UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE
BRASÍLIA
GRADUAÇÃO EM DIREITO
A EFICÁCIA DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS NOS
JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS DO DISTRITO FEDERAL
Aluna: Raquel Martins Rodrigues
Orientador: Douglas Ponciano da Silva
BRASÍLIA
2007
RAQUEL MARTINS RODRIGUES
A Eficácia das Medidas Alternativas nos
Juizados Especiais Criminais do Distrito
Federal
Monografia
apresentada
à
Banca
examinadora da Universidade Católica de
Brasília como exigência parcial para
obtenção do grau de bacharelado em
Direito sob a orientação do Professor
Douglas Ponciano da Silva.
BRASÍLIA
2007
Dedico o presente trabalho aos meus
pais, grandes colaboradores na minha
carreira jurídica, exemplos de incentivo e
amor, a quem devo lições que a mera
academia jamais ensina. Às minhas irmãs
e ao Marcos pelo amor e cumplicidade.
Agradeço a Deus por fortalecer minha fé,
ao professor Douglas pela orientação e a
Coordenação da CEMA do MPDFT pelo
carinho na concessão dos dados.
“Um dos maiores freios dos crimes não é
a crueldade das penas, porém, a sua
infalibilidade (...)”.
Cesar Beccaria
RESUMO
RODRIGUES, Raquel Martins. A eficácia das Medidas Alternativas nos Juizados
Especiais Criminais do Distrito Federal. 2007. 81 f. Trabalho de conclusão de
curso - (Graduação em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Católica de
Brasília, Brasília, 2007.
O presente trabalho cuida da questão da eficácia social das medidas
despenalizadoras no âmbito dos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal.
Esperamos por meio do presente estudo apresentar um parâmetro atual dos
acontecimentos diários na rotina dos Juizados Especiais Criminais, bem como
apontar soluções e posturas mais harmônicas entre partes, judiciário e comunidade.
A Lei 9.099/95 com seu ímpeto de pacificação social produziu procedimentos
rápidos, visando dar uma resposta mais célere a sociedade, entretanto, a falta de um
estudo critico que pondere algumas imperfeições nos procedimentos comumente
utilizados faz com que a instituição tenha um certo descrédito com a população,
onde suas medidas passam a ser sinônimo de impunidade. Outro vertente da
presente pesquisa é demonstrar a necessidade de buscar uma melhora na
prestação jurisdicional que deve ser rápida, mas também satisfatória, fazendo com
que o direito consensual se firme como meio idôneo na busca pela redução da
criminalidade. Sem dúvida alguma, a contribuição dos Juizados Especiais Criminais
é ímpar para resolução dos conflitos envolvendo crimes de menor potencial ofensivo,
entretanto, devemos sempre buscar a máxima efetividade das normas. Embora
nosso trabalho não tenha esgotado o assunto pretendemos por meio de uma análise
basilar buscando na finalidade e na evolução da sanção e do pensamento penal
descobrir se as medidas alternativas conseguem cumprir a finalidade proposta pelo
legislador pátrio. Levando em conta dados locais da Central de Medidas Alternativas
do Ministério Público, buscaremos traçar um perfil local.
Palavras-chave: Juizados Especiais Criminais. Lei 9.099/95. Eficácia. Medidas
Alternativas.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1. População carcerária do Brasil segundo taxa de encarceramento
(por 100 mil habitantes) - 1995, 1997, 1998, 1999, 2001 e 2003..................62
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. População Carcerária no D.F de 2004/2007 ................................ 63
Tabela 2. Institutos Processuais Não-Privativos de Liberdade aplicados em
2005 ...............................................................................................................67
Tabela 3. Institutos Processuais Não-Privativos de Liberdade aplicados em
2004 .............................................................................................................. 68
Tabela 4. Prestação de Caráter Pecuniário no Distrito Federal Aplicadas em
2005 x outras .................................................................................................68
Tabela 5. Prestação de Caráter Pecuniário no Distrito Federal Aplicadas em
2004 x outras .................................................................................................69
Tabela 6. Prestação de Serviço aplicadas em 2005 x outras .......................69
Tabela 7. Prestação de Serviço aplicadas em 2004 x outras .......................69
Tabela 8. Tipos de Regime Privativos de Liberdade aplicados no Distrito
Federal durante o ano de 2005 .....................................................................70
Tabela 9 . Tipos de Regime Privativos de Liberdade aplicados no Distrito
Federal durante o ano de 2004......................................................................70
Tabela 10. Cumprimento da Medida: Dados acumulados até o final do ano de
2005 ...............................................................................................................71
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABREVIATURAS
Art. por artigo
Id. por idem
Ibid. por ibidem
SIGLAS
CP - Código Penal
CPC - Código de Processo Penal
CF - Constituição Federal
CEMA - Central de Medidas Alternativas
JECRIM - Juizado Especial Criminal
MP - Ministério Público
TC - Termo circunstânciado
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO __________________________________________________________________ 12
Capítulo 1 - A Finalidade das Sanções Penais ________________________________________ 15
1.1 As Escolas Teóricas_________________________________________________ 15
1.1.1 Escola Clássica e a Teoria da Retribuição ___________________________________ 15
1.1.2 Escola Positivista e a Teoria Utilitarista______________________________________ _ 15
1.1.3 Teorias Mistas ou Ecléticas ________________________________________________ 17
1.2 A função da pena no Estado Democrático de direito______________________ 17
1.3 A evolução do sitema punitivo: das penas capitas à medidas alternativas ___ 20
1.3.1 Breve Retrospecto_______________________________________________________20
1.3.2 O novo Paradigma penal__________________________________________________ 23
1.3.3 Legislação Brasileira______________________________________________________ 26
1.3.4 Plano Internacional: Regras de Tóquio _______________________________________ 27
Capítulo 2 - Os Juizados Especiais Criminais _________________ 0Erro! Indicador não definido.8
2.1 Breve Histórico ______________________________ 08Erro! Indicador não definido.
2.2 As alternativas Penais no Direito Comparado ___________________________ 31
2.2.1 O instituto do Plea Bargaining norte-americano ________________________________ 31
2.2.2 Remissione della querela (antigo Patteggiamento) do Direito Italiano________________32
2.2.3 O Procedimento Sumariíssimo Português _____________________________________ 33
2.3 Considerações sobre alguns Princípios Processsuais Penais _____________ 33
2.3.1 Mitigação dos Princípos Processuais Penais: suscitadas inconstitucionalidades __ ____ 38
2.4 Persecução Penal e Ação Penal Pública________________________________ 39
2.5 - Princípios Orientadores dos Juizados Especiais Criminais__________________43
2.6 Procedimento nos Juizados Especiais Criminais ________________________ 44
2.6.1 Competência em razão da matéria e do lugar _________________________________ 45
2.6.2 Fase Preliminar__________________________________________________________ 47
2.6.3 Procedimento Sumariíssimo________________________________________________ 50
2.7 Os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 __________________________ 53
2.7.1 Composição Civil ________________________________________________________ 53
2.7.2 Transação Penal ________________________________________________________ 54
2.7.3 SuspensãoCondicional do Processo _________________________________________ 56
2.8 Efeitos da aplicação das medidas alternativas __________________________ 58
Capítulo 3 - A Eficácia Social das Medidas Alternativas nos Juizados Especiais Criminais do
Distrito Federal __________________________________________________________________ 61
3.1 Breves Considerações ______________________________________________ 61
3.2 Medidas Alternativas Aplicadas_______________________________________ 64
3.3 O papel da CEMA___________________________________________________ 66
3.3.1 Dados Estatísticos _______________________________________________________67
CONCLUSÃO ___________________________________________________________ 73
REFERÊNCIAS __________________________________________________________ 78
Trabalho de Raquel Martins Rodrigues, intitulado Eficácia das Medidas
alternativas nos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal, apresentada à
Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial
para obtenção do grau de bacharelado em Direito, defendida e aprovada em
_____/_____/_____, pela banca examinadora consituída por:
________________________________________________________
Douglas Ponciano da Silva
Orientador
________________________________________________________
Ana Cristina da Silva Souza
________________________________________________________
Elvécio Diniz Silverio
ERRATA
Folha
Linha
Onde se lê
Leia-se
14
25
redução da
a
21
1
a opção na baixa Idade Média a evolução do
a evolução do Mercantilismo Mercantilismo e do
e Capitalismo
Capitalismo
21
25
ao raciocínio
a conclusão
22
9
caso
casos
23
21
iníquos
inóquos
25
1
Preverem
preferem
27
9
OUNU
ONU
29
27
as
a
37
11
chamada da
chamada
38
5
incostitucionalidade
inconstitucionalidade
38
11
privativa
privativas
38
12
sobre o fato
sobre o alegado fato
48
27
possibilita
possibilitam
48
28
que constitua atípico pena
atípico
70
11
esta
estas
74
6
sujeita uma
sujeita a uma
74
10
podendo
pode
74
22
julgamento. Muitas vezes
julgamento, embora
muitas vezes pudesse
74
29
no
o
75
1
emprenho
empenho
12
INTRODUÇÃO
Pretendemos estudar no presente trabalho a “Eficácia das medidas
alternativas nos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal”.
É de extrema relevância proceder a uma análise das respostas que a
sociedade vem obtendo com as medidas alternativas, por meio de um apontamento
que confirme o alcance do escopo primordial da lei na elaboração dos institutos, bem
como das expectativas sociais.
Os 2 (dois) anos de estágio realizados no Cartório do 1º Juizado Especial
Criminal de Ceilândia e, posteriormente, na 1ª Promotoria dos Juizados Especiais
Criminais, impulsionaram o faro acadêmico no intuito de explorar sobre a real
eficácia das medidas alternativas aplicadas aos crimes de menor potencial ofensivo,
razão pela qual optamos pela abordagem tema na conclusão do curso.
A criação da Lei 9.099/95 com o objetivo de desafogar a Justiça Comum e o
falido sistema prisional, trouxe um novo pensamento penal por meio da possibilidade
de um procedimento mais simples e célere que pudesse atender aos anseios da
comunidade visando, sobretudo, a pacificação social. As inovações foram bastante
aclamadas pelos operadores do direito, entretanto, doze anos após a sua criação
grandes são os questionamentos acerca da eficácia dos seus procedimentos e da
satisfação social com a tutela jurisdicional oferecida.
Para atender ao mandamento constitucional constante no artigo 98, caput,
da Carta Magna, foram criados os Juizados Especiais Cíveis e Criminais pela Lei nº
9.099 de 1995, que atribuiu aos Juizados Especiais Criminais a competência para
julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo, inicialmente classificados como
aqueles cuja pena máxima em abstrato não fosse superior a um ano de reclusão,
salvo as sujeitas a procedimento especial, conforme preceituava o artigo 60 e 61 da
referida lei.
Com o advento da Lei nº 10.259 de 12.07.2001 por meio do seu artigo 2º,
parágrafo único, que instituiu os Juizados Especiais no âmbito federal, alargou-se o
conceito de crime de menor potencial ofensivo, passou-se a defini-los, como todos
os crimes cuja lei comine pena que não exceda a dois anos ou multa. Em razão da
13
revogação da lei posterior, prorrogou-se a competência do Juizado Especial Criminal
no âmbito da Justiça estadual.
Tendo como princípios basilares do procedimento a informalidade,
celeridade, oralidade e a economia processual, os Juizados Especiais trouxeram
uma maior flexibilidade para a disposição da ação penal, garantindo ao Ministério
Público um poder ainda maior sobre a titularidade da ação penal, podendo, ainda
que mediante representação da vítima, oferecer os benefícios dos institutos
despenalizadores da composição civil, da transação penal e do sursis processual.
No Procedimento do Juizado Especial é gerado um Termo circunstanciado,
que pode ser definido como um breve “inquérito policial”. Posteriormente, as partes
são chamadas para uma audiência preliminar, que muitas vezes conduz a
desistência por meio da conciliação, nos casos das ações penais públicas mediante
representação ou mesmo privadas, ou ainda, proceder-se a uma composição civil
dos danos. Não existindo acordo e presentes os requisitos de ordem objetiva e
subjetiva previstos no artigo 76 da Lei, o Ministério Público poderá oferecer a
transação penal que será homologada pelo juiz. Caso não estejam presentes os
requisitos legais ou não seja aceita a transação penal pelo autor do fato, ou ainda,
se revogado o benefício anteriormente concedido, o Ministério Público poderá
oferecer denúncia oral ou escrita. Designada audiência de instrução e julgamento,
restando a réu condenado a um crime cuja pena cominada seja inferior a um ano e
presentes os requisitos objetivos e subjetivos, poderá, ser oferecida a suspensão
condicional do processo, prevista no artigo 89.
Como já ressaltado preliminarmente, existem algumas queixas em torno da
real eficácia dos fins a que se prestam os Juizados Especiais Criminais, sobretudo,
acerca da mitigação dos direitos individuais inerentes ao processo, tanto do autor do
fato, quanto da vítima. E nesse sentido, curiosa é a análise do conceito de Justo
atribuído por ambas as partes envolvidas aos procedimentos a que são submetidas.
Entretanto, optamos no presente trabalho, por buscar conhecer melhor o alcance
das soluções tão exaltadas pela doutrina e pelos criadores dos vários projetos que
levaram a preparação da lei, bem como desvendar se os seus propósitos são de fato
conquistados por meio das medidas alternativas.
14
Algumas ocorrências corriqueiras nos Juizados Especiais Criminais trazem à
baila os seguintes questionamentos:
Os Juizados Especiais Criminais são uma resposta eficaz aos problemas
que lhe são apresentados? Os Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal
promovem satisfatoriamente a prevenção especial (intimidatória) e a prevenção geral
(positiva) pretendida? Quanto à prevenção especial (intimidatória): Os Juizados
Especiais de fato promovem inserção social por meio das Medidas Alternativas?
Quanto à prevenção geral (positiva): A abordagem do procedimento frente aos seus
princípios norteadores dão um resposta satisfatória a coletividade?
Para desenvolver o raciocínio proposto utilizaremos o método indutivo e
buscaremos por meio da pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e da análise de
alguns dados das Centrais de Medidas Alternativas e dos órgãos penitenciários
estatais.
No primeiro capítulo faremos uma abordagem acerca da finalidade da
sanção segundo algumas teorias e dentro do Estado Democrático de direito.
Procederemos, ainda, a uma revisão sobre a evolução das penas e sobre a
necessidade nos dias atuais de busca por institutos penais mais eficazes. No
segundo capítulo realizaremos uma discussão acerca dos objetivos da criação dos
Juizados Especiais Criminais, discorreremos sobre alguns princípios processuais
penais e suas flexibilizações. Além disso, revisaremos algumas informações sobre a
ação penal e o procedimento nos Juizados Especiais, por fim, cuidaremos das
medidas alternativas em espécie. No terceiro e último capitulo faremos uma análise
das medidas alternativas no Distrito Federal, analisando sua aplicação e
cumprimento, buscaremos apontar um quadro geral da execução das medidas
despenalizadoras, verificando o seu papel sócio-educativo e a contribuição para
redução da criminalidade, analisando alguns dados sobre a população carcerária no
Distrito Federal.
15
CAPÍTULO 1
A Finalidade das sanções penais
1.1 - Escolas Teóricas
Vamos iniciar nosso trabalho fazendo algumas considerações acerca das
teorias que se ocuparam em buscar a finalidade da sanção no direito penal,
tomando mão do discorrido por El Tasse1, vamos estudar as três escolas e
respectivas teorias centrais que se dedicaram ao estudo do escopo das penalidades.
1.1.1 - A Escola Clássica e a Teoria Absoluta da Retribuição
Embora não existisse homogeneidade entre os doutrinadores, os princípios
básicos continham a filosofia liberal e humanitária. O pensamento é marcado pela
obra do marquês de Beccaria “Dos Delitos e das Penas”.
A Teoria Absoluta da Retribuição tem Kant como grande expoente, segundo
ele a pena é um imperativo exigido pela razão e pela justiça como conseqüência
natural do cometimento do delito, consubstanciando uma retribuição jurídica ao mal
praticado e uma reparação moral. Para o filósofo, bem como na Lei de Talião, só é
justo o que é igual. Desde que a punição atenda os critérios da idéia de “justo” será
moralmente justificada, não importando a sua conveniência.
