1 O CORPO E A PERCEPÇÃO EM MERLEAU-PONTY (MP) Esquema em slides adaptado pela profª Marisete Malaguth Mendonça para os Grupo XXIV e XXV de Gestalt do ITGT Aulas de 22 de Fevereiro e 25 de Abril de 2013 SIGLAS: MP= Merleau-Ponty FP= Fenomenologia da Percpção (livro) MM= Marisete Malaguth Mendonça (Goiânia - GO) MAF= Marcos Aurélio Fernandes (Brasilia- DF) MPO= Marinyze Prates de Oliveira(Salvador-BA) VM= Virginia Moreira ( Recife- PE) O Mundo Vivido Merleau-Ponty utiliza como fio condutor de todo o seu pensamento o conceito de Lebenswelt, dos escritos do último Husserl Propõe uma fenomenologia da percepção, uma fenomenologia do corpo, e não uma fenomenologia da consciência constitutiva, o que o distingue da tradição fenomenológica da consciência, baseada no primeiro Husserl. Fenomenologia da percepção E neste livro que ele se refere a uma consciência perceptiva, procurando romper com o dualismo percepção-pensamento, ou o dualismo consciência-mundo. A percepção é, para ele, o fundamento do processo de conhecimento, a experiência imediata, primeira. (VM) A percepção tem lugar no nível do pré-reflexivo. Ao longo de sua obra, Merleau-Ponty se desvia da consciência perceptiva na direção do "corpo vivido", da intercorporeidade pré-reflexiva (o corpo entre o corpo das coisas=MM). MP rompe, assim, o pesado silêncio que durante séculos, recaiu sobre o corpo silêncio remontado ao próprio surgimento da Filosofia De elemento cultuado pelos antigos gregos como fonte dos sentidos, a partir de Platão o corpo é rejeitado em nome da contemplação da “beleza absoluta”. O ideal dos “belos corpos” é substituído pelo das “belas almas” enquanto o interesse é deslocado do mundo sensível — que passa a ser visto com desconfiança — para o “mundo das idéias” e o culto à razão. Os sentidos são vistos como aparência enganosa O olhar, o tato, os sentidos em geral, enfim, são considerados meros “enganos” ou “simulacros” (Dra. Mrinyze Oliveira) 2 visão que será cultivada durante toda a tradição metafísica e só se alterará a partir de Hegel _________________ Nota da Profª MM: Hegel nasceu em Stuttgart, a 27 de agosto de 1770, e faleceu a 14 de novembro de 1831, em Berlim. O advento do Cristianismo por sua vez, através de sua visão particular do mundo, considerando o corpo como sede das sensações, dos instintos, da sensualidade, passa a ser estreitamente vinculado à idéia de pecado e, por longo período, a ótica e os princípios cristãos exercerão grande influência sobre todo o pensamento tradicional, notadamente no campo da moral e da ética. Corpo: apenas “espaço de passagem” também colaborou decisivamente para que se intensificasse no pensamento ocidental a rejeição ao corpo. A rejeição à vida corpórea, numa clara demonstração de que o corpo no mundo nada vale, constituindo-se em mero “espaço de passagem” Sede dos pecados Enquanto sede de todos os males e de todos os pecados, o corpo merece a punição — seja através do flagelo, seja por meio do pesado silêncio que sobre ele lançou a Filosofia ao longo de muitos séculos... Religiosos castigam o próprio corpo hoje nas Filipinas A Fenomenologia leva a repensar o corpo Modernamente, entretanto, a fenomenologia, ao propor a abordagem dos objetos do conhecimento tais como aparecem ou se apresentam à consciência Segundo Husserl, “colocar entre parênteses” toda e qualquer predisposição sobre a natureza desses objetos), abre espaço para que se repense a questão da percepção e, conseqüentemente, do próprio corpo. Eliminando a dicotomia sujeito-objeto “Ir às coisas mesmas” levou a percepção a voltar-se para o mundo, negando a dicotomia sujeito-objeto (fundamento basilar de todo o pensamento tradicional e da própria ciência) que levou as reflexões filosóficas a respeito da percepção a se apoiarem na separação entre a consciência e o mundo. MP nega que a percepção seja uma operação intelectual, considerando-a um modo de acesso ao ser, isto é, como toda experiência que nos dá a própria coisa. (Marynize) Assim, na FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO, de MP (M.A.F.) a crítica se volta contra o intelectualismo das filosofias da consciência, que, levando às últimas conseqüências a separação cartesiana entre o corpóreo e o anímico, afirmam que a subjetividade constitui a realidade ou põe o mundo a partir de si mesma. O CORPO É FUNDAMENTAL PARA A CONSCIÊNCIA O mundo, escreve Merleau-Ponty, é mais velho do que a consciência e do que nós e a “percepção do mundo funda para sempre nossa idéia da verdade” (MAF) 3 Nossa relação com o mundo não é a de um pensador com um objeto de pensamento... nem podemos conceber o sujeito como uma consciência que interpreta, ‘decifra’ ou ‘ordena’ uma matéria sensível. A matéria é ‘grávida’ de sua forma”(MPO) Da sua essência ou do seu espírito. Ela tem em si a sua própria forma (MM) Nessa obra (FP), a invocação de um irrefletido e de um ¹“cogito tácito” anteriores a toda tese posta pelo intelecto visa encontrar na própria fenomenologia um meio para sair do recinto fechado da consciência de maneira a realizar efetivamente o projeto husserliano de “volta às próprias coisas”... ¹ .conhecimento tácito: silencioso, calado . que não é preciso dizer por estar implícito ou subentendido É inegável que a visão heideggeriana do homem como um ser no mundo muito contribuiu para a conclusão de MP de que a existência do homem passa pelo sentido. Isso leva o pensador francês a retomar a questão do “corpo próprio” e, por correlação, do “corpo do outro” O Corpo para