MARIA DO SOCORRO PELAES BRAGA
JUSTIÇA RESTAURATIVA:
benefícios para sociedade e para a justiça formal
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia
apresentada ao Departamento de Estudos da
Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos
de Política e Estratégia.
Orientador: Prof. Eng. Márcio José Borges
Rio de Janeiro
2014
C2014 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação
que resguarda os direitos autorais, é
considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É
permitido a transcrição parcial de textos
do trabalho, ou mencioná-los, para
comentários e citações, desde que sem
propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa.
Os conceitos expressos neste trabalho
são de responsabilidade do autor e não
expressam
qualquer
orientação
institucional da ESG
_________________________________
Maria do Socorro Pelaes Braga
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Braga, Maria do Socorro P.
Justiça Restaurativa: Benefícios para sociedade e justiça formal /
Promotora de Justiça Maria do Socorro Pelaes Braga. - Rio de Janeiro :
ESG, 2014.
57 f.: il
Orientador: Engenheiro Márcio José Borges.
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia
(CAEPE),2014.
1. Justiça Restaurativa. 2. Conscientização 3. Responsabilidade.
I. Título.
A todos do Ministério Público do Estado
do Amapá, em especial às Promotoras de
Justiça Ivana Cei, que oportunizou-me
esse aprendizado e Sílvia Canela que
durante
o
contribuiu
período
com
de
formação
ensinamentos
e
incentivos.
A minha gratidão, em especial aos meus
filhos Felipe e Castiel e ao meu pai Pedro
Braga,
resposta
pela
aos
compreensão,
momentos
de
como
minhas
ausências e omissões, em dedicação
àsatividades da ESG.
AGRADECIMENTOS
Aos meus professores de todas as épocas por terem sido responsáveis por
parte considerável da minha formação e do meu aprendizado, em especial ao meu
orientador Professor Márcio, pelo apoio em todos os momentos e aos demais
integrantes do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra pelos ensinamentos
e orientações que me fizeram refletir, cada vez mais, sobre a importância de se
estudar o Brasil com a responsabilidade implícita de ter que melhorar.
Aos estagiários da melhor Turma do CAEPE de todos os tempos, “65 anos
pensando o Brasil”, pelo convívio harmonioso de todas as horas, com a certeza de
que jamais os irei esquecer.
“Não há nada mais difícil de manejar,
mais perigoso de conduzir, ou de mais
incerto sucesso, do que encabeçar o
estabelecimento de uma nova ordem das
coisas, pois o inovador tem contra si
todos os que se beneficiavam das antigas
condições, e apoio apenas tíbio dos que
poderão se beneficiar com essa nova
ordem”.
“Nicolau Maquiavel (1459-1527)”.
RESUMO
A presente monografia é decorrente de pesquisa elaborada no campo da ciência
criminal, abordando como tema central a Justiça Restaurativa, enfatizando os
métodos e práticas restaurativas e as diversas formas de contribuição para
asociedade organizada e para os órgãos de atendimento à vitima e ao infrator. A
metodologia adotada consistiu em pesquisa bibliográfica e documental, com
abordagens tanto no campo do conhecimento teórico como empírico, contando,
nesse ultimo caso, com a experiência de profissionais que atuam na área da justiça
penal, em diversos estados do Brasil.Tem por objeto subsidiar público semelhante,
indicando métodos alternativos de abordagens de conflitos e pacificação social.A
pesquisa permitiu verificar que o modelo de justiça restaurativa possui princípios
correlatos com aqueles inerentes a justiça criminal, mas possui metodologia
diferenciada na resolução das lides, fomentando a participação da vítima na
resolução dos conflitos, a reparação do dano e a responsabilização do ofensor de
maneira não aviltante.Inferiu-se ainda que, hodiernamente, tais práticas estão
institucionalizadas pelo Estatuto da Criança e Adolescente, introduzidas pela Lei
12.594/2012, que cuida da execução das medidas sócio-educativas e recomenda
que estas só devam ser aplicadas quando não houver possibilidade de
aplicabilidade dos métodos restaurativos.A partir da análise teórica do modelo de
justiça restaurativa e de sua utilidade dentro do processo de pacificação, apontou-se
caminhos para sua implementação dentro dos diversos segmentos da justiça
institucionalizada. Para tanto, analisamos o perfil de cada órgão e a forma de
atuação das equipes restaurativas dentro de cada um deles.
Palavras-chave: Justiça Restaurativa.Responsabilidade.Reparação do dano.
ABSTRACT
This paper work is the result of research carried out in the field of criminals science,
addressing the central theme restorative Justice, emphasizing methods and
restorative practices and the various forms of contributions to organized society and
the organs of care to the victim and the offender.The methodology consisted of
bibliographic and documentary research with both approaches in the field of
theoretical knowledge as empirical, relying, in this latter case, the experience of
professionals working in the area of criminal justice, in various states of Brazil.Its
purpose subsidize public similar, indicating alternative methods of approaches to
social conflict and peacemaking.Research has shown that the model of restorative
justice principles has correlated with those inherent in criminal justice, both as
different methodology in solving litigations, encouraging victim participation in conflict
resolution, compensation for damage and the accountability of the offender so not
demeaning.Yeti was inferred that, in our times, such practices are institutionalized by
the Statute of Children and Adolescents, introduced by Law12.594/2012, which takes
care of the implementation of socio-educational measures, and recommends that
these should only be applied when there is no possibility of applicability of restorative
methods.From the theoretical analysis of there restorative justice model and its
usefulness in the peace process, pointed up ways for its implementation within the
various segments of institutionalized justice. to do so, we analyze each organ was
profile and their conduct of restoratives aims within each of them.
Keywords: Restorative Justice.ResponsabilityReparation
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AP
Amapá.
CF
Constituição Federal.
JR
Justiça Restaurativa.
ONU
Organização das Nações Unidas.
SP
São Paulo.
SINASE
Sistema Nacional de Atendimento das Medidas Sócio Educativas
UNESCO
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12
2
FUNDAMENTAÇÃO .................................................................................... 15
2.1
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA.............................. 15
2.2
DOS DIREITOS HUMANOS ......................................................................... 16
2.3
PRINCÍPIOS
DO
DIREITO
PENAL
APLICÁVEIS
À
JUSTICA
RESTAURATIVA .......................................................................................... 17
2.3.1
Princípio da humanidade(ou da limitação das penas) ............................ 17
2.3.2
Principio da legalidade(ou da reserva legal) ............................................ 17
2.3.3
Principio da taxatividade ou da determinação ......................................... 18
2.3.4
Princípio daculpabilidade .......................................................................... 18
2.3.5
Princípio da adequação social .................................................................. 19
2.3.6
Princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos ............................... 19
2.3.7
Princípio da intervenção mínima(ou da subsidiariedade) ...................... 20
2.3.8
Princípio da intranscedência da pena ...................................................... 20
2.3.9
Princípio da proporcionalidade da pena .................................................. 21
2.3.10 Princípio da insignificância (ou da bagatela) .......................................... 21
2.3.11 Princípio da lesividade ............................................................................... 22
3
JUSTIÇA RESTAURATIVA ......................................................................... 23
3.1
ABORDAGEM HISTÓRICA .......................................................................... 23
3.2
O QUE É JUSTIÇA RESTAURATIVA .......................................................... 24
3.3
JUSTIÇA RESTAURATIVA:PRINCÍPIOS E CONTORNOS PRÁTICOS ...... 27
3.3.1
Preparação .................................................................................................. 27
3.3.2
Contato com as partes ............................................................................... 28
3.3.3
Local adequado e acolhimento dos participantes ................................... 28
3.3.4
Identificação da raiz dos problemas ......................................................... 29
3.3.5
Comunicação Restaurativa ........................................................................ 29
3.3.6
Sigilo do debate .......................................................................................... 32
3.3.7
Possibilidade de execução dos acordos .................................................. 32
3.4
MÉTODOS RESTAURATIVOS .................................................................... 33
3.4.1
Mediação vitima ofensor ............................................................................ 33
3.4.2
Reuniões restaurativas .............................................................................. 34
3.4.3
Círculos restaurativos ................................................................................ 34
3.5
INSTRUMENTOS E FERRAMENTAS RESTAURATIVAS ........................... 34
3.5.1
Escuta ativa ................................................................................................. 35
3.5.2
Empoderamento ......................................................................................... 35
3.5.3
Responsabilização ..................................................................................... 36
3.6
POR QUE ADOTAR AS PRÁTICAS RESTAURATIVAS? ........................... 37
4
COMPATIBILIDADE ENTRE JUSTIÇA FORMAL E RESTAURATIVA ...... 39
4.1
DIFERENÇA ENTRE JUSTIÇA RESTAURATIVA E JUSTIÇA FORMAL .... 40
4.2
IMPORTÂNCIA DA JUSTIÇA RESTAURATIVA PARA A JUSTIÇA
FORMAL ....................................................................................................... 42
4.3
PRÁTICAS RESTAURATIVAS E JUIZADOS ESPECIAIS ........................... 43
4.4
PRÁTICAS RESTAURATIVAS E INSTITUIÇÕES DE ENSINO ................... 44
4.5
PRÁTICAS
RESTAURATIVAS
E ORGÃOS
DA
SEGURANÇA
PÚBLICA ...........................................................................................45
4.6
PRÁTICAS RESTAURATIVAS E JUSTIÇA MENORIL ................................ 46
4.7
JUSTIÇA RESTAURATIVAE CONTRIBUIÇÃO PARA A PAZSOCIAL ...... 47
5
CONCLUSÃO. ........................................................................................... 49
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 52
ANEXO A ................................................................................................... 54
ANEXO B ................................................................................................... 65
ANEXO C ................................................................................................... 72
12
1
INTRODUÇÃO
O crime pode ser entendido como uma violação nas relações entre o
infrator, vítima e comunidade, cabendo à Justiça identificar as necessidades e
obrigações advindas dessa violação e do trauma causado, e viabilizar os meios
necessários para reparação. Incumbe-lhe ainda oportunizar e encorajar as
pessoas envolvidas a dialogarem e a chegarem à resolução do conflito, posto
que, sujeitos centrais do processo.
É cediço que o Sistema de Justiça por nós experimentados não vem
atingindo o fim objetivado, exigindo aprimoramentos capazes de impedir a volta
à vinditaprivada, fenômeno visivelmente evidenciado nos dias atuais.