1.1.2 - Escola Positivista e a Teoria utilitarista
Esta escola foi fruto da evolução das ciências naturais. Sua linha de
argumentação se opunha à teoria da Escola Clássica, na medida em que não
analisava apenas o crime e a pena, mas também o criminoso e os fatores que lhe
1
EL TASSE, Adel. Teoria da pena. 1ª ed. (ano 2003), 2ª tir.,Curitiba: Juruá, 2004, p. 39 et seq.
16
levaram a delinqüir, a pena era vista como elemento de proteção social. A escola foi
composta por três fases:
1)
Fase Antropológica – o expoente mais conhecido é o médico
italiano César
Lombroso, influenciado pelo evolucionismo de Darwim, o estudioso
percorria estabelecimentos prisionais tentando compor as características
morfológicas que permitissem a explicação científica do crime. Inicialmente,
conectou o crime à uma anomalia no crânio dos infratores típica dos vertebrados,
afirmando que o criminoso seria um individuo predestinado ao delito em virtude
de caracteres biológicos que lhe faziam regredir a primitividade. Em seguida,
relacionou a criminalidade à epilepsia, indicando condições físicas que
conduziam a uma tendência delitiva, tais como: assimetria do crânio, uso
preferencial da mão esquerda e envergadura na altura.
2)
Fase Sociológica – o advogado Henrique Ferri direcionou seus
estudos ao ambiente social, acreditava que o crime era fruto do convívio.
Valorava mais a prevenção do que a punição, em sua teoria que surgiram os
substitutivos penais, medidas voltadas para a transmutação dos elementos
incentivadores dos crimes.
3)
Fase Jurídica – o jurista Rafael Garofalo acreditava que o
delinqüente sofria de uma anomalia moral. Estabelecia a periculosidade ou
temebilidade como critério para fixação da pena. Para ele a pena deveria ter
alto teor repressivo e quando a sanção penal imposta não fosse eficaz,
deveria proceder-se à pena capital.
As Teorias Relativas ou Utilitaristas inspiradas pelas idéias humanistas,
buscam um fim prático para pena, qual seja, a prevenção. Segundo seus defensores
a pena serve para evitar o cometimento de novos crimes. A prevenção pode ser
Especial, quando se dirigir à pessoa que está sofrendo sua execução, com o intuito
de recuperá-la; ou ainda, pode ser geral, quando estendida à sociedade, afastando a
idéia de todos que pensem em delinqüir.
17
Podemos fazer o seguinte contra-ponto: enquanto a Escola Clássica se
preocupava apenas com o crime e a pena, a Escola Positiva ocupava-se do
criminoso e das circunstâncias que o condiziam à delinqüência.
1.1.3 Teorias Mistas ou Ecléticas
Algumas teorias mistas emergiram dos debates entre clássicos e
positivistas, foram expoentes: Terceira Escola da Itália, ou Positivismo Crítico;
Escola Sociológica Francesa; Escola Moderna Alemã; Escola do Tecnicismo Jurídico
(Itália) e a Escola Correcionalista.
Estes teóricos sustentam que a pena é essencialmente retributiva,
entretanto, sua finalidade é uma mistura de educação e correção. Portanto, a pena
teria duplo objetivo: a retribuição e a prevenção. A primeiro em razão de que se
pune quem errou e o segundo consubstanciado pelo fato de que se pune para que
não cometa um novo erro.
Em que pese o binômio, ainda apontam a prevalência da prevenção como
objetivo principal.
As tendências Contemporâneas têm na pena, um objeto de prevenção
sempre estabelecido sob o manto da intervenção mínima, visando, conforme ensina
Damásio “à descriminalização, descarcerização e despenalização” 2
1.2 - A Função da Pena no Estado Democrático de Direito
A teoria dos direitos fundamentais antecede a noção de Estado de direito e
tem sua origem nas Declarações de direito do século XVII, de onde emergiram a
maioria dos Princípios Constitucionais adotados no mundo.
2
CAPPI, Carlo Crispim Baiocchi. As regras de Tóquio e as medidas alternativas. Jus Navigandi,
Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002.
18
Num contexto de luta contra as arbitrariedades do Estado absolutista, surge
o Estado Democrático de Direito, conceituado como um Estado com limitação,
regulamentação e adoção de formas representativas3, visando assegurar os direitos
individuais com base na liberdade e democracia, sempre inibindo os abusos dos
detentores do poder público.
O artigo 1º da Constituição Federal atribuiu a nação brasileira à categoria de
Estado Democrático de Direito, por via de conseqüência, todo o modelo normativo
do país deve ser firmado sob a égide de um Estado de tais atribuições. Por esta
razão o ordenamento jurídico penal tem que, obrigatoriamente, repercutir as
diretrizes inerentes às características políticas do Estado, devendo zelar pelas
garantias individuais, tais quais as que dizem respeito ao princípio da legalidade e
demais mecanismos que assegurem materialmente os direitos assegurados a todos
os indivíduos.
Ante tais elementos, o texto legal deve buscar tanto a prevenção geral,
quanto a especial, consubstanciando no direito penal o fruto do consenso coletivo,
de modo que a pena não seja mero meio de coação, de intimidação, mas também
elemento de convencimento que conduza o cidadão a não delinqüir. Deve-se buscar
a afirmação dos valores da maioria da sociedade, que culminou na inspiração
normativa como meio de retratar as aspirações populares.4
Assim, como leciona Marco Antônio Marques da Silva5, a pena não deve ser
aplicada apenas como modo de punição, mas a serviço do sentimento jurídico penal
do povo, restando a aplicação das sanções penais em cada sistema um fruto da
resposta atribuída ao seguinte questionamento: Qual a função da pena?
No direito pátrio, adota-se a função preventiva da pena, de modo que todo o
nosso sistema legal é construído sob a lógica preventiva e não retributiva como nos
primórdios das civilizações.
A pena analisada sob o plano da prevenção tem por pressuposto a busca da
regulação social para a norma jurídico-penal, como já dito, de modo que toda a
3
SILVA, Marco Antônio Marques da, Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Saraiva, 1997.
SILVA, 1997.
5
Ibidem.
4
19
sociedade espere que os demais cidadãos compelidos pelo temor à norma, não
venham a cometer condutas lesivas aos bens juridicamente protegidos.6
A norma assume um caráter diretivo onde se estabelece, via “pressão
normativa”, que os demais indivíduos adotem a conduta considerada adequada ao
direito, sempre sob a ameaça da culminação de pena aos que transgredirem a
conduta ideal. 7
Importante ressaltar que, quando a aceitação da norma não se opera, a
eficácia é mais difícil, razão pela qual, faz-se necessário promover a coexistência de
dois fatores8.
a) a capacidade de determinar sua aceitação pelos destinatários (Prevenção
Intimidatória);
b) a afirmação do direito na consciência jurídica dos destinatários
(Prevenção positiva).
Nos Estados intervencionistas as penas geram o terror penal por meio de
rigorosas punições aos que praticam as condutas estipuladas pela coletividade
como nocivas aos bens jurídicos tutelados pelo ordenamento.
Segundo Silva citando Kant9, a pena não poderia ter por finalidade a
proteção da sociedade, tampouco se ocupar da missão de prevenção dos crimes, na
verdade o individuo é castigado em prol da sociedade. Somente uma pena justa
poderia tratar o homem como um ser racional, se convertendo em um real direito do
criminoso.
Na filosofia Liberal Utilitarista baseada na teoria do controle social o homem
era concebido como um ser real empírico, os utilitaristas acreditavam que a pena
deveria proteger os cidadãos e seus bens, protegendo a sociedade e prevenindo
contra os delitos que causam dano social, atuando com o objetivo de prevenção.
6
Ibidem.
Ibidem, p. 29.
8
SILVA, 1997.
9
Ibid.
7
20
Já para os liberais idealistas, que compreendiam o homem como um ser
modelo, os criminosos deveriam servir de exemplos para os outros homens, como
confirmação dos valores ideais do homem-razão, o caráter da pena era
retribucionista.
No Estado Social que intervinha “ativamente na vida efetiva da sociedade, a
pena não pode ter outra função que não seja a luta contra o delito, no sentido de luta
contra a delinqüência, como fenômeno real da existência social”.10
1.3 - A evolução do sistema punitivo: das penas capitais às medidas
alternativas
1.3.1 – Breve retrospecto:
Inicialmente os indivíduos se socorriam da vingança privada ilimitada para
resolver os conflitos sociais, tomando mão da autotutela e da desproporção entre
mal sofrido e reação.
As primeiras punições têm sua origem nas relações religiosas, nos totens e
tabus, instituições que denotavam a submissão do homem primitivo à magia. A visão
primitiva da pena era de retributividade, o rigor na punição servia de desestimulo
para prática criminosa, nesta fase aplicavam-se penas capitais e cruéis.
A primeira grande evolução pode ser constatada com a adoção de critérios
de proporcionalidade na vingança, inicialmente quanto ao autor da ofensa e
posteriormente, quanto ao grau e intensidade do dano11. Como exemplo o Código de
Hamurabi, a Lei das XII Tábuas e a Bíblia.
Em razão das manipulações e redução populacional ocasionada pelas
penas capitais, optou-se pela transferência do caráter pessoal para o patrimonial,
evoluindo para a preocupação com a proporcionalidade entre dano e reparação
(composição).
10
11
Ibid., p.18.
TASSE, 2004.
21
Na baixa Idade Média a opção pelo uso da pena pecuniária como punição
principal ocorreu em razão da evolução do Mercantilismo e do Capitalismo,
posteriormente, a evolução mercantilista e a expansão colonial levaram a escassez
da força de trabalho, o que conduziu ao uso das penas privativas de liberdade para
obter mão de obra forçada12. Destarte, podemos concluir que os interesses
econômicos e políticos sempre influenciaram nos rumos do direito penal, embora
nem sempre ligados às aspirações populares, mas sim, em benefício das classes
dominantes.
Da Idade Média ( por volta do ano 476 d.c) até a idade Moderna, passou-se
a condenar o corpo do criminoso. O período penal do terror influenciado pelo
Tribunal do Santo Ofício da Igreja Católica foi marcado pelo uso de torturas que não
sem limitavam aos crimes religiosos, mas também eram usados pelo Estado como
meio de obter confissão ou aplicação de penalidades.
Nesta fase, as penas de morte aplicadas anteriormente pelos povos
primitivos, voltaram a ser usadas em larga escala e de modo mais perverso, posto
que eram precedidas por vários suplícios.
Com o iluminismo surge uma concepção mais humana de pena, Rousseau e
Montesquieu em muito contribuíram com a elaboração de algumas teorias. O
primeiro com o ideal de bom selvagem, ao expor que o homem nasce bom,
entretanto, sofre uma corrupção pela ação da sociedade em sua personalidade,
devendo cada individuo estabelecer um contrato onde cada qual se prive de parte da
sua liberdade em benefício da sociedade, sendo a pena a conseqüência do
descumprimento deste trato. A colaboração de Montesquieu veio em o “Espírito das
Leis”, onde falava que a experiência demonstrou que nos países onde as penas são
suaves, o espírito dos cidadãos é marcado por elas, chegando a coclusão de que
um povo virtuoso precisa de poucas penas.13
O período humanista, por sua vez, buscou mais benignidade penal
objetivando tutelar o direito de defesa e os direitos do homem. Como grande
colaboradora está a obra do Marquês Cesar Beccaria, “Dos delitos e das penas”,
12
SICA, Leonardo. SICA, Leonardo. Direito Penal de Emergência e alternativas à prisão. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,
13
TASSE, 2004.
22
que buscou a compreensão do fenômeno do crime e da justa aplicação da pena com
base nas idéias iluministas.
Com o pensamento iluminista, buscou-se, como já dito, uma finalidade
prática para pena, qual seja: a prevenção. Daí surge à pena de prisão como meio de
possibilitar a ação estatal e prepará-lo para a vida em sociedade.
No ano de 1697 surge a primeira Workhouse da Inglaterra destinadas à
baixa delinqüência e que pretendia reformar o delinqüente por meio do trabalho
ininterrupto, castigo corporal e instrução religiosa. Foi o primeiro marco histórico do
surgimento da pena privativa de liberdade moderna, para os casos mais graves,
continuaram a ser usadas as penas de exílio, pelourinho etc.14
Ocorre que o uso exagerado da pena privativa gerou a falência do sistema
prisional, contribuindo para gerar um grande bolo de ineficácia e afronta aos direitos
fundamentais, sobretudo no que se refere à dignidade da pessoa humana. O marco
inaugural das preocupações com falência do sistema prisional ocorreu em 1882,
com o “Programa de Marburgo”, onde Von Liszt, sustentava que a pena justa era
pena necessária. Constatou-se que:
“as penas de curta duração correspondendo, por isso mesmo, à
menor gravidade do delito, e à personalidade do delinqüente
primário, em regra, menos perigoso, são ineficazes para emendar o
delinqüente, mas são suficientes para diminuir no sujeito passivo de
sua execução o freio moral, que geralmente enfraquece pelo
contágio das prisões.”15
Conforme ensina Bittencourt16, as inquietações geradas por Von Liszt,
Adolph Prins, Von Hammel e Garofalo na União Internacional do Direito Penal (1888
e 1889), no tocante à necessidade de vias alternativas à prisão, contaminaram toda
a Europa no início do século XX. A Rússia, mesmo sendo um país de cortina de
ferro, foi o primeiro a adotar a pena alternativa de prestação de serviços
14
MULLER, Vera Regina. Juizados Especiais Criminais e penas alternativas: solução para o problema
da superlotação carcerária? Fundação de apoio à Pesquisa no Distrito Federal – FAP/DF,
Brasília. P. 266/274, 1998. Apresentado no 1º Encontro Nacional da Execução Penal.
15
BITENCOURT, Cezar Roberto, Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão,
3ª ed. rev. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 16.
16
Penas e Medidas Alternativas – Visão critica. Revista CEJ, Brasília, n. 15, p. 66, set/dez. 2001.
23
comunitários. Em 1948, a Inglaterra criou a prisão de fim de semana, que em 1953
foi adotada pela Alemanha.
1.3.2 – O novo Paradigma penal:
A moderna doutrina penal na tentativa de resgatar o princípio da intervenção
mínima surgido com a Revolução Francesa e com os ideais de um Estado
Democrático de direito, buscou redefinir o direito penal como ultima ratio e não como
prima ratio, ou seja, o direito penal só deve ser usado em último caso. Busca-se na
atualidade novas concepções de punição, ou na verdade, um mero resgate da
essência do princípio democrático referido. “Não se pode atribuir às disciplinas
penais a responsabilidade exclusiva de conseguir a completa ressocialização do
delinqüente”17, de modo que a criminalização das condutas só ocorram quando os
outros meios de controle social (família, igreja, escola etc) se demonstrarem
insuficientes ou não recomendados.
O Princípio da intervenção mínima consubstancia verdadeira limitação ao
Estado de interferência na vida do individuo, de modo que o Estado só poderá
tipificar determinada conduta quando esta se mostrar agressiva a determinado bem
jurídico. Existindo outros meios de interferência, deve-se optar por eles. Na lição de
Bitencourt:
O princípio de legalidade impõem limites ao arbítrio judicial, mas não
impede que o Estado – observada a reserva legal – crie tipos penais
inóquos e comine sanções cruéis e degradantes. Por isso, impõe-se
a necessidade de limitar ou, se possível, eliminar o arbítrio do
legislador.18
E nesse contexto que surge o garantismo, uma doutrina racional e fechada
que, embora mais ampla, é convergente com o direito penal mínimo. O seu marco
teórico é Luigi Ferrajoli, que construiu a teoria como meio de “reação à crise de
legitimidade e inefetividade do sistema penal dentro do Estado Democrático de
17
18
BITENCOURT, 1997, p. 35.
Ibidem, p. 39.
24
direito.”19 Esta doutrina comporta três significados: um de modelo normativo de
direito, outro de uma teoria jurídica de validade e eficácia das normas e, por fim, uma
filosofia política que impõe ao Estado e ao direito a justificação da finalidade de seus
atos dentro dos interesses gerais. 20
O que se propõem é um regime de estrita legalidade onde o Estado só
interfira, ou seja, só culmine pena quando presentes os dez axiomas jurídicos21
derivados do humanismo e do iluminismo que foram sistematizados pelo próprio
Ferrajoli. Na verdade o sistema garantista visa sempre a maior correspondência
possível entre a normatividade e efetividade.
