Mestrado em Economia e Gestão Internacional
Multinacionais e Internacionalização
2014/2015
Professora Doutora Rosa Forte
Professora Doutora Ana Teresa Lehmann
O processo de internacionalização da Bial em Espanha
Ana Bárbara Matos
Rita Gordo
Sandra Ribeiro
Porto, dezembro de 2014
O processo de internacionalização da Bial em Espanha
Resumo
A Bial, uma empresa com uma posição de destaque na indústria farmacêutica portuguesa, inicia a
sua transição de empresa doméstica para multinacional em 1998, ao instalar-se naquele que é
considerado o seu mercado natural: Espanha. Mercado maduro, com elevado potencial de
crescimento e alavancagem internacional, que possibilita à Bial fazer um upgrade da sua
estratégia de crescimento, assente em dois pilares: I&D e procura de mercados. Deste modo, o
processo de internacionalização constitui uma estratégia de longo prazo, o que justifica a
realização de IDE através da aquisição de uma empresa local, que veio a constituir a primeira
subsidiária a 100% do grupo. 16 anos depois, a empresa familiar é uma “empresa ibérica” cada
vez mais global. O presente case study perscruta este primeiro passo no percurso internacional da
multinacional portuguesa, à luz das teorias relativas às multinacionais e ao processo de
internacionalização, às suas motivações e estratégias.
Palavras-chave: Bial, Espanha, internacionalização, multinacionais, IDE
Código JEL: F21, F23, F6
Agradecimentos: As autoras agradecem à Bial, em particular aos diretores de marketing Vítor
Teixeira e Ana García-Flores, a disponibilidade e colaboração no fornecimento de informação
para este trabalho.
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
Índice
Resumo ............................................................................................................................... 2
Introdução ........................................................................................................................... 4
Bial: de empresa doméstica a multinacional ...................................................................... 5
Bial Espanha ....................................................................................................................... 6
IDE .................................................................................................................................. 7
Paradigma eclético .......................................................................................................... 7
Motivações para o IDE ................................................................................................... 9
Modelo Uppsala ............................................................................................................ 11
Modo de entrada e estabelecimento .............................................................................. 11
Papel da subsidiária no grupo ....................................................................................... 12
Conclusão e discussão ...................................................................................................... 14
Bibliografia ....................................................................................................................... 14
Anexos .............................................................................................................................. 18
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
Introdução
“Economic globalization is generally accepted to imply the growing interdependence of locations
and economic units across countries and regions” (Narula e Zanfei, 2003). A globalização
económica, marcada pela crescente globalização da produção, com a emergência de cadeias de
valor globais, é um dos principais outputs da afirmação das multinacionais como principais atores
económicos (Rugman e Verbeke, 2004). Isto deve-se, sobretudo, à expansão do IDE
(Investimento Direto Estrangeiro) e à maior interligação produtiva norteada pela procura de
adquirir vantagens competitivas em cada segmento da cadeia de valor.
No entanto, há custos inerentes ao processo de internacionalização que devem ser avaliados pelas
empresas. De acordo com Hymer (1960), tais custos, no caso do IDE, só podem ser compensados
se houver uma vantagem competitiva da multinacional ao estabelecer operações no exterior,
criando incentivos à exploração das imperfeições dos mercados. Para além disto, observa-se uma
correlação positiva entre o nível de globalização de uma indústria e a dimensão da presença
internacional das empresas que nela competem (Wiersema e Bowen, 2008). De acordo com
Johansson e Vahlne (1977), o primeiro passo na estratégia de expansão, tende a verificar-se em
países culturalmente mais próximos, isto é, com menor distância psicológica.
Com base nestes pressupostos, o objetivo do presente case study é analisar a decisão de expansão
da Bial, multinacional portuguesa da indústria farmacêutica, para o país vizinho, em 1998,
mercado prioritário para a internacionalização da maioria das empresas portuguesas (AICEP,
2010). Considerando as características da indústria farmacêutica e do mercado espanhol,
pretende-se conhecer a história da empresa e o seu modelo de negócio, bem como dar resposta às
perguntas “porquê” e “como” relativas à expansão para Espanha, isto é, compreender a realização
de IDE e os motivos para a internacionalização, assim como o modo de entrada e
estabelecimento.
