O EMPREENDIMENTO GERATIVO José Borges Neto Priscila Barbosa Borduqui Campos O EMPREENDIMENTO GERATIVO De acordo com o autor, a teoria lingüística proposta por Noam Chomsky pode ser entendida como um “empreendimento” coletivo, que tem Chomsky como líder; Tem como objetivo demonstrar que a gramática gerativa é um Programa de Investigação Científica, como na proposta feita pelo filósofo Imre Lakatos (1978) para o tratamento da história das ciências. Metodologia de Lakatos Segundo Lakatos, a ciência deve iniciar-se com um programa de investigação científica (PIC), que consiste num núcleo e numa heurística. 1. Núcleo: o ponto de vista que orienta a abordagem do objeto de estudos, ou seja, a definição do objeto. 2. Heurística: conjunto de regras metodológicas que apontam as direções que devem ser seguidas na busca de “explicações” científicas. Uma espécie de “política de desenvolvimento” do programa. Metodologia de Lakatos “Para Lakatos, então, o programa avança pela elaboração de uma série de modelos, diferentes entre si, mas compartilhando um mesmo núcleo e seguindo uma mesma heurística” (BORGES NETO, 2001,p. 96). Mudanças criativas na heurística: mudanças no “plano de desenvolvimento” do programa. Gramática gerativa: um programa de investigação científica 1. 2. GG: não é uma “teoria lingüística” mas, sim, um programa de investigação científica. Núcleo da GG: Os comportamentos lingüísticos enunciados são, ao menos parcialmente, determinados por estados da mente/cérebro; A natureza dos estados da mente/cérebro pode ser captada por sistemas computacionais que formam e modificam representações; os estados da mente/cérebro são representados por expressões de uma linguagem formal. Heurística da GG: criação de sistemas computacionais que sirvam de modelo para o conhecimento lingüístico dos falantes/ouvintes de uma língua. História da Gramática Gerativa Três grandes momentos na delimitação do conhecimento sobre a língua: 1. Teoria de Syntactic Structures (SS): vai do início do trabalho de Chomsky (por volta de 1957) até a publicação de “Aspects” (1965); 2. 3. Teoria-padrão: tem seu início com a publicação de “Aspects” e vai até “Conditions on rules of grammar” (1976); Princípios e Parâmetros: inicia-se com Chomsky (1976) e vai até nossos dias. Mudanças criativas na Gramática Gerativa Duas grandes mudanças criativas no programa da GG: 1. Entre a teoria de SS e a teoria-padrão; 2. Entre a teoria-padrão e Princípios e Parâmetros. TEORIA DE SS Considera-se o ano de 1957 a data de nascimento da história da GG, quando Chomsky publicou Syntatic structures (SS); A teoria da GG ainda está muito presa ao modo estruturalista de pensar a língua, mas há conflitos entre as exigências do programa da GG e as teorias disponíveis no momento; Teoria de SS Divergências entre estruturalismo e gerativismo As propostas de Chomsky divergem do estruturalismo em alguns pontos: Objeto de estudos: Estruturalismo de Bloomfield: o objeto de estudos era a língua entendida como “a totalidade dos enunciados que podem ser feitos numa comunidade lingüística” (BLOOMFIELD, 1926: 47). Cabia ao lingüista descrever essa língua a partir de um “corpus representativo”. Chomsky: propõe a existência de algo anterior à língua: a capacidade que os falantes têm de produzir exatamente os enunciados que podem ser feitos. Para Chomsky, o que precisa ser descrito e explicado é o conhecimento que a comunidade lingüística possui sobre os enunciados que podem e os que não podem ser produzidos, ou seja, a determinação das regras que regem os “corpora representativos”. Teoria de SS Divergências entre estruturalismo e gerativismo No estruturalismo, o “corpus representativo” é o ponto de partida; no gerativismo, é o ponto de chegada. De acordo com Chomsky, um indício da existência deste conhecimento é a criatividade lingüística, ou seja, a habilidade que o falante de uma língua tem de produzir e de compreender sentenças às quais nunca foi exposto antes. Definição dos objetivos: Estruturalismo: teorias descritivas; Gerativismo: a teoria de SS se pretendia explicativa; os fenômenos deviam ser deduzidos de um conjunto de princípios gerais; prioridade do teórico sobre o empírico. Teoria de SS Gramática gerativa Proposta de Chomsky “Não se trata mais, como no estruturalismo, de descrever os dados que se revelam à percepção dos lingüistas, mas trata-se de encontrar princípios gerais a partir dos quais as descrições dos dados observáveis possam ser logicamente derivadas” (BORGES NETO, 2001, p. 100). Proposta de Chomsky: descrever o conhecimento implícito dos falantes no quadro de uma teoria explicativa. Para levar a efeito