a Ciência Positiva A ciência positiva sempre considerou o corpo humano como um conjunto de moléculas, células, órgãos, nervos, músculos e ossos, encarando-o invariavelmente, como o “corpo dos outros” e se calando quanto aos problemas do sentimento do “corpo próprio”. Como nosso corpo se mostra para nós MP dedicará grande parte de suas reflexões exatamente a esse tema: como o corpo humano, entendido dessa forma pela ciência, pode se mostrar fenomenicamente como “meu corpo”, o “ corpo para mim”. A experiência verdadeira é sentida, é corporal (MM) Em sua concepção, o conjunto de vivências humanas só pode ser configurado e protagonizado por um corpo, e qualquer forma de distanciamento entre o homem e o mundo sensível merece ser questionada. A significação vem do contato do corpo com o mundo O corpo próprio ou vivido constitui a maneira pela qual nos instalamos no mundo, tanto ganhando significação, quanto doando significação. Reflexibilidade e visibilidade Ponto fundamental para se compreender a visão merleaupontyana do corpo é, sem dúvida, a noção de que este possui, simultaneamente, a reflexividade (atributo da consciência) e a visibilidade (propriedade característica do objeto). O corpo não é só uma coisa CHAUI(2002) afirma: “Entre as coisas visíveis, é um visível, mas dotado do poder de ver – é vidente. Visível vidente, o corpo tem o poder de ver-se quando vê, vê-se vendo, é um vidente visível para si mesmo. Entre as coisas táteis, o corpo é um tátil, mas dotado 4 do poder de tocar – é tocante. Tátil tocante, tem o poder de tocar-se ao tocar, é um tocante tátil, para si mesmo. Entre as coisas móveis, o corpo é móvel, mas dotado do poder de mover – é um movente. Móvel movente, o corpo tem o poder de mover-se movendo – é móvel movente para si mesmo”. Deste ponto de vista, “O corpo é um visível que vê, um tocado que toca, um sentido que sente (reflexibilidade=MM). Quando a mão direita toca a esquerda, há um acontecimento observável, cuja peculiaridade é a ambigüidade: como determinar quem toca e quem é tocado? Como colocar uma das mãos como sujeito e a outra como objeto?” Portanto, a experiência de propagação que marca a experiência original do corpo consigo mesmo se repetirá, igualmente, na relação com as coisas e com os outros “Minha percepção. é impacto do mundo e influência dos meus gestos sobre ele”...“Ora, é quando os objetos me dão a impressão originária do “sentido”, quando têm essa maneira direta de me atacar , que os chamo de existente.” (FP, pág. 327) A percepção evidencia formas variadas de olhares que em ambiguidade inerente às características de suas existências ( a ambiguidade dos olhares) não dizem tudo sobre a coisa, mas dizem sobre a coisa em prospecção, sobre o ser em abertura à visão, um mundo sempre continuado. A percepção é, na realidade, minha inerência real nas coisas, através de “meu corpo”. E somente deixando de considerar o “corpo do outro” como um corpo objetivo — e sim como realidade portadora de comportamentos — será possível que um corpo exterior a mim me remeta a outros e me conceda a experiência de um eu que não seja o meu. Comunicação com o Outro Assim, o “meu corpo” e o “corpo do outro” foram um só todo, através de um mundo compartilhado, que me permite comunicar-me com quem, não sendo eu,possui, em relação a mim, igual capacidade de comunicação. (“Senti um balde de água gelada sobre mim”-o mundo compartilhado= MM) Corpo e Consciência (MAF) Não é o corpo que é constituído pelo consciência, mas é a consciência que é constituída pelo corpo. A consciência representativa se funda na consciência perceptiva. Corpo e Linguagem (MAF) (até a linguagem que é considerada uma atividade abstrata=MM) O corpo próprio é fonte de sentidos. Ele é simbólico. O corpo exprime a existência, como a fala expressa o pensamento. O corpo fala. O gesto expressa os sentimentos. O corpo é pensamento no mundo: é ação geradora de sentidos; é criação de horizontes e significados; é expressividade 5 Referências FERNANDES, Marcos Aurélio (2012) Transcrição de aulas no ITGT OLIVEIRA, Marinyze Prates de. (1993). "A percepção em Merleau-Ponty: uma quebra do silêncio sobre o corpo“. In: Nexos da Comunicação - um olhar no contemporâneo. Salvador: C.E. Topus Urbanus. http://paginas.terra.com.br/arte/mprates/livros_publicados.htm ▪MOREIRA, V. “O inconsciente no pensamento de Merleau-Ponty: contribuição para a psicoterapia” - Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 110-121, mar. 2011. Nota 1: A História da metafísica fundamenta-se na crença do sujeito da razão A tradição metafísica considera a realidade a partir da estrutura de pensamento racional, onde a consciência emerge como fonte, como sede, lócus da racionalidade, trabalhando efetivamente com uma cisão entre coisa-em-si e fenômeno, entre um mundo verdadeiro, essencial, imutável e outro aparente, corruptível, contingente. In “Nietzsche: Metafísica e Linguagem” Autora: Ana Paula Bezerra de Miranda Mestranda em Filosofia - UERJ (Questão crítica da Profª Marisete): Como resolver essa contradição? O objeto ou o mundo é objeto ou mundo para mim. E ao mesmo tempo “ele é grávido da sua própria forma”. Só posso entender essa contradição como sendo contradição aparente, concebendo que a realidade tem infinitas faces. Nós captamos a face que nos dá nossa percepção naquela perspectiva Que é também aspecto verdadeiro da realidade! Mas é o aspecto da dimensão da realidade que nossa percepção pode captar entre as perspectivas possíveis! FIM do Texto