XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
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RELAÇÕES DOS MOVIMENTOS SOCIAIS COM A EDUCAÇÃO FORMAL
NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: DIALOGANDO
COM MILITANTES
Daniela Frida Drelich Valentim – PUC-Rio
Vera Maria Ferrão Candau – PUC-Rio
O texto é fruto da pesquisa “Interculturalidade e Educação na América Latina e no
Brasil: saberes, atores e buscas”, realizada pelo Grupo de Estudos sobre Cotidiano,
Educação e Cultura/s na PUC- Rio. A pesquisa teve por objetivo principal analisar o
processo de construção da educação intercultural na América Latina e, particularmente,
no Brasil, identificando seus atores mais significativos, nos movimentos sociais, na
academia e no poder público, as concepções e tensões presentes neste campo, assim
como as principais incidências nas políticas educativas. Gerou três eixos temáticos
inter-relacionados: “Educação Intercultural: Contribuições de alguns Grupos de
Trabalho da Anped”, “Movimentos Sociais, Educação e Perspectiva Intercultural:
dialogando com Militantes” e “Direitos Humanos, América Latina e
Interculturalidade: desafios para as práticas educativas” todos atravessados pela
educação intercultural (Candau, 2009 e 2006). Esse trabalho é recorte do que foi
produzido no segundo eixo. Tem por objetivo apresentar e analisar a representação dos
militantes dos movimentos de mulheres, LGBT e negro sobre a relação entre seus
movimentos e a educação formal numa perspectiva intercultural. Operamos com o
conceito de representação de Hall (1997). Realizamos dezoito entrevistas
semiestruturadas. A educação formal e as escolas têm grande importância na
representação dos entrevistados quando têm em mente e constroem uma sociedade mais
plural. Todavia atestam a pouca inserção que têm seus movimentos e demandas na
educação formal, nas práticas e currículos escolares e nos cursos de formação de
professores. Quanto à educação intercultural os depoimentos demonstraram
estranhamento, evidenciando a pouca reflexão dos entrevistados e seus movimentos
quanto à temática. A educação intercultural não está marcadamente presente nas
agendas desses movimentos.
Palavras-chave: Movimentos Sociais; Educação Formal; Interculturalidade.
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Introdução
O presente texto se situa no contexto dos trabalhos de pesquisa que, desde 1996,
o GECEC (Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Cultura/s) sob a coordenação
da professora Vera Maria Ferrão Candau, do Departamento de Educação da PUC-Rio
vem realizando. Este grupo, do qual faço parte, tem como finalidade principal o
desenvolvimento de estudos e pesquisas de caráter interdisciplinar, privilegiando como
temática central as relações entre educação e cultura(s) em diferentes âmbitos
educativos, tanto da educação formal como não formal.
Em março de 2009, o GECEC iniciou seu sexto projeto, “Interculturalidade e
Educação na América Latina e no Brasil: saberes, atores e buscas”, que findou em
fevereiro de 2012 e que teve por objetivo principal:
Analisar o processo de construção da educação intercultural na América Latina e,
particularmente, no Brasil, identificando seus atores mais significativos – nos
movimentos sociais, na academia e no poder público - as concepções e tensões
presentes neste campo, assim como as principais incidências nas políticas educativas.
O desenvolvimento dessa pesquisa gerou três eixos temáticos interrelacionados:
“Educação Intercultural: Contribuições de alguns Grupos de Trabalho da Anped
(2003-2008)”, “Movimentos Sociais, Educação e Perspectiva Intercultural: dialogando
com Militantes” e “Direitos Humanos, América Latina e Interculturalidade: desafios
para as práticas educativas” atravessando todos eles, a educação intercultural.
Esse trabalho é um pequeno recorte do que foi produzido no âmbito do segundo
eixo, “Movimentos Sociais, Educação e Perspectiva Intercultural: dialogando com
Militantes”, que aprofundou a reflexão acerca das experiências de alguns movimentos
sociais por considerá-los atores fundamentais no desenvolvimento da perspectiva
intercultural em educação, privilegiando o olhar de seus militantes mais historicamente
engajados e discutindo também, alguns desafios que a temática da educação
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intercultural apresenta para os movimentos sociais, tendo presente o fortalecimento de
políticas de ação afirmativa.