essa proposta era preciso definir uma noção formal de gramática, entendida como um sistema computacional (uma gramática gerativa), capaz de dar conta das regras de boa formação de uma língua e de relacionar esse aparato formal a algum conjunto de princípios gerais. Teoria de SS Gramática gerativa Divisão das tarefas da lingüística: 1. Construção de gramáticas para línguas particulares; 2. Construção de princípios gerais para a capacidade da linguagem, os quais deveriam ignorar as particularidades e buscar os “universais”. Teoria de SS Princípios Este primeiro modelo de análise consiste numa forma sofisticada de gramática de constituintes imediatos acrescida de um componente transformacional; Apresenta dois componentes principais: um que forma expressões e outro que transforma expressões; Noção fundamental: nível lingüístico; Níveis: fonemas, morfemas, palavras, categorias sintáticas, estrutura frasal e transformações; Teoria de SS Conjunto de representações “Uma gramática reconstrói a complexidade total da língua em etapas, distinguindo a contribuição de cada nível lingüístico.” (Chomsky, 1955: 63) A gramática deve associar a cada sentença uma representação formal, em cada um dos níveis lingüísticos, que represente as propriedades da sentença referentes àquele nível; A idéia básica é que qualquer sentença da língua receba um conjunto de representações e que essas representações possam ser construídas, numa seqüência, uma a partir da imediatamente anterior. Teoria de SS Conjunto de representações Pedro viu Maria Essa sentença é constituída por um sintagma nominal (SN) seguido de um sintagma verbal (SV); O sintagma verbal é constituído por um verbo (V) seguido de um novo SN; Os SNs são constituídos por nomes próprios (N). Teoria de SS Conjunto de representações (((Pedro)) ((viu) ((Maria)))) S SV SN SN N V N Pedro viu Maria Teoria de SS Conjunto de representações Cada uma das palavras receberá uma representação no nível morfológico e fonológico, o que permitirá a obtenção de uma representação morfológica e fonológica para a sentença, até que a sentença esteja totalmente representada em todos os níveis lingüísticos previstos. Teoria de SS Gramática de Syntatic Structures E: Sentença F: X1 → Y1 . . . . Estrutura de Frase . . Xn → Yn T1 . . . . Transformações . . Tj Z1 → W1 . . . . Morfofonêmica . . Zm → Wm Teoria de SS Nível transformacional Este mecanismo seria então uma representação adequada do sistema computacional, presente na mente/cérebro dos falantes, capaz de determinar, ao menos parcialmente, seus comportamentos lingüísticos; A proposta de Chomsky parece se distanciar das propostas estruturalistas pelo acréscimo do nível transformacional; Harris (1952), um dos representantes do estruturalismo americano, já utilizava regras transformacionais para a análise das línguas naturais, entretanto, o sentido de transformação de Chomsky é distinto da noção de transformação de Harris; Noção de transformação harrisiana: pareia conjunto de sentenças; Noção de transformação chomskiana: mapeia a estrutura de uma sentença num determinado estágio derivacional em outra estrutura da mesma sentença obtendo um outro estágio derivacional, ou seja, não são mecanismos construídos para a obtenção de pares de sentenças. Teoria de SS Domínio e efeito Para Chomsky, uma transformação tem um domínio (condição estrutural) e um efeito (mudança estrutural); Domínio: nos diz que expressões podem sofrer transformação; Efeito: nos diz quais são as mudanças que a sentença de partida deve sofrer para obtermos a sentença de chegada. Transformação de passiva no português: domínio: N1 Aux VN2 efeito: N2 Aux+ser V+do por N1 Teoria de SS Domínio e efeito Mudanças: 1. 4. permuta do sujeito (N1) e objeto direto (N2); Acréscimo do verbo ser, como auxiliar; Acréscimo da terminação de particípio passado ao V; Acréscimo da preposição por antes de N1. Sentença de partida: Pedro viu Maria; 2. 3. Sentença de chegada: Maria foi vista por Pedro. TEORIA-PADRÃO Surge a questão do inatismo e a psicologização da gramática; o mecanismo de aquisição da linguagem passa a ser muito discutido pelos lingüistas; O léxico passa a ser relevante e recebe uma primeira formulação teórica consistente: a noção de “estrutura profunda”; Início de uma preocupação com a semântica e o aprofundamento da noção de transformação; A GG não gera mais diretamente as sentenças da língua; passa, então, a gerar objetos abstratos, os quais são interpretados nas sentenças da língua, em sua forma fonética e em seu significado; Teoria-padrão Gramática A forma da gramática representa o funcionamento do conhecimento lingüístico que o falante tem registrado em sua mente/cérebro; Está organizada em três componentes maiores: 1. Componente sintático: gerativo; é o único componente que constrói representações; Componente semântico: interpretativo; Componente fonológico: interpretativo. 