As decepções com o sistema privativo de liberdade, que no início do século
XIX era considerado como meio mais adequado de reforma do delinqüente, forçaram
uma nova avaliação com um enfoque completamente diferente da adotada pela
escola clássica. Ao invés da aplicação de penas com rigor e caráter retributivo,
passou a ser “indispensável que se encontrem novas penas compatíveis com os
novos tempos, mas tão aptas a exercer suas funções quanto as antigas, que, se na
época, não foram injustas, hoje o são”22.
As novas propostas centram-se no aperfeiçoamento das penas privativas,
bem como na sua substituição (quando possível). Em que pese todo o esforço
acadêmico e doutrinário em desenvolver mecanismos que propiciem uma fórmula
mais adequada de tratamento para com o delinqüente “todas as reformas de nossos
dias deixam patente o descrédito na grande esperança depositada na pena de
prisão, como forma quase que exclusiva de controle social formalizado.”23
Adel El Tasse24 faz uma consideração importante lembrando que na
atualidade, referem-se à prevenção como finalidade primordial da pena, sendo
abandonado o impulso repressor exagerado, contudo ainda há retribuição na
19
SICA, 2002.
SILVA JÚNIOR, Azor Lopes da. Evolução legislativa no campo de atuação dos Juizados Especiais
Criminais: uma retrospectiva analítica dos 11 anos de vigência da Lei 9.099/95.Revista dos
Tribunais. Ano 96, vol. 856, fev. 2007, p. 455-469.
21
A1 Nulla poena sine crimine; A2 Nullum crimen sine lege; A3 Nulla lex (poenalis) sine necessitate;
A4 Nulla necessitas sine iniuria ; A5 Nulla iniuria sine actione; A6 Nulla actione sine culpa; A7 Nulla
culpa sine judicio; A8 Nullum iudicium sine accusatione; A9 Nulla acusatio sine probatione; A10 Nulla
probatio sine defensione.
22
Ibidem, p. 22.
23
Ibidem.
24
TASSE, 2004.
20
25
aplicação da pena, quer por representar a pena privação de direitos que são caros
ao indivíduo, quer porque a sociedade não aceita o abandono completo do aspecto
de repressão na imposição das conseqüências jurídicas ao delito. Entretanto, sua
grande justificativa é a ressocialização do indivíduo ou reinserção, como preferem
alguns doutrinadores.
Maria Lúcia Karam25 fomenta uma dura crítica aos Juizados Especiais
Criminais, os caracterizando como forma de “poder antecipado de punir”. Sua
análise ideológica bastante completa é terreno fértil para uma grande arena de
debates. Ao falar das origens da pena privativa de liberdade explica com base na
filosofia capitalista a razão da preferência pelo uso das medidas privativas de
liberdade. Segundo a autora, os avanços dos meios de comunicação, permitem que
as pessoas percebam mais os riscos, sejam nas relações produtivas, sejam nas
relações sociais, o que torna a vida em sociedade assustadora.
Além disso, a lógica individualista, imediatista e egoísta do mundo
capitalista, a ausência de solidariedade e de valores mais humanos que
econômicos, fazem com que as pessoas apresentem uma sensação absurda de
insegurança e medo. Completa, ainda, dizendo que a incapacidade socialista de
viabilizar suas idéias, a inexistência de regeneração de novas filosofias utópicas
emancipadoras conjugadas com a sensação de inexistência de contradições nos
discursos de esquerda e direita (que cada vez mais se aproximam), geram a
afirmação das forças ideológicas que primam pela autoridade e ordem,
desencadeando uma maior tendência à reação punitiva como solução para o
problema da segurança. Todos estes fatores fortalecem a intervenção e a restrição
da liberdade individual por meio da manipulação estatal.
Esta última vertente do raciocínio explanado é o que vem se chamando na
atualidade de “direito penal de emergência”, que nada mais é do que o inchaço
normativo regido pelas supostas necessidades sociais de busca por implantação de
penas rígidas. O objetivo destas medidas é o de servir como meio de resposta aos
problemas da delinqüência, que na verdade são de ordem social.
25
KARAM, Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais: a concretização antecipada do poder de
punir. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004.
26
Segundo Bittencourt26 “a década de 90 foi uma década perdida jurídicopenalmente”, pois a busca da criminalização maciça e do aumento das penas
fomentado pela mídia e pelo poder político, tal qual a Lei de Crimes Hediondos,
conduzem a violação das garantias fundamentais e fazem com que as pessoas
ignorantes e humildes acreditem que o aumento das penas diminui a criminalidade,
o que não é verdade.
Alberto Silva Franco27 citando David Garland lembra que a ação repressiva
“dá a ilusão de que ‘se está em vias de fazer alguma coisa’ aqui, agora, rápida e
bem feita”, uma vez que “o castigo é um ato demonstrativo do poder soberano” que
“visa suscitar um amplo suporte popular [...].”Elena Larrauri28, por sua vez, fala sobre
a figura do “populismo punitivo”, onde prevalecem soluções simplistas, mas com
repercussão positiva na opinião pública.
Para Karam com o modelo de produção capitalista, o tempo gasto na
produção, passou a ser um elemento de riqueza. A liberdade passou a ser
mensurada por meio de um valor econômico, e a conseqüente transformação dos
bens em mercadorias, atribuiu a esta um preço, qual seja: o tempo de sua privação.
O crime passa a ter a pena privativa como contraprestação, que é medida com base
na dimensão da lesão ao bem juridicamente protegido.
1.3.3 – Legislação Brasileira
Embora as primeiras tentativas de mudar de fato o sistema penal brasileiro
tenham ocorrido por incitativa de Nelson Hungria em 1961, a ditadura militar acabou
por atrasar as reformas, de modo que apenas em 1977 e que se deu iniciou a
chamada “humanização” do Código com a Lei 6.416/77, que inaugurou o sistema
26
BITENCOURT, 2001.
KARAM, 2004, p. 16.
28
INSTITUTO LATINO AMERICANO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA PREVENÇÃO DO DELITO E
TRATAMENTO DO DELINQÜENTE –ILANUD, (BRASIL). Levantamento Nacional sobre execução
de penas alternativas: Relatório Final de pesquisa, 2006. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/data/ Pages/MJ47E6462CITEM IDF2A839578ED546609E22E2060BA1D7A0
PTBR IE.htm> Acesso em: 30 ago. 2007.
27
27
progressivo com os regimes fechado, semi-aberto e aberto, bem como com a inseriu
a figura do sursis no ordenamento.
Só na reforma de 1984 é que vieram as primeiras alternativas penais,
surgiram: a multa substitutiva para penas de até seis meses (art. 60, § 2º, CP); a
pena restritiva de direitos para penas inferiores a um ano ou para crimes culposos
(art. 44, I); a suspensão condicional da pena para crimes de até dois anos (art. 77); o
regime aberto inicial para penas de até quatro anos (art. 33, §2º, c); “regime aberto”
como terceira fase possível no comprimento da pena de prisão; e o “livramento
condicional”, para apenados a partir de dois anos com cumprimento de apenas um
terço – para não reincidentes – e metade – para reincidentes (art. 83).
1.3.4 – Plano internacional: As regras de Tóquio
Em razão do processo de globalização, as regras internacionais encontram
cada vez mais espaço nos ordenamentos locais. Já em 1955 se pensava na ONU
em meios de buscar convergência das legislações em torno da não aplicação das
privativas de liberdade, oportunidade em que foram editadas “As Regras Mínimas
para Tratamento dos Presos”, posteriormente em 1966 foi firmado “O Pacto
Internacional dos Direitos Políticos e Civis”. Durante o ano de 1986 houve um estudo
na ONU, visando a implantação de medidas “despenalizadoras” em todo o mundo.
Com a observância do aumento da criminalidade e da crise mundial com o sistema
prisional foram elaboradas, por meio da Resolução nº 45/110 de 14 de dezembro de
1990, “As Regras de Tóquio” ou “Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as
Medidas Não-Privativas de Liberdade”.
A base do documento enuncia uma série de princípios básicos, visando as
medidas não privativas de liberdade, tais como: a restrição de direitos, a indenização
da vítima e a composição do dano causado, bem como garantias mínimas para os
apenados com medidas privativas de liberdade. Na verdade o diploma constitui uma
série de métodos e passos a serem seguidos pelos Estados que desejam instaurar,
de modo eficaz e permanente, sistemas penais que optem pelas penas nãoprivativas de liberdade como solução contra a delinqüência.
28
CAPÍTULO 2
OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
2.1 - Breve Histórico:
A norma constitucional imprimiu o reflexo das tendências mundiais do
moderno direito penal, visando a efetivação fática da aplicação da norma penal. A
idéia de que o Estado possa e deva perseguir penalmente, sem exceção, toda e
qualquer
infração,
sem
admitir-se,
em
hipótese
alguma,
certa
dose
de
discricionariedade ou disponibilidade de ação penal pública, mostrou, com toda
evidência, sua falácia e hipocrisia.29
Conforme relatos doutrinários e a própria exposição de motivos da Lei
9.099/95, o que ocorria era uma seleção informal conduzida pelos órgãos de
persecução penal, que não instauravam inquérito policial para determinadas ações
públicas, além disso, o próprio judiciário, bem como o Ministério Público deixavam o
feito ser maculado pelo decurso do lapso prescricional.
O modelo de justiça conciliatória já vinha se erguendo em todo mundo,
países como a Itália, Portugal e Estados Unidos já haviam disciplinado a matéria,
entretanto, o sistema processual penal brasileiro que sempre foi norteado pelos
princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal pública, fez com
que o legislador optasse por um modelo que não seguisse os ordenamentos que
primavam pelo princípio da oportunidade da ação penal, tal qual ocorre em outros
países, como exemplo: o plea bargaining. Em obediência aos princípios clássicos do
processo penal pátrio e de conformidade com as tendências modernas, optou-se
pelo uso do Princípio da discricionariedade moderada ou regrada.
Ante o novo paradigma penal, o legislador constituinte esculpiu no artigo 98,
caput:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados
criarão:
29
Anteprojeto de Lei para conciliação, julgamento e execução das infrações penais de menor
potencial ofensivo, apresentado à Câmara dos Deputados como Projeto Lei 1.480/89, pelo Deputado
Michel Temer.
29
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e
leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução
de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de
menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e
sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação
e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;30
Então surge a preocupação pátria em buscar um diploma legislativo que
regulamentasse a norma constitucional. Foram iniciados os estudos para
desenvolvimento do projeto da Lei 9.099/95, inspirado no Anteprojeto do professor
José Frederico Marques, inicialmente apresentado em 1970 ao ministro da justiça
Ibrahim Abi-Ackel.
O Anteprojeto do professor Frederico Marques prévia um procedimento
sumaríssimo para o processamento das infrações de menor potencialidade lesiva. O
capítulo referente ao Ministério Público dispunha sobre a possibilidade de uma
espécie de transação, onde o parquet poderia propor a substituição da pena de
prisão simples ou detenção, quando o acusado se dispusesse a pagar multa, sendo
extinta a punibilidade por perempção (art. 84, § 3º ao 5º).
O grupo responsável pela elaboração do projeto também analisou o
Substitutivo do Projeto de CPP que visava reformar o Código de 1940. O artigo 207,
inciso II, do referido substitutivo permitia a extinção do processo, sem mérito, quando
o acusado primário, aceitasse em sua resposta o pagamento de multa fixada pelo
juiz.
Destarte, movido pelo sucesso dos Juizados de pequenas causas criados
pela Lei 7.244/84, pelos estudos dos projetos normativos locais e inspirado pelo
direito comparado, sem, contudo, deixar de atentar-se a realidade nacional e as
próprias aspirações populares, surgiu a Lei 9.099/95.
Para regulamentar a matéria, fazia-se necessário uma lei federal em razão
da competência privativa da União para legislar sobre matéria penal, conforme
estabelece o artigo 22, inciso II, da Constituição Federal. Além disso, também é de
competência privativa da União às normas inerentes à matéria processual (art. 22, I,
CF), sendo de competência concorrente apenas as normas procedimentais (art. 24,
30
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1988.
30
XI, CF), que deveriam ser editadas após a promulgação da lei federal, oportunidade
em que os Estados poderiam, em razão de competência constitucional, criar
Juizados Especiais fazendo uso de normas de organização judiciária, bem como
suplementar a lei federal, conforme as necessidades locais. Destarte, caberia a
União editar normas matérias e normas gerais procedimentais.
Alguns Estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraíba, saíram
na vanguarda e criaram os Juizados Especiais Criminais por meio de leis estaduais,
entretanto, tiveram os diplomas legais considerados inconstitucionais pelo Supremo
Tribunal Federal por meio do HC 71713-PB, entendendo que era necessária norma
federal que ditasse elementos gerais.
O anteprojeto que resultou na promulgação da Lei 9.099/95 foi oferecido
inicialmente pelos juízes paulistas Pedro Luzi Ricardo Gagliardi e Marco Antônio
Marques da Silva à Associação Paulista de Magistrados, após a promulgação do
texto constitucional de 1988, o projeto foi submetido a um grupo designado pelo
Presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Juiz Manoel Veiga de
Carvalho.
Depois de reuniões e alterações, o anteprojeto foi discutido na Secional da
Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, passando por aprimoramentos
sugeridos por magistrados, advogados, delegados de polícias, docentes e
interessados.O trabalho foi transformado no Projeto de lei 1.480/89 e apresentado
pelo Deputado Michel Temer.
Outros projetos com o mesmo objeto já circulavam na Câmara dos
Deputados, dentre eles, um de autoria de Nelson Jobim que discorria sobre Juizados
Especiais Cíveis e Criminais. Posteriormente, o Projeto Nelson Jobim foi o escolhido
para regulamentar os Juizados Especiais Cíveis e o Projeto Michel Temer
selecionado para os Juizados Especiais Criminais.
Aprovado na Câmara o projeto foi submetido ao Senado, onde foi alterado e,
portanto, submetido novamente a aprovação da Câmara do Deputados, que
manteve o projeto inicialmente apresentado.
31
2.2 - As Alternativas Penais no Direito Comparado
2.2.1 - O Instituto do Plea Bargaining Norte-Americano
Os norte-americanos desenvolveram o instituto do plea bargaining, que
consiste em um acordo realizado entre acusação e defesa acerca da pena e da
própria imputação, onde o réu pode se conformar com a acusação, renunciando ao
exercício das garantias do devido processo legal. Na verdade consubstancia uma
transação onde se propõem ao réu que em troca de sua confissão, a pena cominada
será diversa da prevista legalmente, na verdade aplica-se uma pena que o
ordenamento atribui a um crime mais leve. Além disto, ainda é possível reduzir o
número de figuras típicas imputadas.
Nos Estados Unidos o direito penal é regido pelo princípio da oportunidade
da ação penal, ao contrário do Brasil, o promotor americano pode usar de
discricionariedade para intentar ou não denúncia.
Segundo aponta Marco Antônio Marques da Silva31 80 a 95% dos crimes nos
Estados Unidos são solucionados com a barganha penal, embora só em 85% dos
casos fosse adequada de fato a sua aplicação.
Neste instituto o Ministério Público limita a atividade do magistrado a uma
tarefa meramente homologatória, por este e por outros motivos plea bargaining
muda os passos clássicos do processo, flexibilizando alguns princípios. Vários
críticos norte-americanos debatem a questão da desigualdade entre as partes
envolvidas, tal qual ocorre no Brasil em referência à transação penal, por exemplo.
As críticas alienígenas giram em torno do fato do Ministério Público ter a sua
disposição a escolha do tipo penal que será aplicado, além do mais, aqueles que
rejeitam o acordo na maioria dos casos são apenados com reprimendas bastante
rigorosas.
31
SILVA, 1997.
32
Outra crítica está no fato de que inocentes podem ser condenados em razão
da presunção do leading guilty e os criminosos de longa data podem ser
beneficiados.
A alegação de culpa deve ser realizada perante o juiz do Tribunal e antes
mesmo que o juiz aceite a confissão, procede-se a um interrogatório para aferir se a
parte tem conhecimento de que não é obrigada a aceitar o acordo, podendo insistir
na sua inocência. Se o juiz não se convencer com as respostas, poderá negar
acordo ou transação.
No Brasil, a doutrina cita o instituto da delação premiada como precursor da
barganha no direito pátrio, embora sua finalidade não tenha sido exclusivamente
empregada para premiar o delator, mas sim facilitar a elucidação dos fatos.