Antes de prosseguirmos é importante revelar que para o GECEC, a
interculturalidade é situada no campo do multiculturalismo que pode assumir as
seguintes perspectivas: assimilacionista, diferencialista e interativa ou intercultural
(Candau, 2009).
Nesse sentido, Candau (2006) concebe a educação intercultural como:
Um enfoque que afeta a educação em todas as suas dimensões, promovendo a interação
e comunicação recíprocas, entre os diferentes sujeitos e grupos culturais. Orienta
processos que têm por base o reconhecimento do direito à diferença e a luta contra todas
as formas de discriminação e desigualdade social. Tenta promover relações dialógicas e
igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes,
trabalhando os conflitos inerentes a essa realidade. Não ignora as relações de poder
presentes nas relações sociais e interpessoais. Reconhece e assume os conflitos,
procurando as estratégias mais adequadas para enfrentá-los. Situa-se em confronto com
todas as visões diferencialistas que favorecem processos radicais de afirmação de
identidades culturais específicas. Rompe com uma visão essencialista das culturas e das
identidades culturais. Parte da afirmação de que, nas sociedades em que vivemos, os
processos de hibridização cultural são intensos e mobilizadores da construção de
identidades abertas, em construção permanente. É consciente dos mecanismos de poder
que permeiam as relações culturais (p. 31 e 32).
Este texto tem por objetivo apresentar e analisar a representação dos militantes
dos movimentos sociais sobre a relação entre seus movimentos e a educação formal
numa perspectiva intercultural, um dos itens trabalhados no eixo “Movimentos Sociais,
Educação e Perspectiva Intercultural: dialogando com Militantes” da referida
pesquisa.
No presente trabalho, operamos com o conceito de representação de Hall (1997),
que afirma:
Representação é o processo pelo qual membros de uma cultura usam a língua
(amplamente definida como qualquer sistema que empregue signos, qualquer sistema
significante) para produzirem significados. Esta definição já carrega a importante
premissa de que as coisas – objetos, pessoas, eventos do mundo - não têm em si
qualquer significado estabelecido, final ou verdadeiro. Somos nós - na sociedade, nas
culturas humanas - que fazemos as coisas verdadeiras. Somos nós - na sociedade, nas
culturas humanas - que fazemos as coisas significarem, que significamos (p.61).
O texto está estruturado em quatro partes, a partir dessa Introdução. Na primeira,
tratamos dos movimentos sociais e, dentre eles, dos que elegemos conhecer mais
detidamente através das entrevistas realizadas com seus militantes, na segunda,
apresentamos a identificação desses sujeitos entrevistados, na terceira apresentamos e
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analisamos as representações desses sujeitos acerca da educação escolar e na quarta,
apresentamos nossas considerações finais seguidas das referências bibliográficas.
Movimentos Sociais
Movimentos sociais se constituem em fenômenos históricos de caráter coletivo
que expressam lutas sociais em contextos sociopolíticos determinados. São
heterogêneos e estão marcados pela complexidade. No âmbito das ciências sociais têm
sido objeto de diferentes teorias interpretativas. Entre nós, destacamos a obra da
professora Maria Glória Gohn. Entre outras publicações, no seu livro “Teorias dos
Movimentos Sociais”, editado originalmente em 1997 e tendo sua última edição em
2010, vem realizando atualizações periódicas das teorias desenvolvidas em diferentes
contextos, introduzindo novas perspectivas na medida em que a realidade destes
movimentos vai adquirindo novas configurações.
A distinção entre os chamados “velhos” e “novos” movimentos é amplamente
assumida pela literatura especializada. Podemos afirmar que a principal característica
dos primeiros é ter a classe social como eixo fundamental. Quanto aos segundos, estão
centrados em determinados sujeitos socioculturais, questões identitárias (étnico-raciais,
de gênero, orientação sexual, de caráter religioso, etc.) e/ou temas específicos, como,
por exemplo, a questão ambiental. Estes diferentes movimentos possuem também
formas diferenciadas de atuação e organização.
Na pesquisa que realizamos nos centramos nos chamados “novos” movimentos,
especialmente nos de caráter identitário. Nossa preocupação se centrou em analisar se e
como os movimentos de caráter identitário incorporaram/incorporam a perspectiva da
educação intercultural em suas agendas de trabalho. Neste sentido, optamos por
privilegiar o diálogo com o movimento de mulheres, o movimento negro e o movimento
LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e travestis).
