Fórum Regional de Pesquisa em Enfermagem:
Novas abordagens teórico-metodológicas e
respectivos resultados
Escola de Enfermagem Universidade de São Paulo/ 15 e 16 abril 2003
PESQUISA QUALITATIVA:
POTENCIALIDADES E LIMITES
Márcia Thereza Couto Falcão
• FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA PRODUÇÃO DO
CONHECIMENTO
“O real nunca toma iniciativa, já que dá resposta ao que é
perguntado” (BOURDIEU, CHAMBOREDON, PASSERON, 1999:48)
“Devemos interrogar a ciência na sua história, no seu
desenvolvimento, no seu devir; sob todos os ângulos possíveis”
(MORIN, 2001:126)
OS CRITÉRIOS DE CIÊNCIA
internos: coerência, consistência, originalidade, objetivação
externos: intersubjetividade, opinião da comunidade científica,
comparação, crítica, divulgação, reconhecimento generalizado
(DEMO, 1996:20-22)
A QUESTÃO DA OBJETIVIDADE
Metáfora da Pintura: Não se diz que a pintura é o retrato da
realidade. É uma dentre muitas possíveis imagens onde o autor
introduz métodos e técnicas, mas onde predomina sua visão
sobre o real
objetivação: processo que reconhece a complexidade do objeto
das ciências sociais, seus parâmetros e suas especificidades
(MINAYO, 1996: 35)
A VIGILÂNCIA EPISTEMOLÓGICA
•Atitude de Vigilância: duvidar das verdades aparentes.
•Pede a subordinação da utilização das técnicas e conceitos a uma
interrogação sobre as condições e limites de sua validade
•A questão do ritualismo dos procedimentos como caricatura do rigor
metodológico
•Quanto menos consciente for a teoria implícita em determinada prática,
maiores as possibilidades de não ser bem controlada
•Preocupação em não reduzir o sentido cultural das ações às intenções
subjetivas dos atores.
•Atenção quanto ao envolvimento profissional/militância no processo de
investigação
(BOURDIEU, CHAMBOREDON, PASSERON, 1999; GEERTZ, 1998; WEBER, 1998)
•QUESTÕES ÉTICAS NA PRODUÇÃO DO
CONHECIMENTO
•Para que haja conduta ética é preciso existir o agente consciente
•Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis da vida
ética
•Condições de existência do sujeito moral e ético
1. Ser consciente de si e dos outros
2. Ser responsável
•ter capacidade de controlar e orientar desejos,
•sentimentos
•ser livre
•Embora a ética seja universal do ponto de vista da sociedade que a
institui está em relação com o tempo e a história.
(CHAUÍ, 1995; ALMEIDA, 1998; MORIN, 200; DEMO, 1995)
PROCEDIMENTOS ÉTICOS DA PESQUISA COM SERES
HUMANOS
Deve cumprir as exigências éticas gerais de toda atividade científica e
aquelas ligadas à ética da área de atuação Profissional.
Deve atender aos aspectos da resolução 196 do Conselho Nacional de
Saúde.
Quesitos da resolução [180-1]
•autonomia
•beneficência
•não-maleficência
•justiça e equidade
(Resolução 196, item II, 14 – apud SEVERINO, 2002: 181)
QUALITATIVO X QUANTITATIVO:
OPOSIÇÃO OU COMPLEMENTARIDADE?
A discussão tem origem na a oposição entre:
•Empiricismo / experimentalismo (positivismo)
X
•Postura crítica / interpretativa que se refere à ciência como uma
construção
analítica e não apenas como descritiva da realidade
)
(HUDELSON, 1994; MINAYO & SANCHES, 1997; CASTIEL,1999)
QUALITATIVA
QUANTITATIVA
Tema “não-familiar”
Tema claro e familiar
Pesquisa exploratória
Não há problemas em
termos de mensuração
Busca-se o significado
Busca-se descrição
numérica de amostra
representativa
Exige flexibilidade para
lidar com o inesperado
Necessidade de mensuração
Aprofunda-se em questões
casos ou eventos
Busca-se generalização de
resultados e comparação
através de populações
A QUESTÃO DA TRIANGULAÇÃO DE TÉCNICAS
•Não deve ser tomada visando validar uma referência considerada
melhor (seja quantitativa ou qualitativa)
•A questão dos referenciais metodológicos implicados
•Visa apreensão plural do fenômeno em questão.
