CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
AUDIOLOGIA CLÍNICA
OTITES MÉDIAS
PATRÍCIA DE VASCONCELLOS KNÖLLER
RIO DE JANEIRO
1999
CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
AUDIOLOGIA CLÍNICA
OTITES MÉDIAS
Monografia de conclusão do curso de
especialização em Audiologia Clínica
Orientadora: Mirian Goldenberg
PATRÍCIA DE VASCONCELLOS KNÖLLER
RIO DE JANEIRO
1999
RESUMO
Este trabalho teve por objetivo principal oferecer ao fonoaudiólogo
audiologista, através de uma revisão bibliográfica, uma gama maior de
conhecimentos teóricos sobre as otites médias, no intuito de auxiliá-lo em seu
trabalho durante a prática clínica de realização dos exames audiométricos e
imitanciométricos, inclusive no tocante à orientação ao paciente, ajudando-o a
entender sua patologia e a prevenir seqüelas.
O complexo otite média foi abordado em suas formas clínicas, etiologia,
fatores pré-disponentes, sintomatologia, principais conseqüências e os achados
audiométricos e imitanciométricos mais comuns.
Para minha filha Ana Carolina, que,
mesmo sem compreender minhas longas horas
de ausência durante o curso no qual resultou
neste trabalho, foi meu maior incentivo.
À você, minha pequenina, com todo o meu amor!
.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que, de boa vontade, deram um pouquinho
de si, incentivando e ajudando a melhorar o trabalho até a versão final.
Agradeço especialmente à minha mãe pelo incentivo e exemplo de
coragem.
Ao meu marido, Junior, pela compreensão, paciência e o indispensável
auxílio à impressão deste trabalho.
Ao Dr. Luís Rogério Pires de Mello e à Dra. Andréa P. de Mello de
Azevedo pelo empréstimo de material bibliográfico.
À Fonoaudióloga Kátia Silva Pessôa, companheira nas horas difíceis, pelo
incentivo e amizade tão importantes.
A todas as colegas de turma do CEFAC, pelas horas de proveitosa
convivência.
A todos vocês, muito obrigada!
A única maneira de curar é ser curado.
Ninguém pode pedir ao outro para ser curado.
Mas pode deixar-se curar e assim oferecer ao outro
o que recebeu. Quem pode oferecer ao outro o
que não tem? E quem pode compartilhar
aquilo que nega a si mesmo?
(Um curso em Milagres, p. 619)
SUMÁRIO
1.
2.
3.
4.
Introdução .................................................................................. 1
Discussão teórica e considerações iniciais ............................... 2
Fatores etiológicos da otite média aguda ................................... 3
Formas clínicas da otite média aguda ........................................ 5
4.1 Otite média aguda sem efusão ........................................ 5
4.2 Otite média aguda com efusão ........................................ 6
4.3 Otite média aguda serosa ................................................ 6
4.4 Otite média aguda supurativa .......................................... 6
4.5 Otite média aguda necrotizante ....................................... 6
5. Fatores pré-disponentes ............................................................ 7
6. Bacteriologia da otite média aguda ............................................ 10
7. Considerações sobre resistência bacteriana e mecanismos produtores de beta-lactamase .............................................................. 11
8. Sintomatologia
........................................................................... 15
9. Complicações e seqüelas ........................................................... 18
10. Otites médias crônicas ................................................................ 23
11. Fatores etiológicos na otite média crônica .................................. 24
12. Bacteriologia da otite média crônica ............................................ 25
13. Complicações ............................................................................... 25
14. Formas clínicas da otite média crônica ....................................... 26
14.1 Otite média crônica simples .............................................. 26
14.2 Otite média crônica colesteatomatosa .............................. 27
15. Achados audiométricos e imitanciométricos mais comuns ........ 30
16. Considerações finais .................................................................. 34
17. Referências bibliográficas .......................................................... 36
INTRODUÇÃO
É muito comum, na prática clínica, termos pais ávidos por explicações
sobre “o que o seu filho tem, e o que quer dizer este ou aquele resultado nos
exames, ou se a criança vai melhorar, se vai ficar surda “, etc.
O
fonoaudiólogo
pode
ajudar
ao
médico
especialista
(otorrinolaringologista) realizando esclarecimentos ao paciente no intuito de
minimizar ou prevenir maiores complicações decorrentes das otites. É
importante fazer uma orientação aos pais chamando a atenção destes para o
fato de que a criança portadora de otites médias de repetição pode vir a
apresentar problemas de linguagem pela distorção com que pode ouvir, devido a
presença de líquido no ouvido.
Também fica mais fácil para o fonoaudiólogo audiologista encaminhar
melhor a anamnese (entrevista) na hora do exame (“Veio fazer este exame por
quê?”) se ele tiver um bom conhecimento da patologia, tornando mais fácil sua
identificação e diminuindo as dúvidas sobre as respostas encontradas.
Com este trabalho pretendo mostrar a importância do conhecimento das
otites médias, a fim de possibilitar ao fonoaudiólogo audiologista informações
que lhe permitam reconhecer, diferenciar e qual o prognóstico que se pode
esperar destas otites, quando ocorrerem alterações nos exames audiométricos
e/ou imitanciométricos decorrentes desta patologia; em suma, possibilitando ao
profissional o conhecimento para poder explicar todos os aspectos relativos à
deficiência auditiva (condutiva) e suas implicações, sem se deter a ser um mero
realizador do exame para o otorrinolaringologista.
Para esta pesquisa serão estudados livros, tratados e artigos específicos
sobre o tema.
DISCUSSÃO TEÓRICA
Considerações iniciais:
Otite média aguda é uma inflamação do ouvido médio de caráter agudo,
ou seja, tem um curso breve e sintomatologia exacerbada.
Otite média crônica é uma inflamação da mucosa do ouvido médio de
caráter crônico que evoluiu com a permanência de uma perfuração, possui um
curso mais arrastado e uma sintomatologia mais discreta.
Otite média serosa (ou secretora) é a inflamação da mucosa do ouvido
médio que cursa com a presença de um derrame líquido seroso. Às vezes são
chamadas de otites secretoras, a única diferença é o líquido, que fica mais
consistente na secretora, tornando-se mais viscoso (glue ear).
Otite média recorrente (OMR) caracteriza-se por recidivas freqüentes de
episódios de otite média aguda (OMA). Algumas crianças têm maior tendência
do que outras para apresentar otites. Define-se uma criança como portadora de
OMR quando ela apresentar três ou mais episódios de OMA em seis meses, ou
quatro ou mais episódios durante doze meses (SIH, 1997).
Apesar de todas as faixas etárias serem atingidas por essa doença, a
população alvo com maior risco de aquisição de otites médias é a infantil. Com
um pico de prevalência máxima entre os seis e os trinta e seis meses,
coadjuvado por um outro pico de menor amplitude entre os quatro e os sete
anos (KESSNER, 1974, citado por SIH, 1997).