Os movimentos sociais tem impulsionado a constituição de ações afirmativas
que focalizam diferentes dimensões: política, social, cultural e educativa. Privilegiam
sujeitos sociais subalternizados, discriminados, invisibilizados e/ou inferiorizados.
Assumem diversas modalidades e, em geral, apresentam caráter temporário. Outro
aspecto que consideramos importante assinalar é seu potencial para articular direitos da
igualdade e direitos da diferença, redistribuição e reconhecimento. Para Fraser (2007),
Os aspectos emancipatórios das duas problemáticas precisam ser integrados em um
modelo abrangente e singular. A tarefa, em parte, é elaborar um conceito amplo de
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justiça que consiga acomodar tanto as reivindicações defensáveis de igualdade social
quanto as reivindicações defensáveis de reconhecimento da diferença (p.3).
Muitas têm sido as aproximações e definições de ações afirmativas. Algumas
bem restritas e outras mais amplas. Assumimos a conceituação proposta por Menezes
(2001) que as considera
Um conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas que visam favorecer grupos ou
segmentos sociais que se encontram em piores condições de competir em qualquer
sociedade em razão, na maior parte das vezes, da prática de discriminações negativas,
sejam elas presentes ou passadas. Colocando-se de outra forma, pode-se asseverar que
são medidas especiais que buscam eliminar os desequilíbrios existentes entre
determinadas categorias sociais até que eles sejam neutralizados, o que se realiza por
meio de providências efetivas em favor das categorias que se encontram em posições
desvantajosas (p.27).
Nesta abordagem fica claro o compromisso das ações afirmativas com a
construção da justiça, entendida como articulação entre a justiça socioeconômica e a
cultural.
Breve identificação dos entrevistados
Utilizar entrevistas como estratégia de investigação, supõe trabalhar com
representações. Somos conscientes da complexidade do conceito de representação e das
diferentes aproximações ao mesmo. Entendemos que toda representação é socialmente
construída e que os referentes culturais constituem um componente central, uma âncora
básica, de sua configuração.
Realizamos ao todo dezoito entrevistas semiestruturadas com integrantes dos
movimentos que exerciam ou tinham exercido alguma função de coordenação e/ou
liderança, no âmbito local, regional, ou nacional. Foram seis entrevistas com militantes
dos três movimentos escolhidos: movimento de mulheres, o movimento negro e o
movimento LGBT.
Todos os entrevistados pertenciam a organizações não governamentais e/ou
programas de ação com sede no Estado do Rio de Janeiro.
Quanto às entrevistadas do movimento de mulheres, cinco se situam na faixa
etária dos cinquenta e uma na dos sessenta anos. Todas possuem formação universitária
no nível de graduação - história, serviço social, medicina, sociologia e pedagogia -, uma
especialização em políticas públicas, outra é doutora em sociologia e uma terceira está
cursando o doutorado em saúde publica. Todas exercem funções de coordenação em
suas instituições e nelas desenvolvem seu trabalho profissional, com vínculo
empregatício ou como voluntárias. Uma única entrevistada mencionou exercer medicina
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e, ao mesmo tempo, dedicar-se à organização como voluntária. Em geral, através de
suas organizações participam de diferentes movimentos: movimento de mulheres,
movimento de mulheres negras, laboratório de cidadania, movimento feminista, marcha
das mulheres, entre outros, assim como de articulações de caráter nacional e latinoamericano.
Quanto ao movimento LGBT, dois entrevistados se identificaram como gays,
três como lésbicas e uma como travesti. Uma das militantes, considerada “histórica”
pelos entrevistados, está na faixa etária dos cinquenta sendo vinculada ao movimento
desde seu início. Os demais entrevistados se situam na faixa dos trinta anos, com uma
única exceção que se situa nos vinte. Quanto à formação escolar, três possuem curso
superior concluído – jornalismo, serviço social e produção cultural-, dois estão
realizando o ensino superior - em produção cultural e gestão em petróleo e gás – e um
terminou o ensino médio. Todos têm ampla dedicação ao movimento, como
profissionais ou voluntários exercendo diferentes funções como de coordenação de
projetos específicos, agente multiplicador e/ou gestor da organização a que pertencem.