Nas diferentes secções do trabalho, a empresa, a entrada em Espanha e os conceitos associados à
internacionalização e à existência de multinacionais estarão sempre interligados para
providenciar uma visão integrada do processo de internacionalização que alie a revisão da
literatura com o estudo de caso. Na primeira secção, realizaremos uma apresentação da empresa,
enunciando as principais etapas do seu processo de internacionalização. A segunda secção
versará mais concretamente sobre a entrada em Espanha em 1998, a qual será explicada à luz de
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
teorias e conceitos relacionados com as multinacionais e o processo de internacionalização que se
mostraram relevantes para o enquadramento do caso. Por último lugar, a conclusão reunirá os
principais pontos a destacar de acordo com os objetivos iniciais, bem como uma reflexão crítica
sobre a decisão de internacionalização (processo, consequências e possíveis alternativas).
Bial: de empresa doméstica a multinacional
A Bial - Portela & Companhia, S.A. é uma multinacional portuguesa do setor farmacêutico e a
única empresa portuguesa no ranking das 10 maiores empresas farmacêuticas do mercado
nacional1. A empresa sediada na Trofa constitui, 90 anos após a sua fundação, o maior grupo
farmacêutico nacional e o único com um medicamento de patente portuguesa, distinguindo-se no
panorama empresarial de Portugal em termos de investimento em I&D. Os produtos da Bial são,
atualmente, comercializados em mais de 50 países na Europa, África, Ásia e Américas. O grupo
conta com uma equipa de cerca de 900 trabalhadores e regista uma faturação anual total que
ronda os 150 milhões de euros2.
Os Laboratórios Bial foram fundados em 1924 por Álvaro Portela, que presidiu a empresa até à
sua morte, nos anos 1960, sucedendo-lhe, então, o filho, António Emílio Portela. Em 1979, Luís
Portela (neto do fundador) assumiu a direção da empresa. Com Luís Portela como presidente e
CEO, a Bial tomou um passo decisivo na alteração da sua estratégia de negócio nos anos 1990,
ao decidir investir em I&D (um investimento que corresponde atualmente a cerca de 20% da
faturação total do grupo2) e em internacionalizar-se. O processo de internacionalização iniciou-se
em 1998, quando o grupo adquiriu uma empresa farmacêutica espanhola (passando a operar
nesse país como Bial Espanha) e entrou em Moçambique (através da filial Medimport). Entre
2007 e 2009, a Bial entrou nos EUA, no Canadá e no mercado europeu, através da atribuição da
licença de uma patente a empresas parceiras. Em 2008, foram criadas as empresas Bial-África
Francófona, Bial-Angola e Bial-América Latina. No mesmo ano, a Bial iniciou as suas atividades
na Suíça (através da subsidiária a 100% Novipharma). Em 2010, com a aquisição de uma
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Ver anexo 1
Fonte: www.bial.pt
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
empresa farmacêutica italiana, foi criada a Bial Itália. Em 2013, a Bial entrou também no Japão
através de licenciamento. Em 2011, cerca de 40% das vendas do grupo Bial eram exportações3.
Desta forma, a multinacional produtora e distribuidora de medicamentos (próprios e sob licença)
está presente em mercados em diferente fase de maturação. Tal como preconizado pela teoria do
ciclo de vida do produto (Vernon, 1966), a Bial introduz produtos inovadores em mercados
desenvolvidos e produtos maduros ou estandardizados em mercados emergentes. Assim, a Bial
adota três modos de operar no exterior: por via de aquisição (Espanha e Itália), via parcerias
estratégicas (países emergentes, sobretudo África) e via licenciamento (Europa e EUA).
Desde 2011, António Portela (quarta geração da família Portela) é CEO do grupo Bial. Em
entrevista ao Diário de Notícias, nesse ano, afirmou que a ambição do grupo é “gerar
medicamentos inovadores e que, ao mesmo tempo, se torne cada vez mais global”4. Para isso, a
sua estratégia desenvolve-se a partir da procura de mercados que sustenta o investimento em
I&D. Este último ponto, que representa a vantagem competitiva da Bial, está concentrado em
Portugal e em Espanha.
Bial Espanha
“A Bial assume-se como uma empresa ibérica”. Vítor Teixeira, gestor de marketing da Bial, em
entrevista, resume a importância da presença da multinacional portuguesa no mercado espanhol.
A empresa farmacêutica realizou IDE pela primeira vez em Espanha, em 1998, criando uma
subsidiária a 100%, através da qual cobre todas as etapas da cadeia de valor dos seus produtos.