Desta forma, a Justiça Restaurativa surge como uma esperança para
uma cultura de paz. Sua aplicabilidade e suas formas de articulação com o
sistema de justiça criminal, tanto do ponto de vista teórico como empírico, vem
contribuindo grandiosamente para as abordagens de conflitos, trazendo para a
comunidade e para a justiça institucionalizada não apenas a resolução dos
litígios, mas tambéma mitigação de novos atritos.
É um instituto que se destaca no cenário atual de Justiça, por ser uma
forma de enfoque de conflitos diversa do modelo tradicional. Inspirada,
principalmente, no abolicionismo e no movimento vitimológico iniciado nos anos
80, a justiça restaurativa tem obtido reconhecimento não apenas em razão do
fracasso das penas privativas de liberdade como meio de ressocialização do
infrator, mas, principalmente, por dar maior atenção às vitimas.
A paz social, tão perseguida pela Justiça, pode ser atingida através de
um processo restaurativo,ao final do qual, o infrator passa a ter consciência do
ilícito por ele praticado, responsabiliza-se pelo mal causado e, em
consequência, obriga-se a reparar o dano, sempre que isso for possível. A
vítima, que é vista apenas como informante dentro do processo penal, passa a
ser parte integrante do procedimento, contribuindo de forma relevante para a
conscientização e responsabilidade do infrator e, em grande parte, tem a
satisfação da reparação do dano por ela experimentado.
A Justiça é atingida segundo sua capacidade de fazer com que as
responsabilidades
pelo
cometimento
do
delito
sejam
assumidas,
as
13
necessidades oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e a “cura”,
ou seja, um resultado individual e socialmente terapêutico seja alcançado.
O método fundamenta-se em um procedimento de consenso entre as
partes envolvidas em situação conflituosa, em que a vítima e o infrator, e,
quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo
crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção
de soluções para aquele conflito, cuidando dos traumas e perdas causados
pelo ilícito. O processo restaurativo abrange pré-mediação, conciliação,
audiências, reuniões restaurativas, círculos restaurativos e conferências.
Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente
informal, tendo lugar, preferencialmente, em espaços comunitários, sem o peso
e o ritual solene do Poder Judiciário. Participam do processo dois ou mais
mediadores ou facilitadores, que promovem os encontros visando alcançar o
resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades
individuais e coletivas das partes e, quando possível, lograr o empoderamento
da vitima e a reintegração social do infrator.
O paradigma restaurativo vai além dos procedimentos realizados nos
Juizados Especiais, posto que, tem por objetivo precípuo resgatar a
convivência pacífica no ambiente afetado pelo crime, em especial naquelas
situações em que o ofensor e a vítima têm convivência próxima.
O método restaurativo, ainda que de maneira acanhada, já é parte
integrante do nosso sistema de justiça institucionalizado, posto que a Lei
12.594/12, que trata do Sistema Nacional de Aplicação das Medidas Sócio
Educativas dispõe em seu art. 35, III, que a execução da medida sócio
educativa deverá ter por principio a prioridade às práticas ou medidas que
sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das
vítimas.
Inclusive, é importante enfatizarmos que, tramita no Congresso
Nacional o Projeto de lei 7006/2006, que propõe alterações no Decreto-Lei nº
2848, de 7 de dezembro de 1940, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de
1941, e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para facultar o uso de
procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos
de crimes e contravenções penais.
14
Muito embora seja um método relativamente novo, já existe um
crescente consenso internacional a respeito de seus princípios, inclusive oficial,
em documentos da Organização das Nações Unidas- ONU e da União
Europeia, validando e recomendando a Justiça Restaurativa para todos os
países.
15
2
FUNDAMENTAÇÃO
Todo instituto tem um alicerce sob o qual se funda e justifica sua razão
de
ser.
As
práticas
restaurativas,
por
versarem
sobre
normas
de
comportamento social tem seu fundamento maior nos princípios e direitos da
pessoa humana, sob os quais faremos breves comentários para melhor
inteligência do tema.
2.1
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA
É da dignidade da pessoa humana que nascem os princípios
orientadores e limitadores do Direito Penal. A dignidade do homem está
amparada pelos três segmentos dos direitos intrínsecos ao ser. Podemos
assim citá-los e definí-los como sendo:
a)
Os direitos do homem, que são aqueles atribuídos a cada ser
humano e inerente a todos os povos;
b)
Os Direitos Humanos, reconhecidos como os direitos do
homem, positivados em documentos internacionais, e;
c)
Os direitos fundamentais, que são aqueles eleitos e positivados
pela Constituição de um determinado Estado.
O direito penal, por ser a ciência que cuida das relações entre o infrator
e o Estado, não poderia ter outro norte, e assim, pauta seus princípios e
fundamentos naqueles advindos dos direitos da pessoa humana. Não temos a
pretensão de exaurir o rol desses princípios dado sua amplitude, contudo
citaremos aqueles que reputamos como de maior relevância para nossa
pesquisa.
Temos como orientação, que afrontar um princípio é mais grave que
violar uma norma positivada, eis que estas surgem daqueles. Por ser assim,
um Estado que não atenta para os princípios fundamentais da pessoa humana,
que ultraja seus cidadãos perde sua razão de ser, equiparando-se aos mesmos
infratores que a subjugou.
16
2.2
DOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos humanos, conforme afirmamos alhures, são direitos básicos
e inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo,
nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Todos os
seres da espécie humana são detentores desses direitos, indistintamente.
Tais prerrogativas incluem o direito à vida, ao livre-arbítrio, à liberdade
de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, dentre tantos
outros.
Desde o estabelecimento da ONU, em 1945, um de seus objetivos
fundamentais tem sido promover e encorajar o respeito aos direitos humanos
para todos, conforme estipulado no preâmbulo da Carta das Nações Unidas:
“Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram sua fé nos
direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na
igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o
progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais
ampla,[...] a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos
Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e
todas as nações…”
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um marco na história
dos direitos humanos. Elaborada por representantes de diferentes origens
jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, foi proclamada pela
Assembleia Geral da ONU em Paris, em 10 de dezembro de 1948, através
da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral, como uma meta comum a ser
alcançada.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos. Por ser assim, esse diploma dos direitos humanos, estabelece as
obrigações dos governos a agirem de determinadas maneiras ou de se
absterem de certos atos, a fim de promover e proteger os direitos humanos e
as liberdades de grupos ou indivíduos.
17
2.3
PRINCÍPIOS
DO
DIREITO
PENAL
APLICÁVEIS
À
JUSTIÇARESTAURATIVA.
Dentre os princípios do direito penal adstritos à justiça comum
podemos considerar que em grande parte estes são aplicáveis aos métodos e
práticas restaurativas, todavia, cuidaremos na presente pesquisa, daqueles
comumente invocados.
2.3.1
Princípio da humanidade (ou da limitação das penas)
Em um Estado de Direito democrático é vedada a criação, aplicação ou
a execução de pena, bem como de qualquer outra medida que atentar contra a
dignidade humana. Apresenta-se como uma diretriz garantidora de ordem
material e restritiva da lei penal, verdadeira salvaguarda da dignidade pessoal,
relacionando-se de forma estreita com os princípios da culpabilidade e da
igualdade.
É um princípio geral de racionalidade, que no estado brasileiro deriva
da Constituição Federal, exigindo certa vinculação equitativa entre o delito e
suas consequências jurídicas. Está previsto no art. 5°, XLVII, que proíbe as
penas de morte, salvo em caso de guerra declarada; de caráter perpétuo; de
trabalhos forçados; de banimento e cruéis.
2.3.2
Princípio da legalidade (ou da reserva legal)
O Direito Penal moderno se assenta em determinados princípios
fundamentais, próprios do Estado de Direito democrático, entre os quais
sobreleva o da legalidade dos delitos e das penas, da reserva legal ou da
intervenção legalizada, que tem base constitucional expressa. A sua dicção
legal tem sentido amplo: não há crime (infração penal), nem pena ou medida
de segurança (sanção penal) sem prévia lei (stricto sensu).
Assim, o princípio da legalidade tem quatro funções fundamentais:
a)
Proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena
sine lege praevia);
18
b)
Proibir a criação de crimes e penas pelo costume (nullum
crimen nulla poena sine lege scripta);
c)
Proibir o emprego da analogia para criar crimes, fundamentar
ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta);
d)
Proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen
nulla poenasine lege certa).
2.3.3
Princípio da taxatividade ou da determinação
Diz respeito à técnica de elaboração da lei penal, que deve ser
suficientemente clara e precisa na formulação do conteúdo do tipo legal e no
estabelecimento da sanção para que exista real segurança jurídica. Tal
assertiva constitui postulado indeclinável do Estado de direito material democrático e social.
O princípio da reserva legal implica a máxima determinação e
taxatividade dos tipos penais, impondo-se ao Poder Legislativo, na elaboração
das leis, que redija tipos penais com a máxima precisão de seus elementos,
bem como ao Judiciário que as interprete restritivamente, de modo a preservar
a efetividade do princípio.
2.3.4
Princípio da culpabilidade
O princípio da culpabilidade possui três sentidos fundamentais:
a)
Culpabilidade como elemento integrante da teoria analítica do
crime - a culpabilidade é a terceira característica ou elemento integrante do
conceito analítico de crime, sendo estudada, segundo a teoria finalista da ação,
após a análise do fato típico e da ilicitude, ou seja, após concluir que o agente
praticou um injusto penal;
b)
Culpabilidade como princípio medidor da pena -consoante a
teoria tripartida, uma vez concluído que o fato praticado pelo agente é típico,
ilícito e culpável, podemos afirmar a existência da infração penal. Deverá o
julgador, após condenar o agente, encontrar a pena correspondente à infração
praticada, tendo sua atenção voltada para a culpabilidade do agente como
critério regulador;
19
c)
Culpabilidade como princípio impedidor da responsabilidade
penal objetiva, ou seja, da responsabilidade penal sem culpa - o princípio da
culpabilidade impõe a subjetividade da responsabilidade penal. Isso significa
que a imputação subjetiva de um resultado sempre depende de dolo, ou
quando previsto, de culpa, evitando a responsabilização por caso fortuito ou
força maior.
2.3.5
Princípio da adequação social
Apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal não será tida
como típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de
acordo da ordem social da vida historicamente condicionada. Consoante tal
princípio, uma conduta só será considerada lesiva se estiver em conformidade
com a norma positivada e a conduta for socialmente reprovável.
