Elaboração de Orientações Curriculares no RN: dizendo de sonhos e ações
Na seqüência foi realizada uma aproximação com os outros textos por meio
de uma pré-leitura propiciada pelos mediadores e depois realizou-se um planejamento
das atividades que seria desenvolvida nas escolas com prazos, recursos para execução e
o número de pessoas envolvidas.
Para tanto, apresenta-se resumidamente o teor de cada texto da coletânea:
texto 1 - Adaptações: Currículo e aprendizagem para todos -- Andréa Krug, a autora
apresenta uma discussão sobre o processo de construção do conhecimento, tendo como
eixo central, as adaptações possíveis ao currículo. A finalidade é assegurar
aprendizagens significativas, considerando as diferenças apresentadas pelos alunos e
alunas, nos diversos contextos pedagógicos.
No texto 02 - Currículo escolar – Limites e possibilidades, Ricardo
Tescarolo, sugere que se pense a organização curricular orientada por uma visão
orgânica do conhecimento e por uma abertura e uma sensibilidade, que possam articular
o conhecimento e os contextos diversos da vida dos sujeitos. Texto 3 - Currículo
Cultura e Formação de professor - Antonio Flávio Barbosa Moreira, apresenta reflexões
sobre currículo e formação de professores, situando-as no contexto de um mundo
multicultural dominado pela lógica neoliberal. Discute em que medida os atuais
currículos dos cursos de formação de professores estão formando profissionais capazes
de atuar como intelectuais questionadores do existente, multiculturalmente orientados e
preocupados em pesquisar e aprimorar suas próprias práticas.
O texto 4 - Currículo, Escola e Comunidade escrito por Sandra Zita Silva
Tiné; Prof. Dante propõe que se pense currículo como um processo construído por quem
o vivencia no espaço escolar. Sugere que se trabalhe a articulação entre a escola e a
comunidade; a articulação entre os saberes escolares e extra-escolares, vislumbrando a
construção de uma escola democrática e espaço da diversidade.
No texto 05 - Paulo Freire – Conhecimento, Aprendizagem e Currículo de
Afonso Celso Scocuglia, aborda a leitura do mundo e a leitura da palavra como eixo
fundante do conhecimento, aprendizagem e currículo, norteados pelo direito ao
conhecimento em um país marcado pela exclusão social, a mediação entre educador e
educando, a problematização do conhecimento e do currículo e, não, o seu depósito, a
construção democrática do currículo e ação dialógica como pedagogia na reeducação do
educador, cotidiano, trabalho e “saber da experiência feita” como um dos pilares da
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construção curricular, gestão e autonomia curricular pública popular, letramento,
conhecimento e cidadania.
No texto 6 - Possibilidades para entender o currículo - Carlos Eduardo
Ferraço, expõe o currículo como redes de saberes e fazeres dos sujeitos, como partilha e
prática da e na escola, hibridismo culturais vividos nos cotidianos escolares, os sujeitos
cotidianos das escolas como protagonistas do currículo escolar, valorização dos saberes
e das práticas dos sujeitos das escolas, o cotidiano como lócus privilegiado da discussão
escolar, luta diária, no chão das escolas, considerando as condições e os contextos
concretos dos sujeitos que atuam na realização dos currículos.
O texto 7- Currículo, Conhecimento e Cultura - Antonio Flávio Barbosa
Moreira e Vera Maria Candau, o texto aborda uma concepção de currículo como
experiências escolares que se desdobram em conhecimento, no meio das relações
sociais e corroboram para a construção das identidades dos alunos. Discute também, o
que seja conhecimento escolar, cultura, diversidade cultural e apresenta princípios
norteadores da construção de um currículo multicultural.
Já no texto 8 - A proposta curricular: a organização e o desenvolvimento do
currículo - José Carlos Libâneo estuda os princípios orientadores da proposta curricular:
Escolarização básica, direito de todos em condições iguais de oportunidade, requer
práticas diferenciadas, currículo escolar como cruzamento de culturas, processo de
ensino e aprendizagem centrado no aluno, currículo: inclusão de uma proposta de
educação para os valores, conteúdos possibilitadores da aquisição de capacidades e
competências, inclusão da interdisciplinaridade na organização curricular, escola
inclusiva, consideração da diversidade e as diferenças, aprendizagem cognitiva de
qualidade, articulação no currículo nas dimensões cognitiva, social, e afetiva de
aprendizagem, processo formativo dos professores: investimento no aspecto pessoal e
profissional, condições para o pleno desenvolvimento da cidadania.
No texto 9 - Diversidade e Currículo - Nilma Lino Gomes, O que a
diversidade traz para o currículo? a autora inicia o texto fazendo tal indagação.
Apresenta uma discussão sobre o que seja diversidade, diversidade cultural, educação,
práticas escolares, direito a diversidade, ética, conhecimento, tempos e espaços
escolares e o texto 10 - Currículo e Avaliação – os autores ,Cláudia de Oliveira
Fernandes e Luiz Carlos de Freitas, propõem uma discussão sobre os aspectos da
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avaliação escolar presentes no cotidiano da escola. Aborda a temática no âmbito do
currículo, a partir de entendimentos do que seja educação, aprendizagem, processo
avaliativo e práticas avaliativas.
O Encontro terminou com uma escuta ativa, no exato entendimento que
escutar, é mais que ouvir, é tentar pela fala do outro entendê-lo na sua inteireza e na
singularidade de sua condição humana. Criando a partir desse ponto canais de
comunicação para dar suporte ao trabalho na sua complexidade do que estava por vir.
O relato registrado neste texto sobre a ação formativa que envolveu a
Comissão de Currículo da Secretaria de Estado, da Educação e Cultura do estado do Rio
Grande do Norte, realizado em primeira instância para os técnicos de dezesseis
diretorias regionais de educação e posteriormente multiplicado para os professores da
rede estadual de ensino público, retrata o olhar/dizer, de duas professoras que são
integrantes de um grupo criado oficialmente como Comissão de Currículo, exprime, o
olhar/dizer de quem acredita na força-ação de soluções abertas, que não estreitam cedo
demais os caminhos nem congelam as opções.
Tarefa manifesta a favor da construção, da democracia como princípio de
organização social. No entender das autoras a democracia só existe onde é vivida, e esta
ação formativa acena que sonhar com um currículo que seja gestado e gerado pelos
educadores em cada escola no estado do Rio Grande do Norte é possível.
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orientações epistemológicas para pesquisa qualitativa em