O Paradoxo da Dupla Excepcionalidade: Capacidade Acima da Média e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade Carlos Eduardo PAULINO1 INTRODUÇÃO Existem crianças com necessidades especiais. Entretanto, o universo de crianças normais que são transformadas em doentes, por uma visão de mundo medicalizada, da sociedade em geral e da instituição escola, em particular, é tão grande que tem nos impedido de identificar e atender adequadamente as crianças que realmente precisam de uma atenção especializada, seja em termos educacionais, seja em termos de saúde. O processo de patologização é duplamente perverso: rotula de doentes crianças normais e, por outro lado, ocupa com tal intensidade os espaços, de discursos, propostas, atendimentos e até preocupações, que desaloja desses espaços àquelas crianças que deveriam ser os seus legítimos ocupantes. Expropriadas de seu lugar, permanecem à margem das ações concretas das políticas públicas (Collares & Moysés, 1996, p. 7). A capacidade acima da média e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) são temas atuais que interferem no ambiente escolar, principalmente, quando suas características não são devidamente conhecidas e reconhecidas, trazendo prejuízos que podem afetar o aluno no seu desempenho cognitivo, emocional e social – na escola, na família e com seus pares (Germani, 2006). Pesquisadores buscam entender as pessoas com necessidades educacionais especiais que exibem processos diferenciados em seu desenvolvimento, tais como dificuldades emocionais e comportamentais, problemas de saúde mental, dislexia, discalculia, síndrome de Asperger, entre outras condições não compatíveis com pessoas Dotadas e Talentosas. Nesse grupo, fazem parte os Dotados e Talentosos com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (Reis & McCoach, 2000). 1 Mestrando em Educação do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília – UNESP Marília/SP – Psicopedagogo Institucional e Clínico e Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial. [email protected] O surgimento do TDAH como patologia é recente, porém, mesmo não existindo um consenso em relação à sua nomenclatura e sua etiologia, muitas crianças são diagnosticadas com o transtorno. O diagnóstico do TDAH é realizado principalmente de acordo com os critérios estabelecidos pelos sistemas classificatórios do DSM-IV e CID-10, e embora exista uma vasta literatura que associa fatores neurobiológicos para a explicação etiológica do transtorno, o diagnóstico é principalmente clínico, pois Apesar de inúmeros relatos de alterações eletroencefalogrática, neurofuncionais e de neuroimagem, tais testes e exames laboratoriais não possuem valor preditivo, (tanto positivo como negativo) suficientemente alto para recomendar seu uso no ambiente clínico, sendo reservados para ambiente de pesquisa ou casos excepcionais (Mattos et al., 2006, p.57). É importante ressaltar que mesmo a utilização de tais sistemas classificatórios não é suficientemente conclusiva com relação à definição do número mínimo de sintomas presentes para que seja feito o diagnóstico de TDAH. Enquanto o DSM-IV aponta a necessidade da presença de seis sintomas de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade, no CID-10 são necessários seis sintomas de desatenção, três de hiperatividade e um de impulsividade para que o diagnóstico possa ser realizado. Esta variedade pode ser responsável pela diferença do número de diagnósticos encontrados na população, uma vez que aponta a existência de uma nãouniformidade nos critérios diagnósticos. Associado a isso é necessário que os sintomas apareçam frequentemente para ser considerados positivos, porém, não existe uma operacionalização para a definição de “frequentemente” nos sistemas classificatórios. Portanto, “dependendo de onde o clínico colocar o ponto de corte para definir o sintoma como freqüente, ele terá mais ou menos indivíduos incluídos na categoria diagnóstica”. (Rohde, Eurípedes, Benetti, Gallois, Kieling, 2004, p. 104). Na tentativa de sistematização desta definição, o autor sugere que o sintoma deve ocorrer mais vezes do que não ocorrer nas situações pesquisadas. A comorbidade é outro aspecto frequentemente relacionado ao TDAH, sendo apontado um alto índice, em torno de 70% (Rohde et al., 2004) de presença de outros diagnósticos associados ao transtorno, como os de humor, de ansiedade, de aprendizagem, por exemplo. Este índice de comorbidade também pode ser considerado responsável pelo aumento na utilização de intervenção terapêutica medicamentosa para os diagnósticos de TDAH. O cenário aponta para os riscos da banalização e generalização