O princípio da adequação social possui dupla função. Uma delas é a de
restringir o âmbito de abrangência do tipo penal, limitando a sua interpretação,
e dele excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas
pela sociedade, como acima referido. A segunda função é dirigida ao legislador
em duas vertentes. A primeira delas o orienta quando da seleção das condutas
que deseja proibir ou impor, com a finalidade de proteger os bens considerados
mais importantes. A segunda vertente destina-se a fazer com que o legislador
repense os tipos penais e retire do ordenamento jurídico a proteção sobre
aqueles bens cujas condutas já se adaptaram perfeitamente à evolução da
sociedade.
2.3.6
Princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos
O pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e
primordial do Direito Penal reside na proteção de bens jurídicos essenciais ao
individuo e à comunidade, dentro do quadro axiológico constitucional ou
decorrente
da
concepção
constitucional eclética).
de
Estado de
Direito
Democrático
(teoria
20
2.3.7
Princípio da intervenção mínima (ou da subsidiariedade)
Estabelece que o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens
jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica das pessoas e que não podem
ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Desse modo, a lei penal
só deverá intervir quando for absolutamente necessário para a sobrevivência
da comunidade, como últimaratio.
O princípio da intervenção mínima é o responsável não só pelos bens
de maior relevo que merecem a especial proteção do Direito Penal, mas se
presta também a fazer com que ocorra a chamada descriminalização. É com
base neste princípio que os bens são selecionados para permanecer sob a
tutela do Direito Penal. Também é com fundamento nele que o legislador,
atento às mutações da sociedade, fará retirar do ordenamento jurídico-penal
certos tipos incriminadores, que com a evolução social, deixaram de ter a
relevância apresentada no passado.
A função maior de proteção dos bens jurídicos atribuída à lei penal não
é absoluta e faz com que só sejam repreendidas penalmente aquelas condutas
consideradas socialmente intoleráveis. Isto quer dizer que apenas as ações ou
omissões mais graves, endereçadas contra bens valiosos, podem ser objeto de
criminalização.
2.3.8
Princípio da intranscedência da pena
Impede-se a punição por fato alheio, vale dizer, só o autor da infração
penal pode ser apenado (CF, art. 5°, XLV). Havendo falecimento do
condenado, a pena que lhe fora infligida, mesmo que seja de natureza
pecuniária, não poderá ser estendida a ninguém, tendo em vista seu caráter
personalíssimo, quer dizer, somente o autor do delito é que pode submeter-se
às sanções penais a ele aplicadas.
Todavia, se estivermos diante de uma responsabilidade não penal,
como a obrigação de reparar o dano, nada impede que, no caso de morte do
condenado e tendo havido bens para transmitir aos seus sucessores, estes
respondam até as forças da herança. A pena de multa, apesar de ser
21
considerada dívida de valor, não deixou de ter caráter penal e, por isso,
continua obedecendo a este princípio.
2.3.9
Princípio da proporcionalidade da pena
Consoante este princípio, deve existir sempre uma medida de justo
equilíbrio entre a gravidade do fato praticado e a sanção imposta. A pena deve
ser proporcional à intensidade da lesão ao bem jurídico agredido pelo delito, e
a medida de segurança adequada à periculosidade criminal do agente.
O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento
de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas
(proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato
cometido considerado em seu significado global. Tem assim duplo destinatário:
o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionais, em abstrato, à
gravidade do delito) e os juízes (a pena que o juizimpõe ao autor do delito tem
de ser proporcional à sua concreta gravidade).
2.3.10 Princípio da insignificância (ou da bagatela)
Relacionado
o axioma
“mínima
non
cura
praeter”1,
enquanto
manifestação contrária ao uso excessivo da sanção penal, postula que devem
ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetam muito infimamente a
um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não
justifica a imposição de uma pena, devendo-se excluir a tipicidade em caso de
danos de pouca importância.
A insignificância da afetação do bem jurídico exclui a tipicidade, mas só
pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma. Toda
ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia
jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil.
1
Mínima non cura praeter- expressão em latim que significa dizer que a irrelevante lesão a um bem
jurídico não justifica a imposição de uma pena.
22
2.3.11 Princípio da lesividade
Os princípios da intervenção mínima e da lesividade são como duas
faces da mesma moeda. Se de um lado a intervenção mínima somente permite
a interferência do direito penal quando estivermos diante de ataques a bens
jurídicos importantes, o princípio da lesividade nos esclarecerá, limitando ainda
mais o poder do legislador, sobre quais condutas deverão ser incriminadas pela
lei penal. O mencionado princípio proíbe a incriminação de:
a)
uma atitude interna (pensamentos ou sentimentos pessoais);
b)
uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor
(condutas não lesivas a bens de terceiros);
c)
simples estados ou condições existenciais (aquilo que se é,
não o que se fez);
d)
condutas desviadas (reprovadas moralmente pela sociedade)
que não afetem qualquer bem jurídico.
23
3
JUSTIÇA RESTAURATIVA
A Justiça Restaurativa surge assim como um instrumento que tem por
objeto a abordagem dos conflitos através de encontros entre vitima e ofensor e
busca a consciência e responsabilidade pelo ilícito, com a participação direta
da vitima, que tem o direito lesado reparado e atua no processo como agente
transformador.
3.1
ABORDAGEM HISTÓRICA
A Justiça Restaurativa remonta dos mais primórdios tempos, quando
os homens reuniam-se em cavernas para discutir e dirimir seus conflitos.
Naquela época não existia o modelo de Estado constituído de direito que hoje
conhecemos, e o direito de punir pertencia àquele que sofria lesão a um bem.
A ideia de vingança pelo mal causado evoluiu e tomou tamanha relevância no
seio social que o Estado chamou para si a responsabilidade de retribuição e
prevenção do injusto. Assim a vindita privada passou a ser substituída pela
justiça estatal.
Contudo, muito embora tenham sido criadas normas que regulam
condutas proibitivas, e cominadas as respectivas sanções, é cediço que tais
regras não são capazes de impedir a proliferação e aumento da criminalidade,
dado que, nem sempre o infrator tem a consciência do injusto e/ou experimenta
a responsabilização pelo mal causado.
Assim, diante desse paradigma, e considerando nossa realidade social,
o Estado Brasileiro, através de seus legisladores tem criado mecanismos
visando diminuir a criminalidade e por corolário a população carcerária. Como
exemplo podemos citar a Lei 9.099/95, que conta com quase vinte anos e
aplica-se aos ilícitos de menor potencial ofensivo, possibilitando aos
contendores resolverem o conflito através de um mediador e adotarem, em
alguns casos, a solução que melhor lhes aproveita.
Muito embora seja louvável a aplicação de normas que visam a
abordagens de conflitos com a participação da vitima, é de conhecimento
comezinho que não tem atingido o desiderato, por faltar a consciência do ilícito,
o que enseja em muitos casos a reincidência.
24
Dados científicos nos informam que as práticas restaurativas como
mecanismo de controle social e modelo de ressocialização já está
institucionalizado na Nova Zelândia desde a década de oitenta, e hoje, está
sendo amplamente difundida em países como, Argentina, Colômbia, África do
Sul, Austrália, Canadá e Estados Unidos e, com passos lentos, no Brasil.
Muito embora já venha sendo discutida em nosso país desde a década
de 70, obteve firmeza e amplitude na década seguinte e, ainda que de forma
embrionária, hoje vem sendo aplicada de norte a sul do país.
Podemos assim destacar o Estado de São Paulo, especialmente na
Comarca de Santana, que utiliza essa prática nos Juizados Criminais e Vara da
Infância e Juventude; na Comarca de São José dos Campos, através do
Projeto Justiça Terapêutica, realizado pelo Ministério Público do Estado de São
Paulo; no Estado do Amapá, onde são aplicadas práticas restaurativas na Vara
de Proteção à Mulher e Promotoria de Justiça com assento na 2ª. Vara de
Família, na Comarca de Santana/ AP onde são cuidados os casos de violência
doméstica, este sob a coordenação do Ministério Público do Estado do Amapá,
que ainda promove círculos restaurativos nas escolas e com membros de
comunidade em cenários conflituosos.
Também está em ampla ascensão e aplicabilidade nos estados da
região sul do país, que, de igual modo, tem despontado para um novo modelo
de justiça.Todos com resultados notadamente satisfatórios.
3.2
O QUE É JUSTIÇA RESTAURATIVA
A Justiça Restaurativa, como dito alhures, pode ser entendida como
um método utilizado para abordagens de conflitos, em que vítima, infrator e
membros da comunidade, afetados direta ou indiretamente pelo ilícito,
participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a reparação
do injusto causado e, principalmente, na prevenção da ocorrência de outros
males.
Como é um paradigma novo, o conceito de Justiça Restaurativa ainda
não está bem definido, todavia temos como parâmetro que é um instituto que
representa um novo paradigma que busca intervir de forma efetiva no conflito
que é exteriorizadopelo crime, e restaurar as relações que foram abaladas a
25
partir desse evento, possibilitando a participação das partes envolvidas e
dasociedade, buscando sempre a conscientização do ilícito, a responsabilidade
pelo mal causado e a reparação do dano, sempre que possível.
Atrevemo-nos a conceituá-la, em linhas gerais, como sendo uma forma
de gerenciamento de conflitos, através do qual um facilitador auxilia todas as
partes direta e indiretamente envolvidas numa contenda,a realizarem um
processo dialógico, visando transformar uma relação de resistência e oposição
em relação de cooperação, valendo-se de técnicas de comunicação não
violenta.
Os envolvidos decidem coletivamente como lidarcom circunstâncias
decorrentes do ato danoso e suas implicações para o futuro, levandoà
responsabilização, à reparação de danos e à reintegração, com o
fortalecimento dos laços comunitários e à prevenção de futuros conflitos.É um
procedimento estritamente voluntário e sua aplicabilidade é facilmente
exequível, tendo tido grande destaque nos espaços comunitários.
Com o advento da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e do
Estatuto da Criança e do Adolescente, as práticas restaurativas têm sido
adotadas formalmente no Brasil, como forma de resolução e mitigação dos
ilícitos,muito embora não ocorram com as especificidades, princípios, valores,
procedimentos e resultadosdefinidos e almejados pela ONU, conforme indicado
ao norte.
A Justiça, do ponto de vista restaurativo, visa dar resposta sistemática
às infrações e às suas consequências, buscando a cura das feridas sofridas
pela ofensa e o resgate da dignidade ou reputação. Tenta minorar a dor, a
mágoa, o dano, a ofensa e o agravo causados pelo malfeito, contando para
isso com a participação de todos os envolvidos (vítima, infrator, comunidade).
