Artigo de Divulgação Precisão de Medidas Cefalométricas: Validade de Métodos de Ensaio Precision of Cephalometrics Measurements: Validity of the Trial Methods Resumo Haroldo R. de Albuquerque Junior O artigo apresenta e descreve dois métodos - repetibilidade e reprodutibilidade de determinação da precisão de medidas cefalométricas. São discutidos aspectos metodológicos que contribuem para a melhoria da qualidade da investigação científica e do desenvolvimento da prática clínica ortodôntica, estabelecendo condições de validação de ensaios de mensuração. INTRODUÇÃO Desde a introdução do cefalostato, em 1931, e a padronização da tomada radiográfica (distância foco-filme) em 1957, a cefalometria radiográfica tornou-se um instrumento essencial em Ortodontia. A cefalometria radiográfica culminou com o desenvolvimento de análises cefalométricas com o propósito de estudar os processos de crescimento e desenvolvimento crânio-facial e as mudanças promovidas pela terapia ortodôntica. São inúmeros os benefícios que este método trouxe à investigação científica – Pesquisa Científica e ao desenvolvimento da Ortodontia como atividade profissional – Prática Clínica4-7, 11-15, 17-20, 23-25, 27. A contribuição de qualquer sistema de medidas cefalométricas (análises cefalométricas) não pode ser avaliada até que sua precisão tenha sido analisada14. Verifica-se pela literatura investigada, que a radiografia cefalométrica não é uma ferramenta tão precisa quanto se possa imaginar, mas sim sujeita a uma série de fatores que podem estar sendo incorporados e induzindo a erros significativos na obtenção das medidas a que se propõe4-6, 9, 12, 14, 17, 18 . Todo esforço, portanto, deve ser feito para minimizar os efeitos desta imprecisão, principalmente, pela verificação de que maneira os erros afetam a interpretação dos resultados a partir dos dados assim obtidos. Tem-se alcançado ao longo dos anos um considerável progresso na Haroldo Rodrigues de Albuquerque Junior * Ary dos Santos Pinto ** Lourdes Aparecida Martins dos Santos Pinto *** Palavras-chave: Cefalometria. Precisão. Repetibilidade. Reprodutibilidade * Professor da Clínica Infantil do Curso de Odontologia da Universidade de Fortaleza - UNIFOR; Mestre em Ortodontia - FOP/UNICAMP; Doutorando em Ortodontia - FOAr/UNESP. ** Professor Assistente-Doutor do Departamento de Clínica Infantil da FOAr/UNESP; Coordenador do Programa de Pós-Graduação - Mestrado e Doutorado em Ortodontia da FOAr/UNESP. *** Professora Adjunta do Departamento de Clínica Infantil da FOAr/UNESP. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 7, n. 4, p. 57-62, jul./ago. 2002 57 padronização dos equipamentos e das técnicas, com o objetivo de diminuir a influência dos erros de projeção, distorção e ampliação da imagem radiográfica. Contudo, apesar de vários estudos e de consistentes conclusões, faz-se necessário, ainda, controle dos erros envolvidos na identificação dos pontos de referências2, 11, 17, 20. Com o advento do computador e do uso de aparelhos eletrônicos de digitalização, cálculos matemáticos de ângulos e distâncias puderam ser realizados utilizando-se coordenadas cartesianas obtidas a partir da digitação dos pontos que representam a imagem radiográfica de estruturas anatômicas de interesse2, 9, 10. Segundo Bjork apud Bjork, Solow7, estabelecer a precisão do erro envolvido na obtenção de medidas cefalométricas é utópico e irrealístico. O que se deve é estimar o erro, através de uma metodologia acertada, para fundamentar a pesquisa e a prática ortodôntica. uma das condições exigidas na coleta do material básico para a pesquisa. Ao se classificar uma variável, deve-se determinar as formas de obtenção (Aparelhos ou Instrumentos), de apuração (Operadores e Tempo) e de apresentação (Planejamento Estatístico)3, 8, 16, 21, 22, 26. As medidas quantitativas de precisão dependem de condições estipuladas, ou seja, determinadas. Condições de repetibilidade e reprodutibilidade são casos particulares de condições extremas de variabilidade. Condição de Repetibilidade: Quando não há variação dos fatores que podem contribuir com a variabilidade dos resultados de um método1 (Tab. 1). Condição de Reprodutibilidade: Quando pelo menos um dos fatores que podem contribuir com a variabilidade dos resultados de um método de ensaio é