No que tange as vantagens, os que defendem o instituto remetem a
economia processual e a celeridade.
2.2.2 - Remissione della querela (antigo Patteggiamento) do Direito
Italiano
O modelo italiano criado pela Lei 689, de 14 de novembro de 1981, chamado
de “Modificações ao sistema penal. Descriminalização”, a partir do artigo 77 cuidava
de algumas medidas alternativas à prisão, era o chamado patteggiamento (acordo
entre as partes). O referido diploma permitia que diante da possibilidade de
aplicação de medida alternativa, poderia o acusado elaborar pedido dirigido ao juiz,
que após parecer favorável do Ministério Público, aplicaria a sanção, declarando
extinta a infração penal, com registro meramente judicial para impedir concessão de
novo benefício.
O Código de Processo Penal italiano (Codice de Procedura) manteve e
ampliou o instituto da Lei 689/81, o atual artigo 444 prevê a possibilidade de
aplicação do benefício para os crimes apenados com pena detentiva de até dois
anos. O acordo não constará no registro de certidões e não impede a concessão de
sursis sucessivo, além disso, há possibilidade de conciliação nos casos de ações
penais condicionadas a representação.
33
2.2.3 - Procedimento Sumaríssimo Português
O Código de Processo Penal Português permite desde 1987 em seus arts.
392 e seg. a substituição de pena de multa ou imposição de medida alternativa para
crimes com culminação de prisão não superior a seis meses, desde que o Ministério
Público, requeira junto ao Tribunal a conversão. O parquet também é parte legítima
a pedir indenização civil e a homologação judicial da proposta tem os efeitos de uma
condenação.
2.3 - Considerações sobre alguns Princípios Processuais Penais
No dizer de Miguel Reale os princípios são “verdades fundantes” de um
sistema de conhecimento dentre outras causas por motivos de caráter operacional,
isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.32
No campo específico do processo penal podemos conceituá-los como diretrizes
fundamentais da política processual penal de determinado Estado.
Os princípios são a expressão de uma sociedade de determinada época,
traduzem a cultura, política e moral de determinada civilização. Conforme a lição de
Tourinho Filho, “causaria espanto afirmar em 1942 que a única prisão provisória que
se justifica é a preventiva, assim mesmo, para preservar a instrução criminal e
assegurar a aplicação da lei penal.”33
É importante proceder ao resgate de alguns princípios processuais penais,
sobretudo os expressos na Constituição Federal, para que possamos proceder a
uma leitura mais apurada da Lei 9.099/95, também visando tornar fértil o diálogo em
torno da mitigação ou flexibilização de alguns princípios dentro do procedimento.
32
REALE, Miguel, Lições preliminares de direito. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 305.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal, 5 ed. rev., atual. e aum. São
Paulo, Saraiva, 2003, p. 16.
33
34
a) Princípio da Verdade Real
No Processo Penal todos os atos investigativos visam esclarecer a verdade
material, ou seja, a realidade dos fatos, o império da verdade, só a título de exceção
é que pode o juiz penal, tomar mão da verdade formal, quando impossível aferir de
todo a realidade.
Segundo Tourinho Filho, quando falamos em verdade real, não se pretende
chegar a “verdade verdadeira”, mas a verdade em sua essência, conferindo ao juiz
penal poderes para colecionar dados que dentro de uma análise histórico-crítica, a
possibilidade de restaurar os acontecimentos que envolveram o crime.34
Há doutrinadores que preferem atribuir o termo “verdade processual”, pois o
conjunto de elementos, postos à disposição do magistrado para reconstrução
histórica do objeto do processo, pode conduzi-lo a uma “falsa verdade real”.
b) Princípio do due process of law:
O princípio estabelecido no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal e
consagrado em todo o mundo, nos remete a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, que assegura a todo o acusado o direito de ser presumido inocente até que
seja provada sua culpa nos termos da lei, com julgamento público no qual restem
asseguradas todas as ferramentas de defesa possíveis.
Em verdade, a garantia do devido processo legal tem dupla objetividade,
atuando tanto para garantir materialmente a liberdade do indivíduo, quanto para
garantir formalmente a paridade de armas com o Estado-persecutor e a plenitude de
defesa. Compreendendo plenitude de defesa como o emprego de todos os meios
lícitos hábeis a ensejar uma boa defesa.
O devido processo legal tem como corolário os princípios do juiz natural,
contraditório e ampla defesa, pois todos estes elementos são fatores que conciliados
34
TOURINHO FILHO, 2003.
35
conduzem a um sistema jurídico capaz de oferecer a qualquer cidadão vias seguras
para solução dos litígios em geral.
Em verdade o devido processo legal consubstancia-se no direito à regular
administração da justiça, ou melhor, em um garantia contra a ação tirana do Estado,
conforme ensina Marco Antônio Marques da Silva35.
O princípio do devido processo legal estabelece a todos os cidadãos a
garantia do acesso às garantias normativas que assegurem o direito ao exercício
das faculdades e poderes de ordem processual de modo a colocar o cidadão em pé
de igualdade com o Estado, que por sua vez, possui a sua disposição todo um
aparato administrativo que poderia massacrar o acusado, sem lhe dar qualquer
chance de defesa.
Infere-se que as garantias do devido processo legal são as garantias da
própria jurisdição, não apenas das partes, mas sim, em prol da qualidade da
prestação jurisdicional. 36
b) Princípio do contraditório
Este princípio confere a qualquer pessoa a possibilidade de pronunciar-se
sempre que lhe for atribuída acusação, sendo-lhe assegurado que não existirá
decisão sem que sejam expostas as razões da outra parte diante determinado
pedido ou argumento.
O que se busca é a paridade de armas para se chegar a tão buscada
verdade real do processo penal. Podemos afirmar que o contraditório se confunde
com a ampla defesa, sendo na verdade a sua forma de materialização, e por via de
conseqüência, integrante do devido processo legal, com já dito.
O processo deve ser desenvolvido com todas as forças possíveis rumo a
busca e revelação da verdade de modo eqüitativo, de sorte que nenhuma das partes
venha se sentir desprestigiada. É todo este conjunto de fatores que circunvizinham o
35
36
SILVA, 1997.
Ibidem.
36
processo que nos permitem afirmar que o Estado não prima apenas pela imposição
de garantias formais, mas também atua de modo a garantir efetivamente a tutela
jurisdicional. O contraditório é a própria dialética do processo, ou seja, engloba o
conjunto de contradições oriundas das constantes afirmações e negações no
decurso do processo que, ao final, serão superadas por meio da atividade
sintetizadora pelo magistrado. 37
d) Princípio da Ampla defesa
A ampla defesa garante ao réu trazer todos os elementos que visem
esclarecer a verdade processual, ou ainda, admite a possibilidade de omitir-se ou
calar-se diante de determinada situação.
Pode-se dizer que a ampla defesa só está verdadeiramente assegurada
quando as verdades do réu e do autor possuírem igual capacidade de convencer o
magistrado.38
Importante compreender que a ampla defesa não é, nem pode ser, aquela
que satisfaz os anseios do réu, mas sim aquela que satisfaz ao magistrado. Tal
afirmação pode ser consubstanciada na seguinte hipótese: o réu por ato de
liberdade escolhe determinado advogado para conduzir sua defesa, entretanto, o
advogado protocola peças equivocadas, não apresenta argumentos condizentes
com o processo etc, o juiz ao constatar a ausência de técnica do advogado, pode
anular o feito ou destituir o advogado, nomeando outro defensor, tudo com fulcro na
garantia da ampla defesa e do contraditório.
37
38
SILVA, 1997, p. 49.
Ibidem.
37
e) Princípio da Presunção de Inocência
Como derivativo do devido processo legal, o princípio tem base no Estado
Democrático de Direito, emergindo como garantia processual referente à tutela da
liberdade pessoal na tentativa de impedir o arbítrio do Estado.
Segundo este princípio o acusado é considerado inocente até que exista
uma sentença penal condenatória. Durante o inquérito, na instauração da ação
penal, o que existe é uma presunção de culpabilidade que apenas põe em dúvida a
inocência, mas que pode justificar o acautelamento por meio de algumas medidas,
por exemplo, prisão provisória.
f) Princípio da Legalidade
A também chamada reserva legal, embasa todo nosso ordenamento jurídico.
O princípio está inserido no artigo 5º, inciso XXXIX, e determina que “Não haverá
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” e
constitui uma limitação das mais efetivas ao ius puniendi estatal.
Segundo este princípio a criação de “normas incriminadoras é função
exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena
criminal pode ser aplicada sem que antes da sua ocorrência exista uma lei definindoo como crime e cominando-lhe a sanção correspondente”.39
O princípio se desdobra em três aspectos: a anterioridade da lei, a reserva
legal e a taxatividade.
39
BITENCOURT, 1997, p. 39.
38
2.3.1 - Mitigação dos Princípios Processos Penais na Lei 9.099/95:
Suscitadas Inconstitucionalidades
Podemos proceder a algumas considerações acerca de determinados
princípios processuais no que tange a sua flexibilização na esfera do JECRIM e até
mesmo quanto a argüições inconstitucionalidade.
No que diz respeito ao princípio da verdade real, há uma flexibilização, pois
no JECRIM reina a verdade consensuada e esta é uma das grandes inovações da
Lei.
Quanto à ação penal pública, a lei que criou os Juizados Especiais criminais
flexibilizou o princípio da obrigatoriedade, ao permitir a aplicação do princípio da
oportunidade ou também chamada discricionariedade regrada, o que possibilita uma
seleção de casos de menor potencialidade ofensiva ou a aplicação de penas não
privativas de liberdade.
Muitas são as críticas alegando que o JECRIM não respeita a garantia do
devido processo legal, sobretudo, quanto à aplicação da transação penal.
Entretanto, Bitencourt40 esclarece dizendo que a transação penal decorre da
autonomia de vontade, e é produto do exercício da ampla defesa que
estrategicamente, pode preferir transigir ao invés de assumir o risco e o desgaste de
um processo alongado[...]”41. Do mesmo modo explica que a simples aquisciência do
autor do fato, livre e assistida por seu defensor, na audiência preliminar, que
consubstancia o devido processo legal, é suficiente para destruir a presunção de
inocência. Além disso, a pessoa que considerar-se inocente poderá aguardar a
oportunidade da audiência de instrução, onde poderá erguer toda sua base
probatória, o que também evidência o princípio do devido processo legal.
Tanto a transação penal, quanto a suspensão condicional do processo são
frutos da busca de um novo paradigma de resolução consensual dos conflitos,
sempre preservando a primariedade e a inaplicabilidade de privação de liberdade.
Maria Lúcia Karam42 chega a chamar a transação penal de “negociação
enganosa” e de “forma antecipada de punir”. Por outra via, a quem considere que
40
BITENCOURT, 1997.
BITENCOURT, 1997.
42
KARAM, 2004.
41
39
“Chega às raias do patológico procurar inconstitucionalidades com a utilização de
lupa, atingindo seu auge quando se afirma inconstitucional o cumprimento regular de
um mandamento constitucional”43, referindo-se aqui ao instituto da transação penal,
inserto no próprio texto constitucional, art. 98, inc. I.
Existem sugestões na doutrina44, que não podemos deixar de considerar no
mínimo interessante, que remetem a possibilidade de transação penal só após a
Denúncia, como meio de não violar o princípio do devido processo legal, posto que
para que se de início a ação penal seria necessária a análise de alguns requisitos
dispensáveis para oferecimento da transação. Os que sugerem esta mudança no art.
76 da Lei 9.099/95 primam pela prevalência dos princípios orientadores dos
Juizados no procedimento, onde a inocência poderia ser provada de modo célere
em
um
momento
designado
após
o
oferecimento
da
denúncia.
2.4 - Persecução Penal e Ação Penal Pública
O jus puniendi é a constatação mais simbólica da soberania estatal.
Buscando meios de zelar pelo controle social, garantindo a manutenção da paz e da
ordem, quando alguém age de modo a prejudicar os bens juridicamente protegidos
e, portanto, pratica uma infração penal, somente o Estado pode punir o individuo
delinqüente.
No direito brasileiro ao contrário do que ocorre em países como a França,
Itália e México, a ação pública não é sempre a regra, nos termos do art. 100 do CP,
ação penal só não será pública quando a lei expressamente disser. A ação será
pública e, por via de conseqüência promovida pelo Ministério Público, quando
interessar ao Estado a tutela de determinado bem, caso contrário à ação será
privada.
Senão vejamos, existem determinados crimes que exploram a intimidade
das pessoas de modo tão intenso e desconfortante que ao Estado não interessaria
43
BITENCOURT, 2003, p. 128.
CAMPOS, Alinaldo Guedes. Natureza jurídica da transação penal no Juizado Especial Criminal.
Direito Net, 2005. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/20/62/2062/>. Acesso em 28
ago. 2007.
44
40
ver a vida do cidadão devastada em juízo, pois a condução do processo poderia
demonstrar-se muito mais penosa ao autor do ao que ao réu com a culminação de
uma pena. Razão pela qual o Estado põe nas mãos da parte ofendida a opção por
sujeitar a apreciação judicial análise do crime, exemplo clássico é o do crime de
estupro.45
Partindo da sua classificação subjetiva, a qual leva em conta o sujeito que
lhe promove, temos: a ação penal pública Incondicionada; a ação penal pública
Condicionada; a ação penal privada; e a ação penal popular. Cuidaremos das três
primeiras figuras:
a) Ação Penal Pública Plena (pública incondicionada) – é aquela
promovida pelo Ministério Público sem necessidade de qualquer ato volitivo da
vítima, sendo, ainda, indiferente a sua vontade. Podemos exemplificar com o crime
de lesão corporal grave;
São Princípios da ação penal pública incondicionada: a oficialidade, a
indisponibilidade,
a
legalidade
ou
obrigatoriedade,
a
indivisibilidade
e
a
intrascedência.
Segundo a Oficialidade só o Estado é titular do direito de punir. O
cometimento de uma infração penal já faz surgir a pretensão punitiva do Estado, que
nada mais é do que a materialização do direito abstrato. No direito pátrio a apuração
criminal é procedida pela polícia, nos termos dos artigos 144 da CF e 4º do Código
de Processo Penal. Embora, o Estado seja o titular da ação penal, por não poder
estar em juízo encarregou-se de criar um órgão oficial, qual seja, o Ministério
Público, para desenvolver esta função nos termos do art. 129, inciso I, da CF.46
No que refere-se a Indisponibilidade, temos que o parquet é apenas
encarregado de desenvolver uma missão conferida pelo Estado, portanto, não pode
dispor da ação. Entretanto, não há nenhum óbice que inviabilize o órgão ministerial
de flexibilizar este princípio.
45
Ressalva-se o disposto no artigo 225 do CP e § § seguintes.
Observa-se que a única ressalva a legitimidade do parquet é a referente às ações privadas, onde o
titular é o próprio ofendido ou se representante legal, salvo disposto em algumas figuras penais.
46
41
Quanto a Legalidade ou Obrigatoriedade, podemos dizer que no direito
brasileiro perdura a obrigação do parquet de promover a ação penal, conduta
embasada na máxima nec delicta maneant impunita (os delitos não podem ficar
impunes).
Como já citado neste trabalho, existem países que optam pelo modelo da
oportunidade, fundados no princípio do minima non curat praetor (o Estado não se
preocupa com as coisas pequenas).
É esta doutrina da intervenção mínima que conduziu várias nações à
aplicação de medidas alternativas. Tourinho (2003) sugere que nos casos em que
ocorrerem infrações de bagatela, ou seja, crimes mais insignificantes dos que os de
menor potencial ofensivo, seja dada absolvição ou procedido o arquivamento do
feito.
A Indivisibilidade assegura que a ação penal pública é indivisível, ou seja,
abrangerá todos os que cometeram a infração, o membro do Ministério Público não
pode escolher contra qual dos autores irá ofertar a denúncia.
A Intranscendência garante que a ação penal será proposta apenas contra a
pessoa a quem se imputa a conduta criminosa, não podendo passar desta pessoa e
se estender a terceiros.
b) Ação Penal Pública Condicionada – é aquela em que é exigida a
manifestação de vontade da vítima como condição de procedibilidade para
prosseguimento da ação penal.