Quanto aos entrevistados do movimento negros, são três homens e três mulheres,
três situados na faixa etária de trinta a quarenta anos, dois na dos cinquenta e um com
setenta e um anos. Convém salientar que um dos nossos entrevistados participa do
movimento quilombola e que somos conscientes das relações tensas e ambivalentes
entre o movimento negro e o movimento quilombola, ora de confluência, ora de
demarcação de especificidades, que marcam a necessidade de garantir a autonomia de
cada um deles. Quanto à formação dos entrevistados, dois possuem nível superior
concluído – Pedagogia, sendo uma com Pós Graduação Lato Sensu em “Educação e
Inclusão”-, dois estão cursando o nível superior – Pedagogia e Gestão Pública- e dois
possuem Ensino Médio completo.
Movimentos sociais e educação formal
A análise dos depoimentos das entrevistadas do movimento de mulheres permite
afirmar que este não tem sido um foco privilegiado pelas organizações a que pertencem,
apesar de reconhecerem sua importância. No entanto, alguns aspectos podem ser
destacados.
Quatro das entrevistadas trataram da educação escolar como tema significativo,
mas pouco trabalhado. Uma delas afirma que a mulher tem um índice de finalização
escolar maior que o homem e a educação escolar é a área na qual há maior equidade de
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gênero. Reconhece também que houve um avanço significativo nos livros didáticos, “um olhar mais vigilante” (Irene), mas isso não quer dizer que os estereótipos tenham
desaparecido deles. Para ela, inclusive as barreiras culturais de escolha profissional vem
se dissolvendo, entretanto, ainda existe uma discriminação muito grande no mercado de
trabalho, pois a mulher ganha menos que o homem para funções iguais e nível de
formação também equivalente.
Outra entrevistada afirma que a educação inclusiva, não sexista, é um tema em
pauta no movimento e que vem conseguindo avanços.
Um terceiro depoimento explicita que um dos problemas que o movimento
encontra em relação à educação escolar é o fato de existirem professores e professoras
que consideram naturais as desigualdades e discriminações que ocorrem na escola. Para
ela, as representações sociais custam a ser desconstruídas e acabam por sustentar o
processo discriminatório. Desconstruir estas representações parece constituir o principal
desafio:
Há muitas mulheres reproduzindo o pensamento machista, isso é coisa de menino e isso
não é coisa de menina. A educação inclusiva, não sexista dá uma discussão e tanto. E
enquanto movimento a gente levou uma pauta para as orientadoras educacionais
estarem discutindo educação de meninas e meninos, estarem revendo que papel é da
mulher na sociedade. O que a sociedade pede da mulher hoje não é mais o que se pedia
um tempo atrás. Isso também dá muita conversa (Helena).
No entanto, outro dos depoimentos afirma que os professores não devem ser
vistos como os principais responsáveis por trabalhar as questões postas pelo movimento
na escola, já que esta é uma responsabilidade de toda a sociedade.
Quanto às atividades que realizam as organizações as quais as entrevistadas
estão vinculadas foram citadas principalmente: a elaboração de materiais didáticos e de
jogos, inclusive para a internet; uma cartilha sobre educação não sexista – “nós
entendemos que o machismo é reforçado na sala de aula e se ele está lá, temos de entrar
também” (Joana) e atividades de formação junto às secretarias municipais de educação
que levam propostas de introdução de questões de gênero no currículo escolar, como
por exemplo, a história de lutas das mulheres e apoios às comunidades escolares quando
solicitadas.
Um aspecto que consideramos importante ressaltar diz respeito à metodologia de
trabalho com os professores quando são desenvolvidas capacitações por uma das
organizações:
Para os professores a gente parte da questão seguinte: tem que primeiro mexer com eles.
Porque só mexendo com cada um deles é que vai poder um dia transformar uma vírgula
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da realidade da sala de aula. Então não adianta ser melhor se isso não disser nada para
ele ou para ela, não vai acontecer nenhuma mudança. O trabalho da metodologia fica
muito focado... E a gente também entrega a quem participa dessa capacitação o material
que foi produzido e aí tem vídeo, no passado era fita cassete que não se usa mais para se
ouvir no carro, mas obviamente aí tem os manuais de como trabalhar matemática na
sala de aula numa perspectiva de gênero, por exemplo, onde você pode trabalhar
ciências sociais na perspectiva de gênero, português na perspectiva de gênero, então a
gente produz esse tipo de material (Maria).
