PALESTRA Testes de toxicidade aquática para monitoramento ambiental. TESTES DE TOXICIDADE AQUÁTICA PARA MONITORAMENTO AMBIENTAL Cláudia Maris Ferreira Instituto de Pesca Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Peixes Ornamentais Laboratorial de Referência de Patologia de Organismos Aquáticos São Paulo/SP E-mail: [email protected] Os testes de toxicidade aquática têm sido cada vez mais utilizados para a determinação de efeitos deletérios em organismos aquáticos, em virtude, principalmente, do potencial risco da transferência de poluentes do ambiente para os organismos, e avaliação da qualidade da água sobre eles (FERREIRA, 2002). Os estudos relativos a este assunto podem ser conduzidos através de testes experimentais com metodologias distintas, estabelecidas de acordo com os objetivos que se procura alcançar nessas avaliações (LOMBARDI, 1999). A exposição a um agente tóxico pode ser aguda, quando a dose letal do tóxico é liberada em um único evento e rapidamente absorvida, ou crônica, quando o agente tóxico é liberado em eventos periodicamente repetidos, em doses subletais, durante um período de tempo (SCHVARTSMAN, 1991). Os testes de toxicidade aguda podem durar horas ou dias, geralmente 96 horas em organismos aquáticos. Esses testes têm por objetivo determinar a Concentração Letal Média (CL5 0 ), isto é, aquela em que metade dos indivíduos morre depois de determinado tempo de exposição ao agente tóxico. Os testes de toxicidade crônica dependem diretamente dos resultados dos testes de toxicidade aguda, uma vez que as concentrações subletais são calculadas a partir da CL5 0 (BARROS & DAVINO, 1996). Entretanto, após um teste de toxicidade aguda, costuma-se utilizar, por motivos de segurança, a CL5 0 de menor valor no maior tempo. Desta forma, ao se recomendar a dosagem de um determinado produto, consegue-se trabalhar de uma forma mais criteriosa, pois, os testes de toxicidade aguda são conduzidos em laboratório desconhecendo-se as possíveis interações sinérgicas ou antagônicas dos produtos quando lançados no ambiente. As concentrações subletais de produtos tóxicos no ambiente aquático podem não necessariamente resultar em mortalidade imediata dos organismos. Entretanto elas têm significantes efeitos sobre os indivíduos, provocando muitas vezes, inúmeras disfunções fisiológicas (OMOREGIE et al., 1994). HE L L A W E L L (1988) ressalta que além da susceptibilidade individual e qualidade da água, outros fatores devem ser levados em consideração quando se analisa a toxicidade de substâncias. A exposição, por exemplo, de organismos a baixas concentrações de um determinado produto, por um longo período de tempo, pode resultar em um mesmo efeito da exposição a altas concentrações, por um curto período de tempo. Devido às grandes variações da sensibilidade aos contaminantes apresentadas pelos diferentes grupos de animais, conforme o tipo de teste escolhido e seu propósito, pode-se constatar a letalidade do produto testado, ou verificar seus efeitos subletais, que, muitas vezes, manifestam-se atingindo as estruturas celulares do organismo de forma molecular e bioquímica ou mesmo o próprio material genético. De maneira geral, durante um teste de toxicidade aguda avaliam-se a mortalidade ou sobrevivência dos organismos, alterações de comportamento (forma de natação, distribuição na coluna d’água, paralisação e letargia) e aspectos biométricos relativos ao ganho de peso e crescimento dos organismos. Além destas análises, podem-se ainda realizar outras análises complementares, dependendo principalmente da biomassa do organismo, das condições ideais para sua manutenção em laboratório e do custo da experimentação. As análises rotineiramente empregadas em testes de toxicidade crônica são as de bioacumulação, hematológicas, histológicas, parasitológicas e de genotoxicidade. Os trabalhos de bioensaios com análises "in vivo" ou com exposição "in situ" de animais, utilizando amostras de sangue e tecido para análises complementares, são importantes ferramentas de rastreamento para testes toxicológicos e monitoramento ambiental. Entretanto, são poucos os trabalhos encontrados na literatura a esse respeito. Em relação à toxicidade dos metais pesados, se situações de carência levam à deficiência, situações de suplementação resultam em ótimas condições para o organismo, porém o excesso resulta em intoxicação ou mesmo em morte (FERREIRO, 1980). Existe uma grande dificuldade de se avaliar o potencial tóxico de misturas complexas, tais como as provenientes de águas poluídas por dejetos orgânicos. Em águas de rios e represas deve-se sempre levar em consideração a diluição pontual dos xenobióticos oriunda das águas de contribuição, as relações antagonistas entre as substâncias, a rápida associação que ocorre entre a maioria das partículas Biológico, São Paulo, v.65, n.1/2, p.17-18, jan./dez., 2003 17 18 C.M. Ferreira e a matéria húmica e a sedimentação de sólidos em suspensão. Ao mesmo tempo, incentiva-se o uso de testes in vivo com organismos aquáticos, pois esta metodologia traduz-se em uma das melhores maneiras de se avaliarem os riscos ambientais e dar uma resposta global da atuação de todos os químicos presentes no meio sobre os organismos aquáticos (FERREIRA, 2002). Finalizando, SCHVARTSMAN (1991), ZA G A T T O & GOLDSTEIN (1991), AB E L (1998) e SA L D I V A & BÖHM (1998) salientam a importância da realização de testes de toxicidade com organismos aquáticos, considerando-os como um instrumento de alerta para um possível problema ambiental, uma vez que os xenobióticos podem ser transmitidos indiretamente a outros organismos. Enfatizam ainda que os relatos de efeitos teratogênicos, mutagênicos e especialmente carcinogênicos, embora até o momento dificilmente confirmados por dados clínicos ou epidemiológicos na espécie humana, justificam a necessidade da realização de testes toxicológicos rigorosos e de análises a partir de material biológico e da complementação dos dados através de projetos de biomonitoramento no campo. A execução simultânea de tais procedimentos auxiliaria a detecção de agentes tóxicos na água que, por sua vez, desempenham efeitos, mesmo que sutis sobre espécies não aquáticas, incluindo os seres humanos, seja por meio do consumo de água, ou através da cadeia alimentar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AB E L , P.D. Water pollution biology. 2.ed. London: Taylor & Francis, 1998. 286p. BARROS , S.B.M. & DAVINO , S.C. Avaliação da toxicidade. In: OG A , S. (Ed.). Fundamentos de toxicologia. São Paulo: Atheneu, 1995. p.59-70. FERREIRA , C.M. Avaliação da toxicidade do cobre e do uso de girinos de rã-touro (Rana catesbeiana Shaw, 1802) como animais sentinelas. São Paulo: 2002. 109p. [Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina, Univ. São Paulo]. FERREIRA , M.F.S. Impacto dos poluentes metálicos em ecossistemas aquáticos. In: SEMINÁRIO SOBRE POLUIÇÃO POR MATERIAIS PESADOS, 1., 1980, São Paulo. Resumos. São Paulo: 1980. v.1, p. 17-23. HE L L A W E L L , J.M. Toxic substances in river and streams. 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