do diagnóstico do Déficit de Atenção e Hiperatividade, associado à prescrição medicamentosa como a principal ferramenta terapêutica para estes casos, que a despeito de todos os aspectos apontados acima, tem sido cada vez mais utilizada. Esta relação entre diagnóstico e efeito terapêutico medicamentoso tem sido o principal responsável pelo aumento dos diagnósticos, gerando o “efeito rebote”, no qual (...) há uma ampliação da categoria com inclusão de novos sinais e sintomas, o que faz com que novas pessoas se reconheçam e se identifiquem com os comportamentos que caracterizam o transtorno. Isso produz o aumento da demanda por tratamento e, consequentemente, aumento do consumo da Ritalina, e aumento do interesse popular pelo assunto. Essa alteração no repertório de conduta dos indivíduos que passam a guiar seus comportamentos pela crença de que são indivíduos portadores de uma patologia, faz com que um maior número de indivíduos seja diagnosticado, o que tem contribuído para o aparecimento do “adulto com TDAH”. Isso torna toda a população candidata potencial a ser portadora do transtorno. (Ortega, Barros, Caliman, Itaborahy, Junqueira, Ferreira, 2010, p. 507). Portanto, o aumento no número de diagnósticos de TDAH tem sido responsável pela vertiginosa produção do medicamento a base de metilfenidato, medicamento mais usado para o tratamento de crianças diagnosticadas com TDAH. Pesquisas apontam que a produção desta medicação cresceu, entre 1993 e 2003, 400%. Nos Estados Unidos, a produção deste fármaco cresceu mais de 800% entre 1990 e 2000 (Moysés & Collares, 2010). Estudos nacionais e internacionais que utilizam os critérios do DSM-IV tendem a encontrar prevalências deste transtorno ao redor de 3 a 6% em crianças em idade escolar, com destaque para os do sexo feminino sobre o sexo masculino, variando de quatro meninos para uma menina a nove meninos para uma menina (Benczik, 2000). No entanto, o consumo do metilfenidato teve um aumento de 600% de 1990 a 1995. Em 1995 o número de crianças diagnosticas e que utilizavam a medicação já era de 10 a 12%, com idade entre 6 e 14 anos. Em 2007, o número de pessoas medicadas com metilfenidato, era de 6.000.000 de pessoas, dentre estas, 4.750.000 eram crianças e sua maioria, 3.800.000, eram meninos (Moysés & Collares, 2010). Já no Brasil, o segundo maior consumidor do fármaco para o tratamento de TDAH, o aumento do seu consumo também tem sido significativo, em 2000 foram vendidas 71.000 caixas e 739.000 em 2004 (aumento de 940%) e em 2008, foram vendidas 1.147.000 caixas (Moyses & Collares, 2010). Se levarmos em consideração que a principal característica do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade é a dificuldade de concentração e atenção em atividades cotidianas, é mister apontar que tais características assumem uma grande importância no contexto educacional, responsável por um substancial número de encaminhamentos de crianças que apresentam tais características para serviços de saúde mental infantil. A presença destes sinais em um grande número de crianças gera uma série de dificuldades para a instituição escolar tanto com relação ao contato e condução das atividades e do comportamento das mesmas, no entanto, apesar dessa constatação, há esforços isolados, entre os pesquisadores da área da educação, no sentido de evitar a patologização dos comportamentos hiperativos, tentando entender o TDAH como um tipo de funcionamento cerebral diferente, tirando-o do estigma de doença, sendo explicado com características específicas que possuem pontos positivos e negativos (Silva, 2003). Porém, ao invés de se refletir a respeito da implicação do contexto social e mesmo da instituição escolar na produção de tais comportamentos, a saída encontrada recai, recorrentemente sobre a criança e sua família, responsabilizadas individualmente pelas dificuldades apresentadas. A fim de identificar quais fatores eram considerados importantes na determinação do aprender ou não aprender no ambiente escolar, Collares e Moysés (2010) realizaram uma pesquisa, com professores e diretores de escolas municipais de Campinas/SP. Os resultados mostraram de forma unânime que o fracasso escolar, segundo esses profissionais, é motivado por questões relacionadas à criança e à sua família. Com relação a fatores internos à instituição escolar, todos os diretores referiram somente problemas centrados na figura do professor. Também foram significativos os baixos índices relativos a problemas na escola, apenas 7,5% dos professores apontaram algum problema no sistema de ensino. Percebe-se com estes resultados que, aspectos relacionados ao ambiente escolar (problemas na escola, fatores internos à instituição) não são considerados como um dos agentes causadores do não-aprender. Há uma tendência a biologização da vida e, consequentemente, uma patologização de tudo que foge a norma, não havendo espaços para uma problematização do ensino-aprendizagem da atualidade, bem como, um ambiente escolar que respeite a diversidade humana e suas diferentes formas de conhecimento. Como é predominante a visão de que o indivíduo é responsável pelos comportamentos indesejáveis, não há um olhar atento para a capacidade acima da média. Esta temática também apresenta divergências e falta de consenso a respeito do conceito e da terminologia, mas os estudos sobre o assunto existem desde a antiguidade. Mesmo integrante da Educação Inclusiva, pouco tem sido feito para o atendimento especializado às crianças com capacidade acima da média. Em decorrência da falta de consenso para a compreensão dessas temáticas, não é raro encontrarmos erros de diagnóstico (Perry, 1998, Winner, 1998, Lawler, 2000), em que os comportamentos que uma criança apresenta são atribuídos ao TDAH, quando, na verdade, poderiam ser causados/relacionados por alguma outra condição ou característica, como por exemplo, um funcionamento intelectual superior. Para Leroux e Levitt-Perlman (2000), os profissionais encarregados da identificação e dos diagnósticos têm grande responsabilidade nessa tarefa de distinguir entre estudantes que são Dotados e Talentosos e estudantes com TDAH. Devido a essa diversidade de concepções e falta de clareza com relação a essas temáticas, Almeida e Capellini (2005) ressaltam que “o ambiente escolar pode favorecer ou dificultar a integração do aluno Dotado e Talentoso. Sua capacidade pode contribuir para seus estudos ou mesmo pode levar ao tédio, aborrecimento ou rebeldia capazes de provocar baixo desempenho” (p. 62). Muitos comportamentos vistos em crianças Dotadas e Talentosas podem ser percebidas pelos profissionais, principalmente em sala de aula, como um problema. No entanto, estas características podem ser causadas por diversos fatores, tanto internos, como por exemplo, o estado emocional da criança, imaturidade e o processo de desenvolvimento, e externos, como o ambiente em que a criança esta inserida, tanto familiar, escolar e social. O aluno, portanto, frequentemente acaba sendo visto como uma criança-problema ou hiperativa e, não é raro o encaminhado para outros profissionais para que seja feito um diagnóstico especializado. Webb (2001), Alencar e Fleith (2005) destacam que muitas crianças Dotadas e Talentosas estão sendo encaminhadas por professores e mal-diagnosticadas por psicólogos, psiquiatras, pediatras e outros profissionais de saúde. Os diagnósticos mais comuns são: Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), Transtornos do Humor, dentre outros. Ourofino (2005) conduziu um estudo para diferenciar as características de crianças Dotadas e Talentosas de crianças com TDAH, e ficou evidente nos resultados que o primeiro grupo tem desempenho significativamente superior nas inteligências, autoconceito e na criatividade. Winner (1998) aponta que é possível que um aluno dotado seja mais freqüentemente diagnosticado erroneamente do que uma criança não dotada, porque é muito comum estas crianças ficarem entediadas e inquietas num ambiente não estimulador e desafiador. Segundo Negrine, Camargo e Hosda (2009) ambos os grupos (crianças com capacidade elevada e crianças com TDAH) apresentam altos níveis de atividade. A agitação pode ser percebida em crianças com capacidade elevada quando estão muito curiosas com assuntos de seus interesses. Segundo as autoras, outro aspecto que chama a atenção quando se trata destes dois grupos é a atenção em relação ao que está desenvolvendo. Normalmente as pessoas com altas habilidades/superdotação possuem grande capacidade de concentração e atenção, principalmente em suas áreas de interesse, e esta é uma característica de destaque, pois consegue manter uma dedicação por um tempo maior em algo que lhe esteja interessando. Contudo, se não orientado e estimulado adequadamente, este sujeito pode perder a atenção pelo trabalho em sala de aula, e dedicar-se para a realização dos seus objetivos de forma individual, sem preocupação com as solicitações do professor. Desse modo, o fato de estar presente em sala de aula deixa de ser algo instigante e realizador, mas somente o cumprimento de regras (Negrine, Camargo & Hosda, 2009, p. 4402). O ambiente escolar, desta forma, pode ofuscar, por exemplo, o florescimento do pensamento criativo, pois a escola visa a reprodução do conhecimento e não a produção, dessa