Práticas de justiça com objetivos restaurativos identificam os males
infligidos e influem na sua reparação, envolvendo as pessoas e transformando
suas atitudes e perspectivas e aspirações em relação convencional com
sistema de Justiça. O objetivo principal é restaurar, reconstruir as relações, de
sorte que todos os envolvidos e afetados por um crime ou infração devem ter,
se quiserem, a oportunidade de participar do processo restaurativo.
O modelo restaurativo visa ainda resgatar a convivência pacífica no
ambiente afetado pelo crime, em especial naquelas situações em que o ofensor
26
e a vítima têm uma relação próxima e estão obrigados à convivência,
v.g.delitos envolvendo violência doméstica, relações de vizinhança e/ou no
ambiente escolar. No primeiro momento atua como um freio ao estado de
beligerância e a seguir passa a restaurar as relações.
Segundo Howard Zehr, em sua obra denominada Trocando as Lentes:
Um Novo Foco Sobre o Crime e a Justiça Restaurativa, uma das mais
consagradas referências bibliográficas sobre o tema,o crime é uma violação
nas relações entre o infrator, a vítima e a comunidade, cumprindo, por isso, à
Justiça identificar as necessidades e obrigações oriundas dessa violação e do
trauma causado e que deve ser restaurado. Incumbe, assim, à Justiça
oportunizar e encorajar as pessoas envolvidas a dialogarem e a chegarem a
um acordo, como sujeitos centrais do processo, sendo ela, a Justiça, avaliada
segundo sua capacidade de fazer com que as responsabilidades pelo
cometimento do delito sejam assumidas, as necessidades oriundas da ofensa
sejam satisfatoriamente atendidas e a cura, ou seja, um resultado individual e
socialmente terapêutico seja alcançado.
O
objetivo
é
olhar
para
o
futuro
e
para
restauração
dos
relacionamentos, ao invés de simplesmente concentrar-se no passado e na
culpa.Enquanto a justiça convencional diz você fez isso e tem que ser
castigado a justiça restaurativa pergunta o que você pode fazer agora para
restaurar o mal que causou.
Assim,e desde que seja adequadamente monitorada essa intervenção
das partes, o modelo traduzpossibilidade real de inclusão da vítima no
processo penal sem abalo do sistemade proteção aos direitos humanos
construídos historicamente.
27
3.3
JUSTIÇA RESTAURATIVA: PRINCÍPIOS E CONTORNOS PRÁTICOS
Uma
seuscontornos
vezcolocada
práticos.
no
Por
plano
certo
teórico,
não
devemos
poderemos
tentardelinear
avançaralém
do
estabelecimento das linhas mestras do modelo, por duas razões:
a) osistema caracteriza-se por uma considerável diversidade de
instrumentos, contemplando a realização de círculos, painéis e conferências
restaurativas, entre outros métodos;
b) oprocedimento é marcado pela flexibilidade, devendo ajustar-se à
realidade das partes, e não forçá-las a adaptarem-se aos ditames
rígidos,formais e complexos, caracterizadores do sistema tradicional de justiça.
Inicialmente, cabe dizer mais uma vez que a prática é marcada pela
voluntariedade, notocante a participação da vítima e ofensor. Estes devem ser
encorajados a participar de forma plena no processo restaurativo, mas deve
haver consenso destes emrelação aos fatos essenciais relativos à infração e
assunção da responsabilidade porparte do infrator.
Embora não haja um momento rigidamente estabelecido dentrodo
organograma procedimental para
sua realização,
(podendo a prática
restaurativa anteceder a acusação, ocorrer antes ou após a sentença ou no
curso da própriaexecução da pena), é aconselhável haver no mínimo indícios
que sustentem o recebimento de umaacusação formal para que possa ela ser
iniciada.
3.3.1
Preparação
A preparação do caso compreende as ações que são adotadas antes
darealização da prática restaurativa, e têm uma importância tão fundamental
quantoos atos (conferências, painéis, círculos), tidos como o momento crucial
do procedimento restaurativo.
Para que tenhamos condições de lograr bons resultados na
aproximação da vítima e ofensor, deve ser dispensada cuidadosa seleção
epreparação
do
caso
para
a
realização
da
prática,
o
que
inclui
análisepormenorizada dos autos e outros atos investigativos voltados ao
conhecimento das suas circunstâncias, o que deve ser efetuado por
28
profissional dotado deconhecimento multidisciplinar e capacitação específica, a
fim de se confirmar apossibilidade de aplicação da prática àquele caso
concreto.
3.3.2
Contato com as partes
Segue-se a tal análise arealização de contatos com as partes
envolvidas, visando a confirmação daadequação do caso à prática, bem como
o esclarecimento destas em relação aofuncionamento da prática restaurativa, a
identificação de pessoas próximas àspartes, ou representantes da comunidade
afetada, bem como sua preparação paratomarem parte na prática restaurativa
adotada.
É importante esclarecer que a prática restaurativa em si, “deve” reunir
essencialmente vítima eofensor e os técnicos responsáveis pela condução dos
trabalhos (normalmentedenominados facilitadores), e “pode” incluir familiares
ou pessoas próximas aestes, além de representantes da comunidade, e os
advogados dos interessados, se assim desejarem as partes.
3.3.3
Local adequado e acolhimento dos participantes
Deve ocorrer preferencialmente em local neutro para as partes, e
desenrola-se, basicamente, em duas etapas: uma na qual são ouvidas as
partes acercados fatos ocorridos, suas causas e consequências, e outra na
qual as partes devemapresentar, discutir e acordar um plano de restauração.
Ressalte-se que é fundamental assegurar aos participantes boa
informação sobre as etapas do procedimento e consequências de suas
decisões, bem como garantir sua segurança físicae emocional. Nesta ocasião o
papel dos facilitadores é muito importante, os quaisdevem ser tão discretos
quanto possível, no sentido de não dominarem as açõesdo evento, mas
conduzirem as partes no caminho de lograr, por seus própriosmeios, o
encontro da solução mais adequada ao caso.
29
3.3.4
Identificação da raiz dos problemas
O método contém um mecanismo de observação do passado, mas é
fundamental quenão tenha como foco culpar ou envergonhar o comportamento
de um infratorpré-definido. Ao invés disso, encorajam-se os querelantes e
outros participantesa se engajarem em uma busca coletiva das “raízes dos
problemas” subjacentesque contribuíram para o conflito. Antes que se alcance
uma solução, considera-seimportante revelar as séries de eventos que criaram
o conflito.
3.3.5
Comunicação Restaurativa
A maioria dos processos da justiça restaurativa envolve uma reunião
ouencontro entre a vítima, o infrator e outros membros de suas comunidades
imediatas
e
mais
amplas.
Para
que
tal
reunião
tenha
caráter
verdadeiramenterestaurativo, os processos empregados devem evidenciar os
valores-chave dajustiça restaurativa.
Muitos dos processos baseados em valores listados abaixosão, de fato,
relevantes
em
todos
os
níveis
de
relacionamento
no
campo
da
justiçarestaurativa – entre facilitadores individuais; dentro e entre os Grupos
Provedores; entre Grupos Provedores e outros agentes comunitários e agência
patrocinadoras; e entre Grupos Provedores e o Estado.
Um encontro pode ser considerado “restaurativo” se:
a)
For
guiado
por
facilitadores
competentes
e
imparciais:Paraassegurar que o processo seja seguro e efetivo, ele deve ser
guiado porfacilitadores neutros, imparciais e confiáveis. Os participantes
devementender e concordar com o processo que os facilitadores propõem, eos
facilitadores devem se esforçar para corresponder às expectativascriadas por
eles no processo de pré-encontro restaurativo. A preparação o pré-encontro
deve ser feita com todos os que irão participar doencontro restaurativo.
b)
seraberto
O encontro for inclusivo e colaborativo:O processo deve
a
todas
as
partes
pessoalmente
envolvidas
no
ocorrido.
Taisparticipantes devem ser livres para expressar seus sentimentos eopiniões
e trabalhar juntos para resolver os problemas. Osprofissionais da justiça como
30
os policiais os e advogados podemestar presentes, mas eles estão lá para
prover informações, não paradeterminar resultados.
c)
Existir participação voluntária:Ninguém deve ser coagido
aparticipar ou a continuar no processo, ou a ser compelido a se
comunicarcontra a sua vontade. Os processos restaurativos e os acordos
devemser voluntários. Alcançar resultados de comum acordo é desejável,mas
não obrigatório. Um processo bem gerenciado, por si só, temvalor para as
partes, mesmo na ausência de acordo.
d)
For fomentado em um ambiente de confidencialidade:Os
participantesdevem ser encorajados a manter a confidencialidade do que é dito
noencontro restaurativo e a não revelar esses fatos a pessoas que nãotenham
envolvimento
pessoal
no
incidente.
Enquanto
o
compromissocom
a
confidencialidade não pode ser absoluto, pois podem haveralgumas vezes
fortes considerações legais, éticas ou culturais que os sobrepujem, em todas
as outras situações, o que é compartilhado noencontro restaurativo deve ser
confidencial àqueles que a atendem.
e)
apropriadoà
Reconhecer
identidade
convenções
cultural
e
culturais:O
às
expectativas
processo
dos
deve
ser
participantes.
Ninguémdeve ser requisitado a participar de um foro que viola suas
convicçõesculturais ou espirituais.
f)
consciência
Enfocar
decomo
necessidades:
as
pessoas
O
foram
processo
deve
afetadas
pelo
fomentar
incidente
a
ou
transgressão. Umadiscussão deve ajudar a esclarecer o dano emocional e
material,consequências sofridas e as necessidades que surgiram como
resultado.
g)
Demonstrar respeito autêntico por todas as partes:Todos
osparticipantes deveriam receber um respeito fundamental, mesmoquando seu
comportamento prévio seja condenável. O processo devedefender a dignidade
intrínseca de todos os presentes.
h)
Legitimar a experiência da vítima:Os sentimentos, danos
físicos,perdas e as ponderações da vítima devem ser aceitos sem censura
oucrítica. O mal feito à vítima deve ser reconhecido e a vítima absolvidade
qualquer culpa injustificada pelo acontecido.