•Os objetos de estudo demandam técnicas e métodos específicos
que se mostrem mais responsivos e apropriados
•Quando combinadas, podem maximizar o alcance e minimizar a
limitação de cada uma
(MINAYO & SANCHES;1997; HUDELSON, 1997)
EXEMPLO DE PESQUISA USANDO
TRIANGULAÇÃO
PROJETO:Homens, violência e saúde:uma contribuição para o
campo de pesquisa e intervenção em gênero, violência doméstica
e saúde (COUTO & SCHRAIBER, 2002)
OBJETIVOS:
1. Estimar a prevalência de violência psicológica, física e sexual entre
homens usuários de serviços de A.P., entre 18 e 60 anos nas relações de
afetividade/conjugalidade (QUESTIONÁRIO)
2. Identificar características sócio-demográficas, familiares e sanitárias
dos homens usuários acima referidos (QUESTIONÁRIO)
OBJETIVOS (Cont.)
3. Apreender as representações dos homens sobre os modelos de
masculinidade e feminilidade, atualizados no cotidiano das relações
afetivo/conjugais, familiares, de trabalho, lazer, e na comunidade
(GRUPOS FOCAIS)
5. Conhecer a percepção de homens sobre o problema violência no
âmbito das relações de intimidade e no espaço público, assim como a
possibilidade da abordagem da violência pelos serviços de saúde
(GRUPOS FOCAIS)
6. Identificar as necessidades de saúde e o uso de serviços, por meio
da leitura dos prontuários, dos homens usuários que relatam e não
relatam experiências de violência nas relações afetivo/conjugais
(FICHA DE LEITURA DE PRONTUÁRIOS)
•PESQUISA QUALITATIVA - CARACTERÍSTICAS
•Abordagem que busca descrever e analisar a cultura e
comportamento humano em seus grupos do ponto de vista dos que
estão sendo estudados
•Ênfase na compreensão “holística” (a vida social é vista como
envolvendo uma série de eventos interconectados, os quais devem
ser plenamente descritos)
•É flexível e interativa (não limita-se a um conjunto de questões prédefinidas, trabalha dentro da noção de processo - interatividade)
(HUDELSON, 1994)
•OLHAR, OUVIR E ESCREVER NA PESQUISA
QUALITATIVA
•Atos cognitivos ‘disciplinados’ pelo pensamento e conhecimento
do campo teórico.
•O campo como experiência da domesticação teórica do olhar.
•(Re)dimensionado o ‘olhar’ da realidade.
•Ouvir: experiências de dificuldades com ‘idiomas culturais’ e a
técnica para penetrar num mundo conhecido/estranho.
•O ‘estar lá’ e o ‘escrever aqui’: distanciamento e produção de
conhecimento
•O ‘estar lá’ escrevendo: a importância do diário de campo.
•Escrever como ato de apresentar a realidade estudada ‘traduzida’
para nossos pares
ALGUMAS TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS EM
PESQUISA QUALITATIVA
TÉCNICA:Entrevista não-estruturada
• Escala entre a liberdade dada ao pesquisado e o nível de
profundidade das respostas.
HISTÓRIA DE VIDA & ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE
CARACTERÍSTICAS
•Essencial quando se quer apreender os sistemas de valores,
normas e representações próprios de uma cultura ou sub-cultura;
•Questões podem emergir no processo;
•Na entrevista não estruturada a ênfase maior é no que se pensa
do que o que se sabe.
Cont.
ALCANCE
•Flexibilidade;
•Possibilidade de adicionar questões;
•Possibilidade de explorar novos pontos
LIMITAÇÕES:
•Organização e análise pode ser difícil dado a pouca sistemática;
•Informações diferentes, com questões e com pessoas diferentes
CRITÉRIO DE SELEÇÃO
•Não se enquadram na lógica da aleatoriedade e probabilidade.