SCHAPPERT (1992) diz que as infecções de ouvido estão atingindo
níveis epidêmicos nos Estados Unidos e são a razão mais comum para
consultas médicas de crianças com menos de seis anos de idade. De 1975 a
1990, os diagnósticos de otite aumentaram em 178%, e estima-se que ocorra
em nove de cada dez crianças.
As otites médias agudas representam um terço do atendimento pediátrico
entre crianças de um a cinco anos (KÓS, TOMITA et al, 1997).
CRUZ, SOUZA & ALVARENGA (1998) em um estudo clínico de crianças
com otite média aguda de repetição, mais de vinte anos depois da abordagem
de KESSNER (1974) sobre a população-alvo na aquisição dessas otites,
continuam a citar a alta prevalência e morbidade desta patologia, felizmente de
baixa mortalidade, e estimam que aproximadamente 70% de todas as crianças
terão pelo menos um episódio de otite média antes de completar cinco anos de
idade.
O complexo otite média será abordado segundo sua etiologia, fatores prédisponentes, sintomas, principais conseqüências e os achados audiométricos e
imitanciométricos mais comuns.
Em alguns textos foram realizadas modificações no intuito de inserir a
nomenclatura atual “orelha média” em lugar de “ouvido médio”.
Fatores etiológicos da OMA:
Todos os autores consultados são unânimes em citar a disfunção da tuba
auditiva como fator causal básico.
A tuba auditiva é um canal estreito que faz a comunicação da
nasofaringe, que está em contato com o ar do meio exterior à orelha média, que
é uma cavidade habitualmente fechada. Fisiologicamente tem três funções em
relação à orelha média: ventilação, mantendo a pressão igual nos dois lados da
membrana timpânica; proteção contra a pressão e secreção que possam vir da
nasofaringe; e drenagem das secreções produzidas na orelha média.
LOPES FILHO (1994) diz que a otite média aguda é uma seqüela de
infecção das vias aéreas superiores que se propaga à mucosa da orelha média
pela tuba auditiva e que pode ser de etiologia viral e bacteriana (a forma mais
comum).
A alta incidência de otites médias em crianças é causada pela anatomia e
fisiologia da tuba auditiva, que é mais curta, grossa, horizontalizada e,
conseqüentemente, hipofuncionante em crianças pequenas do que em crianças
mais velhas, quando a tuba já está mais longa, fina e inclinada, o que a torna
mais competente como no adulto, uma explicação comum a todos os autores
consultados.
Segundo BETTI (1997), a tuba auditiva está situada no adulto a 45 graus
em relação ao plano horizontal, enquanto na criança a inclinação é de 10 graus.
Como resultado do mal funcionamento da tuba auditiva FOSHEE &
QVARNBERG (1992) atribuem como conseqüência o refluxo de fluidos da
nasofaringe para a orelha média,
permitindo que organismos presentes na
nasofaringe migrem para a orelha média rapidamente. Também afirmam que a
posição em supino de crianças ao serem amamentadas (com mamadeira
principalmente) também contribui para este processo.
BLUESTONE (1988) cita também a hipertrofia das adenóides e
adenoidites crônicas, fissura palatina, tumores da nasofaringe, barotrauma
(mudança brusca de pressão atmosférica), inflamações associadas como rinite e
sinusite, radioterapia e deficiências imunológicas ou metabólicas. E também a
alergia que desempenha um papel coadjuvante nas efusões do ouvido médio.
SIH (1997) afirma que a alergia é um dos fatores etiológicos da otite
média. O mecanismo pelo qual a alergia causa otite média é que continua
controverso.
Por seu imenso impacto social, as otites médias têm sido exaustivamente
estudadas. Mesmo assim, um consenso sobre seu completo entendimento está
longe de ser atingido. E continuam também controversas questões pendentes
em relação à epidemiologia, patogênese e tratamento da otite média.
A própria classificação, denominação e conseqüente definição da otite
média em seus variados subgrupos guardam enormes divergências. Nota-se a
extrema dificuldade de os autores chegarem a uma nômina definitiva, completa e
abrangente, a qual só seria inatacável se acomodasse todas as características
de uma determinada variante.
CALDAS & CALDAS NETO (1994) mencionam o “Committee on Definition
and Classification of Otitis Media”, que procura uniformizar a classificação e é ela
que será tomada como base. É necessário também que se saiba que as várias
formas clínicas da OMA podem aparecer isoladas com uma entidade própria de
instalação e resolução ou podem aparecer em uma seqüência evolutiva de uma
forma para a outra.
A – Otite média aguda sem efusão:
Onde existe um processo inflamatório da mucosa do ouvido médio, porém
sem formação de nenhuma colecão líquida na cavidade timpânica, seja serosa,
mucóide ou purulenta. Pode advir de uma obstrução tubária, com ou sem
participação de agente infeccioso viral ou bacteriano.
B – Otite média aguda com efusão :
Pertence à patologia desse grupo a
presença de coleção líquida na
cavidade timpânica.
B.1 – Otite média aguda serosa :
Caracteriza-se pela presença de fluido na cavidade timpânica com
aspecto seroso e transparente. É tipicamente iniciada por uma obstrução tubária.
Da mesma forma, muito comum a partir de infecções respiratórias, pode também
ocorrer como resultado de barotrauma.
B.2 – Otite média aguda supurativa :
Essa entidade é também denominada e se caracteriza pela presença de
pus na cavidade timpânica por contaminação bacteriana, agora com grandes
alterações da mucosa da orelha média. Compara-se a um verdadeiro abscesso.
Pode instalar-se rapidamente, em geral no decorrer de uma infecção respiratória
ou ser parte de uma seqüência das formas anteriores já descritas.
B.3 – Otite média aguda necrotizante :
É apenas uma variante da forma anterior, quando se instala em pacientes
imunologicamente debilitados, como é classicamente o caso de crianças
portadoras de doenças da primeira infância, como sarampo, escarlatina,
varicela, coqueluche, etc.. É em geral causada pelo Streptococcus pyogenes e
se caracteriza pela rapidez de instalação, abundante supuração e grande
destruição de tecidos. A membrana timpânica quase sempre é totalmente
destruída e a mucosa da orelha média seriamente comprometida. Pode
acontecer necrose da cadeia ossicular, especialmente do cabo do martelo e
apófise longa da bigorna.
Fatores pré-disponentes:
LOPES FILHO (1994) fala em fatores pré-disponentes gerais e locais que
condicionam a evolução destas otites. No geral cita o nível sócio-econômico
(condições de higiene pessoal, vitalidade e natureza orgânica). Como fatores
locais cita a penetração de água contaminada ou germes do exterior; diminuição
da capacidade de defesa da mucosa da orelha média pela presença de
perfuração timpânica; disfunção da tuba auditiva.
SIH (1997) menciona uma análise feita por PUKANDER na Finlândia,
encontrando uma maior incidência de OMA assim como o maior número de
recorrências (OMR), em crianças de classe social mais privilegiada. E que um
outro estudo feito na Dinamarca não encontrou nenhuma diferença entre as
diversas classes sociais.