31
i)
Esclarecer
e
confirmar
as
obrigações
do
infrator:As
obrigaçõesdo infrator para com a vítima e para com toda a comunidade
devemser identificadas e afirmadas. O processo deve convidar, mas
nãocompelir o infrator a aceitar estas obrigações e deve facilitar aidentificação
de opções para sua libertação;
j)
Visar
resultados
transformativos:O
processo
deve
objetivarresultados que atendem necessidades presentes e preparam para
ofuturo, não simplesmente em penalidades que punem os delitospassados. Os
resultados devem procurar promover a cura da vítima ea reintegração do
infrator, de forma que a condição anterior dos doispossa ser transformada em
algo mais saudável;
k)
Observar
as
limitações
de
processos
restaurativos:A
JustiçaRestaurativa não é um substituto para o sistema de justiça criminal; éum
complemento. Não se pode esperar que atenda todas asnecessidades
pessoais ou coletivas dos envolvidos. Os participantesdevem ser informados
sobre como os processos restaurativos seencaixam no sistema mais amplo de
justiça, quais expectativas sãoapropriadas para o processo de justiça
restaurativa, e como osresultados restaurativos podem ou não ser levados em
consideraçãopelo tribunal.
Em suma, os facilitadores deverão assegurar oequilíbrio de poder e a
interação entre as partes, conduzindo o evento de forma a impedir
manifestações desrespeitosas como, por exemplo, por meio de constantes
interrupções quando um participante estiver fazendo uso da fala.
O facilitador não poderá jamais induzir as partes a participarem do
processo (eis que iminentemente voluntário), impor opiniõesou soluções ou
permitir a qualquer outra parte fazê-lo. As informações confidenciadas não
serão transmitidas a pessoas que não estiverem presentes no encontro, de
forma a não infligir mais vergonha oudano à pessoa que, de boa-fé, revelá-las.
O processo não será restaurativo se a experiência sofrida pela vítima for
ignorada,
minimizada
ou
banalizada,
se
for
ainda
coagida
a
suportarresponsabilidades indevidas pelo que ocorreu ou pressionada a
perdoar. Ainda, se o infratornão for responsabilizado peloocorrido e pela
reparação das consequências de suas ações delituosas ou forçadoa assumir a
responsabilidade involuntariamente.
32
Um processo restaurativo jamais deve ser utilizado pelos participantes
para atingirvantagens pessoais desleais, chegar a resultados manifestamente
injustos ouinapropriados, ferir o infrator ou ignorar as considerações de
segurança pública ou tentar subverteros interesses da sociedade de tratar a
infração penal de uma maneira aberta, leale justa.
Por fim, o encontro não poderá ser focado somente em compensação
monetária, sem consideraro valor da reparação simbólica,v.g os pedidos de
desculpas, o que em muitos casos possui maior aceitabilidade e relevância no
que tange a reparação do mal, principalmente quando envolve situações de
conflitos de origem emocional.
3.3.6
Sigilo do debate
Há de ser resguardado o sigilo de todas as discussões travadas
duranteo processo restaurativo, e seu teor não pode ser revelado ou levado em
consideração nos atos subsequentes do processo, o que inclui inclusive a
própria admissão daresponsabilidade deduzida com o fim de deflagrar a prática
restaurativa. Tal circunstância gerará a confiabilidade e segurança do
processo. A impossibilidade de obtenção de um acordo restaurativo,
igualmente, não pode serutilizada como fundamento para o agravamento da
sanção imposta ao ofensor.
3.3.7
Possibilidade de execução dos acordos
O eventual acordo obtido na prática restaurativa deve ser redigido
emtermos precisos e claros, sendo que as casuais obrigações nele
estampadasdevem ser razoáveis, proporcionais e líquidas, devendo prever as
formas garantiado cumprimento e a fiscalização das condições nele estatuídas.
É certo ainda que o plano restaurativo pode estar sujeito à análise judicial antes
de suahomologação e por certo deverá influir na definição da reprimenda
aplicada àquele caso concreto.
33
3.4
MÉTODOS RESTAURATIVOS
O modelo restaurativo baseia-se em valores, procedimentos e
resultados definidos, mas pressupõe a concordância de ambas as partes, no
caso o autor do fato e a vítima e podendo ser retratada por qualquer das partes
em caso de arrependimento. Os acordos devem ser razoáveis e as obrigações
propostas tem que atender ao princípio da proporcionalidade. A aceitação do
programa não deve, em nenhuma hipótese, ser usada como indício ou prova
no processo penal, seja o original seja em outro tipo de procedimento.
Ao receber as partes em conflito o facilitador deve criar um clima de
confiança e serenidade, propiciando um ambiente tranquilo, onde as pessoas
envolvidas possam tratar o fato com urbanidade e respeito, evitando que a
reunião vire um bate boca com acusações recíprocas.
Todos
têm
direito
de
manifestarem-se
e
apresentarem
suas
considerações, mas será sempre feito no momento oportuno, conforme
orientado pelo facilitador, que por sua vez, já deverá ter estabelecido as
condições e regras de comportamento no inicio da reunião.
É comum, especialmente no circulo restaurativo, usar-se um objeto de
fala, que vai passando de mão em mão e só poderá se manifestar aquele que
detiver o “objeto”. É vedada toda e qualquer intervenção no momento em que
um dos integrantes do grupo está fazendo uso da palavra.
Os métodos mais utilizados podem ser nominados de:
3.4.1
Mediação vitima /ofensor
E o procedimento realizado entre a vítima e o autor do fato, podendo
existir com a participação de terceira pessoa se uma das partes assim o
desejar e sentir-se mais empoderada com a presença daquela. Conta com a
intervenção de facilitadores, que conduzem o encontro e estabelecem as
regras de comportamento de modo a evitar que as partes retornem ao estado
de beligerância.
34
3.4.2
Reuniões restaurativas
É o encontro realizado entre infrator, vítima, família e terceiros
interessados, visando a solução do litigio e prevenção das ocorrências de
outros no futuro. No dizer de Td Wachtel,Terry O’Connell e Bem Wachel na
célebre obra intitulada Reuniões de Justiça Restaurativa: “são encontros
organizados entre infratores, vítimas, familiares e amigos de ambas as partes”.
Nessas reuniões, as partes envolvidas lidam com as consequências da
infração e decidem a melhor forma de reparar os danos causados. O guia
engloba o processo de seleção de casos, o convite aos participantes, as
preparações e a realização da reunião em si. “É útil a todos que desejam
aprender a facilitar reuniões restaurativas em escolas, no sistema judiciário
penal e em outros ambientes.”
3.4.3
Círculos restaurativos
O Círculo é um espaço de poder compartilhado, onde as pessoas
chegam de livre e espontânea vontade, onde ninguém é culpabilizado, e os
participantes assumem responsabilidade pelo acontecido e chegam a um
acordo que restaure a relação rompida. Em regra é utilizado para tratar fatos
conflituosos envolvendo mais de dois contendores, ou aquela parcela de
pessoas que ousamos chamar de microcomunidades.
3.5
INSTRUMENTOS E FERRAMENTAS RESTAURATIVAS
A Justiça Restaurativa tem metodologia diferenciada do modelo de
justiça tradicional. Esta última obedece a um ritual preestabelecido, com
atuação padronizada e mecânica e as decisões das lides são de competência
exclusiva do Estado. A primeira vale-se de métodos que envolvem as partes,
sociedade e interessados, permitindo a participação igualitária desses atores,
que, de comum acordo, chegarão à uma decisão que será posteriormente
apresentada ao Estado para homologação, se assim for o caso.
35
Nas
práticas
restaurativas
os
facilitadores
usam
formas
de
comunicação emétodos peculiares, dentre os quais abordaremos aqueles mais
utilizados. Vejamos:
3.5.1
Escuta Ativa
A ferramenta mais importante para resolver conflitos é saber escutar
com atenção e intenção. Escutar demanda decisão consciente e a vontade de
nos livrarmos da distração. Aprender a escutar desenvolve paciência e
humildade para entender a mensagem do ponto de vista da pessoa que fala.
Exige esforço para entender a totalidade da mensagem emitida, captando
também os sentimentos e as emoções.
Consiste em prestar atenção na outra pessoa, escutar a mensagem e
dar atenção aos sentimentos e às emoções, não interromper, obtendo o
esclarecimento da mensagem com a utilização de perguntas reflexivas.
Precisamos perguntar e não sugerir, dar conselhos, palpites, etc. Ex: O
que você está me contando é...? Não entendi muito bem, você poderia me
contar novamente...? Não fazer julgamentos ou reprovações; Ser empático
sempre.
Passos básicos para a escuta ativa:
a)
prestar atenção na outra pessoa, permitindo que ela perceba o
nosso interesse por sua história;
b)
deve parecer que estamos escutando;
c)
esclarecemos a mensagem, recorrendo a perguntas que
indiquemàs partes que a entendemos.
3.5.2
Empoderamento
Hodiernamente, o acesso à justiça para os segmentos mais
marginalizados
dasociedade
tem
sido
uma
celeuma,
quepor
razões
deequidade necessita ser transposta, dado que essa limitação, em regra, tem
sua raiz na desigualdade social.
Os programas de justiça restaurativa podem trabalhar para empoderar
os desprivilegiados e específicos tipos de vítimas de cinco formas principais:
36
a)
pela participação ativa no processo da justiça;
b)
pelo maior acesso à informação eaos recursos da justiça;
c)
pela reparação e reabilitação ao invés da punição;
d)
porconsensos em lugar de coerção; e
f)
pelo uso de conhecimento e sabedoria debase.
Conforme enfatizado ao norte, fundamentalmente, os programas de
justiça restaurativa diferem dejustiça tradicional na medidaem que oferecem às
partes a participação no processo dejustiça. Essainteraçãoimplica em poder. É
constatação que o envolvimento ativo em programa de micro justiça, em que os
atores atuem como gestores e usuários, ou mesmo como testemunhas
participativas,acaba
desprivilegiadas
e,
por
dar
esse
poder
poder,
aos
por
cidadãos
corolário,
e
comunidades
traduzir-se-á
em
responsabilidade.
A justiça restaurativa labora para dar poder a ambas as partes de
umconflito ou um crime. Como os processos de justiça restaurativa são
fundamentalmente comprometidos em dar a ambos os lados da história
importância igual,para chegar a um acordo, ao invés de atribuir culpa, eles dão
poder a essaspartes, para que assim tenham envolvimento ativo no processo
de justiça.