•O importante é a diversificação em função das variáveis estratégicas
(ligadas ao tema de estudo)
PESQUISA USANDO ENTREVISTA NÃO ESTRUTURADA,
tipo HISTÓRIA DE VIDA
PROJETO:O Brasil no estudo multi países sobre violência
doméstica e saúde (SCHRAIBER et. al, 2000)
TÉCNICA:História de vida com mulheres que sofreram violência por
parceiro
PONTOS A SEREM EXPLORADOS:
•Infância e relacionamento entre os pais
•Infância convivência familiar
•Experiências de episódios de violência vividos ou assistidos na infância
•Vivência da adolescência
•Primeiras experiências afetivo/sexuais
Cont.
•História dos relacionamentos amorosos
•Explorar a situação de violência relatada e a percepção de suas causas
e desenvolvimento da situação
•Explorar a violência na dinâmica familiar (Ciclo da violência)
•Explorar o recurso (ou não) a rede de apoio (social: família, amigos,
vizinhos, etc.) e a rede de apoio (institucional: serviço de
saúde,delegacia, escola, ONG, Igreja, etc.)
•Explorar as expectativas e as respostas encontradas
•Explorar como ela se vê no futuro
TÉCNICA: Entrevista semi-estruturada
CARACTERÍSTICAS
•Pontos/roteiros são anteriormente construídos, mas a ordem pode ser
alterada.
ALCANCE
•Mais sistemática;
•Continua dando ênfase ao contexto.
LIMITAÇÕES:
•Importantes pontos podem ficar de fora;
•Inversão de ordem pode prejudicar as respostas
TÉCNICA: Observação Participante
CARACTERÍSTICA
•Para alguns autores/Antropologia é mais uma abordagem;
•O pesquisador torna-se um membro ativo do grupo/cultura
estudada.
ALCANCE
•Facilita as outras técnicas de coleta;
•A relação construída com o grupo reduz reações adversas;
•Útil para compreender processos, eventos e relações em dado
contexto
LIMITAÇÕES:
•Requer tempo; Exige treino do pesquisador; Requer domínio do
léxico do grupo e/ou da língua local.
TÉCNICA: Observação Estruturada/Participação Observante
CARACTERÍSTICA
•O pesquisador é um não participante;
•Observação e registro pré-determinado;
•Produz dados que podem ser tratados em análise estatística.
ALCANCE
•Pode ser repetido para monitorar mudança no tempo.
LIMITAÇÕES:
•O problema em foco deve ser bem definido;
•Treino;
•Limita a descoberta de outros comportamentos relevantes
PESQUISA USANDO OBSERVAÇÃO ESTRUTURADA
PROJETO:Homens, violência e saúde:uma contribuição para o campo
de pesquisa e intervenção em gênero, violência doméstica e saúde
(COUTO & SCHRAIBER, 2002)
TÉCNICA: Observação estruturada: CSE Butantã e CSE Barra Funda
JUSTIFICATIVA:
•A pesquisa busca apreender a relação entre violência, masculinidades e
saúde por meio da investigação acerca das necessidades de saúde e do
uso que os homens fazem dos serviços.
•A técnica assegurará a boa definição da logística da etapa quantitativa,
tanto pelo questionário como pela leitura dos prontuários.
TÉCNICA: Grupo focal
CARACTERÍSTICA
•Discussão entre participantes de um grupo convidado/convocado
seguindo roteiro pré-estabelecido
ALCANCE
•Produção de informação de forma rápida;
•A obtenção de informações o público-alvo quanto a crenças, atitudes e
comportamentos
•Método auxiliar na definição de critérios de análise em pesquisas
quantitativas e no desenvolvimento de hipóteses para estudos adicionais;
•Conhecimento de linguagem específica da população que está sendo
investigada;
•Delinear como o grupo alvo da pesquisa, numa situação de interação,
formula repertórios sobre um dado fenômeno social.
Cont.
LIMITAÇÕES:
• Exige cuidado na convocação dos participantes
•Exigência de Moderador e observador/relator;
•Difícil de conduzir (é necessário treino);
•Os participantes podem influenciar uns aos outros;
•Cuidado na análise
PESQUISA USANDO GRUPO FOCAL
PROJETO: Homens, saúde, trabalho e família (SALA; COUTO &
SCHRAIBER, 2002)
1ª parte (20 minutos)
- Apresentação do trabalho.
•garantia da confidencialidade.