Crianças do sexo masculino têm maior tendência a desenvolver otite do
que as do sexo feminino, o que é confirmado por SIH (1997), o que discorda de
BLUESTONE (1988), que diz não haver essa predominância.
Em alguns artigos consultados, de autores brasileiros, havia menção ao
fato de não terem encontrado predominância quanto ao sexo, sempre com a
ressalva de existir na literatura estrangeira descrições de uma maior incidência
da otite média aguda de repetição no sexo masculino.
A mesma autora também afirma que fatores genéticos influenciam a
susceptibilidade para a otite média (irmãos com história de otite), dissolvendo
uma dúvida também levantada por BLUESTONE (1988), que na época de sua
publicação ainda era uma questão de muita divergência.
Também são apontados como fatores de risco para o desenvolvimento de
otite média, como demonstrado em pesquisas mais recentes, ainda apontados
por SIH (1997) :
•
A curta duração do aleitamento materno;
•
A posição da alimentação com mamadeira;
•
Permanência da criança em creches e berçários;
•
Baixo peso ao nascimento;
•
Pais fumantes;
•
Idade precoce no aparecimento do primeiro episódio da otite média.
CRUZ et al (1998) em um estudo clínico com um grupo de 84 crianças
brasileiras com diagnóstico de otite média aguda de repetição, fez uma análise
quanto a influência dos aspectos imunológicos na instalação da otite média
aguda. Um primeiro comentário é com relação à idade da instalação do quadro
de otite média aguda de repetição. Quanto menor a idade por ocasião do
primeiro surto de infecção, maior o número de recorrências. O autor também
menciona uma média de seis episódios por 12 meses nas crianças menores de
um ano e média de 4,2 episódios de 12 meses nas crianças com mais de um
ano na primeira otite. Também relata que esses números estão em concordância
com a literatura e que sua interpretação poderia estar baseada na provável
maior imaturidade imunológica das crianças mais jovens.
Um segundo comentário é com relação às repercussões imunológicas
provenientes da baixa média do período de aleitamento materno, onde na
pesquisa foi obtida uma média de 3,9 meses de aleitamento nas crianças da
amostra, o que se situa bem abaixo do recomendado (seis meses).
CRUZ et al (1998), citando BLUESTONE et al (1996), diz que estudos in
vitro têm demonstrado que o leite materno possui a capacidade de inibir o
crescimento de tipos de bactérias e que a IgA (imunoglobulina A) tem um
importante
papel
contra
a
colonização
bacteriana
nasofaríngea.
Os
componentes adicionais do leite materno, como interferon, e os não
imunológicos, como lactoferrina e lisozina, também são considerados úteis na
constituição defensiva das mucosas, prevenindo a ligação de bactérias como o
Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae nas células epiteliais.
Além disso, a musculatura facial e faríngea nas crianças alimentadas ao peito
teriam uma estimulação mais adequada, com reflexos positivos na função
muscular periestafilina.
BLUESTONE (1981) faz referência ao fato de haver uma preferência
sazonal marcada para uma maior ocorrência dos episódios de otite, com
predileção pelos meses de inverno e início da primavera. Diz acreditar que a
incidência das otites médias durante o inverno seja quatro vezes maior do que a
encontrada no verão.
BERNAN & ROARK (1993), em um estudo de “fatores que influenciam o
resultado em crianças tratadas com antibióticos para OMA”, no qual comparam
resultados obtidos em experiências com três tipos de antibióticos, fazendo uma
associação de fatores de risco envolvendo o hospedeiro, condições ambientais e
o próprio patógeno causador de OMA, concluíram que, na prática clínica para o
controle da otite média, deve-se levar em consideração que crianças com uma
história anterior de OMR e infeção durante os meses de inverno freqüentemente
fracassam ao tratamento antibiótico e têm um alto risco de desenvolver uma
efusão de orelha média persistente.
Bacteriologia da OMA :
Os microrganismos mais freqüentemente encontrados, de acordo com
SIH (1997), são o Streptococcus pneumoniae, o Haemophilus influenzae e a
Moraxella catarrhalis.
FOSHEE & QVARNBERG (1992) incluem também o Streptococcus
pyogenes, Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa, estas como
bactérias encontradas em menor proporção na associação com OMA.
SIH (1997) ainda classifica o Streptococcus pneumoniae como o agente
mais comum em todos os grupos etários e como o responsável por 20% a 37%
dos casos de OMA. Em uma publicação anterior, CASTRO JR. & SIH (1996)
fizeram um cálculo que aproximadamente 20% dos casos de OMA no Brasil se
devem a este microrganismo.
A prevalência e tipos de bactérias associadas com otite média tem
mudado em anos recentes. Por exemplo a prevalência de M.catarrhalis tem
aumentado 13% de aproximadamente 5% na década de setenta. Também a
prevalência de H. influenzae ter crescido de 17% em 1981 para 34% em 1986,
enquanto a M. catarrhalis de 67% em 1981 para 82% em 1986. Estas mudanças
na prevalência de patógenos e a emergência de produtores de beta-lactamase
fazem com que a bactéria tenha um importante impacto no desenvolvimento da
otite média (FOSHEE & QVARNBERG, 1992).
Para SIH (1997), o Haemophilus influenzae é responsável por 14% a 31%
das OMA e sua prevalência varia de acordo com a idade. Na faixa etária
neonatal ele é o responsável por 10% a 26% das OMA. Em crianças maiores,
adolescentes e adultos, a prevalência varia de 17% a 42%. A incidência de H.
influenzae produtores de beta-lactamase é ao redor de 50%.
A M. catarrhalis é o terceiro microrganismo mais encontrado nas OMA na
infância, sendo sua incidência ao redor de 15%, como colocado por SIH (1997)
em uma revisão bibliográfica mais recente, contra os 13% mencionados por
FOSHEE & QVARNBERG (1992), o que confirma uma vez mais os estudos que
apontam uma incidência cada vez maior de otite devida à M. catarrhalis.
Considerações
sobre
resistência
bacteriana
e
mecanismos
produtores de beta-lactamase :
SAUNDERS (1984), citado por TAVARES (1996), explica que a
resistência aos antimicrobianos é um fenômeno genético, relacionado à
existência de genes contidos no microrganismo, que codificam diferentes
mecanismos bioquímicos que impedem a ação das drogas.
TAVARES (1996) enfatiza que a resistência das diversas espécies
bacterianas aos antimicrobianos é extremamente variável entre os países,
regiões e origem hospitalar ou comunitária a que a população está exposta.
Também explica que a resistência bacteriana é um fenômeno dinâmico,
previsível em determinados microrganismos e variável para a maioria das
espécies bacterianas em função da pressão seletiva do uso de antimicrobianos.