forma a disciplina e a cópia são mais valorizadas que a criatividade, a pesquisa e iniciativa, podando o desenvolvimento das potencialidades, o que sobrecarrega, sobretudo, os alunos Dotados e Talentosos, dessa forma reprimindo suas capacidades, gerando na maioria das vezes desinteresse e indisciplina, o que leva os professores e colegas a taxarem esse aluno como “problema”, com o possível diagnóstico errado, levando a patologização e consequente medicalização. Rech e Freitas (2004) apontam que quando a criança Dotada e Talentosa não consegue instituir uma relação positiva com seus colegas, assim como com o educador, ela pode desenvolver mecanismos de defesa para minimizar os efeitos dessas relações conturbadas. O subaproveitamento é um desses mecanismos de defesa, que podem surgir em dois casos distintos: como forma de a criança “camuflar” a sua alta capacidade para ser aceita pelo grupo de pares; ou ainda quando um ambiente escolar não desafiante pode levá-la a desinteressar-se pelos estudos. Esses erros ocorrem, muitas vezes, pelo fato dos critérios de identificação serem fundamentados, geralmente, nas ciências médica e pedagógica sem se considerar os sinais de capacidade elevada, ou seja, resultam de uma ausência de conhecimento entre os profissionais sobre os conceitos de Dotação e Talento, bem como suas características sociais e emocionais (Webb & Latimer, 1993; Cramond, 1994; Baum & Olenchck, 2002). Cramond (1994), Baum e Olenchack (2002) ressaltam também que alguns sinais observados como sintomas de TDAH podem ser características de capacidade elevada e estas características existem devido aos traços de intensidade e superexcitabilidade que marcam o comportamento assincrônico do dotado. Ourofino (2005) aponta que há dificuldade em diferenciar características de Dotação e TDAH e, reconhecer a coexistência dessas condições, o que caracteriza a dupla excepcionalidade, que significa a co-existência da Dotação e do TDAH. Crianças Talentosas com TDAH têm comportamentos específicos, tais como mascarar suas dificuldades acadêmicas, disfarçar sua baixa auto-estima, apresentar atrasos e assincronia no desenvolvimento global, que as colocam em situação de risco social e de problemas emocionais. Elas precisam ser precocemente identificadas para receberem intervenção precisa e individualizada (Ourofino & Fleith, 2005, p. 166). O professor tem papel fundamental em todo esse contexto. É dele que, na maioria das vezes, parte a primeira “sinalização” dessas crianças. Se os temas são ainda confusos e se não há uma apropriação desses conceitos por parte dos professores, torna-se difícil que os mesmos consigam sinalizar esses alunos corretamente e, pior, conseguir distingui-los. A literatura aponta para características que podem ser observadas para distinguir os três grupos, como no trabalho de Fleith e Alencar (2007), os Dotados e Talentosos (habilidade geral acima da média, motivação e envolvimento com a tarefa, atenção concentrada, fluência verbal, autoconceito positivo), TDAH (habilidade geral média, desatenção e impulsividade, atenção difusa, fala contínua, autoconceito negativo) e Dotados e Talentosos – TDAH (habilidade geral acima de média, inquietação motora e psíquica, grande esforço para manter a atenção, oscila entre momentos de atenção concentrada e difusa, fala contínua, autoconceito oscilante, dificuldades para lidar com a auto-imagem). Pensando em verificar como se dá esse processo de sinalização dessas crianças, empreendemos uma pesquisa, no segundo semestre de 2010, composta por uma amostra não probabilística, com 77 professores dos quartos e/ou quintos anos da rede municipal de Assis/SP, tentando buscar os seus conhecimentos a cerca das crianças com capacidade acima da média, com TDAH e da dupla excepcionalidade. Indagados aos participantes se sabem diferenciar uma criança com capacidade acima da média de uma criança com TDAH, 20.8% dos docentes disseram saber diferenciar claramente uma criança com TDAH de uma criança com Dotação e Talento, 59.7% disseram saber apenas superficialmente diferenciá-las e 19.5% disseram não saber. Entre os que sabem superficialmente diferenciar um aluno com capacidade acima da média de um com TDAH (n = 45), 46.7% não possuem certeza sobre a dupla excepcionalidade. Já entre aqueles que acreditam que ambos sejam mais visíveis em sala de aula (n = 38), uma porcentagem igual a 47.4% disse acreditar na dupla excepcionalidade e a mesma porcentagem disse não ter certeza sobre. Além disso, dentre aqueles que não sabem diferenciar, o aluno mais visível seria aquele com TDAH. Dentre aqueles que disseram possuir alunos com TDAH, a