variado1 (Tab. 1). Os principais fatores que influenciam a precisão de um método de medição são tempo, aparelho e operador, bem como as combinações destes fatores que determinam as distintas medidas de precisão 2,14,17,20 (Tab. 1). O intervalo de tempo entre medidas sucessivas pode ser curto ou longo. Medidas realizadas ao mesmo tempo incluem aquelas efetuadas no período mais curto possível, de modo a minimizar mudanças nas condições que não podem ser mantidas constantes. Medidas realizadas em tempos diferentes são aquelas efetuadas em longos períodos de tempo, podendo incluir efeitos resultantes de mudanças nas condições ambientais. O aparelho pode ou não ser ajustado entre sucessivos grupos de medições, assim como, um mesmo ou diferentes aparelhos são usados nas medições. Um mesmo ou diferentes operadores/analistas executam medições sucessivas. Em algumas situações, o operador ou analista pode ser uma equipe de Determinação da Repetibilidade e Reprodutibilidade de Medidas Cefalométricas Um ensaio de determinação de precisão é considerado parte da validação de um método de ensaio. Um de seus principais propósitos é o de eliminar, o máximo possível, as diferenças entre usuários. Diferenças significativas podem indicar que o método de ensaio não está suficientemente detalhado e que pode ser melhorado1, 3, 8, 16, 21, 26. Outros fatores, além das variações entre amostras supostamente idênticas, podem contribuir para a variabilidade dos resultados de um método de ensaio (Fig. 1). O conhecimento do nível de mensuração dos resultados relativos às variáveis é 58 aparelhos operadores tempo FIGURA 1 - Fatores que contribuem para a variabilidade dos resultados. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 7, n. 4, p. 57-62, jul./ago. 2002 TABELA 1 Principais fatores de variabilidade de ensaio de precisão. Fatores Estado 1 Estado 2 Tempo Medidas realizadas ao mesmo tempo Medidas realizadas em tempos diferentes Aparelho Mesmo aparelho Aparelhos diferentes Operador Mesmo operador Operadores diferentes Precisão Repetibilidade Reprodutibilidade TABELA 2 Aspectos metodológicos que podem ser utilizados para melhorar a qualidade dos estudos. Método de Ensaio: Medição sob controle: Homogeneidade das amostras: Limites de precisão: Operadores: Deve estar definido e claramente descrito. Os aparelhos devem estar em boas condições de manutenção, calibrados e ajustados. As amostras a serem utilizadas nos ensaios independentes devem ser originárias de uma amostra supostamente homogênea. Os limites de precisão serão determinados em diferentes níveis de resultados, ou seja, grandeza ou quaisquer outras faixas de valores numéricos. O(s) operador(es) deve(m) ser treinado(s) e habilitado(s) para utilização do método. Grupo de É aconselhável que o grupo formado tenha membros com experiência no método de ensaio e sua trabalho: aplicação e, acesso a uma pessoa com experiência em análise estatística de experimentos. Normalidade da distribuição: Para os cálculos de limites de precisão, assume-se que os dados apresentam distribuição normal. À medida que a distribuição se afasta da normalidade, os resultados serão mais afetados. operadores ou analistas e cada um dos quais executa uma parte específica do procedimento. É importante que todos os aspectos metodológicos que possam ser utilizados para melhorar a qualidade dos estudos devam ser conhecidos e observados pelos pesquisadores e clínicos quando da execução dos procedimentos1,26 (Tab. 2). Desta forma, é possível: - Diminuir a variabilidade dos fatores envolvidos e resultados obtidos; - Aumentar o poder de comparação de tratamentos e resultados; e, principalmente, - Aumentar a confiabilidade das informações obtidas em diversos tipos de estudos. Para estimar a precisão de um método analítico pode-se realizar ensaios com distintos níveis de complexidade, associando-se1,3,8,10.22,26: - Os fatores de variação na execução do experimento; - O número de repetições; - O intervalo de tempo para a conclusão de todas as medições; e, - O planejamento estatístico mais apropriado para a condução do ensaio. O planejamento hierárquico (balanceado) proporciona uma situação em que se planeja analisar a influência de cada fator de interesse para o estudo da precisão. É importante observar que os vários fatores de variação