São princípios da ação penal Pública Condicionada: a oficialidade, a
indisponibilidade e a legalidade ou obrigatoriedade.
O exercício da ação também é do Ministério Público, entretanto, é
condicionada a representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça
como condição de procedibilidade.
A ação pública condicionada existe em razão do fato de que ela afeta
imediatamente o interesse particular e mediatamente o interesse público. Além do
mais, a doutrina também afirma que em alguns casos a vítima é essencial para
42
colheita de provas, bem como a conveniência política de evitar o aumento da
hostilidade entre particulares.
Poucas são as ações condicionadas a representação, a Lei 9.099/95, no art.
88, elegeu a lesão corporal leve e a culposa a esta categoria.
Nos termos do artigo 25 do CPP, a representação pode ser retratada antes
do oferecimento da denúncia, impedindo a existência de uma ação penal. O
parágrafo único do artigo 74 da 9.099/95, também permite que a composição de
danos seja causa extintiva da punibilidade.
c) Ação Penal Privada - A diferença entre ação penal pública e privada
está na legitimidade para agir, que é de titularidade do ofendido.
Como lembra Tourinho47 o Estado concede ao ofendido ou seu
representante legal o jus persequendi in judicio, mas o direito de punir continua
pertencendo ao Estado. Importante fazer esta ressalva em função de algumas
criticas no que tange aos Juizados Especiais Criminais, principalmente no que se
refere a questão da transação penal para ações privadas.
A ação privada é regida por quatro princípios: o da oportunidade, o da
disponibilidade, da indivisibilidade e da intranscedência que se igualam em
substância às explicações referentes à ação pública. A ação penal privada divide-se
em:
•
Ação penal exclusivamente Privada: aquela cujo exercício pertence o
ofendido ou seu representante legal;
•
Ação penal privada subsidiária da pública: aquela intentada nas ações
públicas quando o Ministério Público não oferece denúncia no prazo
legal (art. 29, CPP);
•
Ação penal privada personalíssima: aquela que compete apenas ao
ofendido, não pode ser exercida por terceiros.
47
TOURINHO FILHO, 2003.
43
2.5 - Princípios Orientadores dos Juizados Especiais Criminais
Esta légua de transformações exige alguns pressupostos que lhe confiram
base teórica, razão pela qual passaremos a nos dedicar aos princípios basilares
usados para atingir as finalidades propostas pelo legislador.
O artigo 2º da Lei 9.099/95 cuidou de definir os princípios orientadores do
procedimento nos Juizados tanto criminais, quanto cíveis, estabelecendo que o
Juizados de orientariam pela Oralidade, Simplicidade, informalidade, economia
processual e celeridade.
A Oralidade objetiva dar maior celeridade no processamento dos crimes
sujeitos ao procedimento. Deste princípio decorrem outros, tais como: a
concentração dos atos processuais na audiência preliminar, da identidade física do
juiz e do imediatismo.
A Simplicidade busca redução da burocracia clássica existente em nossos
Tribunais, reduz os procedimentos, sem ferir a atividade jurisdicional.
A Informalidade é derivada do princípio da instrumentalidade das formas,
segundo o qual devem ser retiradas as solenidades inúteis e o excessivo rigor formal
do processo.
No que tange a Economia Processual deve-se sempre diante das várias
alternativas, primar por aquela mais econômica para o Estado ou para as partes,
buscando a mínima utilização das atividades procedimentais. Como anota
Bitencourt, a lei 9.099/95 reconhece a validade dos atos processuais “sempre que
preencherem as finalidades as quais foram realizados” 48, e condiciona a declaração
de nulidade à ocorrência de prejuízo para uma das partes (art. 65 e §1º ).
Quanto à Celeridade é princípio decorrente do próprio anseio popular de
agilidade as decisões judiciais.
48
BITENCOURT, Cezar Roberto, Juizados Especiais Federais: análise comparativa das Leis
90.99/95 e 10.259/2001, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 79.
44
2.6 - Procedimento nos Juizados Especiais Criminais
Várias foram às inovações promovidas pela Lei 9.099/95, que rompeu com o
nosso modelo de processual penal anterior, criando um sistema de justiça
consensual muito mais avançado, o poder público optou por uma política de
despenalização (que não deve ser confundida com descriminalização) ímpar no
mundo.
Buscou-se uma maior valorização da vítima, conduta observada pela criação
dos institutos da transação civil e da reparação de danos. Optou-se pela aplicação
das medidas não privativas de liberdade. Surgiu a chamada conformidade
processual, onde o aqui chamado autor do fato opta por não correr o risco de ser
processado, o que lhe garante a inexistência de um interrogatório criminal, bem
como a inexistências de uma estigmatização oriunda do processo penal.
Objetivando excluir das conseqüências jurídicas fatos que pudessem ser
reparados com o ressarcimento do dano, a criação dos Juizados tem grande função
social, sobretudo para evitar aplicação de penas e de castigos mais graves a
condutas de baixa lesividade jurídica, o novo procedimento surgiu para trazer
equilíbrio ao grande descompasso existente entre um número absurdo de
ocorrências criminais que englobavam condutas de menor potencial ofensivo e as
decisões judiciais que em função de uma dinâmica processual arcaica impedia
decisões mais céleres e compatíveis com os anseios sociais.49
A figura dos conciliadores como partes atuantes no processo, os institutos
da transação penal, da suspensão condicional do processo etc. não constituíram
apenas uma mera inovação, mas uma quebra de concepções antigas arraigadas na
mentalidade processual do país.
49
BITENCOURT, 1997.
45
2.6.1 - Competência em razão da matéria e do lugar
A competência é a limitação do poder jurisdicional, ou seja, o limite atribuído
ao magistrado de decidir. Nem todos os juízes podem julgar todos os feitos, razão
pela qual a lei de organização judiciária fixa os limites da jurisdição.
Nos termos do artigo 74 do Código de Processo Penal determinada a
competência ratione materiae, ou seja, em razão da natureza da infração, será
determinada pelas leis de organização judiciária dos Estados, salvo a competência
do exclusiva do Tribunal do júri para processamento dos crimes doloso contra a vida.
A lei 9.099/95 ao limitar a competência dos Juizados Criminais às infrações de
menor potencial ofensivo, também definiu a competência em razão da matéria,
consubstanciando a segunda exceção à regra do artigo 74 do CPP.50
A lei 9.099/95 fixou no artigo 60 e, posteriormente, a Lei 11.313 de 28 de
junho de 200651, alterou o texto sobre a competência dos Juizados Criminais, in
verbis:
Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados
e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução
das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de
conexão e continência.
Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o
tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e
continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da
52
composição dos danos civis."
50
Ibidem, p. 69.
Embora a própria Lei 10.259/2001 já tivesse estendido o conceito de crime de menor potencial
ofensivo, a Lei 11.313/2006 incluiu no texto da Lei 9.099/95 a expressão “não superior a 2 (dois)
anos”, bem como a menção a pena pecuniária, que mesmo antes da Lei 10.259/2001 já vinha sendo
recepcionada pelo entendimento dos Tribunais, na medida que por se tratar de pena menos rigorosa,
não poderia deixar de ser considerada de menor potencial ofensivo (KARAM, 2004).
52
BRASIL. Lei n.º 11.313 de 28 de junho de 2006. Altera os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de
setembro de 1995, e o art. 2o da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, pertinentes à competência
dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Estadual e da Justiça Federal. Diário Oficial
da República Federativa do Brasil, poder Executivo, Brasília, DF, 29 jun. 2006. Disponível em :
<http://www.Planalto.gov.br.> Acesso em 28 de ago. 2007.
51
46
Os Juizados têm “competência para a conciliação, o julgamento e a
execução das infrações penais de menor potencial ofensivo”, respeitadas as regras
de conexão e continência“, ou seja, definirão a competência53:
•
A natureza da infração, que deverá ser de menor potencial ofensivo;
•
A inexistência de circunstância que enseje a remessa da causa para o
juízo comum, exemplo: a não localização do acusado para citação e a
complexidade ou circunstâncias do caso;
•
A conexão ou continência com infração estranha a competência do
Juizado Criminal.
No que se refere ao conceito de infração penal de menor potencial ofensivo,
o novo diploma legal estabeleceu no artigo 61 que “Consideram-se infrações penais
de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os
crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou
não com multa. “
O art. 2º da Lei 10.259/2001 trouxe algumas discussões em função da
ampliação do conceito de infrações de menor potencial ofensivo, entretanto, o
Superior Tribunal de Justiça reconheceu o alcance geral da regra contida no referido
diploma legal, não existindo qualquer limitação de aplicação no âmbito da Justiça
Federal, na medida em que não seria possível existir atuação diferenciada entre os
órgãos jurisdicionais, onde no âmbito federal fosse diferenciada a gravidade de
determinadas infrações em detrimento do âmbito estadual em razão do próprio
princípio da isonomia.54
O artigo 109 da Constituição Federal ao distribuir competência leva em
conta nos fatos constitutivos da imputação de uma afetação de bem, serviços ou
interesses da união, entidades autárquicas ou empresas públicas.
Uma regra que toma a natureza da infração penal, tão somente no aspecto
da dimensão de sua gravidade, dada pela medida da pena máxima que lhe
é cominada, jamais poderia ser vista, portanto, como regra especial,
53
GRINOVER, Ada Pellegrini . et al., Juizados Especiais Criminais: comentários /á Lei 9.099 de
26.09.1995 4ª ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a lei 10.259/2001. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p.66 et. seq.
54
GRINOVER, 2002.
47
aplicável no limitado âmbito de atuação de um daqueles subsistemas de
órgãos jurisdicionais, cuja atuação diferenciada, como estabelecido na
55
Constituição Federal, tem, como visto, outra razão de ser.
As contravenções penais são por natureza de menor potencial ofensivo,
razão pela qual inferem-se na competência dos Juizados Especiais Criminais. Antes
do advento da Lei 10.259/01, os crimes sujeitos a procedimento especial, exemplo:
abuso de poder, não estavam na esfera de competência dos Juizados Especiais, por
exclusão expressa constante no artigo 61 da 9.099/95, como a lei criadora dos
Juizados Especiais Federal suprimiu a ressalva, entendeu-se derrogado o dispositivo
que havia sido alvo de críticas pela doutrina na medida que os “procedimentos
processuais têm natureza e função puramente instrumentais, cuja finalidade é
viabilizar o exercício da pretensão punitiva estatal, sem qualquer relação ontológica
com a conduta punível.”56
Na delimitação de competência dos Juizados Especiais Criminais não se
deve observar a pena cominada em concreto, mas sim a pena cominada em
abstrato.
O artigo 63 da 9.099/95 adota a teoria da atividade e conforme leciona
Bitencourt57, ao definir que é competente o local onde foi praticada a ação. Segundo
o referido autor, a teoria da atividade tem o objetivo duplo de promover a finalidade
da sanção penal de prevenção geral e de facilitar a coleta de provas, tais quais:
perícia e oitiva de testemunhas.
2.6.2 - Fase Preliminar:
Nos JECRIMs não existe inquérito policial, o legislador elaborou a figura do
Termo circunstanciado para ser a peça informativa da noticia criminis. O chamado
TC pode ser conceituado como “um boletim de ocorrência um pouco mais
55
Cf. KARAM, 2004.
56
BITENCOURT, 2003, p. 74 -75.
Ibidem, p. 71 et. seq.
57
48
detalhado”.58 À autoridade policial, cabe o papel de registrar a ocorrência e
encaminhar o TC, encaminhar o mais rápido possível para os JECRIMs e por último
requisitar os exames periciais quando cabíveis. In verbis:
Nos termos do artigo 69 da 9.099/95:
A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará
termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado,
com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos
exames periciais necessários.
Outra inovação surgida com a Lei 9.099/95 refere-se à inexistência de Auto
de Prisão em Flagrante, desde que o autor do fato diante da autoridade policial
assuma o compromisso de comparecer posteriormente aos atos processuais em
juízo (art. 69, parágrafo único).
No que tange ao conceito de autoridade policial, segundo a Comissão
Nacional da Escola Superior da Magistratura, a quem coube a função de elaborar as
primeiras interpretações sobre a lei, podemos entender que:
A expressão autoridade policial referida no art. 69 compreende ‘todas
as autoridades reconhecidas por lei, podendo a Secretaria do Juizado
proceder à lavratura do termo de ocorrência e tomar as providência
devidas no referido artigo.59
Segundo Ada Pellegrini Grinover para o exato cumprimento da Lei 9.099/95,
basta que o TC possua indicação do boletim de ocorrência do autor do fato e do
ofendido e a relação de testemunhas 60. Entretanto, a situação estava tão calamitosa
que a Confederação Nacional do Ministério Público (CONAMP) apresentou sugestão
de requisitos mínimos nos TCs, objetivando viabilizar o procedimento.
O próprio artigo 69 da Lei 9.099/95 reforça a idéia de que a autoridade não
deve promover grandes investigações, entretanto, consideramos que estas condutas
são bastante prejudiciais às garantias processuais, pois permitem que até mesmo
um atípico penal possa chegar às dependências dos JECRIMs e ser alvo de uma
medida despenalizadora que acarretará prejuízo ao chamado autor do fato, que
sequer cometeu crime punível, Roger Spode Brutti chama este fenômeno de
58
GRINOVER, 2002, p. 111.
GRINOVER, 2002, 110.
60
Ibidem.
59
49
“Princípio da Primeira Impressão”
61
. É plenamente possível a existência real de
situações como estas, tendo em vista que o representante do parquet não analisa o
mérito para estipulação da benesse.
Bitencourt62 alerta que, embora a prática corriqueira diga o contrário, a lei
9.099/95
não
dispensa
a
análise
de
justa
causa,
tampouco
admite
a
responsabilidade objetiva. Ocorre que na maioria das vezes o Termo circunstanciado
chega da Delegacia sem oferecer os requisitos mínimos para fomentar a opinio
delicti, por via de conseqüência o Ministério Público insiste na proposição da
transação penal a pessoa que vem indicada como “autora do fato”, o que pode
implicar em uma responsabilidade objetiva, na medida em que não há garantia de
que a pessoa indicada como autora, possa ser de fato a própria vítima que por não
ter se adiantado em comparecer a Delegacia, segue com esta nomenclatura para
juízo. Além do mais, mesmo que o sujeito configure como autor do fato, a figura
atribuída como típica pode estar sob a égide de uma excludente de ilicitude.
Do mesmo modo, Torres63 considerando o conceito de Sérgio Turra
Sobrane64, defende que a transação não deve ser utilizada sem pressupostos aptos
a tipificarem o crime, devendo o MP proceder a análise minuciosa dos autos, de
modo a impedir a aplicação do instituto sem materialidade e, portanto, assegurando
as garantias individuais, dentre as quais o princípio do in dubio pro reu.
Bitencourt desenvolveu o raciocínio supra citado em 1997 e acreditava que
embora estes acontecimentos fossem graves, se justificavam em virtude de
dificuldades interpretativas face à recência da lei. Entretanto, decorridos alguns
anos, estas práticas ainda permeiam o cotidiano forense.
61
BRUTTI, Roger Spode. Juizados Especiais Criminais e o princípio da primeira impressão. Jus
Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1113, 19 jul. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8655>. Acesso em: 25 set. 2007.
62
BITENCOURT, ROBERTO CEZAR. Algumas questões controvertidas sobre o Juizado Especial
Criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 5, n. 20, p. 83/93, outubro-dezembro.1997.
63
TORRES, 2006.
Segundo o qual a “transação penal pode ser definida como o ato jurídico através do qual o
Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado,
acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática do
fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada”
64
50
É importante ressaltar que a simplificação do procedimento não excluiu os
requisitos exigidos pelo artigo 41 do CPP65, ainda que de modo informal, bem como
a análise do disposto no artigo 4366. Segundo Bitencourt, a ausência destes
requisitos não só impede o oferecimento da denúncia, mas também da transação
penal, devendo o parquet, proceder ao arquivamento do feito. Ressalta o
doutrinador, que o próprio artigo 76, caput, da Lei 9.099/95 preceitua implicitamente
esta possibilidade na expressão “não sendo o acaso de arquivamento”.
A expressão seria uma menção clara de que o Ministério Público deve
analisar as condições de ação do art. 43 do CPP, portanto, analisando a justa causa
para proposição da medida.