E menciona, ainda, que diversas evidências indicam que genes de resistência já
existiam, no conjunto dos genes bacterianos, previamente à introdução dos
antimicrobianos na terapêutica humana. Com isso pode-se depreender que,
embora existente, a resistência entre as bactérias causadoras de infecção
humana era pouco freqüente ao início da era da antibioticoterapia.
SAUNDERS (1984), citado por TAVARES (1996), acrescenta que, com o
surgimento dos antibióticos e quimioterápicos, a exposição da flora bacteriana
do homem e de animais a estas drogas favoreceu a seleção dos microrganismos
resistentes e sua ampla disseminação em praticamente todas as partes do
mundo.
Em uma publicação de 1983, a revista científica Who faz um importante
alerta quanto a administração de drogas antimicrobianas à população humana e
o seu uso com outras finalidades, além da medicina, estarem favorecendo a
seleção de microrganismos resistentes e levarem à preocupante condição de
perda da eficácia desses antimicrobianos. Descreve que tal fato foi, de início,
observado principalmente em hospitais, mas que agora já é reconhecido
também no meio comunitário. E atribui esta situação principalmente ao uso
inadequado dos antibióticos para o tratamento e profilaxia em infecções
humanas e à administração das drogas em animais com finalidade terapêutica,
profilática e de promoção do crescimento, levando à seleção de germes
resistentes em sua flora.
A inativação de drogas antimicrobianas por enzimas produzidas pelos
microrganismos é provavelmente o principal mecanismo molecular de resistência
microbiana. Emprega-se o termo beta-lactamase (β-lactamase) para nomear as
enzimas ativas contra os antibióticos beta-lactâmicos; ou seja, as betalactamases são a causa principal de resistência aos antibióticos beta-lactâmicos
(penicilinas e cefalosporinas). Estas enzimas são freqüentemente produzidas por
germes gram-positivos e gram-negativos, causando a destruição irreversível da
atividade antibacteriana destes antibióticos (TAVARES, 1996).
TUNER & NORD (1983), citados por TAVARES (1996), explicam que a
produção de β-lactamases por um determinado microrganismo explica sua
sobrevivência em um foco infeccioso, apesar do uso de um antibiótico betalactâmico. Além disto, pode interferir na sobrevivência de outros microrganismos,
sensíveis ao antibiótico, quando o germe produtor da enzima encontra-se
presente como parte de uma flora mista. É o que pode ocorrer na orofaringe,
quando o estreptococo do grupo A permanece nas amígdalas mesmo após o
tratamento com penicilina G ou V às quais é sensível, devido à inativação do
antibiótico por β–lactamases produzidas por estafilococos ou moraxelas ou
bactérias anaeróbias presentes na flora amigdaliana (TUNER & NORD, 1983).
WILLIAMS (1990) verificou que até germes que são considerados como
parte da flora bacteriana normal no homem, como a M. catarrhalis, são capazes
de produzir β–lactamases
muito potentes, o que os torna passíveis de
interferência no resultado terapêutico de uso de penicilinas e cefalosporinas
(drogas comumente usadas no combate à OMA) contra germes sensíveis a
estes antibióticos, se eles estiverem também presentes no foco da infecção.
PICHICHERO (1994) acredita que cerca de 30% a 40% dos isolados de
H. influenzae e até mesmo 90% dos isolados de M. catarrhalis
produzem
β-lactamases e são resistentes à amoxicilina.
No 19º Congresso Internacional de Quimioterapia realizado no Canadá
(1995), discutiu-se que a crescente resistência de patógenos associados à OMA
aos
antimicrobianos
tornou-se
uma
causa
de
preocupação.
Que
aproximadamente 15% a 33% das cepas de H. influenzae são produtoras de
β–lactamases, assim como aproximadamente 75% das cepas de M.catarrhalis.
E que também há uma incidência aumentada de cepas de S. pneumoniae com
uma resistência intermediária à penicilina ou muito resistentes.
Foi concluído, no referido congresso, que “para um antimicrobiano ser
eficaz no tratamento da otite média aguda e limitar a taxa de recorrências, é
importante que a droga não apenas atinja concentrações adequadas no líquido
da orelha média, mas também tenha uma boa atividade contra os patógenos
causais da OMA”( DYK et al, 1995).
PEREIRA (1998), preconizando o uso racional da antibioticoterapia,
publicou um importante artigo intitulado “Princípios Gerais do Uso Clínico dos
Antibióticos”, que funciona como uma espécie de roteiro para se estudar tanto as
drogas antimicrobianas isoladamente, quanto o tratamento das principais
infecções na prática clínica, independente de quais sejam elas.
O roteiro obedece aos seguintes quesitos :
1- Diagnóstico correto da causa da febre;
2- Diagnóstico etiológico da infecção;
3- Conhecimento da sensibilidade dos germes aos antibióticos;
4- Escolha de bacteriostáticos ou bactericidas (esta divisão é feita em
função do mecanismo de ação principal das drogas);
5- Conhecimento da concentração da droga no local onde está situada a
infecção e qual o seu tempo de eliminação no organismo;
6- Cuidado na prescrição da dosagem (“A faixa de dosagem dos
antibióticos deve estar sempre disponível para consultas; o médico
não deve, por critérios subjetivos, aumentar ou diminuir as doses
fixadas na literatura - PEREIRA, 1998).
7- Conhecimento do tempo de circulação das drogas no organismo, pois
é em grande parte baseado nele que são estabelecidos os intervalos
entre as doses;
8- Duração da terapêutica antibiótica (“Infelizmente, este é um ponto
onde mais se erra na antibioticoterapia - PEREIRA, 1998);
9- Conhecimento dos efeitos colaterais dos antimicrobianos, onde alguns
autores
chegam
a
afirmar
que,
quando
não
se
tiver
este
conhecimento, que melhor seria não fazer a prescrição, pois alguns
antimicrobianos produzem reações muito mais graves do que a
doença que está sendo tratada;
10- Obedecer a uma conduta de combinação de antimicrobianos, pois
para tal deverá haver indicações bem estabelecidas;
11- Conhecimento de outros fatores que influenciam a resposta
terapêutica (idade do paciente, seu estado nutricional e a imunidade
como um todo; uso concomitante de outros medicamentos; diabetes
descompensado e outras doenças de base; etc.). PEREIRA (1998)
também preconiza, neste item, a questão do custo dos medicamentos,
não só para o poder aquisitivo do paciente mas também para evitar
gastos desnecessários com o dinheiro público dos hospitais.
Sintomatologia :
Todos os autores consultados descrevem praticamente o mesmo quadro
sintomatológico : predominantemente a otalgia, em que varia com a gravidade e
a intensidade do processo inflamatório. Na maioria dos casos é intensa e
acompanhada de sensação de ouvido cheio, com discretas perdas auditivas.
Na criança predomina a irritabilidade, a inapetência, a rejeição da
mamadeira e o choro continuado. Uma das manifestações mais freqüentes é o
balancear da cabeça e o levar contínuo das mãos às orelhas, como que
querendo arrancá-las (LOPES FILHO, 1994).