são analisados em conjunto, com o objetivo de quantificar separadamente suas contribuições na variabilidade total1. A proximidade de observações replicadas ou repetidas em torno de uma medida cefalométrica depende das condições estipuladas de obtenção1. No gráfico 1, observam-se medidas realizadas em 19 pacientes. Foram realizadas duas medidas para cada paciente. Para cada paciente mostram-se R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 7, n. 4, p. 57-62, jul./ago. 2002 duas medidas e a média. Se a variabilidade da medida (repetibilidade ou reprodutibilidade) é grande (como neste caso) será quase impossível fazer uma diferenciação entre pacientes, tratamentos e resultados. A variabilidade é consistente e interfere para invalidar o método. O gráfico 2 mostra uma situação em que a medida varia pouco em relação às diferenças entre tratamentos, resultados e pacientes. A variabilidade é desprezível e não interfere para invalidar o método. A condição de repetibilidade representa a variabilidade mínima, necessária à Prática Clínica, evitando a contaminação dos dados com erros que podem levar ao diagnóstico e/ou plano de tratamento limitados e até inadequados ao paciente4,12,22,26 (Fig. 2, Gráf. 3). A condição de reprodutibilidade representa a variabilidade máxima, requerida à “Pesquisa 59 GRÁFICO 1 Variabilidade de medidas. Método inválido. 2.5 2.0 MEDIDA 1.5 1.0 0.5 0.0 -0.5 -1.0 -1.5 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 14 15 16 17 18 19 GRÁFICO 2 Variabilidade de medidas. Método válido. EA FCM.A/Ra.B 5 0 -5 -10 -15 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 GRÁFICO 3 Dispersão de medidas sob condição de repetibilidade. operador M Traçado Convencional ou Traçado Computa- e dorizado: scanner ou digitizer d i d a momento 1 momento 2 FIGURA 2 - Fatores envolvidos sob condição de repetibilidade. 60 0 5 10 15 20 25 30 35 40 R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 7, n. 4, p. 57-62, jul./ago. 2002 operador A e B Traçado Convencional ou Traçado Traçado Convencional ou Traçado Computadorizado: scanner Computadorizado: digitizer momento 1 momento 2 momento 3 momento 1 momento 2 momento 3 FIGURA 3 - Fatores envolvidos sob condição de reprodutibilidade. GRÁFICO 4 Dispersão de medidas sob condição de reprodutibilidade. M e d i d a 0 Científica”, através do controle rígido da possibilidade de erros que podem tornar os dados de uma investigação inválidos levando a conclusões erradas4,12,22,26 (Fig. 3, Gráf. 4). CONCLUSÃO Isto posto, tem-se claro a necessidade de se determinar e avaliar a precisão de medidas cefalométricas sob condição 5 10 15 20 25 30 de repetibilidade e reprodutibilidade, estabelecendo padrões mínimos de controle do erro e validação do método de ensaio. Nos dias atuais, a prática clínica exige um máximo em eficiência e qualidade no diagnóstico e plano de tratamento e requer um mínimo de tempo na execução dos mesmos. A pesquisa científica, por sua vez, exige rigor e credibilidade R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 7, n. 4, p. 57-62, jul./ago. 2002 35 40 na manipulação dos resultados e suas aplicações. Essa nova perspectiva tem sido denominada de Odontologia Baseada em Evidências, e tem chamado para si o compromisso de gerar e produzir novos conhecimentos. AGRADECIMENTO Ao prof. Dr. Carlos Hugo Domenech pela valiosa colaboração científica. 61 Abstract The paper shows two methods - repeatibility and reproducibility - to determine a precision of cephalometrics measurements. The methodological models that improve a quality of the research and randomized clinical in orthodontics are presented. The parameters to validate the trial method are delineated. Lancet, London, v.1, p.307-310, 1986. 9 - BUSCHANG, P. H. et al. Cephalometric reliability. A full ANOVA model for the estimation of true and error variance. Angle Orthod, Appleton, v. 57, no. 2, p. 168-175, Apr. 1987. 10 - DAHLBERG, G. Statistical methods for medical and biological student. New York: Interscience, 1940. 11 - DAVIS, D. N.; MACKAY, F. Reliability of cephalometric analysis using manual and interactive computer methods. Br J Orthod, London, v. 18, n. 2, p.105109, May 1991. 12 - GOLDREICH, H. N. et al. Considerações sobre os erros em cefalometria. 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