Quando foram solicitados a expressar o que entendiam por educação
intercultural, a expressão provocou estranhamento e ficou evidente que não pertencia ao
universo semântico das entrevistadas. Em geral, tentaram responder procurando
aproximações a partir das suas próprias experiências de vida.
É uma palavra que serve para tudo, desafiadora. Porque a gente parte da nossa cultura
para trabalhar com outra cultura que também tem outros valores que considera o certo.
Então aí a gente tenta buscar trabalhar com elementos universais: respeito, direito,
dignidade, solidariedade e com uma coisa muito importante: a escuta. Escutar a outra,
escutar o outro sem estar se colocando é super desafiante. Sem estar colocando o
elemento do eu que aí senão nem é possível. E você vai a alguns lugares, você chega e
você vê até a maneira de comer às vezes nos choca não é? (Joana).
Se educação eu trocar por escolarização de grupos diferentes que para mim essa que é a
questão, se é essa a questão de grupos diferentes brancos e pretos, deficientes ou não
deficientes... Lidar com a diversidade, lidar com a diferença (Madalena).
Os depoimentos dos entrevistados do movimento LGBT visibilizam um grande
interesse pela educação formal, onde são desenvolvidos projetos majoritariamente em
articulação com os diferentes níveis de governo (municipal, estadual e federal). Tal
articulação é fundamental e vista, pelos entrevistados, como muito positiva.
O movimento intervém na educação formal através da produção e/ou
reformulação de materiais didáticos, cursos de atualização de professores e/ou diretores
do ensino básico e ações de colaboração no desenvolvimento de pesquisas. As ações
geralmente estão voltadas aos professores, embora haja algumas desenvolvidas para os
alunos.
Cabe salientar que estes projetos e ações visam sensibilizar esses sujeitos para as
questões referentes à identidade homossexual.
É dentro da escola que acontecem os projetos. Onde somos chamados, onde somos
convidados ou então a gente mesmo procura algumas escolas onde a gente sabe que tem
casos de homofobia mais explícitos e a gente vai até as escolas conversar com os
estudantes e aí por serem jovens falando com jovens fazemos uma educação entre pares,
falando na mesma linguagem, usando a mesma posição, digamos assim, não está sendo
alguém mais velho, alguma imposição, conversamos com esses jovens justamente sobre
essas coisas: sobre ser homossexual, sobre aceitar a homossexualidade, sobre o
preconceito, sobre a vivência homossexual dentro dessas escolas (Leonardo).
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Algumas vezes é através de situações de homofobia ocorridas dentro do
ambiente escolar que o movimento chega à escola, mas pode ocorrer das escolas
promoveram eventos pontuais que tenham como tema a diversidade sexual. Os
entrevistados à exceção de um, defendem a importância da inserção da temática da
diversidade sexual de forma sistemática, não eventual, nas escolas.
Palavras como respeito, reconhecimento, igualdade, diferença e diversidade são
recorrentemente utilizadas por nossos entrevistados como princípios e/ou ideais
fundamentais às relações entre pessoas e grupos. Esses termos citados nas entrevistas
convergem para a ideia de que o respeito às diferenças insere-se na busca pela igualdade
de direitos.
Propostas de inserção no currículo escolar do tema diversidade sexual e história
do movimento LGBT são citadas pelos entrevistados como iniciativas do movimento.
Sobre a produção de material didático foi destacado o kit “Escola sem
Homofobia”, produzido pelo Ministério de Educação através da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), em parceria com o Movimento
LGBT. No contexto deste projeto foi elaborado um Kit didático com o objetivo de
combater a homofobia e promover o respeito à diversidade sexual para ser distribuído às
escolas de ensino médio do país. O kit é composto de um caderno, uma série de seis
boletins (Boleshs), três audiovisuais com seus respectivos guias, um cartaz e cartas de
apresentação para o gestor e para o educador. Aborda temas como homossexualidade,
transexualidade e bissexualidade. A polêmica causada pelo referido material, levantada
particularmente, por diferentes grupos políticos e religiosos conservadores e/ou
fundamentalistas, a intervenção do poder legislativo na questão e a conjuntura política
do país, levou a presidenta da república a suspender a distribuição do material, fato
surpreendente, inédito, e na nossa opinião lamentável, já que se trata de tema -material
didático- de alçada do Ministério da Educação. Este fato evidencia de forma muito
expressiva a dificuldade de se tratar desta temática na sociedade brasileira,
especialmente, no âmbito da educação formal.