Na prática, ao menos no Distrito Federal, a autoridade policial não conduz a
vítima e o autor do fato de imediato para os Juizados. Via de regra, as partes são
intimadas pelo próprio JECRIM para comparecerem à audiência preliminar.
A audiência inaugural do procedimento é a Audiência Preliminar, uma das
suas finalidades precípuas é a composição de danos. É esta a oportunidade que a
vítima tem de ser reparada, o que na maioria dos casos pode ser mais interessante
do que ver o autor do fato respondendo a uma sanção penal.
2.6.3 - Procedimento Sumaríssimo
O procedimento sumaríssimo começa com a audiência preliminar. A doutrina
critica a divisão do legislador acreditando que seria melhor que a fase preliminar
integrasse o próprio procedimento sumaríssimo.
Será elaborado termo de audiência com o resumo dos fatos relevantes
ocorridos na audiência e a sentença.
Oferecida denúncia oral, deverá ser entregue cópia ao acusado que ficará
citado e cientificado da Audiência de Instrução e Julgamento (art. 78), assim como o
65
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a
classificação do crime e, quando necessário o rol das testemunhas.
66
Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I – o dato narrado evidentemente não constituir crime (...).
51
Ministério Público. O acusado poderá depositar o rol de testemunhas até 5 dias
antes da audiência.
A vítima também e convidada a comparecer, pois viabiliza nova
possibilidade de tentativa de composição civil e antes do início da Audiência é
oferecida nova oportunidade para a conciliação. Ressalta-se que a conciliação nos
Juizados pode ser feita a qualquer tempo.
Aberta a audiência será concedida palavra para o patrono do autor do fato
elaborar a defesa prévia. Esta defesa prévia é mais ampla do que a existente no art.
395 do CPP, esta peça pode conduzir o magistrado à não receber ou rejeitar a
denúncia ou queixa, ou seja, é a oportunidade que o magistrado possui de verificar a
real existência de justa causa para a ação penal face aos elementos apresentados
pela defesa.
Em seguida proceder-se-á a contestação, oportunidade em que o defensor
poderá argüir preliminares, exceções ou cuidar do mérito. Nesta oportunidade,
devem ser apresentadas todas as provas, sendo facultado ao magistrado “eliminar
ou excluir” àquelas que considerar impertinentes ou protelatórias (art. 81 §1º). Esta
questão é rodeada pela sombra da inconstitucionalidade, não no que diz respeito à
impedir a produção das provas protelatórias, mas sim, no que tange às consideradas
excessivas, podendo oferecer óbice ao pleno exercício de ação, como salienta
Bitencourt.67
Feita a contestação, o juiz decide se recebe ou não a denúncia. Se recebida,
procede-se a oitiva das testemunhas de acusação e de defesa, respectivamente,
existindo a possibilidade de condução coercitiva. Por fim, o interrogatório do réu,
seguindo ordem diversa do procedimento comum. “O interrogatório no final da
instrução exigirá mais diligência e operatividade do juiz, na medida em que passa a
integrar realmente a fase instrutória da ação penal.” 68
Depois do interrogatório, são realizados os debates orais69 e a sentença é
prolatada.
67
BITENCOURT, 1997.
Ibidem, p. 89.
69
Na omissão da lei, aplica-se o prazo do art. 538, § 2º,CPP, que prevê 20 minutos com prorrogação
por mais 10 minutos.
68
52
Há possibilidade de reexame da matéria, entretanto, o órgão criado pelo
JECRIM é sui generis, posto que é constituído pelas Turmas Recursais que embora
constituam garantia de re-análise da matéria, são compostas por três juízes de
primeiro grau e, portanto, não constituem duplo grau de jurisdição.
Presentes os requisitos extrínsecos (previsão legal, forma prescrita em lei e
tempestividade) aliados com o interesse de agir (sucumbência), caberá apelação
(art. 593, II, CPP):
•
Para decisão que rejeitar70 a denúncia ou queixa.
•
Para sentença (art. 82 da Lei 9.099/95), ainda que homologatória.
No que concerne à apelação para sentenças homologatórias, a doutrina
majoritária entende que não é possível recorrer em razão da inexistência de
sucumbência, o que ocorre em virtude da própria natureza consensual que envolve
a homologação, concluindo pela possibilidade de manutenção apenas mediante as
ações rescisórias ou anulatórias.
Bitencourt71 faz parte da doutrina que mudou o pensamento inicial,
afirmando que embora construa entrave a celeridade, este se justifica em razão da
“roupagem de legalidade” que pode encobrir arbitrariedades, mesmo diante do
parquet e do juiz.
A apelação só pode ser por escrito e deve conter tanto o apelo, quanto às
razões no prazo de 10 (dez) dias, tempo diverso do previsto no CPP.
A doutrina também acredita ser admitido o Recurso em sentido estrito (art.
581, I, CPP), em razão da subsidiariedade do CPP. Também são cabíveis os
embargos de Declaração no prazo de 5 (cinco) dias.
A inexistência de previsão de outros recursos no rol, não impede sua
aplicação em sede dos JECRIM.
70
No caso do “não recebimento”, ou seja, quando cuidar de aspectos formais, é cabível o Recurso
em Sentido Estrito.
71
BITENCOURT, 1997.
53
2.7 - Os Institutos Despenalizadores Da Lei 9.099/95
2.7.1 - Composição Civil
Com a criação deste instituto a vítima passa a ter mais espaço ímpar no
âmbito processual penal, ocupando relevância jamais vista em nosso direito. Esta
figura pode ser tida como uma derivação da “multa reparatória”, que não passou de
menção nos projetos de reforma penais até então existentes.
A composição de danos civis firmada pelas partes e homologada pelo juiz
implica em renúncia tácita ao direito de queixa ou representação, conforme seja a
natureza da ação, privada ou pública condicionada (art. 74, parágrafo único),
constituindo título hábil a ensejar execução na esfera cível.
A composição acontece em audiência de conciliação designada para esta
finalidade, na qual os conciliadores sob orientação do juiz conduzem o acordo. Além
da composição cível, a audiência pode ensejar a mera renúncia do direito de queixa
ou representação.
Corriqueiramente as audiências possuem duas fases e quando infrutífera a
conciliação, é oportunizado a vítima representar contra o autor do fato neste mesmo
ato, o que não impede de exercer em outro momento o direito de representação,
desde que dentro lapso decadencial. A segunda fase da audiência se inicia quando
é oferecida ao autor do fato a proposta de transação penal.
As inovações na preocupação com a vítima derramam seus reflexos
inclusive sob a suspensão condicional do processo. A reparação à vítima é um
princípio orientador do JECRIM, por isto, o legislador inseriu a estipulação de
reparação à vítima como condição legal obrigatória da suspensão do processo e o
seu descumprimento dá ensejo à revogação obrigatória da suspensão, como
veremos.
54
2.7.2 - Transação penal
A Transação Penal pode ser conceituada como um instituto jurídico novo,
que atribui ao Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, a faculdade
de flexibilizar sua obrigatoriedade, desde que atendidas as condições previstas na
Lei, elaborando ao autor da infração de menor potencial ofensivo, proposta
alternativa a sua aplicação, sem denúncia, sem instauração de processo e de sem
culminação de pena não privativa de liberdade (MIRABETE, 1997, p. 81).
O artigo 76 da Lei 9.099/95 assim determina:
Art. 76 . Havendo representação ou tratando-se de crime de ação
penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o
Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena
restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta.72
Para Bitencourt73 a transação penal decorre da autonomia da vontade e é
produto do exercício da ampla defesa, que pode optar entre assumir o risco do
processo após a fase probatória ou aceitar a proposta ministerial.
Presentes os requisitos objetivos (art. 76, §1º e §2º, inc. I e II) e subjetivos
(2º, inc. III), deve o membro do Ministério Público propor transação penal. Ressaltase que embora o caput do artigo diga “poderá” a expressão deve ser compreendida
como “deverá”, sob pena de ferir o princípio da isonomia. Em todo caso, se o
membro do parquet deixar de propor a transação, o juiz fará a remessa dos autos ao
Procurador-Geral, que poderá oferecer a proposta, designar promotor para fazê-lo
ou não formulá-la, conforme ensina Ada Pellegrini Grinover74.
O caput do artigo define duas possibilidades de transação penal: pena
restritiva de direitos ou multa. Com o advento da Lei 9.714/98 foi incluída a
prestação pecuniária no rol das penas restritivas, razão pela qual foi superada a
argüição de inconstitucionalidade de medidas como doação de cestas básicas.
72
BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo,
Brasília, DF, 20 nov. 1995.
73
BITENCOURT, 1997.
74
GRINOVER, 2002.
55
Outra consideração importante está nos crimes ambientais (Lei 9.605/98), onde a
composição dos danos civis é condição para proposta de transação.
No que diz respeito à natureza da sentença prolatada na transação penal, a
doutrina se divide em dois entendimentos. Os que defendem que sua natureza “não
é condenatória a sentença, sendo simplesmente homologatória da transação
penal”75, portanto, em caso descumprimento poderia ser proposta ação penal. E os
que lhe conferem caráter de “homologatória de natureza condenatória ou
condenatória imprópria por aplicar a pena, mas não seus efeitos”76.
A última afirmação consubstancia o entendimento do E. Superior Tribunal
de Justiça, que compreende que o feito já foi atingido pela coisa julgada material e
formal, sendo inviável o início da ação penal, mas possível a conversão em pena
privativa de liberdade.
Ressalta-se a possibilidade de aplicação do instituto nas ações privadas,
onde o detentor do direito de ação é o particular. Restando infrutífera a conciliação,
proceder-se-á a audiência onde será proposta transação penal, mesmo em se
tratando de ação privada, entretanto, o STJ exige que a vítima não se oponha, in
verbis:
RHC. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. COMPETÊNCIA. CRIME DE
DIFAMAÇÃO. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA. PROPOSTA DE
TRANSAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE.
[...]
2 - Na ação penal de iniciativa privada, desde que não haja formal oposição
do querelante, o Ministério Público poderá, validamente, formular proposta
de transação que, uma vez aceita pelo querelado e homologada pelo Juiz, é
definitiva e irretratável.
3 - Recurso improvido.
(RHC 8.123/AP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA,
julgado em 16.04.1999, DJ 21.06.1999 p. 202)
75
76
Ibidem, p.134.
MIRABETTI, Júlio Fabrini. Juizados especiais Criminais, Ed. Atlas, 3ª ed., 1998, p. 95.
56
2.7.3 - Suspensão condicional do processo
A suspensão do processo tem origem no direito francês e é mais conhecida
como Suspensão condicional do processo ou sursis processual. Este instituto
despenalizador tem por objetivo suspender a ação penal, ou seja, não há denúncia e
não existirá macula na folha de antecedentes penais do denunciado.
Remetendo ao direito comparado temos a figura espanhola da supensión del
fallo, na qual é mantida
toda instrução criminal, sendo suspenso apenas o
julgamento. No direito pátrio o popular sursis processual
77
, suspende o próprio
processo penal, sendo exigidos para concessão da benesse alguns requisitos de
ordem geral e específica.
Os requisitos especiais são: pena mínima cominada igual ou inferior a um
ano; inexistência de outro processo criminal em curso e; inexistência de condenação
por outro crime.
Os Requisitos gerais são os mesmos estabelecidos para suspensão
condicional da pena. Entretanto, alguns deles são contraditórios, constatando
verdadeira gafe do legislador que não observou que os requisitos da suspensão do
processo tornam inócuos os requisitos do sursis.
a) Requisitos gerais objetivos:
I – Só é permitida para penas privativas de liberdade (art. 77 e 80 do CP),
entretanto, esta condição se choca com a prevista na lei 9.099/95, na medida em
que o artigo apenas exige que a pena cominada não exceda a um ano.
II – Inaplicabilidade de penas restritivas de direitos, do mesmo modo, é
inaplicável em razão da semelhança da pena restritiva ser mais rigorosa do que o
sursis, até mesmo porque enseja uma condenação;
77
Deve-se atentar ao fato de que o sursis da Lei 9.099/95 cuida da suspensão condicional da
processo, ao passo que e o sursis previsto no CP, trata da suspensão condicional da pena, onde há
uma sentença penal condenatória, sendo suspensa a execução, mediante algumas condições aceitas
pelo condenado. Ou seja, houve processo penal e portanto, forja reincidência.
57
b) Requisitos gerais Subjetivos:
I – Não reincidência em crime doloso, este requisito é dispensável na
medida em que se a lei do JECRIM já impede a concessão do benefício com o
simples fato de responder processo criminal, quiçá se tiver condenação;
II - Prognose de não voltar a delinqüir. É o único aplicável.
Preenchidos os requisitos, é imposta a suspensão condicional do processo,
devendo o autor do fato seguir as seguinte condições previstas no artigo 89, § 1º da
Lei 9.099/95:
I - Reparação do dano, salvo impossibilidade;
II - Proibição de freqüentar determinados lugares;
III - Proibição de ausentar-se da comarca sem autorização do juiz;
I -Comparecimento mensal e obrigatório na juízo para informar e justificar
atividades.
Existe, ainda, a previsão do art. 89, § 2º, que confere discricionariedade ao
magistrado para estipular outras condições.
O período de prova para cumprimento das condições será de 2 à 4 anos. As
condições do sursis estão dentro do objetivo de inserir o autor do fato socialmente,
buscando gerar responsabilidade social nos indivíduos que recebam o benefício.
O benefício será revogado obrigatoriamente se o agente vier a ser
processado durante o período de prova, não importa quando o crime foi cometido,
se antes ou depois do benefício. Ressalta-se que a lei fala de crime, portanto, não
se aplica a contravenções. Do mesmo modo será revogado se não for realizada
reparação de danos sem justificativa. Neste sentido trazemos à baila a seguinte
Jurisprudência:
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95.
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ACUSADO PROCESSADO
E CONDENADO DURANTE O PERÍODO DE PROVA. REVOGAÇÃO DO
BENEFÍCIO. EXPIRAÇÃO DO PRAZO SUSPENSIVO. IRRELEVÂNCIA.
ORDEM DENEGADA.
1. O traço essencial da suspensão condicional do processo, de imposição
excepcional, é, precisamente, a sua revogabilidade, o que exclui, a seu
58
respeito, a invocação da coisa julgada, não havendo razão que impeça a
sua desconstituição pelo conhecimento subseqüente de fato que determina
o seu incabimento.
2. O término do período de prova sem revogação do sursis processual não
induz, necessariamente, à decretação da extinção da punibilidade delitiva,
que somente tem lugar após certificado que o acusado não veio a ser
processado por outro crime no curso do prazo ou não efetuou, sem motivo
justificado, a reparação do dano.
3. Ordem denegada.
78
Existirá faculdade na revogação quando o acusado vier a responder por
contravenção ou descumprir quaisquer uma das condições impostas.
Não sendo revogado o beneficio dentro do período de prova, será extinta a
punibilidade.
Por ser ato fruto de autonomia, pode o autor do fato negar-se a receber a
suspensão, oportunidade em que o procedimento deve prosseguir a contar do
recebimento da denúncia.
2.8 - Efeitos da Aplicação das Medidas Alternativas
No que tange a reincidência está é uma das grandes vantagens das
medidas alternativas, pois o acusado continua a ser primário, sem ter sido
segregado e sem as marcas e conseqüências típicas da privação de liberdade.
Cumprida a transação penal e o período de prova suspensão condicional do
processo sem revogação, extingue-se a punibilidade e não existirá nenhum registro
penal, salvo em juízo para impedir a concessão de novo benefício no prazo de 5
anos (no caso da transação penal).79
78
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.HC 25.395/SP. Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO,
Brasília-DF, julgado em 23.03.2004. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso
em: 25 ago. 2007.
78
Em que pese a existência de doutrinadores que consideram como reincidência o fato do
beneficiado pela transação penal não poder receber o benefício no prazo de 5 anos, este argumento
não alcança guarida, a razão do prazo é servir de empecilho para prática de novas condutas,
reforçando a prevenção especial. A única crítica que tecemos refere-se à não adoção desta
estipulação no caso da suspensão condicional do processo.