maioria alegou saber “superficialmente” diferenciar esses alunos (TDAH de Dotação). O mesmo ocorreu para aqueles que disseram possuir alunos Dotados e Talentosos. Para os docentes que disseram saber diferenciar apenas superficialmente a dupla excepcionalidade (n = 45), 57.8% disse que ambos são mais visíveis em sala de aula. Isso pode explicar o fato dos respondentes terem assinalado algumas características presentes na dupla excepcionalidade, como exclusiva (ou majoritariamente) de alunos com TDAH. São elas: alto nível de energia (52.6%); distração, tédio, desinteresse nas aulas (47.9%), muitas vezes seu desempenho é considerado baixo e/ou com falta de motivação (72.7%), dificuldade de seguir regras e regulamento – desafio e autoridade (64.5%), impulsividade (68.4%), necessitam de mais estímulos dos professores (61.8%) e impaciente (53.9%). Em todas essas questões a porcentagem de respondentes, para alunos com capacidade acima da média, não atingiu os 12.0%. Dificuldades de relacionamento com colegas da mesma idade que não compartilham dos mesmos interesses seria menos comum para alunos com TDAH (17.6%) e mais evidente para aqueles com capacidade acima da média (37.8%) ou a ambos (44.6%). Os docentes “não enxergam” os alunos Dotados e Talentosos como os mais verbais e falantes (8.3%), característica, que para eles, seria de alunos com TDAH (63.9%). Os entrevistados ficaram divididos a respeito do tipo de aluno que apresentaria problemas de conduta, especialmente durante a realização de tarefas pouco desafiadoras sendo que 41.9%, 31.1% e 27.0% atribuíram, respectivamente para alunos com TDAH, com capacidade acima da média e a ambos. Bem como para aqueles que demonstram tédio em relação às atividades curriculares regulares, 32.0%, 34.7% e 33.3% respectivamente. Apesar da maioria dos professores apontar reconhecer apenas superficialmente alunos com TDAH e com Dotação e Talento, notamos que algumas características (ou atributos) negativas ou que resultam em dificuldades para o professor em sala de aula, são atribuídas exclusivamente àqueles alunos considerados com TDAH, tais como: alto nível de energia, distração, tédio, desinteresse nas aulas, muitas vezes seu desempenho é considerado baixo e/ou falta de motivação, dificuldade de seguir regras e regulamento – desafio e autoridade, impulsividade, necessitam de mais estímulos dos professores. Para os participantes da pesquisa, características como: motivação e persistência para adquirir e ampliar seus conhecimentos sobre áreas de seu interesse (84.0%), criatividade, imaginação e originalidade (67.1%), organização, planejamento (95.9%), mais críticos com os outros e consigo próprio (80.8%), independência, autonomia e iniciativa (76.0%) e interessados e perguntadores (78.4%), são majoritariamente de alunos com capacidade acima da média. Este dado corrobora os conceitos apresentados pelos professores para a Dotação e Talento, como sendo bons alunos e com uma visão mitificada sobre os mesmos. Winner (1998) lembra que mitos e mal entendidos “podem ser identificados em qualquer área de estudo, e o tópico da Dotação não é exceção” (p.14), assim a autora, e outros estudiosos, como Almeida e Capellini (2005) apontam a existência de diversos mitos, o qual permeiam tanto o intelectual e o emocional do Dotado e Talentoso. Estes mitos fundamentam visões deturpadas das pessoas dotadas e, infelizmente, podem comprometer o desenvolvimento desta capacidade. Outro exemplo pode ser visto em características como dificuldades de relacionamento, mais verbais e mais visíveis em sala de aula que foram considerados pelos professores como características apenas de TDAH, dado que parece contraditório ao índice de professores que acreditam na dupla excepcionalidade. Ou seja, apesar de 45,3% dos docentes apontarem a dupla excepcionalidade, suas características são atribuídas exclusivamente aos alunos com TDAH. Os resultados contribuem para a percepção do desconhecimento, por parte dos professores, das características apresentadas por alunos com TDAH e Dotação e Talento, aliada a uma valoração diferenciada para ambos. Aliado aos mitos existentes sobre a Dotação e Talento, muitas características desviantes da norma, não são vistas como presentes no aluno com capacidade acima da média, o que não é real, já que a criança com capacidade acima da média é uma criança como qualquer outra, e como já exposto, seus comportamentos são causados/relacionados tanto por fatores internos quanto externos. Apontamos se tal desconhecimento sobre as características dos alunos Dotados e Talentosos que são semelhantes aos dos alunos ditos com TDAH, não poderia acarretar