Outra atividade citada por nossos entrevistados como significativa para a
consolidação de iniciativas no âmbito escolar foi a pesquisa Preconceito e
Discriminação no Ambiente Escolar (2009), realizada pela Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas (FIPE), vinculada à Universidade de São Paulo, e apoiada pelo
INEP. A referida investigação foi coordenada pelo professor José Afonso Mazzon e
teve por objetivo analisar de maneira global a incidência de preconceito e discriminação
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nas escolas públicas, de forma a descrever um quadro consolidado que servisse de base
para a elaboração de ações globais no campo da promoção da pluralidade cultural. Entre
os resultados obtidos, é importante assinalar os altos índices de discriminação e
preconceito, nas escolas investigadas, entre todos os atores e, além disso, a evidência de
que as escolas nas quais os escores que expressam os níveis de preconceito e práticas
discriminatórias apresentam valores mais elevados tendem a apresentar médias mais
baixas na Prova Brasil, o que estabelece uma relação entre discriminação e preconceito
e aprendizagem.
Quanto à realização de atividades voltadas aos professores em exercício ou em
formação, os entrevistados afirmam a existência de jornadas de educação, palestras e
debates. Apoiam a introdução mais efetiva da temática da diversidade sexual nos cursos
de formação de professores.
A gente acredita que principalmente na formação dos professores, no ano passado
[2010] eu dei uma capacitação para uma turma que estava se formando e eu acredito
que seja assim tanto nas Escolas Normais, como nas Universidades, essa linha de
pensamento, o tema diversidade sexual ele tem que entrar nesse currículo, porque na
verdade são esses indivíduos, esses atores é que vão levar para sala de aula essa questão,
ou de forma transversal ou mesmo na sua prática diária (Angela).
Quanto à perspectiva da educação intercultural, novamente notamos que os
entrevistados não têm familiaridade com a expressão ou temática e que tentaram
aproximar-se dela enfatizando a valorização da diversidade.
Uma educação intercultural... Bem é primeiramente, sei lá... Talvez um aprofundamento
sobre as diversidades e uma forma de dialogar com essas diversidades sem ser “clichê”
(Leonardo).
Isso é um termo complexo. Eu não sei como te definir. A gente sempre debateu outros
conceitos como heteronormatividade, transversalidade da temática nas disciplinas, mas
essa, especificamente, acho que a gente não tem... Eu por exemplo não tenho acúmulo
de debate sobre isso para poder ter uma opinião formada (Maurício).
Nos depoimentos dos entrevistados que atuam no movimento negro
encontramos, no que tange à educação formal, a ideia de que ele é muito propositivo
“provocando” a educação escolar.
Eu acho que o movimento está mais provocando a escola, até mesmo porque a maioria
do movimento está dentro da escola, são professores que estão dentro do movimento e
que estão dentro da escola e aí vão fazer com que esse universo todo seja modificado;
[...] tem algumas mudanças por causa realmente das nossas propostas, das propostas do
movimento popular e do movimento de direitos humanos, movimento LGBT,
movimento de mulheres, movimento dos indígenas, movimento da questão da terra,
então são esses movimentos que estão provocando a educação a mostrar o novo porque
a educação está muito atrasada (Ana Maria).
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A lei 10639/03 aparece como o principal exemplo destacado pelos entrevistados
de proposição de mudanças que afetariam a escola. A Lei funcionaria, se devidamente
implantada, como um disparador de questões e desafios capazes de mudar para melhor
as relações raciais desenvolvidas na/pela sociedade brasileira.
