ID: 60857590 07-09-2015 Tiragem: 34268 Pág: 2 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 25,70 x 30,56 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 4 MOBILIDADE Governo diz que problema da Uber tem de ser resolvido também em Bruxelas Táxis queixam-se de concorrência ilegal e vão manifestar-se. Comissão Europeia já avançou com estudo sobre serviços de carros com motorista João Pedro Pereira e Cláudia Bancaleiro O que fazer com a Uber, uma aplicação que permite chamar carros com motorista, está a ser uma questão de resposta difícil em muitos países, dentro e fora da Europa. Em Portugal, o Governo defende não ser possível uma solução apenas nacional aos desafios jurídicos e de regulação colocados por este serviço, que tem sido alvo de protestos acesos por parte das empresas de táxis. “Atendendo às características transfronteiriças deste negócio, não será possível uma abordagem meramente nacional, antes se exigindo uma resposta ao nível da União Europeia, pautada pelo princípio do tratamento idêntico para situações idênticas”, afirmou o Ministério da Economia (onde se integra a Secretaria de Estado dos Transportes), em resposta a questões do PÚBLICO. A ANTRAL, uma associação do sector, convocou uma manifestação de taxistas para amanhã. Queixamse de falta de actuação do Governo, bem como do não cumprimento, por parte das autoridades, de uma providência cautelar que suspendeu em Abril a actuação da Uber em Portugal. O ministério admite que o Governo e os reguladores “têm de fazer também a sua parte” e disse ter pedido à OCDE, através do Instituto de Mobilidade e Transportes, uma análise comparativa da regulação nos diferentes países da Europa, bem como propostas “para lidar com os avanços tecnológicos na relação do sector com o cliente”. Lembrou ainda que existe no Parlamento um grupo de trabalho sobre o assunto, para o qual a ANTRAL foi convidada. As preocupações sobre o enquadramento legal da Uber chegaram a Bruxelas, após o serviço ter sido banido pelos tribunais em países como Espanha e Alemanha e de ter havido alterações da lei em França. A Comissão Europeia arrancou recentemente com um processo que poderá acabar por trazer regras comunitárias a um sector em que a regulação é sobretudo nacional. Ainda está, porém, no início e não é garantido que Bruxelas venha a actuar. “A Comissão lançou um estudo para analisar os mercados dos táxis e dos veículos com motorista nos Estados-membros. Esta análise vai fornecer o contexto necessário para a Comissão decidir sobre a necessidade — e a possível natureza — de mais acções ao nível da União Europeia”, explicou Jakub Adamowicz, porta-voz da comissária europeia dos Transportes, Violeta Bulc. O gabinete da comissária classifica o tema como “muito complexo” e quer “compreender o impacto da expansão destes serviços no sector e na economia e na sociedade como um todo”. Serão precisos vários meses até o estudo produzir resultados. Autos arquivados Em Abril passado, o Tribunal da Comarca de Lisboa deu parecer favorável à providência cautelar interposta pela ANTRAL contra a Uber. Mas a Uber continua a operar em Lisboa e no Porto, devido a um alegado pormenor de morada. O presidente da associação, Florêncio de Almeida, considera que os atrasos na aplicação da decisão judicial têm o “conluio do Governo”, onde, diz, “há membros que têm uma certa simpatia pela Uber”. Florêncio de Almeida lamenta que as forças policiais tenham, “em várias ocasiões”, levantado autos a motoristas e que estes ao chegarem ao IMT sejam arquivados “por ordem do Governo”. “No protesto de dia 8 vamos perguntar ao presidente do IMT o que fez a esses autos.” Em Lisboa, a marcha dos táxis começará no Parque das Nações, com paragens previstas no aeroporto, Secretaria de Estado dos Transportes e Ministério da Justiça. No Porto, partirá do Castelo do Queijo. A Federação Portuguesa de Táxis demarcou-se da manifestação. “Não pactuaremos com uma imagem degradante do sector e com atitudes radicais”, afirmou num comunicado. Do lado da Uber, o director da empresa em Portugal, Rui Bento, insiste que esta “vem responder a uma necessidade que existe” e argumenta que não há ilegalidades na forma como o serviço é prestado. “Temos parceiros licenciados, táxis letra A e letra B [motoristas individuais], empresas de rent-a-car e empresas turísticas. Todos já operavam e faziam este tipo de serviço antes da chegada da Uber.” A Uber tem estado a braços com a Justiça em vários países desde 2009, ano em que foi criada. Coloca-se a dúvida se é a