3.5.3
Responsabilização
Quando uma pessoa, deliberadamente causa um dano à outra, o
infrator tem obrigação moral de aceitar aresponsabilidade pelo ato e por
atenuar
as
consequências.
Os
infratoresdemonstram
aceitação
desta
obrigação, expressando remorsopor suasações, através da reparaçãodos
prejuízos e talvez até buscando o perdãodaqueles a quem trataram com
desrespeito. Esta resposta doinfrator pode preparar o caminho para que ocorra
a reconciliação.
É bem verdade que não é um ato simples, mas a escuta ativa utilizada
em todo o procedimento facilitará muito o entendimento e aceitação do injusto.
Acreditamos que por detrás de cada pessoa que fere existe uma pessoa ferida,
e a história de cada um passa a ter significado distinto a depender do ponto de
onde começa a ser contado.
37
A aceitação, disponibilidade e atenção da vitima para com o infrator é o
primeiro passo para reflexão. Em regra, quando uma pessoa sente-se acolhida
ela guarda as “armas” e passa a atuar no mesmo plano do acolhedor. Tal
circunstância gera a sensação de paridade e empatia, e o ofensor passa a
reconhecer na vitima um semelhante, dispensando àquela o tratamento que
gostaria de receber em igual situação.
3.6
POR QUE ADOTAR AS PRÁTICAS RESTAURATIVAS?
Para quem está acostumado a receber a prestação jurisdicional através
dos métodos convencionais e defronta-se com a possibilidade de aplicação dos
métodos restaurativos, costuma fazer os seguintes questionamentos: Quais as
especificidades dessaspráticas que se mostram comparativamente mais
vantajosas
frente
aos
métodostradicionais
e
já
consolidados?,
Por
quê?Quando? Que valores eresultados se pretendem alcançar e para quem?
Este estudo aponta várias vantagens, inferindo com maior ênfase que
as práticas restaurativas,(que incluemempoderamento, reparo dos danos e
resultados integrativos), fazemdiferença significativa nos casos submetidos ao
processo, e tem influenciado positivamente na vida dos participantes, seus
núcleos familiares e comunidades, tanto em termos de redução da reincidência,
quanto em mudanças de comportamento.
Três premissas revelam os princípios fundamentais nos quais
sebaseia a Justiça Restaurativa e sustentam sua importância e validade:
a)
empoderamento do ofensor por meiodo desenvolvimento de
sua capacidade de assumir responsabilidade sobre seusatos e de fazer suas
escolhas;
b)
reparo de danos, ou seja, contrariamente à Justiçaestritamente
retributiva, que se atém exclusivamente ao ofensor, a JustiçaRestaurativa
enfoca também a vítima, seu grupo familiar e suas necessidades aserem
reequilibradas; e
c)
por fim, resultados integrativos, restaurando a harmonia entre
os indivíduos, reestabelecendo o equilíbrio e identificando e provendo, por meio
de soluções duradouras, necessidades não atendidas.
38
Hoje, acompanhamos com preocupação a grande inflexãoprovocada
na vida da população de nosso país, gerada pelo agravamento das condições
dasdesigualdades
sociais,
acentuadamente
percebidas
naausência
de
oportunidades de trabalho formal, no desemprego e na violência. Tais
condições refletem diretamente no comportamento da sociedade e no acesso a
justiça.
Assim, aintrodução de novos métodos de aplicabilidade da justiça, e a
implementação de mudanças e melhorias que visem beneficiar os grupos mais
vulneráveis podemguiar a formulação e execução de um programa de reformas
com vista a democratizar a Justiça noBrasil.
O Poder Judiciário é uma esfera independente, e apesar do desejo de
cooperação de muitos, não é composta por um grupo homogêneo e
issodificulta a agilidade e qualidade da prestação jurisdicional. Contudo, a partir
do momento em que experiências introduzidas pelas práticas restaurativas
começam a gerar resultados positivos, as comunidades e seus cidadãos
passam apresentar um forte sentido de justiça e coesão social. Passam a
pautar seucomportamento pelos princípios da justiça a que são objeto,
construindo um consenso relativo e dele fazendo parte, situação fática que
inevitalmente provocará a diminuição da demanda judicial.
Estando em discussão um dever estatal tão importante como o de
proteger e nutrir o bem de todos, e surgindo alternativas para otimizar essa
obrigação, a pressão social assume um papelcrucial.Hoje as práticas
restaurativas já são realidade no ordenamento jurídico brasileiro através da
justiça menoril e está sendo objeto de projeto de reforma do Código Penal
Brasileiro, em tramitação no Congresso Nacional
Ainda que aplicada de maneira acanhada, à medida que a sociedade
reconhecer os resultados positivos, a necessidade de institucionalização dos
métodos restaurativos se tornará cogente, obrigando o legislador a criar leis
que permitam sua aplicabilidade sempre que possível, como bem assinala a
Lei 12 594/12.
Também se infere que as práticas restaurativas apresentam maior
potencial de resolução de litígios e a consecução dessa resolução parece
conferir maior satisfação às partes envolvidas, indicando maior sustentabilidade
dosresultados ao longo do tempo.
39
4
COMPATIBILIDADE ENTRE JUSTIÇA FORMAL E RESTAURATIVA
Com relação às diferenças do modelo de justiça restaurativa e de
justiça criminal, podemos inferir de plano que, na atual conjuntura
judiciária,enquanto o primeiro pretende solucionar os conflitos, ampliando o
número de litígios resolvidos, melhorando a coexistência social, o segundo
atém-se
apenas
em
resolver
esses
conflitos
de
forma
básica
e
mecânica,concentrando as decisões em atos unilaterais.
Contudo, o fato da Justiça Restaurativa não visar à punição do ofensor
e sim sua responsabilização através da reparação, não quer dizer que não
deva ser de alguma forma limitada. Isto porque, mesmo sendo a reparação
outro tipo de censura ou forma de responsabilização, não se pode negar que
ela também comporta certo grau de onerosidade para o ofensor.
Em que pese ainda vigorar, em nosso direito processual penal,o
princípio da indisponibilidade e da obrigatoriedade da ação penal pública,
concluímos com certeza que o modelo restaurativo é perfeitamente compatível
com o ordenamentojurídico brasileiro.
Considerando que tais princípiosestãonotadamente flexibilizados,diante
da possibilidade da suspensão condicional do processo e da transação penal,
previstas na Lei 9.099/95, nas situações que admitam a aplicação de tais
benefícios
poderá
ser
feito
o
encaminhamento
ao
Núcleo
de
JustiçaRestaurativa, pois a par das condições legais obrigatórias para a
suspensão doprocesso, o § 2º.da lei acima citada permite a especificação de
outras condições judiciais. Tais condições podem perfeitamente serem
definidas no encontro restaurativo e posteriormente submetidas à apreciação
do juízo processante como condicionante para concessão do benefício.
Tambémnas infrações cometidas por adolescentes, há considerável
possibilidade de emprego. Nos casos em que pode ser aplicado o instituto da
remissão, antes de postular a açãosócio educativa, o órgão do Ministério
Público, poderá optar pela aplicação de práticas restaurativas ou postular a
aplicação desse método como forma de suspensão do processo menoril. Mas,
é preciso esclarecer que,o procedimento restaurativo nãoé, pelo menos por
enquanto, expressamente previsto na lei como um devidoprocesso legal no
40
sentido formal, exceto na execução das medidassócio educativas, dado que
previstona Lei 12.594/12.
Quando aplicada na forma de alternativa restaurativa as partes devem
ser informadas, de forma clara, que se trata de umaferramenta alternativa
posta à disposição delas, e sua aceitação, que pode ser revogada a qualquer
momento, A participação deverá ser estritamente espontânea e voluntária.
Devem ser rigorosamente observados todos os direitos e garantias
fundamentais de ambas as partes, atentando sempre para os princípios da
dignidade humana, da razoabilidade, da proporcionalidade, da adequação e do
interesse público.
É muito importante não criar expectativas e tensão entre acusado e
vítima. Os mediadores ou facilitadores devem ser, preferencialmente,
psicólogos ou assistentes sociais, mas nada impede – e talvez possa ser
melhor – quesejam pessoas ligadas à comunidade, com perfil adequado, bem
treinadas paraa missão. Mediadores ou facilitadores que pertençam à mesma
comunidadeda vítima e do infrator, que tenham a mesma linguagem,
certamente encontrarãomaior acesso aos protagonistas, o que propiciará a
construção de um acordorestaurativo.
Como delineado ao norte, é de primordial importância que a audiência
restaurativa transcorra numambiente informal, tranquilo e seguro e os
mediadores ou facilitadores estejamrigorosamente atentos, observando se não
há qualquer indício de tensão ou ameaça que recomende a imediata
suspensão do procedimento restaurativo, como emcasos de agressividade ou
qualquer outra intercorrência psicológica, para se evitar arevitimização do
ofendido ou mesmo a vitimização do infrator.
4.1
DIFERENÇA ENTRE JUSTIÇA RESTAURATIVA E JUSTIÇA FORMAL
Muito embora os objetivos da justiça restaurativa e da justiça formal
sejam semelhantes, qual seja, a pacificação social, existem diferenças
acentuadas entre os dois institutos, que aqui devem ser tratadas, para melhor
entendimento de nossa proposta.
41
Pelo que assinalamos, a Justiça formal (retributiva) tem um conceito
estritamente jurídico do crime, ou seja, é entendido como violação da Lei Penal
e a Justiça Criminal tem o monopólio para sua prevenção e repreensão. Já a
Justiça Restaurativa (participativa), tem um conceito muito mais amplo do
crime. Baseia em um modelo não punitivo,inexistindo estabelecimento de culpa
e punição, mas sim a análise do fato danoso, suas consequências e suas
possíveis soluções.
A Justiça formal preocupa-se com a tutela dos bens jurídicos
protegidos pelo estado e com a correlata aplicação da sanção, como forma de
inibir a ocorrência de outros males e punir o ofensor. O processo penal é
voltado exclusivamente à questão da culpa do acusado e consequente
punição. Ao ser apurada o fato, focaliza-se o passado, chegando ao extremo
de se reconstruir o fato delituoso em apuração como forma de demonstração
deestrita responsabilidade, inferindo-se assim que o foco não está no dano
causado à vítima e à comunidade, mas sim na violação à lei e na determinação
da culpa.
A justiça restaurativa entende que um fato delituoso causa uma
variedade de danos e afeta não somente a vitima e o Estado, mas também o
próprio autor e a comunidade, devendo cada um deles atuar no processo
restaurativo como agente transformador, independente da responsabilidade
reconhecida por cada um desses atores.