A bibliografia consultada também refere que na maioria das vezes o
quadro é acompanhado de aumento da temperatura e alteração da membrana
timpânica.
Mais especificamente, COSTA, CRUZ, OLIVEIRA et al (1994), sempre
adotando a classificação do comitê americano, descrevem que na OMA sem
efusão a sintomatologia pode se limitar a apenas uma sensação de ouvidos
entupidos ou ser representada por otalgia mais ou menos intensa. E que, em
geral, é coincidente com infecções respiratórias, como a gripe e que são
responsáveis pelos sintomas gerais. O exame da membrana timpânica
(otoscopia) mostrará maior ou menor hiperemia (vermelhidão) da membrana
timpânica com mobildade normal ou revelando discreto espessamento. Às
vezes, segundo os autores, caracterizando um processo viral, há a formação de
uma ou mais vesículas subepiteliais, a que se dá o nome de miringite bolhosa.
Na OMA serosa, também de acordo com os mesmos autores , a queixa
principal é de ouvidos entupidos e autofonia. Hipoacusia freqüentemente
acompanha o quadro, mostrando-se ser do tipo de condução ou mista discreta
ou moderada. Tonturas são uma queixa rara, mas que pode ser eventualmente
observada em adultos e crianças. A otoscopia pode mostrar aspectos diferentes
da membrana timpânica, podendo aparecer opacificada e retraída, às vezes
assumindo coloração amarelada; ou mostrando-se tanslúcida e móvel, deixandose ver através de si a presença de líquido ou bolhas de ar aprisionadas na
massa fluida, que se movimentam à variação de pressão do otoscópio
pneumático, que é de uso do otorrinolaringologista e é imprescindível para o
diagnóstico diferencial das otites.
Na OMA supurativa, ainda segundo COSTA, CRUZ, OLIVEIRA et al
(1994), que a descrevem como uma patologia rica em sintomas, dizem que na
criança pode apresentar-se de uma forma surpreendentemente pouco
sintomática. No adulto, a dor profunda no ouvido é o principal sintoma, seguido
da sensação de ouvidos tampados, hipoacusia, sensação de fraqueza, cefaléia e
febre. Nas crianças é relatado que a febre é em geral alta, acompanhada de
choro mais ou menos intenso, irritabilidade, perda do apetite, diarréia e vômitos.
Tanto no adulto como na criança pode estar presente uma secreção
auricular serossanguinolenta ou purulenta, significando ruptura da membrana
timpânica. A otoscopia revelará uma membrana timpânica mais ou menos
hiperemiada, espessada e prejudicada em sua translucidez. Além disso, pode
estar abaulada para fora por pressão intratimpânica e os autores chamam a
atenção para o fato de que nessas ocasiões um examinador mal aparelhado ou
desatento pode vir a confundir seu diagnóstico, pois a pressão intratimpânica
pode causar isquemia de vasos da membrana, dando-lhe uma coloração pálida
e, portanto, sem hiperemia. Em caso de dúvida é recomendada a otoscopia
pneumática.
MANGABEIRA-ALBERNAZ (1981) menciona a otite congestiva com
presença de líquido na caixa do tímpano, portanto ocorrendo na fase inicial da
OMA, caracterizando-se principalmente pela surdez. “Na criança é ela a causa
principal das crises repetidas de surdez, acompanhadas de processo doloroso
acentuado. No adulto, é ela que determina as crises repetidas de ouvido tapado,
como diz o doente” (MANGABEIRA-ALBERNAZ, 1981).
Complicações e seqüelas :
Para FOSHEE & QVARNBERG (1992), a perda auditiva é a complicação
e a seqüela mais comum de enfermidade da orelha média. Explicam que a perda
é mais dependente do volume de efusão do que de suas propriedades físicas. A
perda auditiva deve estar acompanhada também de alta pressão negativa
mesmo se a efusão não está presente na orelha média. E a longa permanência
de uma baixa de audição pode resultar, por sua vez, em uma baixa de
habilidade cognitiva e escolar na criança, bem como atrasar o seu
desenvolvimento de linguagem.
SIH (1997) descreve em seu mais recente trabalho alterações de fala,
linguagem e do desenvolvimento, mostrando que crianças com história de OMR
e OMS têm avaliação pior do que crianças sem estas condições em testes de
fala, vocabulário, compreensão auditiva, semântica e sintaxe, habilidade de
expressão da língua, erros de articulação fonatória específicos.
Estas alterações seriam provocadas pela distorção com que o sinal
acústico de fala chega até a criança, pela presença de líquido na orelha média.
Muito interessante é a abordagem que Bluestone (1988) faz sobre a
influência da otite média no desenvolvimento da fala, linguagem e habilidades
cognitivas, onde chama a atenção para o stress familiar que a otite de repetição
causa, por provocar noites mal dormidas, irritabilidade e desatenção da criança,
e o custo e os inconvenientes das freqüentes visitas ao médico. E também o
efeito psico-social causado na própria criança, como os episódios de flutuação
da audição (pela presença de líquido na orelha média) que afetam a percepção
da criança, interferindo com as habilidades auditivas, causando um “déficit” no
relacionamento com os pais e professores, principalmente.
“A hipoacusia condutiva, que se estabelece nos períodos de crise,
proporciona deprivações recorrentes das informações auditivas numa fase
essencial do desenvolvimento neurológico da criança, podendo apresentar
impacto negativo significativo sobre as habilidades auditivas e lingüísticas
designadas como processamento auditivo e desenvolvimento de linguagem”
(CRUZ, SOUZA & ALVARENGA, 1998).
CALDAS & CALDAS NETO (1994) classificam os prejuízos que podem
acometer a saúde dos pacientes, manifestados de forma imediata ou tardia, que
podem ser causados pelas diversas formas de OMA e que não fazem parte de
sua rotina evolutiva em complicações ou seqüelas chamadas temporais (as
quais ocorrem dentro do osso temporal) e extratemporais ( que ocorrem fora
dele).
Nas complicações temporais citam :
•
Deficiência auditiva : em quase todos os casos de OMA há uma
hipoacusia de condução temporária que cessa com a doença. No
entanto, mencionam que a literatura ( HULKER, citado por
SCHULKNECHT, 1974; MORIZONO, 1985) mostra possibilidade de
déficit sensorioneural permanente em alguns casos por absorção de
substâncias tóxicas através da janela redonda.
•
Perfuração timpânica permanente : em geral as perfurações
timpânicas que podem acontecer durante o curso de uma OMA
cicatrizam espontaneamente. No entanto, especialmente no caso de
otite necrotizante, podem permanecer, conduzindo a uma otite média
crônica e hipoacusia de condução que poderá ser também agravada
caso tenha havido necrose concomitante da cadeia ossicular.
Colesteatomas secundários podem se formar a partir dessas
perfurações (como será visto na abordagem das Otites Médias
Crônicas).
•
Otites cicatriciais : chamadas assim por serem o resultado da
cicatrização defeituosa da orelha média. A membrana timpânica
aparece na forma atrófica e aderida à cadeia ossicular, impedindo sua
livre movimentação. É por isso chamada de otite adesiva.