regulamentação que não está preparada para este tipo de modelo de negócio, ou se é a Uber que opera sem ter em conta a legislação dos mais de 70 países onde existe. “O problema não está na forma como o consumidor adopta a Uber, mas na necessidade de revisão do sistema de laboração dos taxistas tradicionais”, responde Manuel Heitor, que dirige o Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, IN+, do Instituto Superior Técnico, em Lisboa. “Os dois lados têm razão. Mas há uma inovação a que os taxistas não se adaptaram: a capacidade de usar novas tecnologias”, prossegue o académico, afirmando ser necessário “um sistema regulatório que permita mais actores”. O confronto entre o tradicional e o inovador não é novo no sector dos transportes, mas nunca foi tão significativo, considera Manuel Heitor. Lembra que o sector da aviação sofreu um abalo, quando “surgiram as companhias low cost, que provocaram transformações radicais e enfrentaram barreiras consideráveis por parte das companhias tradicionais”. Outro exemplo é o do sector automóvel, que está a desenvolver carros autónomos. “A indústria vê-se obrigada a adaptar-se a estas novas tecnologias”, observa. Acrescenta que “não há sectores protegidos” contra a inovação. ID: 60857590 07-09-2015 ALAIN JOCARD/AFP Tiragem: 34268 Pág: 3 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 25,70 x 30,87 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 2 de 4 A Comissão Europeia lançou um estudo para analisar os mercados dos táxis e dos veículos com motorista “A nossa confusão sobre a Uber é proporcional à nossa confusão sobre a Internet” Entrevista Cláudia Bancaleiro E Alternativas a levantar o braço F azer um telefonema ou acenar na rua já não são as únicas formas de apanhar um táxi. Em várias cidades portuguesas (embora sobretudo no Porto e Lisboa) há taxistas que estão inscritos em plataformas electrónicas, cujas aplicações permitem aos clientes ver os carros num mapa e solicitar o serviço. Não são muito diferentes da Uber, classificação dos motoristas incluída. Uma destas aplicações foi lançada pela Meo há um ano e é usada, segundo a empresa, por 1500 taxistas em vários concelhos do país: Porto, Lisboa, Vila Nova de Gaia, Sintra, Gondomar, Leiria, Setúbal e Braga, bem como na Madeira. Há também duas aplicações brasileiras que já entraram no mercado português. A 99Taxis diz ter cerca de 700 motoristas a usar a plataforma em Lisboa e uma centena no Porto. A empresa garante ter dez mil utilizadores em Portugal e que o número de viagens cresce 30% ao mês. A Wappa é outra empresa nascida no Brasil. Os números da empresa indicam 1500 motoristas e quatro mil utilizadores em Portugal, um mercado que está a ser usado como uma porta de entrada para a Europa. O director executivo da Wappa, Armindo Mota Júnior, vê um lado positivo na disputa com a Uber. “A polémica ajuda a popularizar novas plataformas e tecnologias. O avanço da Uber também gera oportunidades para a Wappa.” vgueny Morozov, especialista bielorrusso em questões políticas e sociais no progresso tecnológico e professor em Stanford, explica que até empresas como a Uber, tecnológica que se tornou um monopólio e que foi recebida sem receios pela sociedade, têm as suas fragilidades, apesar do poder no mercado. Questiona o porquê da sobrevalorização da Uber, quando é apenas uma intermediária, defendendo que deveriam ser as cidades a assumir esses serviços. Para mim, a Uber é mais do que uma simples empresa. É a personificação de um novo tipo de capitalismo conduzido por Silicon Valley. Esta nova forma de capitalismo, mais implacável, acaba com o compromisso social da época anterior — alguma protecção aos trabalhadores em troca de não questionar os fundamentos da economia de mercado — e propõe substituir essa protecção por um sistema baseado na reputação, em que nem os clientes nem os prestadores de serviços podem estar inteiramente certos sobre o resultado da sua troca. Além disso, temos estas empresas parasitas de Silicon Valley que oferecem muito pouco valor — são apenas um intermediário —, mas graças ao seu monopólio em peças-chave da infra-estrutura de informação conseguem ter benefícios. Não é preciso muita criatividade para descobrir que sim, podemos fornecer o transporte e outros serviços num só, descentralizado, de forma radicalmente diferente, mas não há nenhuma razão para que todas as vantagens tenham de ir apenas para algumas empresas. Pessoalmente prefiro mais dinheiro público e atenção para melhorar o transporte público, em vez dos táxis, mas