59
Quanto ao Descumprimento da medida, perdura um debate doutrinário sobre
as conseqüências daí advindas, há quem defenda que:
A homologação da transação penal aceita impede o oferecimento de
denúncia, sobrestando a atuação do Ministério Público, além de suspender
o procedimento até o integral cumprimento da medida. Enquanto não
cumprida a pena não privativa de liberdade consentida pelo autor do fato,
não pode ocorrer a extinção da punibilidade. Persiste, pois, embora em
suspenso, o jus puniendi do Estado, bem assim, aquele direito-dever do
Ministério Público de exercitar a ação penal pública condenatória. Somente
com o seu cumprimento é que será declarada extinta a punibilidade do
80
autor da infração e determinado o arquivamento dos autos.
Portanto, em caso de descumprimento da medida “o autor do fato ficará
sujeito ao exercício da pretensão punitiva do Estado pelo Ministério Público, o que é
adequado, pois não leva ao desprestígio da Justiça Criminal e estimula o
cumprimento e efetividade da medida despenalizadora.”81
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. LEI
N.º 9.099/95. ACORDO NÃO HOMOLOGADO. DESCUMPRIMENTO.
OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 66,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 9.099/95.
1. Admite-se o oferecimento de denúncia contra o autor do fato, quando não
existir, na hipótese, sentença homologatória da transação penal.
2. Nos termos do art. 66, parágrafo único, da Lei n.º 9.099/95, os autos
devem ser encaminhados para a Justiça Comum, caso não se encontre o
acusado para ser citado.
3. Recurso especial conhecido e provido.
82
Entretanto, se o acordo for homologado o entendimento é contrário, senão
vejamos:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95, ART. 76.
TRANSAÇÃO PENAL. PENA DE MULTA. DESCUMPRIMENTO DO
ACORDO PELO AUTOR DO FATO.
OFERECIMENTO DE DENÚNCIA PELO MP. INADMISSIBILIDADE.
SENTENÇA
HOMOLOGATÓRIA.
NATUREZA
JURÍDICA
CONDENATÓRIA. EFICÁCIA DE COISA JULGADA FORMAL E
MATERIAL.
80
OLIVEIRA, TÂNIA Maria Bessa de. O Descumprimento da Transação Penal. Brasília, 2005. 65 f.
Trabalho de conclusão de curso (Graduação em direito) – Universidade Católica de Brasília, Brasília,
2005.
81
Ibidem.
82
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resp 755.868/RJ. Rel. Ministra LAURITA VAZ, Brasília-DF,
14.11.2006. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 25 ago. 2007.
60
A sentença homologatória da transação penal, por ter natureza
condenatória, gera a eficácia de coisa julgada formal e material,
impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor
do fato, a instauração da ação penal.
Havendo transação penal homologada e aplicada pena de multa, não
sendo paga esta, impõe-se a aplicação conjugada do art. 85 da Lei
9.099/95 com o art. 51 do CP, com a conseqüente inscrição como
dívida ativa da Fazenda Pública, a fim de ser executada pelas vias
próprias.
83
Recurso conhecido, mas desprovido.
No tocante a conversão da pena de multa em privativa de liberdade é
segmentado o entendimento de que:
CRIMINAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. TRANSAÇÃO. PENA DE
MULTA.
DESCUMPRIMENTO.
IMPOSSIBILIDADE.
OFERECIMENTO
DA
DENÚNCIA.
1. A transação penal, prevista no art. 76, da Lei nº 9.099/95, distingue-se da
suspensão do processo (art. 89), porquanto, na primeira hipótese faz-se
mister a efetiva concordância quanto à pena alternativa a ser fixada e, na
segunda, há apenas uma proposta do Parquet no sentido de o acusado
submeter-se não a uma pena, mas ao cumprimento de algumas condições.
Deste modo, a sentença homologatória da transação tem, também, caráter
condenatório impróprio (não gera reincidência, nem pesa como maus
antecedentes, no caso de outra superveniente infração), abrindo ensejo a
um processo autônomo de execução, não havendo falar em renovação de
todo o procedimento, com oferecimento de denúncia, mas, tão-somente, na
execução ao julgado (sentença homologatória). O acusado, ao transacionar,
renuncia a alguns direitos perfeitamente disponíveis, pois, de forma livre e
consciente, aceita a proposta e, ipso facto, a culpa.
2. Recurso não conhecido.
83
84
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. REsp 190.319/SP. Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA
FONSECA, Brasília-DF, 20.04.1999. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 26 ago. 2007.
84
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. REsp 153.195/SP. Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES,
Brasília-DF, 19.10.1999. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 26 ago. 2007.
61
CAPITULO 3
EFICÁCIA DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS NOS JUIZADOS ESPECIAIS
CRIMINAIS DO DISTRITO FEDERAL
3.1 – Breves considerações:
Preliminarmente é importante lembrar que não devemos confundir a medida
alternativa com a pena alternativa. Medida alternativa “é qualquer instituto legal
cabível antes ou após a condenação que evite encarceramento”85, como as
previstas na Lei 9.099/95. Já pena alternativa é “sanção de natureza criminal que
não implique em privação de liberdade.”86
É sempre necessário proceder-se a uma análise acerca da eficácia social ou
efetividade das normas. Na lição de Edihermes Marques Coelho87, a eficácia deve
ser compreendida sob dois aspectos:
1) Se as normas são efetivamente cumpridas, ou seja, se as normas são
observadas de fato pelos destinatários, seja para que a população como um
todo as obedeça, seja verificando se os agentes públicos a aplicam;
2) Se o sistema jurídico é efetivo no que tange ao cumprimento da norma e se o
mesmo atua de modo a fornecer elementos que garantam estes objetivos.
Aqui o objeto é a verificação do alcance da finalidade da norma vigente.
Portanto, na análise da efetividade é mister a verificação de que a norma
atinge aos fins almejados quando da sua criação.
Conforme já amplamente explanado, o contexto mundial em torno das
sanções penais assume novas perspectivas na atualidade. A moderna política
85
Di LASCIO, Guaita Andrelize; TELLES, Thiago da Nova. Alternativas às Penas Privativas de
Liberdade. Cad. Ministério Público Paraná, n. 3, v. 6, p. 31/38, jul./set. 2003.
86
Ibidem.
87
COELHO, Edihermes Marques. Reflexões sobre vigência e validade, eficácia, efetividade e
eficiência. Boletim Jurídico, ano V, n. 233, jun. 2007. Disponível em: <http://www.boletimjuridico
.com.br/doutrina/texto.asp?id=1817>. Acesso em: 17 ago. 2007.
87
Relatório ILANUD
62
criminal busca por meio de novos paradigmas a consecução dos objetivos de
redução da criminalidade, que em razão das disparidades sociais causadas pelo
capitalismo conduzem a marginalização de grande parcela da sociedade. Que sem
educação, sem moradia de qualidade e sem emprego, compõem uma grande
massa, onde o Estado parece não chegar.
Todo este conjunto de fatores desencadeia uma crise sem precedentes,
causando inchaço nos grandes centros e influenciando sobremaneira a vida das
pessoas, que estão cada vez mais indisponíveis para o diálogo e para adoção de
formas mais pacíficas para resolução dos conflitos típicos da vida em sociedade.
Tanto no âmbito nacional, quanto internacional, vem se descobrindo que as
penas alternativas não são aptas a conter o avanço da população carcerária. Entre
1995 e 2003 aumentou em 163,4% o número de estabelecimentos prisionais no
Brasil88.
Gráfico 1. População carcerária do Brasil segundo taxa de encarceramento
(por 100 mil habitantes) - 1995, 1997, 1998, 1999, 2001 e 2003.
Fonte: ILANUD (BRASIL). Levantamento Nacional sobre execução de penas alternativas: Relatório
Final de pesquisa, 2006.
88
ILANUD, 2006.
63
No que diz respeito à população carcerária do Distrito Federal, os dados são
os seguintes:
Tabela 1. População Carcerária no D.F de 2004/2007
Ano Referência
Qtde. Presos
População Carcerária em dezembro 2005
7.299
População Carcerária em dezembro 2006
7.267
População Carcerária até junho de 2007
7.669
Média População carcerária
7411,66
Fonte dos Dados: BRASIL, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO
NACIONAL. Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen.
Conforme demonstra a tabela a populaçao carcerária do Distrito Federal não
apresenta nenhuma queda significativa, em que pese a existência de uma maior
aplicação de medidas alternativas, conforme as dados da CEMA.
Grande é o argumento econômico que justifica a preferência pelas medidas
alternativas, entretanto, apenas considerá-las solução mais barata e tão somente
com base nesta fundamentação, lhes conferir o status de supervalorização dentro do
contexto penal não nos parece razoável. As penas e medidas alternativas devem ser
propostas porque são de fato medidas eficazes quando observados determinados
parâmetros e não só porque se apresentam economicamente mais viáveis.
Pertinente é questionamento do relatório do ILANUD, se existisse a constatação de
que “[...] a manutenção de um sistema operante e eficaz de penas alternativas fosse
mais onerosa que o sistema carcerário, essa seria uma razão para abandonar a
opção política pelas alternativas penais?”
89
Portanto, o Princípio da Economia
Processual não pode ser usado em desfavor da sociedade.
89
ILANUD, 2006.
64
Do mesmo modo, o Princípio da Celeridade não pode ser usado em prejuízo
de uma ou de outra parte, sob pena de não se realizar o escopo de pacificação
social, na medida em que na maioria das vezes, o diálogo pode ser precioso agente
na descoberta do real foco do problema e uma condução dos atos processuais
visando tão somente o seu arquivamento, dispensando uma análise mínima, conduz
a constatação de que esta abordagem pode estar eivada de ineficácia, na medida
em que pode gerar uma reincidência.
As medidas alternativas têm que ser aplicadas mediante uma avaliação
mínima. Acreditamos que a mera fixação de uma doação de cestas básicas, por
exemplo, pode não conduzir ao real escopo da lei e gerar futuramente mais gastos
aos cofres públicos com novos processos envolvendo as mesmas partes, posto que
a mera estipulação, sem critério sócio-educativo em nada resolveu o problema e
apenas apaziguou momentaneamente o litígio. Observamos na rotina diária de
alguns Cartórios que determinados indivíduos possuem vários registros de
ocorrência que não chegaram a fase de preliminar, na maioria dos casos por
desistência da vítima, um autor do fato nestas condições deve possuir uma atenção
especial do Ministério Público, na medida em que dá indícios de que possui a
personalidade voltada para prática de atos lesivos aos bens jurídicos, o que implica
na possibilidade de retorno à Vara Criminal.
Do mesmo modo que não se pode privilegiar o plano econômico em
detrimento da atuação social, não é ético produzir apenas políticas que gerem o
arquivamento rápido dos feitos sem promoção de uma prestação jurisdicional
efetiva. E serão efetivas ou eficazes as medidas desde que o dano seja reparado e a
segurança pública restabelecida, por meio de uma conjugação tanto dos direitos da
vítima, quanto do autor do delito.
3.2 - Medidas Alternativas aplicadas
Visando a integração social do agente submetido ao processo do JECRIM, as
medidas alternativas na maioria dos casos, são aplicadas levando em consideração
o perfil do autor do fato, frisando que quando estes elementos não são
considerados, o índice de cumprimento é alto, conforme previne a própria CEMA. O
65
sexo, a escolaridade, a idade, enfim, todos os elementos devem ser considerados
para que a medida seja cumprida.
As penas alternativas são: Prestação de serviço à comunidade (ou entidade
pública), Interdição temporária de direitos, Prestação pecuniária e outras.
a)
Prestação de serviço à comunidade (ou entidade pública): nesta
hipótese, o autor do fato deve executar algumas atividades em prol da
coletividade, junto à entidades previamente cadastradas, na maioria das
vezes são: hospitais, creches, asilos etc.
b)
Interdição temporária de direitos: o autor do fato é impedido de exercer
algum direito por determinado período de tempo. Os exemplos mais típico
são a proibição de freqüentar determinados lugares a suspensão do direito
de dirigir, mas também pode ser: proibição do exercício de cargo, função ou
atividade pública, bem como mandato eletivo; proibição do exercício de
profissão, atividade ou ofício.
c)
Prestação pecuniária: onde o autor do fato se compromete a pagar
determinada soma em dinheiro ou promover a doação de bens as
instituições de interesse público. O exemplo mais corriqueiro é a doação de
cesta básica.
d)
Outros: Também podem ser aplicadas medidas relacionadas à saúde, tais
quais: submissão à reuniões junto à grupos de dependentes químicos,
alcoólatras, atendimento no Psicosocial forense (NUPIS) etc. Bastante
positivas também são algumas medidas relacionadas à educação, como
freqüência à cursos profissionalizantes, que sem dúvida promovem a
inserção social e modo ímpar.
66
3.3 - O Papel da Central de Medidas Alternativas -CEMA
A CEMA (Central de Medidas Alternativas) pertence ao Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios e tem por objetivo produzir informações acerca da
aplicação e execução de penas e medidas alternativas, bem como proceder ao
acompanhamento das medidas e até mesmo sugeri-las. Criada em 2001 como um
projeto-piloto na Promotoria de Ceilândia, atualmente está presente em nas
Promotorias de: Planaltina, Sobradinho, Taguatinga, Ceilândia, Brazlândia, Gama,
Santa Maria, Paranoá, Samambaia e Promotoria Especial Criminal de Brasília
(abrangendo Guará e Núcleo Bandeirante).
Existem
ainda
quatro
setores
Especializados
que
fazem
parte
da
Coordenação, englobando: Setor de Suporte Operacional (SSOP); Setor de
Consolidação de Informações Gerenciais (SCIG); Setor de Investigação Social para
Delitos de Entorpecentes, Violência Doméstica e Maus-Tratos (SISDEV); e Setor de
Investigação Social para Delitos de Meio Ambiente e Ordem Urbanística (SISDEMA).
O acompanhamento é realizado por meio de entrevistas anteriores e
posteriores às medidas alternativas sugeridas. Nas entrevistas, os principais
instrumentais utilizados são o Relatório de Investigação Social (RIS), o Relatório de
Evolução da Execução da Medida (REEM) e o Relatório Final do Autor do Fato
(RFAF).
O RIS é uma avaliação socioeconômica para buscar a medida que mais se
adapte a realidade do autor do fato.
Já o REEM é aplicado nos casos em que houve descumprimento da medida.
Na maioria dos casos verifica-se que não houve a aplicação do RIS, portanto, não
foram consideradas peculiaridades do caso concreto que viabilizassem a execução
da medida.
Por fim, o RFAF é usado para verificar qual foi a impressão final do autor,
após terminar o cumprimento de sua medida. Só é aplicado em Taguatinga,
Ceilândia e Samambaia.
67
3.3.1 - Dados Estatísticos da CEMA
Anualmente a CEMA produz uma publicação chamada “Retrato das Medidas
Alternativas”, esta pesquisa refere-se aos dados do Distrito Federal, acerca da
aplicação e execução das medidas. Para análise correta da pesquisa é importante
esclarecer que os dados das pesquisas são cumulados, ou seja, remetem à 2001 no
caso de Ceilândia e nas outras localidades a partir da inserção da CEMA nas
respectivas promotorias. Também é importante explicar que os dados coletados e
apresentados aqui referem-se até 2005, oportunidade em que a só existia a
pesquisa nas promotorias de Ceilândia, Taguatinga, Samambaia, Gama, Brazlândia
e Guará.
A medida mais aplicada no Distrito Federal é a transação penal, ela
representa 58,61% das benesses, embora tenha diminuído em comparação com o
ano de 2004, quando somava 63,48%. Um dos fatores preponderantes pela
preferência dos institutos é a rapidez, pois o Ministério Público pode aplicar o
benefício sem muitas formalidades.
Tabela 2. Institutos Processuais Não-Privativos de Liberdade aplicados em
2005.
Instituto
Nº absolutos
Porcentagem
Suspensão Condicional do Processo (SCP)
444
13.82%
Transação Penal (TP)
1883
58.61%
886
27.57%
3213
100,00%
Medidas Aplicadas em Carta de Sentença
(multa, pena restritiva de direitos,
suspensão condicional da pena e regime
aberto)
TOTAL
Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas
Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 03.
68
Tabela 3. Institutos Processuais Não-Privativos de Liberdade aplicados em
2004.
Suspensão Condicional do Processo
381
Medidas Alternativas aplicadas em Carta de
Sentença (multa, penas restritivas de direitos, 514
suspensão condicional
da
pena e regime
aberto)
Transação Penal
1556
Total Geral
2451
Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas
Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 04.