•
Timpanoesclerose : episódios freqüentes de OMA podem levar áreas
da mucosa da orelha média a uma degeneração hialina chamada de
timpanoesclerose.
Vistas
através
da
otoscopia,
aparecem
na
membrana como placas de giz. Podem fixar a cadeia ossicular.
PAPARELLA et al (1979) já mencionava a deposição de colágeno
hialinizado na orelha média e na membrana do tímpano como timpanoesclerose.
LOPES FILHO (1994) também a cita como uma seqüela da otite média
secretória.
•
Granuloma de colesterol : trata-se de patologia que se inclui nas
formas crônicas. No entanto, episódios muito repetidos de OMA com
freqüentes períodos de pressão negativa nos espaços da orelha média
e a presença de sufusões sangüíneas podem levar a sua formação,
especialmente na mastóide.
PAPARELLA et al (1979) também faz referência ao granuloma
colestearínico.
•
Petrosite : é a infecção das células da ponta do rochedo (osso
temporal), em geral só pneumatizadas após os três anos de idade.
Complicação tanto rara como grave, pode levar à meningite ou
abscesso extradural.
•
Labirintite : resulta da agressão da orelha interna por toxinas através
da membrana da janela redonda ou pela própria bactéria da OMA. No
primeiro caso, é a forma serosa, reversível, e no segundo, a purulenta,
que destrói completamente a orelha interna, anulando a função
auditiva e a do equilíbrio. É uma importante via de contaminação para
as meningites.
•
Mastoidite aguda : secundária ou concomitante à otite média aguda
purulenta
ou
trabeculação
necrotizante.
óssea
da
Destrói
mastóide.
por
É
desmineralização
chamada
a
otomastoidite
coalescente. Pode levar a complicações mais sérias.
•
Paralisia facial : em geral, ocorre por agressão infecciosa ao nervo
em seu trajeto timpânico. A grande maioria reverte com tratamento
cirúrgico da otite. Eventualmente, o nervo pode ser destruído no curso
de uma otomastoidite coalescente.
PAPARELLA et al (1979) observa que uma das causas infecciosas mais
comuns da paralisia facial é a otite média. E que há sempre esta suspeita, em
casos de crianças com história pregressa de otites. E que, no geral, a paralisia é
causada por um colesteatoma que invade e destrói o osso do canal de Falópio.
Referindo-se novamente à otite congestiva, MANGABEIRA-ALBERNAZ
(1981) enfatiza que esta afecção tem importância maior do que se pensa. “A
força de repetir-se e ceder sem tratamento determina, por falta de função, a
esclerose das delicadíssimas articulações ossiculares, sobretudo entre o martelo
e a bigorna; as sinéquias entre a membrana do tímpano e a parede interna da
caixa em seu ponto mais saliente, o promontório; o endurecimento da mucosa,
que se transforma em tecido cicatricial, criando a otulose ( doença por cicatriz,
do
aparelho
auditivo),
e
representa
o
fator
primordial
da
surdez”
(MANGABEIRA-ALBERNAZ, 1981).
Nas complicações extratemporais citam que é muito importante que os
pacientes portadores de OMA, especialmente a purulenta e a necrotizante,
sejam mantidos sob observação, alarmando-se a sinais de cefaléia e/ou febre
alta e persistente, prostração, náusea e vômitos, etc. Apesar de serem raras
hoje em dia, dizem os autores, essas complicações podem ocorrer,
necessitando de atuação terapêutica rápida e eficiente colaboração clínica geral,
pediátrica ou neurológica, de acordo com o caso e idade do paciente. Entre elas
estão as meningites, as mais comuns, os abscessos cerebrais e cerebelares, a
encefalite, a tromboflebite de seios venosos (processos infecciosos dos sinus
venosos da dura-máter), a hidrocefalia óptica e a septicemia.
HUNGRIA (1995) relata que cessada a fase aguda, a otite necrotizante
apresenta tendência a se transformar em otite média crônica simples (OMCS) ou
colesteatomatosa (OMCC).
Otites Médias Crônicas (OMCs):
PROCTOR (1973) e MANGABEIRA-ALBERNAZ (1981) consideram que
toda otite que tiver mais de três meses de existência pode ser considerada
crônica.
CALDAS (1996) descreve a otite média crônica como um processo
inflamatório crônico da mucosa da orelha média com uma possível extensão
para a mastóide, associado ou não com infecção e/ou presença de descamação
epitelial nestes espaços. Podendo ser esta otite supurativa ou não - supurativa,
formas que têm uma diferença no tratamento clínico e no desenvolvimento da
patologia, podendo trazer complicações desde as consideradas mais comuns
até as mais sérias.
Já HUNGRIA (1995) caracteriza dois grandes grupos de otites médias
crônicas, um dois quais considerado como não – perigoso, de prognóstico
benigno, sem tendência a complicações graves (é a otite média crônica
“simples”, não - colesteatomatosa); o outro grupo pertence ao tipo perigoso, ou
seja, de prognóstico reservado, uma vez que pode levar a complicações graves
para o lado do endocrânio, do labirinto, do nervo facial, etc. (é a otite média
crônica “colesteatomatosa”).
Fatores etiológicos na OMC:
Na etiologia da OMC, CRUZ & COSTA (1994) enumeram como fatores
causais :
•
OMA de repetição;
•
OMA necrotizante (estes dois fatores já descritos anteriormente);
•
Trauma : que pode ser por explosão, corpo estranho (cotonete,
principalmente), barotrauma, etc. Geralmente nas perfurações póstraumáticas, principalmente em crianças, observa-se uma cicatrização
da membrana timpânica; mas em perfurações onde houve uma perda
grande de substância essa cicatrização pode não
ocorrer,
permanecendo a membrana timpânica perfurada. O que representará
uma porta de entrada à contaminação vinda pelo conduto auditivo
externo, principalmente através da penetração de água.
•
Fatores sócio-econômicos e geográficos : desnutrição, higiene
inadequada, baixa qualidade de moradia e grande densidade
demográfica são fatores que, do ponto de vista epidemiológico, estão
associados a uma maior incidência de infecções da orelha média
(CAMBOM, 1965, citado por CRUZ & COSTA, 1994). É maior a
incidência de OMC em países com menor grau de desenvolvimento
em comparação com desenvolvidos (REED, 1967, citado por CRUZ &
COSTA, 1994).
CRUZ & COSTA (1994) ainda afirmam que o otorrinolaringologista pode
facilmente perceber a influência dos últimos fatores em sua rotina diária,
atentando para a maior incidência de OMC nos pacientes de hospitais públicos
em relação aos pacientes de consultório privado.
CASTRO JR. & SIH (1996) classificam a otite média aguda necrotizante
como a principal causa de otite média crônica no Brasil.
