LA VIA C AMPESINA
ACIMA O SÍMBOLO DE “LA VIA
CAMPESINA”, ESTAMPADO EM SUA
BANDEIRA. AO LADO, FICA A
QUESTÃO: O MUNDO DEVERIA
SEGUIR QUAL CONSELHEIRO?
MOVIMENTOS SOCIAIS TRANSNACIONAIS:
A Via Campesina como um movimento em rede no altermundialismo
Os processos de globalização são aqui pensados
enquanto fenômenos que redefinem conceitos,
normas e valores, se desenvolvem um novo
capitalismo que concentra cada vez mais o capital
financeiro nas mãos das elites detentoras do poder de
decisão das ações corporativas. São transformações
que desconhecem fronteiras e, assim, acabam se
tornando mundiais. Em relação a esse “novo surto de
acumulação”, nas palavras de Octavio Ianni, nem
mesmo as grandes sociedades dominantes,
organizadoras desse sistema, logram se ver livres de
serem modificadas ou desafiadas.
Na análise da globalização é muito comum nos
depararmos com definições imperativas da mesma,
vista como algo-que-deve-ser-assim, em outras palavras,
com definições já amarradas, arraigadas à própria
natureza do fenômeno em si. Exemplo bastante nítido
disso é a abordagem constante, muitas vezes a única, da
sua dimensão econômico-financeira em detrimento das
demais outras faces que a constituem (a social, a
cultural ou mesmo em relação ao seu surgimento). pesqueiros, florestas, borracha, juta, sisal e abacá
Tudo acaba sendo resumido à área do mercado, tudo (MATTIA e BABAGALO, 1998).
seria apenas uma questão de economia e seus ditames.
O agrário se tornou mais e mais um produto, a
A globalização também nos mostra que o lócus da industrialização e a urbanização tomam conta
civilização contemporânea é o meio urbano, o meio paulatinamente desse território. A previsão de Marx, de
técnico-científico-informacional, fazendo com que o que essa industrialização eliminaria o campesinato, se
campo, aos poucos, vá “perdendo” a sua importância. O tornava evidente; um declínio da população agrícola
urbano viria a representar o que de mais moderno que as Nações Unidas tentavam disfarçar com uma
poderia haver: velocidade, cidades que não dormem variedade de eufemismos utilizando palavras como
jamais, o lugar onde a tecnologia aparece primeiro, “atrasado” e “pobre”. O campo se esvaziava ao passo
onde as informações mais importantes são trocadas. O que as cidades se enchiam. O que se percebe é o fim
rural se tornou o seu extremo oposto, por muitos da contradição urbano-rural, é a “cidade engolindo o
visto realmente como algo a ser desconsiderado, por campo” (HOBSBAWN, 1995; IANNI, 2007). Assim
ser o símbolo do ultrapassado, do antigo, por vezes da sendo, não é demais levantar a questão sobre qual é,
estagnação. Idéias tidas por muitos, mas não por todos. afinal, o papel do camponês nessa nova sociedade,
Nesse sentido, o campo e o agrário é um mundo formada dentro dos mercados vitor iosos do
que não escapa das mãos do mercado, e isso pode ser neoliberalismo.
notado pelas políticas de ajuste estrutural do Banco
Mundial e do FMI. Da mesma forma, a questão agrária é
tratada de modo economicista no âmbito da
Organização Mundial do Comércio (OMC) e o seu
Acordo sobre a Agricultura.
O objetivo das políticas de ajuste estrutural do
criadas pelo FMI e apoiadas pelo BM era assegurar o
pagamento de serviço da dívida externa e promover a
transformação das economias nacionais rumo ao
padrão liberal, que ganhava força no cenário
internacional. Seus resultados, contudo, foram
desastrosos, gerando sociedades ainda mais pobres e
desiguais. O BM, ainda assim, vê o mérito das reformas
como algo inquestionável: passa a aperfeiçoá-las e
aprofundá-las em vez de tentar reverter ou mudar.
Surge, assim, a proposta de uma “segunda geração” de
reformas estruturais, com um objetivo novo: liberalizar
os mercados de trabalho, terra e crédito, até então
pouco ou nada atingidos pela primeira fase de
reformas. O agravamento da pobreza é visto como algo
inevitável e que deve ser compensado de acordo com
o nível de tensão social mais elevado (PEREIRA, 2006).
Já o Acordo sobre Agricultura, na OMC, tem por
objetivo em longo prazo estabelecer um sistema de
comércio agropecuário eqüitativo e orientado ao
mercado, consistindo em promover reduções
progressivas substanciais de ajuda e de proteção à
agricultura. O acordo inclui a maioria dos produtos
considerados como agropecuários, exceto produtos
É nesse contexto que surge a Via Campesina, como
um movimento em rede de contestação a essa nova
política que se desenvolve no campo. Uma associação
internacional que coordena organizações campestres,
pequenos e médios produtores, jovens e mulheres
rurais, comunidades indígenas, pessoas sem-terra e
trabalhadores agrícolas migrantes. É autodenominada
um movimento autônomo, plural, independente, sem
afiliação política, econômica ou de outro tipo. É
composta por cerca de oitenta organizações do
campo, de todos os continentes, em um total de
cinqüenta e sete países.