não há nenhuma razão para que pequenas empresas não possam emergir para servir mercados específicos. Simplesmente não devem ser os únicos a construir/ possuir a infra-estrutura informativa que torna, em primeiro lugar, esse negócio possível. Como se explica que alguns governos tentem encontrar soluções para o caso Uber e outros se mantenham em silêncio? Sou cínico o suficiente para pensar que muito depende da capacidade da indústria de táxi para cooptar governos na resolução dos seus problemas (incluindo o problema global Uber). Sou da opinião de que a vida seria melhor se simplesmente tivéssemos melhor e mais transporte público; nesse sentido, não sou um fã nem de empresas de táxi, nem da Uber. Se pudéssemos fazer a transição para algum tipo barato de opção de carro autónomo como meio de transporte universal, eu estaria interessado, embora tenha a certeza que a indústria de táxi iria odiá-lo, simplesmente porque vai A Uber é a personificação de um novo tipo de capitalismo de Silicon Valley eliminá-la juntamente com postos de trabalho. Não ficarei triste se a indústria de táxi desaparecer, mas a questão do emprego deve, naturalmente, ser resolvida. Mas tem de ser resolvida — talvez, através da introdução de um rendimento básico universal para todos — de forma abertamente política. Nunca encontraríamos uma solução substituindo o interesse de uma indústria (seja a indústria de táxi ou Silicon Valley) pelo interesse do público e fingir que estamos a avançar, não estamos. É exagerado chamar à Uber uma revolução tecnológica? Muitas das empresas de Silicon Valley, desde o Google ao Facebook, não são mais do que parasitas: aproveitam os nossos comportamentos diários (como a necessidade de encontrar informação) para gerarem serviços extremamente lucrativos que mais tarde usam para converter a nossa actividade em receitas de publicidade. Existem várias razões que podem explicar a falta de atenção crítica sobre Silicon Valley — gosto de lhe chamar a “indústria Teflon”, porque qualquer coisa que lhe seja lançada não parece ficar agarrada. A nossa confusão sobre empresas como a Uber é directamente proporcional à nossa confusão sobre a Internet e os seus vários termos e conceitos relacionados (como ciberespaço). Passámos as últimas décadas a pensar que, de alguma forma, a Internet iria ajudar-nos a transcender as operações do capitalismo, especialmente os seus piores excessos. Acho que foi um falso vislumbre de esperança e agora estamos simplesmente a pagar os custos por uma imensa confusão ideológica. Existem outras apps que fornecem um serviço semelhante ao da Uber e que não são contestadas. Porquê a oposição à Uber? O seu tamanho, a sua valorização, a sua arrogância, o seu lobby agressivo, o seu CEO ultraliberal. ID: 60857590 07-09-2015 Tiragem: 34268 Pág: 4 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 25,70 x 30,49 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 3 de 4 MOBILIDADE Apanhar um uber às escondidas dos taxistas A poucos dias da manifestação de táxis, o PÚBLICO foi de uber até ao aeroporto de Lisboa, o ponto quente da discórdia. E chamou de lá um carro para regressar BRUNO LISITA Reportagem João Pedro Pereira “A gora é a parte complicada.” O motorista, chamado através da aplicação da Uber, pergunta se pode parar o carro um pouco antes do destino pretendido: as partidas do aeroporto de Lisboa. “Andamos a ser devorados no aeroporto”, dissera momentos antes. “Tentamos sempre evitar o confronto.” O aeroporto de Lisboa é um local muito apetecível para quem ganha a vida a transportar turistas e onde os táxis se acumulam no Verão. Nos últimos dias, tem sido palco de confrontos entre taxistas e motoristas de carros que trabalham com a Uber. No início do mês, uma turista chamou um carro através da aplicação. Quando o veículo chegou, o condutor foi abordado por vários taxistas, impedindo-o de transportar a cliente. A cena foi gravada por outra pessoa, que tinha também pedido um uber. O vídeo foi publicado no YouTube e chegou às televisões. Há mais relatos de situações semelhantes. A viagem de uber feita pelo PÚBLICO foi de 12,49 quilómetros, durou 12 minutos e 33 segundos e custou 11,88 euros. Os recibos que o serviço envia por email incluem todos os detalhes da viagem, incluindo um mapa com o trajecto. A aplicação dá previamente uma estimativa do custo e permite ao cliente acompanhar no telemóvel o percurso do carro e perceber se este segue a rota do GPS — um factor que será valorizado por turistas receosos que aterram e não conhecem as ruas