Bacteriologia da OMC:
CRUZ & COSTA (1994) relatam que a flora microbiana nas otites médias
crônicas é muito variada, apresentando um predomínio de bacilos gramnegativos. Entre eles, o Proteus, a Pseudomonas e a Escherichia coli com mais
freqüência. Dos germes gram-positivos relatam um predomínio de estafilococos
e estreptococos. Ressalvam ainda que, em muitos casos, encontram-se floras
bacterianas mistas.
CRUZ & COSTA (1994) também colocam que embora se reconheça que
a identificação do germe seja muito importante em casos complicados (como
abscessos e/ou meningites), a literatura refere ser raro a realização de culturas
de secreções da orelha média nos casos não complicados, pois a erradicação
cirúrgica do colesteatoma é muito mais eficiente para eliminação do processo
infeccioso do que qualquer tratamento à base de antibióticos.
Complicações:
Como complicações da OMC, CALDAS (1996) usa novamente o critério
de classificação em temporais (mastoidite aguda, petrosite, paralisia facial,
labirintite ) e extratemporais ( meningite, abscesso cerebelar, encefalite,
tromboflebite do seio sigmóide ), como já foi desrito anteriormente na OMA.
CRUZ & COSTA (1994) acreditam que essas complicações se processem
através de três mecanismos básicos :
a) Extensão por espaços pré-formados;
b) Erosão óssea;
c) Osteotromboflebites.
Quanto ao aspecto auditivo, LOPES FILHO (1994) diz que “as perdas de
audição são variáveis, podendo ser mais ou menos graves em virtude do
comprometimento mais ou menos sério da cadeia ossicular”.
A ) Otite média crônica simples (OMCS) :
Afirmar que esta otite é quase sempre secundária a uma OMA
necrotizante é consenso entre os autores consultados.
HUNGRIA (1995) ainda descreve que esse processo secundário
caracteriza-se por um grau de moderada intensidade e que cessa, geralmente,
pela restauração dos tecidos inflamados até quase a normalidade, mas deixando
como seqüela uma perfuração da parte tensa da membrana timpânica.
Como ainda descreve HUNGRIA (1995), este tipo de otite caracteriza-se
por períodos intermitentes de supuração não fétida da orelha média, com
tendência à cura espontânea. E é comum encontrar, como conseqüência do
processo infeccioso necrosante originário e do processo exsudativo crônico
conseqüente, áreas de deposições calcárias que podem bloquear a mobilidade
da cadeia ossicular e também processos de degeneração hialina que são
responsáveis pelas lesões de timpanoesclerose, sob forma de placas
esbranquiçadas mais ou menos extensas encontradas na membrana timpânica
(as mesmas “placas de giz” descritas por CALDAS & CALDAS NETO, 1994),
onde podem também vir a interferir com a mobilidade do elo ossicular,
desencadeando uma baixa de audição.
As baixas de acuidade auditiva da otite média crônica simples vão desde
ligeira hipoacusia até surdez, na dependência da natureza das lesões
(HUNGRIA, 1995).
B ) Otite Média Crônica Colesteatomatosa (OMCC) :
O colesteatoma é uma bolsa cística, composta de lâminas epiteliais
imbricadas umas sobre as outras como as folhas de um bulbo de cebola,
limitada por uma membrana de epitélio pavimentoso estratificado e ceratinizado,
corneificado, que se denomina matriz e é responsável pelo crescimento do
colesteatoma (HUNGRIA, 1995).
Para ROCHA (1987), essa lesão tem importância fundamental pelo fato
de a patologia, uma vez instalada, não ter tendência à cura espontânea.
ROCHA (1987) concluiu em seu artigo que “o fato de a doença situar-se
profundamente no interior do ouvido e de produzir poucos sinais e sintomas, até
que surjam complicações, coloca o colesteatoma fora da preocupação dos nãoespecialistas, mesmo daqueles que costumam examinar ouvidos”.
Na literatura pode-se encontrar algumas publicações que usam a
denominação de colesteatoma adquirido, achado nas cavidades da orelha
média, para distinguir-se do colesteatoma congênito, que é encontrado,
raramente, ao nível das meninges.
SORENSEN (1998) descreve que um colesteatoma congênito geralmente
é descoberto em crianças, com localização também na orelha média, ápice
petroso e ângulo pontocerebelar. E que a maioria deste tipo de colesteatoma
permite, inclusive, visualização através da membrana timpânica.
Este autor ainda descreve que um colesteatoma adquirido geralmente
ocorre como conseqüência de otite média e disfunção da tuba auditiva, e ainda
faz uma subdivisão deste
em colesteatoma adquirido primário, que ocorre
como conseqüência de formação de uma bolsa de retração da membrana
timpânica e da pressão negativa dentro da orelha média. Uma vez que a bolsa
de retração se invagina tão profundamente que a queratina presente na
constituição da membrana timpânica descama e não consegue ser eliminada,
havendo um acúmulo de restos desta queratina e conseqüente formação do
colesteatoma.
A subdivisão em colesteatoma adquirido secundário, para SORENSEN
(1998), ocorre com o crescimento interno do epitélio escamoso da margem da
perfuração, que é mais comumente causado por um processo infeccioso.
HUNGRIA
(1995)
coloca
que
o
mecanismo
etiopatogênico
do
colesteatoma da orelha média é muito controverso, sendo várias as teorias e
concepções pessoais de diferentes autores a esse respeito. Propõe que se
destaquem duas modalidades clínicas :
•
O colesteatoma que coexiste com perfuração timpânica pósterosuperior marginal e
•
O colesteatoma que coexiste com diminuta perfuração epitimpanal
localizada exclusivamente ao nível da membrana de Schrapnell (parte
flácida), observando-se sempre a integridade de toda a porção tensa
da membrana do tímpano.
HUNGRIA (1995) caracteriza clinicamente a modalidade de colesteatoma
com perfuração “marginal” resumindo-a numa tríade sintomática constituída de :
perfuração timpânica marginal; exsudato purulento fétido, que persiste mesmo
após curativos e instilações anti-sépticas; eliminação de películas epidérmicas,
branco-nacaradas, que, segundo o autor, lembram o aspecto de um pingo de
cera sobre a superfície da água.
LOPES FILHO (1994), em consenso com vários outros autores, emprega
o termo otorréia fétida, o mesmo exsudato citado por HUNGRIA (1995).
CRUZ & COSTA (1994) descrevem que essa otorréia normalmente é de
coloração amarelada forte e não raramente apresenta raias sangüíneas. E que
às vezes pode apresentar-se muito discretamente ou mesmo ausente e o
paciente não perceber sua presença. Colocam que isso é particularmente
comum nos estágios iniciais dos colesteatomas aticais; pois em um estágio mais
avançado a otorréia crônica apresenta um odor fétido e característico que chama
a atenção do paciente e de seus familiares.
Quanto a deficiência auditiva, segundo HUNGRIA (1995), esta é em geral
acentuada devido à desarticulação da cadeia ossicular.
Também relata que a dor, quando presente, indica que há retenção de
exsudatos e pode ser prenúncio de complicações intracranianas.