Para a análise da natureza da rede, Borras (2007)
diz que a Via Campesina tem uma característica dual,
sendo simultaneamente um ator e uma arena de ação.
Ele sustenta sua tese afirmando que, como ator, a Via
Campesina representa a voz e os interesses
camponeses junto ao sistema internacional, e como
arena, é o espaço no qual os diversos grupos sociais e
atores (nacionais, regionais e subnacionais), que dela
fazem parte, negociam e estabelecem metas, objetivos e
campanhas comuns, fortalecendo-se mutuamente. Este
caráter dual faz com que o autor a considere como um
tipo de “instituição”, conceituada aqui “de forma ampla
e aberta, como um corpo de ‘regras’ que media a
interação entre diversos atores e entre atores e
estruturas existentes.”
A Via Campesina tem trabalhado em uma política
de alianças com outras forças sociais, econômicas e
políticas, a nível internacional, para lutar conjuntamente
contra o neoliberalismo e para
desenvolver propostas e alternativas
onde as grandes maiorias
constituem os atores principais.
Percebe-se em suas ações a
manifestação do conceito de
“glocal” (pensar global, agir local). O
que proponho, a partir disso, é
buscar a resposta para se entender
a seguinte pergunta: como e porque
a Via Campesina se constrói e se
configura como um ator das
relações internacionais?
O que se pretende com essa
questão?
A intenção analisar o papell, no
campo das relações internacionais,
de novos atores oriundos da
sociedade civil mais politizada e de
natureza contestatória. Não apenas
o Estado, mas outros atores
determinam, em alguma medida, a
direção dada às sociedades e à
política internacional, direção com
suas consequências (bônus e
ônus).Visamos, portanto, a analisar a
Via Campesina enquanto uma
associação em rede, portanto
composta de vários movimentos,
com origens nacionais e visões de
mundo diversas, agindo acerca de
uma mesma problemática com
contornos globais: a soberania
alimentar.
Além desses dois pontos,
procuro demonstrar que o mundo
não é um lugar pré-determinado, ou
seja, ver na Via Campesina um
exemplo de ator que modifica o
mundo a partir de suas ações,
trabalhando em conjunto duas
teorias, o construtivismo e a teoria
crítica.
Para isso, pressuponho que a
V i a C a m p e s i n a s e c o n fi g u r a
enquanto um ator importante nas
relações internacionais, graças a
seus discursos e ações (daí se fazer
importante uma análise dentro das
duas teorias acima citadas), bem
como suas alianças e participações
em encontros de caráter global,
como o Fórum Social Mundial.
Além disso, levanto as seguintes
outras hipóteses:
- a contestação da Via Campesina
vai de encontro não a globalização
em si, mas tão somente a sua
vertente neoliberal do liberalismo
capitalista;
- visão dos diferentes problemas
nacionais e regionais como
mundiais pela VC;
- a VC é um ator de caráter
eminentemente altermundialista;
- a aliança criada, ou seja, a rede
entre as diversas outras
associações, movimentos sociais e
organizações, é de fundamental
importância para a propagação de
seus discursos e ações.
Os diversos materiais foram
colhidos principalmente aqui no
Brasil, pesquisados nos artigos e
livros da biblioteca do
LABMUNDO, por troca de material
com outros pesquisadores, e
também na França, onde tive a
oportunidade de ir a sede da
Confédération Paysanne na região de
Île-de-France, um dos movimentos
campesinos que fazem parte da Via
Campesina, quando do meu
intercâmbio em SciencesPo, Paris.
Esse intercâmbio foi um
projeto idealizado para ocorrer
durante o Ano da França no Brasil, e
foi pensado pelos professores
Carlos R. S. Milani e Marie-Françoise
Durand, onde duas bolsas foram
concedidas a dois estudantes
brasileiros da Universidade Federal
da Bahia. As bolsas foram doadas
pela Dassault Aviation e gerenciadas
por SciencesPo.
Referências bibliográficas
BORRAS JR., Saturnino M. La Via
Campesina: um movimiento en
movimiento. Amsterdam: TNI, 2004.