Nas cinco cidades satélites, dentro da transação penal, a prestação de bens e
a prestação de serviços são as mais aplicadas. Verifiquemos os dados abaixo:
Tabela 4. Prestação de Caráter Pecuniário no D.F aplicadas em 2005 x outros
Tipo de Prestação
Prestação
de
Caráter
Números absolutos
Pecuniário 1166
Porcentagem
30.41 %
(Multas, Doação de Bens e Prestação
em Dinheiro)
Outros
2669
69.59 %
TOTAL
3835
100,00%
Fonte dos dados: BRASIL. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas
Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 13.
Verifica-se que a prestação de bens mais usada é a doação de cestas
básicas. Em 2004 era de 49,16% e em 2005 passou para 47,61% das medidas. O
percentual de aplicação da prestação de serviço era de 50,84% em 2004 e em 2005
somou 52,39%.
69
Tabela 5. Prestação de Caráter Pecuniário no Distrito Federal Aplicadas em
2004 x outras
Prestação
de
Caráter
Pecuniário
(Multas, 965
Doação de Bens e Prestação Pecuniária em
Dinheiro)
Outras
2172
Total Geral
3137
Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas
Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 13.
Tabela 6. Prestação de Serviço aplicadas em 2005 x outras
Tipo de Prestação
Números absolutos
Porcentagem
Prestação de Serviços
942
24.56%
Outros
2893
75,44%
TOTAL
3835
100,00%
Fonte: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas Alternativas
2006. Brasília, 2006. p. 13.
Tabela 7. Prestação de Serviço aplicadas em 2004 x outras
Prestação de Serviços
637
Outros
2500
Total Geral
3137
Fonte dos dados: BRASIL. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas
Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 04
Quanto à aplicação de penas privativas de liberdade, temos que as
condenações foram reduzidas durante o ano de 2005, que somaram 696, se
comparadas a 2004, com 976 aplicações. Ressalta-se que as estatísticas de
Brazlândia e Gama passaram a ser coletadas a partir de agosto de 2004.
70
Tabela 8. Tipos de Regime Privativos de Liberdade aplicados no Distrito
Federal, durante o ano de 2005
Tipo de Regime
Números absolutos
Porcentagem
Semi-Aberto
496
69,92%
Fechado
210
30,19%
TOTAL
696
100,00%
Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato
das Penas Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 04
Tabela 9 . Tipos de Regime Privativos de Liberdade aplicados no Distrito
Federal, durante o ano de 2004
Regime Semi-Aberto
614
Regime Fechado
362
TOTAL GERAL
976
Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas
Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 04
No tocante ao descumprimento deve ser considerado que a análise
elaborada pela CEMA refere institutos da Transação Penal e da Suspensão
Condicional do Processo que tiveram o prazo expirado, ou seja, pode ser que esta
medidas tenham sido descumpridas inicialmente, entretanto, foram substituídas
durante o período inicialmente estabelecido para cumprimento, podendo até mesmo
terem sofrido prorrogação de prazo, o que acontece na maioria dos casos. Via de
regra o autor do fato deixa de comprovar o cumprimento da medida, na maioria dos
casos a comprovação é mensal, constatado o descumprimento ele é chamado a
comparecer na CEMA ou no próprio Cartório para se justificar. Aceita a justificativa,
a medida poderá - dentro do prazo inicialmente designado ou no período estipulado
para prorrogação - ser substituída ou reiniciada.
71
Os dados cumulados do cumprimento das medidas alternativas indicam um
índice positivo de 81,68%, com conseqüente descumprimento de 18,32%, senão
vejamos:
Tabela 10. Cumprimento da Medida: Dados acumulados até o final do ano de
2005.
MEDIDAS
APLICADAS NO D.F
Ceilândia
Taguatinga
Samambaia
Gama
Brazlând.
3183
1359
1034
704
241
43
10
35
2
0
464
236
185
344
36
15,92%
18,10%
21,27%
49,14
14,93%
SUPENSÃO
EXTINTAS SEM
CUMPRIMENTO
CONDICIONAL
PROCESSO
TRANSAÇÃO
PENAL
TAXA DE
DESCUMPRIMENTO
POR CIDADE (%)
%
TAXA DE
DESCUMPRIMENTO
18,32%
TOTAL
Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas
Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 15.
Em Ceilândia, a taxa de descumprimento é de 15,92% em 2005, contra
84,08% de cumprimento, quando em 2004 o descumprimento era da ordem de
17,74%, contra 82,26% de cumprimento, ou seja, houve aumento no número de
cumprimento comparando as análises de dados cumulados desde 2001.
Em Taguatinga o descumprimento foi da ordem de 18,10%, dados
acumulados desde o seu início em 2003, mas ressalte-se que no Retrato de 2004 a
taxa de descumprimento registrada foi de 2,16%.
Em Samambaia, os dados também acumulados desde 2003, demonstram
que o descumprimento de 21,27% em 2005, em 2004 a taxa acumulada era de
6,90%.
72
No Gama e Brazlândia, conforme dados acumulados a partir de agosto de
2004, a taxa de descumprimento de 49,14% e 14,93%, respectivamente.
Um dos fatores que consideramos ser fundamental para garantir a eficácia
dos institutos refere-se à relação entre a conduta praticada e a medida proposta,
afinal, para gerar de fato a inserção social é necessário que o agente compreenda
do modo mais hábil possível a importância da tutela ao bem juridicamente tutelado
que ele (em tese) lesionou, muito criticada foi e é a doação de cestas básicas.
Acreditamos que a referida doação pode ser positiva em alguns casos, mas como é
difundida acaba por se sinônimo de “insatisfação popular” e “banalização”.
O trabalho apresentado pelo CEMA é de grande valia para consecução dos
objetivos da Lei 9.099/95, além de toda estrutura e de funcionários bem preparados,
a CEMA ainda disponibiliza meios de mobilizar toda a comunidade, por via das
instituições parceiras que recebem as pessoas sujeitas às medidas e colaboram com
a inserção social dos autores de fato.
73
CONCLUSÃO:
Podemos sintetizar em três os objetivos principais da Lei 9.099/95, conforme
menciona Valéria Pandjiarjian90: Desafogar os sistemas carcerários e judiciários;
adotar procedimento simples e célere; aplicação de penas com caráter mais social
que punitivo. Com o presente trabalho podemos concluir que estes objetivos não são
alcançados em sua plenitude, restando comprometida tanto a prevenção especial,
quanto a geral.
A
Lei
9.099/95
com
seu
ímpeto
de
pacificação
social
produziu
procedimentos rápidos, visando dar uma resposta mais célere a sociedade,
entretanto, para alguns, a celeridade muitas vezes é aplicada em prejuízo de uma ou
outra parte. Na transação penal, por exemplo, o promotor não faz nenhuma análise
de valor do crime ou contravenção, praticado em tese. Portanto, muitas vezes pode
ocorrer que nem sequer exista requisito de materialidade ou autoria hábeis a ensejar
uma ação penal, ou seja, uma denúncia jamais seria oferecida. Na maioria das
vezes, aberta a audiência, o promotor apresenta para o autor do fato duas opções:
“Você pode optar por aceitar a transação penal ou poderá ser processado
penalmente, podendo eventualmente se absolvido ou condenado. Você não é
obrigado a aceitar a medida despenalizadora, entretanto, se não o fizer corre o risco
de vir a responder por um processo criminal.”
A possibilidade da vítima de estar frente a frente com o aqui chamado autor
do fato em uma audiência preliminar, sem a existência de um processo penal
propriamente dito, foi considerada uma inovação bastante vantajosa para ambas as
partes e para coletividade, pois há muito a sociedade clamava pela implementação
de vias mais céleres para solucionar delitos de pequena monta. O novo
procedimento que possibilita ao autor do fato a oportunidade de se retratar
(conciliação) antes mesmo de ser processado ou ainda receber a benesse de algum
dos institutos despenalizadores previstos na lei; no tocante a vítima, a vantagem
maior centra-se na possibilidade de uma reparação material nos casos de
90
PANDJIARJIAN, Valéria. Juizado Especial Criminal – Lei 9.099/95. Ipas (Brasil). Disponível em:
<http://www.ipas.org.br/arquivos/valeria/9099.doc. Acesso em 12 de nov. de 2006.
74
experimentação de danos economicamente apreciáveis, mediante composição civil,
que na maioria das vezes é bem mais favorável do que ver o infrator apenado por
uma reprimenda estatal.
Nesta situação duas circunstâncias são comumente observadas:
A primeira é em relação à vítima, que na maioria das vezes, não se sente
tutelada pelo Estado quando constata que a pessoa que lhe lesionou determinado
bem jurídico será sujeita uma medida sócio-educativa, tal qual uma doação de cesta
básica ou prestação de serviço à comunidade, sentimento ainda mais forte quando
se trata de ação penal privada.
A outra situação é a vivenciada pelo o autor do fato, que muitas vezes
podendo estar sendo vítima de uma injustiça, vê-se “encurralado” diante do
magistrado e do Ministério Público. Tal fator aliado à ausência de uma defesa
técnica, pois na maioria dos casos, o autor do fato está sendo patrocinado por um
estagiário da defensoria pública que mal leu o processo e não possui nenhum tipo
de contato mais minucioso com o assistido, traz prejuízo à parte. Este, por sua vez,
sente-se sem defesa, pois não há defensor público disponível em razão da carga
elevadíssima de processos que a defensoria recebe, sendo a representação da
defesa mero requisito formal, despido de qualquer caráter assecuratório dos direitos
processuais constitucionalmente resguardados.
Para determinada parcela mais ignorante e humilde, que nem sempre é
devidamente esclarecida dos reais efeitos desta medida alternativa, a medida é
encarada como uma pena, sem qualquer direito de defesa, na medida em que, não
há nenhuma análise de mérito, sentindo-se condenada sem direito a julgamento, na
maioria das vezes aguardar até a suspensão do processo seria mais favorável,
posto que antes do recebimento da denúncia (na defesa prévia) o magistrado
analisa a presença de justa causa.
O instituto da transação penal oferecida ao autor do fato, na maioria das
vezes não apresenta um critério sócio-educativo direcionado ao mal que causou a
conduta infratora, o que ocasiona um enorme número descumprimento da medida e
até mesmo no cometimento da mesma figura típica, pois o Estado não demonstrou
pulso suficiente para coibir o autor de uma nova prática delitiva, tampouco, foi capaz
75
de detectar o foco do problema que levou o indivíduo a delinqüir, em que pese todo
empenho das CEMAs, agora é que elas estão se espalhando por todo Distrito
Federal.
Azor Lopes91 discorrendo sobre a questão da violência doméstica, cita o
Enunciado 29, elaborado no XI Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados
Especiais do Brasil em 2002: “Nos casos de violência doméstica a transação penal e
a suspensão do processo deverão conter preferencialmente medidas sócioeducativas, entre elas acompanhamento psicossocial e palestras, visando à
reeducação do infrator.”
É claro que assim como Azar Lopes92 consideramos a carga de trabalho dos
magistrados e dos promotores públicos, mas fatores como atas previamente
formatadas que facilitam e agilizam a condução da Audiência, a ausência do
Ministério Público nas audiências preliminares, geram a chamada pelo deputado
Romeu Tuma “indústria de cestas básicas” que se opõem a terapêutica proposta
pelo JECRIM.
Carmen Hein de Campos concluí seu trabalho de pesquisa relacionado à
violência doméstica dizendo que:
A aplicação da pena de multa ou da prestação de serviços à
comunidade não tem surtido o efeito desejado nos casos de
violência doméstica. Em geral, as vítimas saem frustradas da
audiência porque não lhes foi dada oportunidade de opinar e
porque a pena imposta não é capaz de reproduzir o grau de
gravidade do delito que chegou ao Judiciário. A insatisfação
com a pena aplicada (multa ou prestação de serviços à
comunidade) representa a impunidade; é como se o delito não
tivesse sido penalizado. Embora inovadora nas medidas
despenalizantes, a Lei tem sido, por outro lado, incapaz de
responder satisfatoriamente aos casos de violência conjugal.93
A solução reclamada por Carmem foi “satisfeita” por meio da criação da Lei
Maria da Penha, que estipulou tipos penais mais severos que não estão sujeitos a
91
SILVA JÚNIOR, 2007.
Ibidem.
93
CAMPOS, Carmen Hein de. Juizados Especiais Criminais e seu déficit teórico. Revista Estudos
Feministas, Florianópolis, vol. 11, n. 1, jan./jun. 2003.Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2003000100009&script=sci_arttext&tlng=pt>.
Acesso em: 25 set. 2007.
92
76
competência do JECRIM, conforme preceitua de modo expresso o art. 41 da Lei
11.34094. Entretanto, acreditamos que não é necessário criar novos diplomas legais
para solucionar estas questões, devemos aperfeiçoar os institutos que já existem,
buscando a sua máxima eficácia social, ou seja, efetividade. É este é um dos
propósitos que buscamos apontar no presente trabalho. Criar novos diplomas legais
só geram a chamada “inflação penal”. A sociedade em busca de fugir do aumento da
violência começa a rodar em um círculo vicioso, sem perceber que não consegue
mais fugir do “Direito Penal de Emergência”.
Podemos concluir que o JECRIM quando bem assessorado por uma equipe
de
acompanhamento
consegue
ser
uma
resposta
eficaz
aos
problemas
apresentados, satisfazendo a prevenção especial. Entretanto, a prevenção geral,
resta comprometida na sua eficiência justamente em razão das falhas operacionais
na prevenção especial. Sim, pois a sociedade ao constatar que deteminada pessoa
do meio em que está inserido não logrou nenhuma mudança em face da medida
alternativa aplicada, passa a desacreditar no instituto, além disso também a que
considerar a cultura vingativa imanente ao ser humano e enquanto não for mudada a
percepção coletiva, fica difícil alcançar um grau alto de satisfação.
Sem nos aprofundar no tema, podemos trazer ao debate a questão da
Justiça Restaurativa como alternativa na busca por mais eficácia aos procedimentos
criminais. A JR que vem sendo erguida como elemento mais hábil a alcançar a
pacificação social, busca a inclusão da vítima e da comunidade na busca pela
redução dos danos causados pelo delito, tomando mão de métodos de negociação e
mediação. Há uma busca pela restauração de todas as relações abaladas, não só
materialmente, pois o infrator é conduzido a refletir sobre as causas do evento
criminoso e dos meios de restabelecimento das partes ao estado anterior ao delito,
de forma integrada com a comunidade e com a rede de assistência social.95
94
“Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,
o
independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n 9.099, de 26 de setembro de 1995.”
95
ESCOLA DA MAGISTRATURA DO DISTRITO FEDERAL. O que é Justiça Restaurativa. Disponível
em:
http://www.escoladamagistratura.org.br/html/static.php?file=justica_restaurativa.html. Acesso em 01
de dez de 2007.
77
No Brasil ainda permeia um positivismo penal decorrente do nosso passado
cultural, onde a retributividade ainda é muito forte na mentalidade das pessoas.
Além disso, há uma verdadeira confusão entre os institutos que não são bem
compreendidos pela população.
”Não só a pena alternativa é encarada [...] como benefício, como também a
medida alternativa é vista, pelos órgãos repensáveis pela fiscalização como
condenação [não só pelos órgãos ficalizadores, mas principalmente pela
96
própria sociedade]. ”
Em que pese a prejudicialidade de pensamentos populares rígidos não
favoráveis às penas alternativas, elas são sem dúvida elemento indispensável na
atualidade, face às condições degradantes das penitenciárias e falência do sistema
de ressocialização no qual ela se fundamenta, entretanto, devemos proceder a uma
análise desmitificadora sobre as medidas alternativas. Um estudo mais apurado
pode nos conduzir a descoberta de que as medidas alternativas, por si só, não são
aptas a esvaziar as prisões e que fatores como índices baixos de reincidência entre
indivíduos que foram beneficiados por elas, não constituem uma realidade tão
precisa.
Defendemos que a medida alternativa só atinge o seu escopo primordial
quando contextualizada com a natureza da infração penal atribuída em tese. E em
que pese a existência de alguns dados positivos apresentados pela CEMA,
acreditamos que Distrito Federal ainda deve ser mais bem assessorado na busca
pela maior efetividade das medidas alternativas, pois a praxe não nos fornece
elementos tão favoráveis a constatar pela sua eficácia.
96
Relatório ILANUD
78
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20, p. 83/93, outubro-dezembro.1997.
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rev. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
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Raquel Martins Rodrigues - Universidade Católica de Brasília