Através da aquisição da empresa farmacêutica espanhola Aristegui, um investimento de 22
milhões de euros, a empresa criou a Bial Espanha, estabelecendo-se, assim, no sétimo maior
mercado farmacêutico mundial. Os conhecimentos da empresa local adquirida foram absorvidos
pelo grupo, não só no que concerne à experiência do mercado espanhol, bem como ao potencial
de I&D, o que explica que a Bial Espanha, ainda hoje, aí se dedique ao desenvolvimento de
vacinas antialérgicas.
Mais tarde, em 2012, é dado um novo passo no processo de internacionalização no país vizinho
com a criação de uma nova fábrica em Bilbau. Este investimento de raiz reforçou a importância
3
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Diário de Notícias, 15-12-2011
Diário de Notícias, 15-12-2011
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
da Bial Espanha como principal mercado externo e segundo centro de I&D da multinacional
portuguesa. Por último, e no mesmo ano, a Bial adquire a unidade de negócio da empresa
espanhola Juste.
Os dois pilares da Bial Espanha assentam em Madrid - que acolhe a direção geral e os
departamentos de assuntos regulamentares e comercial - e em Bilbau - onde está situada a
unidade industrial e o centro de investigação e desenvolvimento.
IDE
O IDE pressupõe uma influência de longo prazo na gestão de ativos de uma empresa de outro
país. É, por isso, apontado como o instrumento mais poderoso de internacionalização, adquirindo
uma significativa importância no PIB das economias mundiais.
Quando a Bial realizou IDE em Espanha, em 1998, assistia-se, segundo Contessi e Weinberger
(2009), a uma mudança favorável na regulação5 no sentido de promover o investimento direto no
exterior. Deste modo, em comparação com o ano anterior, o World Investement Report (1999)
evidencia um aumento dos inflows6 de IDE na maioria das economias desenvolvidas, incluindo
Espanha, país de destino do IDE da empresa portuguesa. De facto, de acordo com a AICEP
(2012), esta evolução positiva em Espanha pode ser justificada, em parte, pelos outflows
portugueses, visto que, em 1995, a economia vizinha passou a liderar os mercados de destino de
IDPE (Investimento Direto Português no Exterior), representando mais de 40% do total dos
fluxos.
Todavia, a opção de realizar IDE como modo de entrada noutro país não é isenta de riscos.
Atendendo aos desafios colocados à multinacional quando substitui o mercado e se propõe a
coordenar a sua atividade em diferentes contextos locais, só quando reunidas as três vantagens do
paradigma eclético é que os modos contratuais devem ser preteridos em função do IDE.
Paradigma eclético
O paradigma eclético (Dunning, 1977) sintetiza, em grande medida, as teorias de
internacionalização existentes, pois procura associar as vantagens relativas dos países com as
vantagens competitivas das empresas. Assim, a empresa deve optar por IDE se tiver uma
vantagem competitiva sobre as restantes empresas (vantagem de propriedade), se for mais
5
6
Ver anexo 2
Ver anexo 3
7
O processo de internacionalização da Bial em Espanha
eficiente ser a própria empresa a explorar a vantagem de propriedade em vez de utilizar uma
solução de mercado (vantagem de internalização) e se existir vantagem na utilização dessa
vantagem de propriedade noutro país que não o país de origem (vantagem de localização).
Aquando da realização de IDE em Espanha, a Bial tinha vantagens de propriedade baseadas em
ativos, designadamente: a propriedade da patente de um medicamento; os conhecimentos
incorporados nos recursos humanos (a título de exemplo, em 2009, 67% dos trabalhadores da
Bial tinham educação superior (Loureiro, 2010), já que, segundo a diretora de marketing
espanhola Ana García-Flores, em entrevista, “la ventaja competitiva de Bial, además de sus
productos, son sus trabajadores”; e o forte investimento em I&D, através do qual Carvalho (2007)
considera que “a Bial se distingue da generalidade das empresas portuguesas e se assemelha às
empresas líderes a nível mundial”.