D i s p o n í ve l n o s i t e : < h t t p : / /
Metodologia utilizada
www.tni.org/repor ts/
newpol.campesina-s.pdf > Acessado
Neste projeto de monografia em: set. 2007.
em ciências sociais, sob orientação
do Professor Carlos R. S. Milani e BOVÉ, José. A farmer’s international?
d e s e nvo l v i d o n o â m b i t o d o I n : N e w L e f t R e v i e w. A
LABMUNDO, serão utilizados, m o v e m e n t i n m o v e m e n t s ?
predominantemente , métodos D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / /
qualitativos de pesquisa. Entre estes www.newleftreview.org/A2358>.
m é t o d o s q u a l i t a t i v o s s e r ã o Acessado em: 14 set. 2007
utilizadas as pesquisas bibliográficas
e documentais, como principais CIVIDANES, Jorge Lazo. Ideologia y
pontos de análise da temática, dada anti-globalizatión: uma aproximación
a impossibilidade que existe de se al discurso de la Vía Campesina.
acompanharem os mais diversos Revista de Ciencia Política,
integrantes e suas ações no vol. 24, n. 1, p. 169-188, 2004.
momento em que elas ocorrem,
justamente pelo seu caráter D E S E R N A C L E N S , P i e r r e .
transnacional.
Mondialisation. In: Le
dictionnaire des sciences
humaines. Paris: Quadrige/PUF, c a p i t a l n o c a m p o . I n :
2006.
DIPLOMACIA
nãogovernamental: a intervenção
DEFARGES, Philippe Moreau. d a s O N G ’ s n u m s i s t e m a
Relations Internacionales: 2. internacional em crise. São Paulo/
questions mondiales. Paris: ESSAIS, Paris: ABONG/Coordénation SUD,
2002.
2007. p. 63-67.
DESMARAIS, Annette-Aurélie. The
Vía Campesina: consolidating an
international peasant and farm
movement. The Journal of
Peasant Studies. Vol. 29, n. 2,
jan. 2002. p. 91-124.
GHORRA-GOBIN, Cynthia (org.).
Dictionnaire
des
mondialisations. Paris: Armand
Colin, 2005.
GRZYBOWSKI, Cândido.
Caminhos e descaminhos
dos movimentos sociais no
campo. Petrópolis: Vozes/FASE,
1991. 3.ed. p. 90.
F E L Í C I O, M u n i r Jo r g e . A
conflitualidade dos paradigmas da
questão agrária e do capitalismo
agrário a partir dos conceitos de
agricultor familiar e de camponês.
Campo-território, v. 1, n. 2, p.
14-30, ago. 2006.
HOBSBAWN, Eric. A revolução
social. In: ______. A era dos
extremos: o breve século XX –
1914-1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995. Trad. Marcos
Santarrita. Cap. 10. p. 282-289.
PEREIRA, João Márcio Mendes. A
política agrária do Banco Mundial
em questão. Estudos
Avançados. Vol. 20, n. 57. 2006. p.
355-383.
S C H E R E R - WA R R E N , I l s e .
Movimentos sociais: um ensaio
M AT T I A , F á b i o M a r i a d e ; de interpretação sociológica.
BARBAGALO, Érica Brandini. A Florianópolis: EDUFSC, 1987. 2 ed.
Organização Mundial do Comércio p. 150. Série Didática.
e o Acordo sobra a Agricultura. In:
C A S E L L A , P a u l o B o r b a ; STEDILE, João Pedro. Conferência
MERC ADANTE, Araminta de “Terra, território e soberania
A z e v e d o ( c o r d . ) . G u e r r a alimentar”. In: ______ et al.
comercial ou integ ração Coleção FSM 2003. vol. 1.
mundial pelo comércio: a Conferências.
OMC e o Brasil. São Paulo: LTr,
1998. p. 267-292.
VÍA CAMPESINA. Que es La Vía
Campesina? Disponível em:
MARTINS, Luciano. Globalização: a <http://www.viacampesina.org>.
i m p o r t â n c i a d o f e n ô m e n o . Acessado em: 06 jun. 2007.
In:______. A globalização
e n t re o i m a g i n á ri o e a
realidade. São Paulo: Fundação
Konrad Adenauer, 1998. p. 47-51.
(Coleção Pesquisa, n. 13).
MILANI, Carlos R. S. Globalização e
contestação política na ordem
mundial contemporânea –
introdução. Cadernos CRH,
Salvador, v. 19, n. 48, 377-383set./
dez. 2006.
NIEMEYER, Carolina Burle de. Via
Campesina: uma análise sobre sua
gênese e processo de consolidação.
I n : M OV I M E N TO S S O C I A I S ,
PARTICIPAÇÃO E DEMOCRACIA,
2007, Florianópolis.Anais do II
IANNI, Octavio. O mundo agrário. Seminário Nacional. Fortaleza:
I n : _ _ _ _ _ _ . A e r a d o UFSC, 2007. Disponível em: <http://
globalismo. 9. ed. Rio de Janeiro: w w w. s o c i o l o g i a . u f s c . b r / n p m s /
carolina_burle_niemeyer.pdf>.
Civilização Brasileira, 2007.
Acessado em: 14 set. 2007.
LAVRATTI, Edivar. A Via Campesina,
espaço de resistência à lógica do
Download

Movimentos Sociais Transnacionais