2. 3. Teoria-padrão Processo de geração das sentenças O processo de geração das sentenças se inicia no componente sintático que tem a seguinte estrutura interna: 1. Um subcomponente de base (BASE), responsável pela geração das estruturas profundas (EP); Um subcomponente transformacional: converte as estruturas profundas em estruturas superficiais (ES). 2. O componente transformacional recebe as estruturas profundas, como entrada, e, por meio de regras transformacionais, converte-as em estruturas superficiais. Teoria-padrão Processo de geração das sentenças O componente semântico associa interpretações semânticas às EPs, e o componente fonológico associa interpretações fonéticas às ESs; O componente sintático é o componente central da gramática: permite o estabelecimento das relações entre o conteúdo semântico e a forma fonética das expressões lingüísticas; Gramática entendida como “um sistema de regras que une os sinais fonéticos às interpretações semânticas” (Chomsky, 1966:12) Teoria-padrão Críticas às propostas de Chomsky No final de 1965, aparecem as primeiras críticas às propostas de Chomsky; Principal área de conflito: grau de abstração das estruturas lingüísticas subjacentes; Disputa entre a distância entre as EPs e as ESs e a distância entre as EPs e as representações semânticas; Teoria-padrão: procurava manter próximas a EP e a ES; “Dissidentes”: propunham que se distanciasse mais a EP da ES e que se aproximasse a EP das representações semânticas; surge, então, a semântica gerativa. PRINCÍPIOS E PARÂMETROS Teoria de regência e ligação Herança deixada pela semântica gerativa: proliferação dos mecanismos teóricos e dos tipos de regras disponíveis; Tarefa imediata dos chomskianos: restringir o poder descritivo da gramática para aumentar seu poder explicativo; Para construir gramáticas para todas as línguas naturais, os mecanismos teóricos disponíveis devem ser suficientemente ricos e diversos para cobrir toda a riqueza e diversidade das línguas naturais; Busca de uma teoria que seja, simultaneamente, rica o suficiente para dar conta da variedade das línguas e suficientemente restritiva para permitir um pequeno número de gramáticas possíveis. Princípios e Parâmetros Das regras aos princípios Em meados de 1960, encontram-se propostas de restrição do poder descritivo das regras transformacionais: tese de doutorado de John Robert Ross (1967); Os trabalhos de Peters e Ritchie, no início dos anos 70, mostram que o problema maior das gramáticas transformacionais não era a proliferação de regras ou categorias, mas a falta de restrições fortes sobre o funcionamento dessas regras; Sem restrições, as transformações eram inúteis como mecanismos de exposição das estruturas lingüísticas. Fazendo os apagamentos, movimentos e acréscimos, podia-se partir de qualquer sentença e chegar a qualquer outra sentença. Princípios e Parâmetros Das regras aos princípios Prioridade do programa: propor condições restritivas sobre o funcionamento das regras; Duas tendências principais: 1. Impor condições gerais à aplicação das regras transformacionais: as “ilhas” de Ross (1967), a restrição de preservação de estrutura de Emonds (1970) e as condições de Chomsky; 2. Restringir a aplicação das regras e propor uma restrição forte no número de regras disponíveis: essa tendência surge com Chomsky (1976) e é a dominante na GG. Princípios e Parâmetros Das regras aos princípios Chomsky propõe a interação das regras com um conjunto de princípios gerais sobre a língua e reduz o componente transformacional, ficando apenas uma regra; Com o componente transformacional reduzido a uma regra, torna-se necessário mecanismo que impeçam movimentos indesejáveis e mecanismos que forcem o movimento em casos em que ele deveria ser obrigatório; Chomsky estabelece teorias auxiliares: teoria dos casos, teoria dos papéis temáticos, teoria dos vestígios, teoria das categorias vazias, a teoria da ligação e a teoria X-barra (já existente). Princípios e Parâmetros Das regras aos princípios Primeira tendência: Restrição da preservação de estrutura de Emonds: não se pode fazer nenhum apagamento na estrutura que não possa ser estruturalmente recuperado. Exemplo: só é possível apagar o sujeito de uma sentença de uma língua, se a flexão verbal nos permite recuperar estruturalmente a posição de sujeito, como no italiano e no português. Numa língua sem flexão