No que concerne aos procedimentos adotados pelas duas diferentes
formas de aplicação de justiça, observamos que a Justiça Retributiva tem ritual
solene e público, mas sem a participação de pessoas alheias ao fato, contudo,
no que concerne às partes essa participação é cogente, e o não
comparecimento resulta em penalidades. Tem por regra a indisponibilidade da
ação penal, o contraditório como meio de defesa, linguagem e procedimentos
formais, autoridades e profissionais do direito, como atores principais do
processo decisório, representados por autoridades (policial, promotor, juiz e
profissionais do Direito). A vítima tem pouquíssima ou nenhuma atuação
ocupando lugar sem destaque dentro do processo. É vista como mera
informante e nem mesmo sua oitiva tem valor probante, em razão do
comprometimento do ânimo.
42
A justiça restaurativa tem procedimentos diferenciadosnão somente no
que tange às praticas e métodos, mas principalmente com relação aos atores
do processo. O rito é informal e comunitário, com pessoas interessadas
envolvidas. É voluntário e colaborativo, exige a confidencialidade. Os atores
principais no processo decisório são as vítimas, os infratores, as pessoas da
comunidade, que discutem o fato de forma igualitária e a apresentam a
resolução do problema.
Com relação ao infrator, na Justiça Retributiva são consideradas
suasfaltas e sua má-formação (reincidência e antecedentes penais) e
raramente tem participação,enquanto na Justiça Restaurativa é visto no seu
potencial de responsabilizar-se pelos danos e consequências do delito,
interage com a vítima e com a comunidade, envolve-se no processo,
contribuindo de forma incisiva para a decisão.
4.2
IMPORTÂNCIA DA JUSTIÇA RESTAURATIVA PARA A JUSTIÇA
FORMAL
Inicialmente, o benefício mais evidente e imediato que identificamos da
justiça restaurativa para o sistema de justiça formal é o efeito mitigador. Ao
evitar que certas contendas cheguem aos bancos judiciais ou até mesmo
quando háredirecionamento daquelas já postuladas, o Judiciário é liberado das
grandes filas de casos por julgar, que, em sua maioria, poderiam ter sido
solucionados sem a intervenção do Poder Judiciário e/ou até mesmo do
Estado.
Havendo a diminuição da demanda, certamente o Judiciário reunirá
maiores condições de resolver as lides mais complexas, podendo assim prestar
a justiça de forma mais eficaz.
Com a aplicabilidade conjunta, as práticas restaurativas em muito
contribuirão para melhorar a imagem do sistema de justiça formal, que vem
sendo tão desgastada ao longo dos anos, resgatando assim a confiança na
instituição.
Não restam dúvidas que esse método pode ser utilizado de maneira
informal e essas parcerias poderão, como dito alhures, desafogar a demanda
judicial, possibilitando a prestação jurisdicional de qualidade.
43
4.3
PRÁTICAS RESTAURATIVAS E JUIZADOS ESPECIAIS
Os métodos restaurativos vêm sendo aplicadas com maior frequência
em atos que antecedem a audiência preliminar em sede de Juizados Especiais
Criminais.
Temos notícias de sua aplicabilidade rotineira em diversos Juizados
Especiais Criminais, em vários estados do país, a exemplo do CEMAPECentro de Mediação e Arbitragem do Estado do Pernambuco, Juizado Especial
de Santana, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, dentre outros.
Os Termos Circunstanciados de Ocorrência são encaminhados para
uma equipe de mediadores que em abordagens restaurativas fazem
revezamento e utilizam técnicas da mediação restaurativa.
Inicialmente explicam às partes (e por vezes aos advogados) que se
trata de procedimento voluntário, complementar e preventivo da criminalidade e
que o assunto ali tratado será sigiloso.
Quando às
partes envolvidas
aceitam participar do
processo
restaurativo são direcionadas para uma equipe de facilitadores, que iniciam a
abordagem informando que aquele processo não busca a culpabilização ou
enquadramento legal, e sim o reconhecimento e responsabilidade recíproca e
as alternativas reparadoras dos relacionamentos interpessoais.
Esse ato é comumente chamado de reunião restaurativa e todos são
convidados a participar. As partes podem chegar à solução em uma única
reunião ou optarem por resolverem o litigio em outro encontro. É comum que
requeiram a participação de terceiros alheios ao fato em apreciação, mas direta
ou indiretamente envolvidas com as partes e que manifestem interesse em
colaborar.
Quando as partes chegam a uma solução através da prática
restaurativa a decisão é tomada a termo e submetida à homologação pelo juízo
natural da causa. Ocorrendo de não ser obtida solução, é dado inicio
àaudiência preliminar e o fato é submetido ao procedimento da Lei 9.099/95,
que rege os Juizados Especiais.
44
4.4
PRÁTICAS RESTAURATIVAS E INSTITUIÇÕES DE ENSINO
As práticas restaurativas, quando utilizadas em educandários, também
têm contribuídode forma significativa para garantia da ordem e disciplina no
ambiente escolar.
A abordagem de uma cultura de paz e de introdução dos valores da
convivência nas escolas é fundamental para uma formação mais cidadã das
nossas crianças e adolescentes. Por tratar-se de ser em desenvolvimento, a
capacidade de assimilação desses valores é muito maior.
Quando se fala em cultura de paz, referimo-nos à aprendizagem
cooperativa, à educação multicultural, à aprendizagem de valores, à redução
de preconceitos, que inevitavelmente resultará na existência de uma sociedade
avessa à violência, e que tratará de seus conflitos através do diálogo. Neste
contexto, o ambiente educacional, sem sombra de duvidas é o mais adequado
para a implementação da cultura restaurativa na vida do cidadão.
No que tange ao relacionamento escola/aluno/comunidade, inferimos
que as práticas restaurativas são ferramentas muito importantespara a paz
dentro da escola, e tem colaborado de forma significativa na prevenção e na
resolução de conflitos escolares. Através da metodologia restaurativa poderão
ser transmitidos os preceitos fundamentais relacionados, as responsabilidades
sociais e ao aprendizado de habilidades que estimulem o diálogo, a
cooperação e a solução pacífica.
Segue-se a política disciplinar adotada pela escola, mas, o mais
importante, é possibilitar ao aluno refletir sobre o que fez, por que fez e quem
foi afetado. Assim, ele tomará contato com as consequências dos seus atos e
poderá ter um comportamento diferente daquele apresentado até então.
Quando a escola adota as práticas restaurativas para ajudar a dirimir
seus conflitos, para que haja a participação de alunos e pessoas da
comunidade, sempre que se envolverem em conflitos, e desejarem chegar a
um acordo, basta que procurem a direção do educandário e solicitem a
realização de um círculo restaurativo.
A direção pode ainda oferecer a um aluno, que seria advertido ou
suspenso, a possibilidade de, como alternativa, participar de um círculo com a
pessoa ou pessoas afetadas por seu comportamento.
45
Transformar escolas de ensino médio que vivenciam situações de
violência em espaços de diálogo e resolução pacífica de conflitos, por meio da
colaboração da sociedade que a compõe através do trabalho interdisciplinar e
da parceria com a comunidade, rumo a uma sociedade consciente de seus
atos e responsável pelas consequências, que podem ser interpretadas, nos
dias atuais, como um sonho, mas que podem ser plenamente realizados se
acreditarmos e tivermos vontade e determinação para implantá-los na cultura
escolar.
4.5
PRÁTICAS
RESTAURATIVAS
E
ÓRGÃOS
DA
SEGURANÇA
PÚBLICA
São vários os atores que atuam em situações de conflito até que o
Estado entregue a tutela jurisdicional ao fato, que na maioria tem como porta
de entrada do sistema os órgãos da segurança pública, em especial as
Delegacias de Policia Civil e Instituições Militares.
É
normal
que
ao
darem
entrada
nesses
organismos
os
contendoresencontrem-se ainda com os ânimos acirrados e com capacidade
de reflexão reduzida, porém, se contarmos com uma equipe de atendimento
que aplique de imediato as práticas restaurativas, muitos conflitos poderão ser
dirimidos no próprio ambiente policial.
Na maioria dos casos vitima, e ofensor chega conjuntamente perante a
autoridade policial, observando-se uma relação de proximidade entre eles e às
vezes até de afeto, a exemplo dos fatos delituosos ocorridos no ambiente
familiar.
Assim, havendo a possibilidade de serem atendidos por pessoas
alheias ao fato, mas interessadas na resolução do litigio e dispostas a
colaborarem para pacificação, certamente o resultado social será muito mais
salutar.
É bem mais fácil para o agente do Estado, que recepciona a demanda,
tomar as informações por termo e encaminhá-las às autoridades competentes
para consequente aplicabilidade da lei. Certamente tomará menos tempo e
labor, mas tal prática resulta, por muitas vezes, no agravamento da situação
ensejadora da “pelega”. É cediço que quem procura uma delegacia de policia
46
não quer que seu problema seja apenas formalizado, o cidadão quer uma
resolução, um posicionamento do Estado. Ela necessita que o Estado, através
do Sistema de Justiça lhe preste a tutela devida, dirima o conflito e garanta seu
direito.
Desta feita, havendo a possibilidade do Estado atuar tão logo ocorra
areclamação o conflito será extirpado na fonte, as partes terão a resposta que
procuram, outros delitos poderão ser evitados e a sociedade terá confiança na
instituição à qual submeteu sua necessidade.Em suma, todos lucram.
4.6
PRÁTICAS RESTAURATIVAS E JUSTIÇA MENORIL.
Há
muito
as
práticas
restaurativas
vinham
sendo
aplicadas
informalmente, em concomitância com as medidas sócio educativas, com
grande receptividade pelos adolescentes, pais e educadores e reconhecido
sucesso no atingimento do fim, qual seja, a modificação de comportamento do
ser em desenvolvimento que é o adolescente.
A relevância da prática no processo ressocializador foi reconhecida por
nossos legisladores. Recentemente foi aprovada e publicada uma lei com
aplicação das práticas restaurativas aos atos infracionais. Trata-se da Lei nº
12.594/12, que institui o Sistema Nacional de Atendimento SocioeducativoSINASE, e regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas
aos adolescentes que pratiquem ato infracional, expressamente, refere-se ao
instituto no art. 35, inciso III e assim dispõe:
“Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos
seguintes princípios:
III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre
que possível, atendam às necessidades das vítimas;
A
aprovação
deste
diploma
legal
sinaliza
a
conveniência
e
oportunidade de se desenvolver o instituto.
