O que surpreende (ou não) na discussão sobre o Uber
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25/09/2015 - 05:00
O que surpreende (ou não) na discussão sobre
o Uber
Por José de Almeida Prado Filho
O lançamento do serviço de transporte Uber no Brasil trouxe discussões intensas também entre nós. O
impacto altamente disruptivo que um novo produto pode causar em um mercado já estabelecido não é
uma ideia nova; a concorrência nos méritos - que muitas vezes passa pelo lançamento de um produto
inovador - pode significar a destruição completa de todo um modelo de negócios, o que valeu ao
processo competitivo a qualificação de uma "destruição criativa", atribuída por Joseph Schumpeter.
Não é novidade, portanto, que a concorrência (mesmo se exercida de forma leal e dentro das regras
jurídicas) é uma atividade que muitas vezes impacta negativamente os concorrentes, a benefício de criar
estruturas econômicas mais produtivas e produtos mais valorizados pelos consumidores; muito menos
causa estranheza a intervenção das autoridades concorrenciais neste debate sobre o Uber, tanto em suas
funções de aplicação da lei de defesa da concorrência, quanto na qualidade de responsáveis por políticas
de difusão, na sociedade, de uma cultura favorável à concorrência.
Também não surpreende a demanda legítima dos concorrentes já estabelecidos (taxistas e suas diversas
organizações) de que o tratamento paritário entre os participantes de um mesmo mercado é condição
essencial para que os resultados de uma economia de mercado e do processo concorrencial sejam,
efetivamente, aqueles pressupostos pela decisão política por essa forma de organização da vida
econômica: maiores níveis de eficiência produtiva e alocativa, assim como incremento no bem-estar dos
consumidores.
Soluções propostas nunca vão no sentido de se rediscutir as regras mais restritivas e
burocráticas em vigor
É curioso (diriam os mais céticos, também não surpreende de forma alguma) que toda a discussão sobre
o reequilíbrio concorrencial se dê por meio de propostas de regulação do novo produto e de incremento
das restrições sobre os novos entrantes, mas não pela via da liberalização dos concorrentes e produtos já
estabelecidos de amarras regulatórias desnecessárias, em uma rediscussão sobre a real necessidade e os
limites estritamente necessários da regulação e da intervenção estatal.
Longe de se discutir quais são as medidas regulatórias realmente necessárias ao adequado
funcionamento dos serviços de táxi (ou destinadas a outros objetivos públicos legítimos), propõe-se
estender, sem maiores reflexões, o regime regulatório mais restritivo também ao serviço recém-lançado,
que parece funcionar adequadamente sob um regime regulatório mais leve.
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Não é incomum que serviços eminentemente locais, muitos dos quais não apresentam falhas de mercado
ou preocupações específicas que justificassem intervenção (mas são foco de grupos de interesses
concentrados e muito próximos do regulador local), acabem sendo fortemente regulados, não raro sob
estruturas que tomam a forma de restrições de entrada ou de obstáculos os mais variados à contestação
rápida e efetiva da posição das empresas já estabelecidas.
Apenas para ficar no campo dos serviços de táxi, não se tem notícia de taxistas e suas organizações
protestarem contra as restrições regulatórias no passado, quando seu principal efeito era limitar o afluxo
de novos ofertantes; se houve reclamações, não tiveram a mesma veemência daquelas lançadas contra o
Uber nos últimos meses e certamente não tiveram a mesma repercussão.
Após o surgimento do novo serviço, também não se viu iniciativas típicas de mercado adotadas como
resposta contra a potencial perda de corridas, que normalmente não demandariam qualquer intervenção
legislativa ou regulatória. A concessão de descontos sobre o valor do taxímetro, por exemplo, que
inclusive já é adotada por serviços de táxi de algumas capitais como estratégia competitiva para obter
mais corridas e maior grau de diferenciação; no limite, não há impedimento de se migrar para o novo
modelo de negócios, seja integrando-se ao Uber, seja criando um serviço ou plataforma concorrente a
funcionar nos mesmos moldes.
O que demanda particular atenção em torno da polêmica
sobre o Uber é este viés implícito na maioria das soluções
propostas para reequilíbrio do mercado: nunca no sentido
de se rediscutir abertamente a real necessidade - e os
efetivos beneficiários - das regras mais restritivas e
burocráticas em vigor para os serviços de táxi, mas sempre
no sentido inverso, de certa forma inercial, de se incorporar
às estruturas regulatórias existentes também os serviços e
produtos inovadores que vão surgindo e que criam uma forte contestação sobre aqueles já estabelecidos.
Talvez a chave mais importante deste debate (ainda implícita) esteja no que ele traz sobre os
fundamentos subjacentes às escolhas públicas envolvidas: como reequilibrar o processo concorrencial
preferencialmente em direção a uma verdadeira economia de mercado, com um ambiente de negócios
mais pleno e menos onerado por intervenções desnecessárias (sempre quando isso seja possível), em vez
de se ampliar sem maiores reflexões o escopo das restrições vigentes, que muitas vezes são reflexos de
demandas protetivas de ofertantes interessados.
Naturalmente, haverá hipóteses em que a solução adequada será ampliar a disciplina regulatória
também aos novos agentes e seus produtos inovadores, que surgem não inicialmente inseridos nas
categorias anteriores já reguladas; mas não é desarrazoado considerar que também haverá casos em que
será mais benéfico para a sociedade e para os consumidores pressionar no sentido inverso, por um
ambiente negocial com mais liberdade - liberdade de mercado, sempre regrada pelo direito.
Sugere-se apenas que uma extensão irrefletida de regras e restrições regulatórias -- por inércia ou, mais
grave, por pressão de grupos interessados em reservas de mercado ou outras medidas protecionistas não seja sempre a resposta automática à pergunta: como garantir igualdade e paridade regulatória em
um dado mercado.
José Inácio Ferraz de Almeida Prado Filho é advogado do BMA - Barbosa, Müssnich,
Aragão
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