na invisibilidade destes alunos, bem como em erros de diagnóstico e conseqüentemente, na medicalização dos mesmos. A medicalização desta criança pode impedir o desenvolvimento de sua capacidade, já que o mecanismo de ação do metilfenidato é o mesmo da cocaína - um poderoso estimulante que aumenta a atenção e produtividade – e assim: (...) essas substâncias aumentam o nível de dopamina no cérebro, pelo bloqueio de sua recaptação nas sinapses. (...) A dopamina é o neurotransmissor responsável pela sensação de prazer. Como conseqüência desse aumento artificial, o cérebro torna-se dessensibilizado a situações comuns da vida que provocam prazer, como alimentos, emoções, interações sociais, afetos, o que leva à busca do prazer artificial provocado pela droga (Moysés & Collares, 2010, p. 97). Como conseqüência deste desconhecimento e aumento de medicalização das crianças, o aluno com capacidade acima da média, se não percebido como tal, provavelmente não será atendido em suas necessidades educacionais e terá seu desempenho prejudicado. Estes resultados corroboram com outros estudos desenvolvidos, Baum e Olenchack (2002) que demonstram a existência de uma falta de conhecimento sobre as características de crianças com capacidade elevada, pode levar muitos alunos com capacidade elevada, os quais demonstram comportamentos e características que podem ser indicativos de mais de um diagnóstico, a serem inadequadamente diagnosticados e rotulados. Continuam dizendo que, muitas vezes, este erro diagnóstico pode contribuir para o fracasso do aluno para ser bem sucedido no ambiente escolar. Este fato aponta para a necessidade de investimento em educação continuada e de maior conhecimento científico, portanto, menos desmistificada e valorativa com relação à criança e, principalmente às características consideradas como patológicas neste universo. Alencar (2007) lembra que apesar de existir um reconhecimento sobre a importância do desenvolvimento destes alunos, há uma formação incompleta ou inadequada de grande parte dos professores quanto as estratégias e procedimentos para lidar com estes alunos. Winner (1998) também assinala o fato de que isto se deve a falta de clareza com a qual diversas categorias de problemas de aprendizagem são definidas. Considerando tais divergências e falta de consenso tanto com relação ao diagnóstico e tratamento do TDAH como o de Dotação e Talento, apontamos para a necessidade de um movimento reflexivo no sentido de buscar outras formas de ver e significar tais crianças no contexto escolar. Verificamos que as características atribuídas ao TDAH prevalecem no contexto escolar, e de certa forma, exacerba tais características nas crianças em detrimento de outras. Portanto, prevalece a visão patológica sobre a criança e a família, contribuindo para o aumento de patologização e medicalização desta população. Outro ponto a ser questionado inclui a dupla excepcionalidade, que acentua as dificuldades apontadas com relação ao diagnóstico de TDAH, que pode ser considerado um paradoxo, pois reúne num mesmo termo, a utilização de dois conceitos não consensuais e questionáveis quanto à conceituação. A pesquisa apresentada aponta que, do ponto de vista dos professores, a criança sinalizada com características atribuída ao TDAH destaca-se no contexto escolar e com isso, encobre outras características como as da Dotação e Talento, por exemplo. Estamos diante de um cenário escolar que privilegia o diagnóstico e a patologização da infância e que facilmente pode desconsiderar a importância e o papel do ambiente (escolar, social e cultural) na constituição subjetiva das crianças. Aliás, considerar características infantis como patologia pode significar desconsiderar o caráter do desenvolvimento de características da infância, atribuindo tão somente o significado patológico a sinais que poderiam refletir dificuldades e provavelmente, o resultado da constituição subjetiva diante de um contexto social que possui características específicas na atualidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS Baum, Susan M., & Olenchak, Richard F. (2002). The alphabet: GT, ADHD and more. Exceptionality, 10(2), 1077-1091. Benczik, Edyleine B. P. (2000). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: atualização diagnóstica e terapêutica. São Paulo: Casa do Psicólogo. Collares, Cecília A. L. & Moysés, Maria A. A. (2010). Preconceitos no cotidiano escolar: a medicalização do processo ensino-aprendizagem. In: Conselho Regional de Psicologia de São Paulo; Grupo Interinstitucional (Org.). Medicalização de crianças e adolescentes. 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