•não há certo nem errado
- Aquecimento
•apresentação dos participantes: nome, o que sabe sobre a escolha do
nome.
- Hoje vamos conversar sobre o que é ser homem: homens em várias
situações tais como trabalho, família e saúde.
- Como você acha que seria o homem ideal? Quais suas qualidades?
(características físicas, profissionais, qualidades, habilidades etc.).
2ª parte (15 minutos)
•Até agora falamos dos aspectos ideais, mas sabemos que no cotidiano
as coisas são diferentes.
•Proposta de colagem: variedade de imagens que devem ser
selecionadas segundo o que consideram representativo do homem, no
relacionamento com outros homens, com suas mulheres e filhos, no
cuidado com a saúde e o seu trabalho
(Trabalho individual).
3ª parte (45 minutos)
•Apresentação e discussão das colagens
•Selecionar imagens relacionadas diretamente à saúde e provocar
discussão:
•Como a questão/situação aparece?
•Em que momentos da vida? Onde?
•Esta questão/situação é desejável ou indesejável?
•Por que ela ocorre? Quais são suas causas?
•A questão/situação indesejável pode ser evitada? Como? Quando não?
(Retomar o roteiro. Alguém gostaria de acrescentar mais alguma
coisa?)
DIÁRIO DE CAMPO: SUA IMPORTÂNCIA NA
PESQUISA QUALITATIVA
•O lugar onde tudo cabe e onde tudo é permitido ou ‘a cozinha
da pesquisa’.
•Importante fonte de dado
•Instrumento de composição das análises iniciais
•Instrumento de vigilância metodológica
•Pesquisa em pares: fonte de discussão do empreendimento de
campo e da futura análise
•Diário de campo ou ficha de leitura? Anotações de relações
encontradas na literatura e observadas no campo (ou não)!
EXPLORANDO ASPECTOS DA ANÁLISE
QUALITATIVA DE ENTREVISTAS NÃO
ESTRUTURADA - tipo HISTÓRIA DE VIDA
•O corpus submetido a análise é o conjunto dos relatos.
•Também fazem parte todos expressões (hesitações, risos, silêncio,
etc.).
• Assim como as informações situacionais (idade, sexo, profissão,
escolaridade, etc.)
MODALIDADES DE ANÁLISE DE CONTEÚDO
1. Em Entrevistadas semi-estruturadas
•O texto é decomposto em unidades de significação classificadas
segundo o sistema de categorias.
VANTAGEM:
•Permite uma ‘quantificação’ dos temas e a fidelidade da análise
pode ser grande.
CRÍTICAS:
•As unidades de significação são analisadas isoladamente e se
perdem do seu conjunto;
•O conteúdo manifesto é classificado, e não o conteúdo latente;
•Mesmo sendo “quantitativizado” não é jamais representativo
quanto uma amostra quantitativa clássica.
Esse tipo de análise é indicado às questões abertas de
questionários e entrevistas semi-estruturadas.
Cont.
1. Em Entrevistadas não-estruturadas
•Parte-se da hipótese de que todos os elementos do corpus têm
significação.
•O sentido só é atingido em relação com todos os outros elementos
disponíveis.
•Parte da idéia de que todo material deve ser analisado e deve
encontrar o seu luar no modelo que representa seu conjunto.
•Busca –se ir do conteúdo manifesto ao conteúdo latente.
Cont.
IMPREGNAÇÃO E INTERPRETAÇÃO NA ANÁLISE DE
CONTEÚDO
•Impregnação: Consiste em ler e reler as entrevistas para chegar a
uma espécie de impregnação.
•Interpretação: o destacamento do sentido latente a partir do
conteúdo manifesto.
•Cada entrevista é considerada em sua integridade e sua
totalidade.
•Após o período de impregnação, se vai adquirindo a capacidade
de elaborar um esquema provisório (construção).
•É a construção progressiva do esquema que permite aparecer as
significações
Cont.
•A análise se processa no sentido vertical (história do indivíduo)
e no sentido horizontal (grupo social)
•O conteúdo pode ser analisado segundo:
•falas afirmativas do sujeito (experiência presente ou
passada)
•falas afirmativas do grupo
•falas reflexivas (concepções, valores, representações)
•O único critério para a validade do modelo obtido é a coerência
interna do próprio modelo.
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