verbal, como o inglês, o apagamento do sujeito fica impedido. Princípios e Parâmetros Das regras aos princípios Segunda tendência: Teoria dos vestígios: todo elemento movido deixa uma vestígio no lugar de onde saiu, e funciona como um elemento pleno para fins das regras sintáticas. Exemplo: A análise da sentença (2) propõe que ela seja derivada por transformação da estrutura (3) por meio do movimento do clítico nos para junto do verbo da oração principal. (2) Paulo nos viu examinar a garota. (3) Paulo viu (nos examinar a garota) Princípios e Parâmetros Das regras aos princípios No entanto, não é possível obter (4) a partir de (5) porque o clítico a teria que “passar por cima” do sujeito da subordinada e isso é proibido pela condição sobre o sujeito especificado. (4) * Paulo a viu nós examinar. (5) Paulo viu (nós examinar a) A teoria dos vestígios, portanto, restringe o número de locais para onde os elementos movidos podem ir. Princípios e Parâmetros Das regras aos princípios Substituição de uma perspectiva derivacional por uma perspectiva representacional; Numa perspectiva derivacional, as várias representações dos níveis lingüísticos (fonemas, morfemas, palavras, categorias sintáticas, estrutura frasal e transformações, na teoria de SS, ou estrutura profunda, estrutura superficial, forma fonética e representação semântica, na teoria-padrão) são derivadas umas das outras por meio de regras; A gramática é direcional, ou seja, os níveis de análise lingüística são abordados numa ordem determinada. Princípios e Parâmetros Das regras aos princípios Na perspectiva representacional, as representações não se relacionam por derivação, mas são apenas representações de propriedades estruturais resultantes das teorias que restringem a gramática. Princípios e Parâmetros O programa minimalista PM: parte do modelo proposto na teoria de princípios e parâmetros; “orientação”, de natureza metodológica, para que os lingüistas eliminassem o que fosse desnecessário da teoria de princípios e parâmetros; A linguagem humana deve ser capaz de constituir interface tanto com o sistema conceptual-intencional (C-I) quanto com o sistema articulatório-perceptual (A-P); Sistema conceptual-intencional: o que fazemos com a linguagem (descrever, referir, perguntar, comunicar com os outros, articular pensamentos, falar consigo mesmo etc.) Sistema articulatório-perceptual: sistema de produção e recepção, de natureza sensório-motora, capaz de permitir a produção e a recepção dos sons que constituem as expressões lingüísticas. Princípios e Parâmetros O programa minimalista Os dois sistemas possuem estrutura própria e são independentes da linguagem humana; entretanto, impõem condições sobre a linguagem humana; As línguas humanas têm a capacidade articulatória e auditiva dos seres humanos como limites; Para que possamos usar as línguas, é preciso que as expressões lingüísticas satisfaçam as condições impostas pelos sistemas externos. Não é mais necessário postular restrições sobre as estruturas; será mais adequada, gramatical, a estrutura que melhor satisfizer as condições de produção/percepção fonética e de significação; Princípios e Parâmetros Período de grande desenvolvimento na ampliação do conteúdo empírico da teoria; Análise de um grande número de línguas de forma satisfatória: princípios estabelecidos de forma consistente; Duas teorias em confronto: teoria de regência e ligação e o programa minimalista. O EMPREENDIMENTO GERATIVO Conclusão De acordo com Chomsky, a capacidade humana de falar e entender uma língua deve ser compreendida como o resultado de um dispositivo inato, uma capacidade genética, ou seja, interna ao organismo humano. “Apesar da imensa diferença entre as análises efetivamente propostas para os fenômenos das línguas naturais nos diversos momentos da história da GG (os sistemas computacionais propostos), o objetivo geral da lingüística chomskiana tem sido notavelmente consistente nesses anos todos. Podemos dizer, em linhas gerais, que Chomsky persegue obsessivamente um mesmo objetivo por 50 anos, embora periodicamente substitua o mecanismo teórico concebido para realizar a tarefa maior de sua concepção de lingüística. No fundo, o que a GG pretende é a construção de um mecanismo computacional capaz de formar e transformar representações, que “simule” o conhecimento lingüístico de um falante de uma língua natural, ‘registrado’ em sua mente/cérebro” (BORGES NETO, 2001, p. 97). Referências BORGES NETO, J. O empreendimento gerativo. In: MUSSALIM, F.,BENTES, A. C. (Org.). Introdução à lingüística: fundamentos epistemológicos. V.3. São Paulo: Cortez, 2001, p. 93-129.