O objetivo dessa proposta é evitar a imposição de medidas
socioeducativas de plano, que na maioria, pela forma como são executadas,
não atinge o fim colimado. Ao contrário, o adolescente por não reunir caráter de
entendimento do fato ilícito de forma plena, e não experimentando os devidos
esclarecimentos, em muitos casos, volta a reincidir no ilícito.
47
A prática restaurativa possibilita ao adolescente refletir sobre as
consequências de suas ações e sentir-se responsável pelo dano e
consequente
reparação.
Atinge-se
não
somente
uma
cultura
de
conscientização e empatia recíproca, mas também a de paz, o que certamente
impedirá o surgimento de novos delitos.
4.7
JUSTIÇA RESTAURATIVA E CONTRIBUIÇÃO PARA A PAZ SOCIAL.
Como já enfatizado no curso dessa pesquisa, a Justiça Restaurativa é
um processo onde as partes, ao sofrer algum tipo de delito, resolvem,
coletivamente, como abordar as consequências do delito e as suas implicações
para o futuro. Gente comum que se compromete com outros para controlar de
maneira coletiva suas vidas, com uma estratégia que inclui níveis de
participação de baixo para cima.
Os programas de Justiça Restaurativa habilitam a vítima, o ofensor e
os membros afetados da comunidade para que estejam diretamente envolvidos
junto ao Estado – a fim de dar uma resposta ao delito.
a)
É uma maneira diferente de pensar sobre o delito e a resposta
a suas consequências;
b)
Busca a reintegrar à comunidade tanto a vítima como o
ofensor;
c)
Reduz, a partir da prevenção, as possibilidades de danos
d)
Necessita do esforço cooperativo da comunidade e do Estado;
e)
Entende o delito como gerador de uma ferida nas pessoas e
futuros;
um rompimento em suas relações. Isto cria a obrigação de pôr as coisas em
ordem.
A Justiça Restaurativa convoca a vítima, o delinquente e a comunidade
na busca para soluções que promovam a reparação, a reconciliação e a
segurança para a sociedade. A falta de acesso ao sistema de justiça formal
causa injustiças reais e percebidas, que fomentam a falta de confiança nas
instituições e incentivam a tendência em direção aos meios alternativos de
obter justiça.
48
Se não existem mecanismos claramente identificados para tratar de
demandas de justiça, os indivíduos tenderão a usar os meios alternativos mais
acessíveis. Para os segmentos menos afortunados de sociedade, isto significa
frequentemente a retribuição direta por cidadãos privados ou grupos de
cidadãos que agem como agentes de justiça por canais informais, ou apoio
popular para tais iniciativas.
Os sistemas de micro-justiça( justiça paralela), a exemplo da milícias,
na forma de programas restaurativos apresentam uma alternativa às práticas
de justiça alternativa ilegais. Quando os cidadãos de fato têm acesso a
sistemas de micro-justiça para tratar de queixas e mediar conflitos, há uma
opção concreta à retribuição privada.
Os cidadãos podem se tornar participantes ativos na resolução de
conflitos e de crimes, que frequentemente tem origem na pobreza e
precariedade locais, que afetam suas vidas cotidianas em vez de vítimas
passivas de injustiças sobre as quais elas têm pouco ou nenhum poder para
mudar.
Dado que a redução da desigualdade é um dos principais desafios da
democratização que o Brasil enfrenta hoje, é importante avaliarmos os
aparentes benefícios e potenciais introduzidos pelos sistemas de micro-justiça,
dado de atuam junto aos segmentos mais marginalizados da sociedade em
termos de acesso à justiça, dotação de poder, e transferência de conhecimento
e produção.
Assim, uma politica de conscientização realizada através de círculos e
conferências restaurativas poderá ser a alavanca para os ajustes sociais e
promoção da defesa de direitos através do diálogo e participação da sociedade
envolvida, traduzindo-se assim no pleno exercício da cidadania.
49
5
CONCLUSÃO
Não restam dúvidas quanto à relevância da problemática da violência
nas sociedades contemporâneas. A busca por meios capazes de reduzir a
conflitualidade social ou, pelo menos, a violência da resposta estatal (punitiva),
tem sido cada vez mais elevada, principalmente nas últimas duas décadas, em
virtude de uma série de fatores, dentre os quais podemos citar o aumento da
violência, a crise de legitimidade do sistema de justiça criminal e a mudança do
papel do Estado. É neste contexto que se insere a proposta da justiça
restaurativa.
No campo teórico, para melhor inteligência do tema procuramos
apontar a base sob a qual se pauta o instituto, para tanto, abordamos,
inicialmente, os princípios fundamentais da pessoa humana, os direitos
humanos e os princípios norteadores do direito penal correlatos com a justiça
restaurativa. Subsumimos a aplicação dos princípios do direito penal à Justiça
Restaurativa, concluindo-se que tais princípios são norteadores quando se trata
daimplementação e institucionalização dos métodos restaurativos, pois
salientam fatores imprescindíveis para o bom uso e funcionamento das práticas
restaurativas.
Buscamos fazer uma abordagem histórica, assinalando o seu
surgimento e ascensão dentro do mundo globalizado, demonstrando que as
técnicas e práticas restaurativas já vêm sendo utilizadas no Brasil desde a
década de 80 e hoje está institucionalizada dentro do ordenamento jurídico
brasileiro através da lei 12.594/12, que trata da execução das medidas
sócioeducativas.
Incontinenti, procuramos esclarecer o que é a justiça restaurativa,
conceituando-a como sendo “uma forma de gerenciamento de conflitos, através
do qual um facilitador auxilia todas as partes direta e indiretamente envolvidas
numa contenda,a realizarem um processo dialógico, visando transformar uma
relação de resistência e oposição em relação de cooperação, valendo-se de
técnicas de comunicação não violenta”
O modelo de justiça restaurativa, como se pôde observar, não possui
estrutura rígida nem detém um conceito fechado. Enfatiza, dentre outras
50
coisas, o dano sofrido pela vítima e as necessidades dele decorrentes, a
responsabilização do ofensor no que tange a reparação do dano, o
empoderamento das partes envolvidas e, sempre que possível, a reparação
das relações afetadas pelo delito, comportando assim valores, princípios,
meios e finalidades diversas das do modelo de justiça criminal.
Superada
a
fase
teórica,
cumpriu
analisar
os
contornospráticosrestaurativos e os momentos de sua aplicação, do que pôde
se concluir, primeiramente em relação ao momento de sua utilização, que se
deve privilegiar encaminhamentos anteriores ao oferecimento da ação penal,
evitando-se, desta forma, o processo penal, ou então logo nas primeiras fases
deste, a fim de ver extinta a punibilidade do ofensor.
Apontamos as fases do processo restaurativo que inicia com a
preparação, seguida do contato com as partes, da escolha do local
acolhimento, a identificação da raiz do problema, a comunicação restaurativa, a
necessidade de sigilo dos debates e, por fim, a possibilidade de execução dos
acordos.
A seguir ponderamos sobre os três métodos restaurativos mais usuais,
quais sejam: mediação vitima/ofensor, reuniões restaurativas e círculos
restaurativos.
Também apontamos algumas das ferramentas e
instrumentos
restaurativos utilizados para otimizar o procedimento na obtenção de um
resultado positivo, com destaque para a escuta ativa, o empoderamento e a
responsabilidade.
Maior ênfase foi dada ao capítulo central da pesquisa, que trata da
compatibilidade da Justiça restaurativa com a Justiça Formal e a contribuição
que a primeira pode trazer para a sociedade e para os diversos órgãos do
Sistema de Justiça, sendo enfatizada a necessidade de regulamentação as
formas de recepção dos acordos restaurativos pela justiça criminal,
objetivando, principalmente, a efetiva redução do uso da pena de prisão.
Finalmente, quanto às práticas, foi possível constatar a real
flexibilidade da justiça restaurativa, capaz de introduzir mecanismos que
auxiliam na construção do processo de justiça, e permitir a constante
transformação das práticas conforme as necessidades dos casos concretos.
51
Assim, abordamos as praticas restaurativas nos Juizados Especiais,
nas escolas, nos órgãos da segurança pública e na justiça menoril, neste último
caso, já aplicada em decorrência de lei, como citamos ao norte.
Nesse sentido, verificou-se que o projeto da justiça restaurativa vinculase ao processo de reformulação judicial brasileiro, que busca ajustá-lo ao
contexto democrático. A justiça restaurativa passa a ser uma alternativa para
validar o sistema de justiça criminal, mediante a qualificação da administração
da justiça e a introdução da possibilidade de resolver o conflito de forma não
violenta e com a participação das partes envolvidas e até mesmo da
comunidade.
A justiça restaurativa deve atuar, portanto, de forma a diminuiro número
de casos encaminhados ao sistema punitivo, reduzir a aplicação de sanções
punitivas e, acima de tudo, de forma a incrementar o acesso à justiça com
qualidade.
Em relação à discussão sobre a violação das garantias (igualdade ou
coerência dos castigos, proporcionalidade e imparcialidade) e a participação da
vítima na resolução do conflito (acarretando a privatização do mesmo),
percebe-se que algumas críticas são de extrema importância, pois ressaltam a
necessidade dos limites dos acordos restaurativos, como é o caso da crítica ao
princípio da proporcionalidade.
As
questões
analisadas
neste
trabalho
pretenderam
englobar
perspectivas práticas e teóricas relacionadas às diferentes formas de
articulação da justiça restaurativa com o sistema de justiça criminal e à sua
implementação, principalmente no contexto brasileiro.
Concluímos que a justiça restaurativa não deve substituir o processo
penal e a pena, mas atuar de forma complementar, possibilitando outra
resposta que não a estritamente punitiva; todavia, deve possuir certa
autonomia em relação ao sistema criminal, em razão de sua lógica distinta.
52
REFERÊNCIAS
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ZEHR, Howard– Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça
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BRASIL. - Lei dos Juizados Especiais- Dispõe sobre os Juizados Especiais
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do
Brasil: promulgada em 5 de Outubro de 1988: atualizada até a Emenda
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textos integrais das Emendas Constitucionais da revisão. 65 ed. atual. São
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53
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Disponível
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm. Acesso em 6
jun..2014.
Download

BRAGA, Maria do Socorro Pelaes. Justiça restaurativa: benefícios