de Lisboa. O pagamento é feito através da aplicação, com recurso ao cartão de crédito introduzido na altura do registo. Não há necessidade de entregar dinheiro, nem A estratégia de protesto dos taxistas contra a Uber estende-se à Internet e ao Facebook preocupações com trocos ou eventuais gorjetas. A chegada ao aeroporto decorreu sem problemas. Mas, no local, há taxistas que se queixam da concorrência, que consideram ilegal, e o ambiente é hostil. A meio da tarde, na praça de táxis junto à porta das chegadas, a fila de viajantes acabados de aterrar e à procura de transporte é longa. A O aeroporto de Lisboa é um local muito apetecível para quem ganha a vida a transportar turistas e onde os táxis se acumulam no Verão polícia tenta minimizar a confusão e nenhum taxista tem tempo para falar. Do outro lado, nas partidas, onde só vai quem conhece o truque para evitar a fila maior, o ritmo é muito menor. O tempo de espera para apanhar um cliente oscila aqui entre os 30 e os 45 minutos, diz Júlio Santos, um dos taxistas. Afirma já ter visto vários uber no local, mas garante nunca ter testemunhado confrontos. Isabel Sá Viegas, também taxista, mas há apenas oito meses, e a única mulher ali, corrobora: “Aqui não há confusão nenhuma.” Armando Polónio, que conduz táxis há 30 anos, aproxima-se e esforça-se por se juntar à conversa. “Este ano, há mais turismo, mas menos trabalho”, afirma, desenrolando queixas. “São os uber, os tuk-tuk, as carrinhas dos hotéis. Estão-nos a sufocar.” Ainda não viu confrontos no aeroporto. “Que eu tivesse dado conta ainda não houve.” Mas rapidamente acrescenta: “Eu sou dos que está na disposição para isso.” A estratégia de protesto dos taxistas estende-se à Internet. No Facebook, um grupo chamado “Motoristas de táxis nos aeroportos” tem cerca de 200 membros e é uma crónica em construção da rivalidade entre táxis e a Uber. Na mesma tarde em que o PÚBLICO foi até ao aeroporto, um dos membros daquele grupo publicou duas fotografias, cada uma com uma folha de papel branco onde, escrito a caneta, estão matrículas de automóveis e as respectivas marcas. “Caros colegas e amigos vai mais umas matriculas para a lista carros que ja foram intercetados [sic].” São 29 no total. Mais abaixo, outra foto mostra um homem ao lado de um cartaz impresso com letras pretas e vermelhas, no local onde os passageiros saem, de uma forma que torna quase impossível que não seja visto. Diz, em inglês: “Atenção. A Uber não é legal em Portugal. Não use esta aplicação.” Há um xis vermelho por cima do logótipo da empresa. Por outro lado, há quem opte por outra estratégia e apele no Facebook a uma melhoria do serviço. “Só vamos conseguir vencer esta luta com a reforma no sector. Mude a sua atitude com o cliente, procure oferecer um serviço de excelência 100% seguro e higiênico”, lê-se numa publicação, escrita em português do Brasil. “Os tempos são outros, a praça está mudando, a tecnologia está aí (...) Se não mudarmos logo, será o fim dos amarelinhos.” Outras fotografias mostram carros que trabalham com a Uber e os respectivos condutores a serem identificados pela polícia. Os rostos nas imagens foram cortados. A PSP já confirmou ter identificado alguns motoristas naquele local. Contactado pelo PÚBLICO, o comando metropolitano de Lisboa da PSP disse não ter informação de desacatos e não conseguir saber se houve queixas apresentadas por pessoas envolvidas. Se chegar ao aeroporto foi “a parte complicada”, apanhar lá um uber também significou contornar eventuais riscos. O carro tinha sido pedido, através da aplicação, para a zona das chegadas, onde os táxis pareciam não ter mãos a medir. Contudo, o motorista que aceita o pedido, telefona e pergunta se o encontro pode antes ser feito nas partidas. “É mais seguro.” O condutor (que, tal como o anterior, não quer ser identificado) explica ter recebido uma mensagem da Uber com conselhos para evitar certas zonas do aeroporto e refere que alguns colegas deixaram de ir buscar pessoas ao local. Os ânimos, diz, têm aquecido com o aproximar do dia de amanhã, em que está convocada uma manifestação de taxistas. “No outro dia, atiraram-se para a frente do carro”, queixa-se. ID: 60857590 07-09-2015 Tiragem: 34268 Pág: 1 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 5,97 x 5,58 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 4 de 4 Governo quer Bruxelas na solução para a Uber Taxistas queixam-se de concorrência ilegal e manifestam-se hoje. Comissão Europeia já avançou com estudo sobre serviço de táxis com motorista p2/3