Os depoimentos dão conta de diferentes dificuldades enfrentadas na execução da
Lei como a tendência a reduzi-la a alguns momentos como a “Semana da África” ou o
“Dia da Consciência Negra” ou ao desenvolvimento de algum projeto específico e à
realização de palestras e oficinas esporádicas, numa abordagem aditiva, que não afeta a
estruturação do currículo habitual das escolas; o desconhecimento por parte dos
professores da História da África e da cultura afro-brasileira “o que a gente esbarra
muito é o professor dizendo: eu não aprendi isso, eu não sei como lecionar, eu não sei
como lidar” (Lúcia); a pouca presença da temática abordada pela Lei nos cursos de
Formação de Professores; a insuficiência de material pedagógico disponível, mas
reconhecendo que as publicações de caráter educacional têm crescido, especialmente as
de literatura infantil que valorizam a cultura negra.
Como fato positivo, no tocante à educação, foi destacada a importância da
versão em língua portuguesa da obra editada pela UNESCO sobre História Geral da
África, em 2011, que em parceria com a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, e Diversidade do Ministério de Educação (SECAD/MEC) e a
Universidade Federal de São Carlos (UFCAR), viabilizou a edição completa em
português da Coleção, considerada até hoje a principal obra de referência sobre o
assunto.
Nos depoimentos dos militantes negros os pré-vestibulares comunitários são
particularmente valorizados, tanto por estimularem a capacitação de jovens negros para
o ingresso nas universidades, quanto por favorecerem uma maior consciência da
identidade étnico-racial dos sujeitos.
Ressaltamos que, para o entrevistado participante do movimento quilombola, a
escola se apresenta como um “mundo distante” da comunidade quilombola. Assume
como perspectiva a construção de uma “educação diferenciada”, proposta que está
sendo gestada coletivamente e que visa construir uma cultura escolar que incorpore
componentes fundamentais da especificidade cultural e social dessas comunidades.
Quando foram solicitados a expressar o que entendiam por educação
intercultural, os entrevistados manifestaram pouca familiaridade com a expressão.
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Um único depoimento explicitou que a entendia como sendo a incorporação de
“histórias e do papel de outras culturas”, chegando a afirmar “intercultural é você
conhecer a história do outro” (Antônio). No entanto, foram feitas algumas relações, de
modo genérico, à importância do respeito ao outro, assim como à necessidade de se
conhecer diferentes culturas, sendo mencionado o papel da escola nesta direção.
Quando perguntados sobre experiências interculturais concretas, um entrevistado
relacionou a educação intercultural com a questão indígena, outro com a educação
quilombola e um terceiro com a “escola aberta”, entendida como aquela que nos fins de
semana oferece diferentes espaços de expressão cultural à comunidade.
Considerações Finais
Este texto teve por objetivo apresentar e analisar a representação dos militantes
dos movimentos sociais sobre a relação entre seus movimentos e a educação formal
numa perspectiva intercultural.
Realizamos ao todo dezoito entrevistas semiestruturadas com integrantes dos
movimentos que exerciam ou tinham exercido alguma função de coordenação e/ou
liderança, no âmbito local, regional, ou nacional. Foram seis entrevistas com militantes
dos três movimentos escolhidos: movimento de mulheres, o movimento negro e o
movimento LGBT.
A educação formal e as escolas têm grande importância, são fundamentais, na
representação dos sujeitos entrevistados dos três movimentos focalizados, quando têm
em mente e constroem uma sociedade mais plural e menos violenta num futuro
próximo.
Os movimentos nos quais atuam os entrevistados valorizariam a educação e a
escola visando o desenvolvimento de suas pautas de reivindicações e lutas que
empreendem por um lado, pela igualdade de direitos e, por outro, pelo reconhecimento
de suas diferenças culturais, especialmente no tocante ao racismo, sexismo e
homofobia/lesbiofobia/transfobia, que operam fortemente na sociedade brasileira.
Todavia, atestam a pouca inserção que têm seus movimentos e demandas na
educação formal, nas práticas e currículos escolares, nos cursos de formação de
professores, embora seja crescente a presença tanto das demandas quanto dos militantes
no espaço da educação formal, inclusive através da legislação.
No que diz respeito à educação intercultural os depoimentos tomados dos
militantes dos três movimentos demonstraram a pouca familiaridade com a expressão,
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um estranhamento, evidenciando a pouca reflexão explícita dos entrevistados e seus
movimentos em relação à temática. É possível afirmar que a educação intercultural não
está marcadamente presente nas agendas dos movimentos de mulheres, LGBT e negro,
Referências Bibliográficas
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Junqueira&Marin Editores
Livro 1 - p.004452
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relações dos movimentos sociais com a educação formal