Não se deve nunca deixar de realizar cuidadosa otoscopia do lado
oposto, pois, segundo DEGRINE (1987) pode-se deparar desde membrana
timpânica normal, como membrana timpânica cicatricial, otite média serosa,
perfuração seca, bolsas de retração e até colesteatoma (10% dos casos) –
(HUNGRIA, 1995).
Quanto a
modalidade de colesteatoma com perfuração epitimpanal,
HUNGRIA (1995) diz que esta instala-se sem o episódio da OMA necrotizante
prévia.
Descreve também que o colesteatoma adquirido “primário” pode evoluir
durante anos sem apresentar infecção, mantendo-se seco, sem exsudatos,
completando sua ação “devastadora” de destruição das estruturas ósseas da
orelha média de uma forma silenciosa. E poderá denunciar sua presença através
de uma complicação, como a paralisia facial, labirintite aguda, surdez acentuada,
processos de meningoencefalite, etc.
Achados audiométricos e imitanciométricos mais comuns:
Pacientes acometidos de otite média aguda ou crônica podem apresentar,
e geralmente apresentam, uma redução da acuidade auditiva a que os autores
chamam de deficiência auditiva condutiva.
SANTOS & RUSSO (1988) consideram as perdas auditivas condutivas
como aquelas que resultam de patologias que atingem a orelha externa e/ou
orelha média, reduzindo, dessa forma, a quantidade de energia sonora a ser
transmitida para a orelha interna.
Embora existam inúmeros exames cujos resultados permitam fazer
afirmações precisas sobre a audição do indivíduo, a audiometria tonal é o teste
mais freqüentemente usado para a avaliação da função auditiva. E sua
finalidade é a determinação da menor quantidade de energia acústica audível –
o limiar auditivo (LOPES FILHO & REDONDO, 1997).
Os limiares determinados pela audiometria tonal são colocados em um
gráfico adotado universalmente denominado audiograma (LOPES FILHO &
REDONDO, 1997).
LOPES FILHO (1994) descreve que audiogramas de crianças com efusão
na orelha média normalmente revelam uma perda auditiva de condução em grau
leve a moderado, com uma flutuação de 15 a 40 dB . Chama a atenção para o
fato de que, com tais déficits, acaba por afetar a área dos sons da fala e
principalmente das consoantes surdas, que devem se perder.
Quanto ao gráfico audiométrico, LOPES FILHO (1997) diz que este
costuma apresentar uma curva ascendente, com perdas maiores para sons
graves. Nas OMCs, quando a orelha média está mais comprometida, o perfil da
curva audiométrica pode apresentar-se plano, e quando a cadeia ossicular está
íntegra ou apresenta continuidade, a audição apresenta-se conservada nas
freqüências em torno de 1000 Hz.
Quando há líquido na orelha média (otite secretora), esta determina um
aumento de massa além da rigidez do sistema, e os sons agudos podem se
apresentar com um comprometimento maior (LOPES FILHO, 1997).
O prejuízo da audição é geralmente revertido com a resolução da efusão.
KÓS, TOMITA et al (1997) explicam que as alterações do aparelho
auditivo que afetam a membrana timpânica diminuem a sua eficiência em
amplificar o som, resultando em comprometimento da audição, o que é
detectado pela Impedanciometria (imitanciometria na nomenclatura atual), a qual
verifica a impedância da orelha média (resistência que a orelha média faz à
passagem da onda sonora).
LOPES FILHO (1997) define a timpanometria como sendo o método para
avaliação da mobilidade da membrana timpânica e das condições funcionais da
orelha média. E esta faz parte da bateria de testes da avaliação
imitanciométrica.
O gráfico resultante mostra a variação de pressão de ar no meato
acústico externo – o timpanograma ( NORRIS, 1980, citado por SANTOS &
RUSSO, 1988).
LOPES FILHO (1997), usando a classificação proposta por JERGER
(1970) e JERGER et al (1972), descreve os seguintes timpanogramas:
1- Timpanograma Tipo A : encontrado em pacientes com orelha média
normal;
2- Timpanograma Tipo B : encontrado em pacientes portadores de otite
média secretora com fluido na orelha média. Também poderá ser
observado em pacientes com pequenas perfurações de membrana
timpânica com tuba auditiva obstruída ou ainda em otuloses, porém
sem valor diagnóstico.
3- Timpanograma Tipo C : encontrado em pacientes com disfunção da
tuba auditiva.
4- Timpanograma Tipo Ar : encontrado em pacientes portadores de
otoesclerose, timpanoesclerose ou membrana timpânica espessa.
5-
Timpanograma Tipo Ad : encontrado em pacientes portadores de
hipoacusia condutiva causada por disjunção traumática da cadeia
ossicular.
LOPES FILHO (1994) também coloca que, nas otites médias secretoras,
o timpanograma revela uma curva tipo B e ausência de reflexo do músculo do
estribo (reflexo estapediano) na vigência da secreção. Em seguida podendo
passar a marcar o tipo A quando curada. Também podendo apresentar o tipo C
(disfunção tubária) entre o intervalo do tipo B para o tipo A.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término desta pesquisa, alguns aspectos merecem ser ressaltados:
• A necessidade de conscientização no meio comunitário, familiar,
principalmente, de que a otite média não deve ser encarada apenas
como uma doença corriqueira, que “ toda criança tem “, pelas
seqüelas que pode acarretar.
• Aspectos da patologia em publicações mais recentes que, agora, já
afirmam ou esclarecem pontos que ainda eram controversos em
publicações mais antigas, ao mesmo tempo em que ainda
permanecem controvérsias quanto à patogenia, epidemiologia, etc. O
que parece nunca esgotar o tema que, em vários comentários de
profissionais
da
área,
durante
minha
pesquisa
de
material
bibliográfico, definiam o assunto “otite média” como tão conhecido que
já não haveria nada mais a acrescentar – erroneamente, concluo
agora.
•
E, principalmente, como o panorama mundial das otites médias é
muito mais grave do que se pensa, pois desde as mais antigas
publicações, apesar de todo o avanço tecnológico na área da
medicina, a otite média continua sendo classificada como um
problema de saúde pública de caráter mundial!
Espero que esta pesquisa contribua de alguma forma para auxiliar o
trabalho do colega fonoaudiólogo audiologista, na divulgação de informações a
respeito dessa patologia tão freqüente em nossa prática clínica, tanto na
realização da audiometria tonal, audiometria vocal ou nos testes de
imitanciometria, ajudando a levantar hipóteses diagnósticas, facilitando a
escolha apropriada de testes audiológicos complementares quando se fizer
necessário; e também ajudando na orientação ao paciente, ajudando-o a
entender sua patologia, tirando suas dúvidas e adequando suas expectativas,
sempre tão comuns no momento do exame.
Afinal, também “somos responsáveis pela preocupação e divulgação do
que pode ser feito”(ROSLYNG-JENSEN, 1995).
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