A Bial também tinha vantagens de propriedade baseadas em custos de transação que ao serem
mais elevados do que os custos de coordenação justificam a instalação em Espanha e o
aproveitamento de economias de gama e de escala; uma maior especialização de cada unidade
(“o grupo centraliza em Espanha a produção de vacinas anti-alérgicas e meios de diagnóstico
para alergias”7); a redução de riscos devido à diversificação geográfica (segundo Vítor Teixeira,
“é importante internacionalizar também por uma questão de diversificação de risco, uma vez que
os mercados maduros no setor farmacêutico estão em contração de vendas ou estão num cenário
de intensidade competitiva”); e a transferência das experiências entre o mercado português e o
espanhol. A Bial possuía também vantagens de propriedade baseadas em ativos institucionais,
isto é, capacidade de gestão e liderança e a cultura corporativa, que é uma das bandeiras da
empresa familiar.
As vantagens de propriedade relacionam-se com as perspetivas teóricas resource based view of
the firm (Penrose, 1959; Wernerfelt, 1984; Barney, 1986, 1991) e knowledge based view of the
firm, que focam a relevância da propriedade de recursos estratégicos, nomeadamente o
conhecimento.
Relativamente às vantagens de localização em Espanha, destaca-se, além da disponibilidade de
fatores de produção (nomeadamente de mão-de-obra qualificada e competitiva), a dimensão e
características do mercado. Também é fundamental a ausência de barreiras tarifárias e os baixos
7
Fonte: www.bial.pt
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
custos de transporte e de comunicação, a par com a aproximação ao mercado europeu.
Finalmente, também a proximidade cultural é tida em conta no momento de optar pela realização
IDE: “FDI represents the most popular arena for the application of the cultural distance
construct” (Shenkar, 2001:520). Segundo o relatório da AICEP (2012), a proximidade geográfica
e psicológica do mercado (pertença à União Europeia, afinidades históricas, culturais e
linguísticas) é um dos critérios de localização referidos pelas empresas portuguesas como
preferenciais na escolha dos destinos de IDPE.
O grupo Bial considerou também vantajoso internalizar as suas atividades o que, segundo a teoria
da internalização (Buckley e Casson, 1976; Hennart, 1977; Rugman, 1981), deve acontecer
quando as multinacionais têm algum tipo de vantagem sobre os concorrentes locais. No caso do
mercado farmacêutico e da Bial essa vantagem é o conhecimento. Assim, a internalização
promoveria uma transferência de conhecimentos dentro do grupo, aproveitando os spillovers
gerados pelo cluster da indústria farmacêutica espanhola, o que remete para a importância da
teoria das redes (Johanson e Mattsson, 1988), isto é, a integração em redes de empresas
internacionais. Somando este fator à exigência do mercado espanhol, a Bial optou por cobrir toda
a cadeia de valor a nível ibérico, “desde a conceção e o desenvolvimento de novos produtos até à
promoção e comercialização desses produtos junto da classe médica”, nas palavras de Vítor
Teixeira.
Ao realizar IDE, a Bial evitou também os custos associados aos modos contratuais, tais como o
licenciamento de know-how. Este modo de entrada implicaria custos de negociação e contratos
minuciosos, além de permitir o acesso do licenciado à fonte de vantagem competitiva da
multinacional. Um fator que tem uma importância acrescida, uma vez que realizar IDE em
Espanha pressupõe a coordenação de recursos por um período de tempo muito longo (produção e
I&D).
Motivações para o IDE
A Bial distingue-se das restantes empresas nacionais, caracterizadas por uma pequena dimensão e
reduzido investimento em I&D (Carvalho, 2007). Para fomentar o crescimento orgânico, por
vontade dos gestores (impulsionadores internos), a empresa fundada pela família Portela,
procurou internacionalizar-se. Seguindo a proposta de Dunning (1977), que tem por base o
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
paradigma eclético, são quatro as vertentes que explicam as motivações da decisão de
internacionalização, sendo que a procura de recursos não é, neste caso, determinante.
A procura de mercados, que considera o potencial de vendas demonstrado, a dimensão e o
crescimento do mercado, a presença de segmentos de clientes atrativos e a procura pelos produtos
e serviços da empresa, foi, segundo Vítor Teixeira, o principal motivo para a extensão da Bial
para Espanha. Assim, a “criação de massa crítica para o investimento na área de investigação e
desenvolvimento de novas moléculas” (palavras de Vítor Teixeira), era fundamental para garantir
a autossustentabilidade da empresa, diversificando o risco.
Representando Espanha, segundo a World Health Organization (2004), 2.5% 8 do mercado
mundial, a aposta no país vizinho é catalisadora do acesso a uma maior diversidade de mercados,
nomeadamente o europeu. Apesar do grande potencial de crescimento possibilitado pelo
mercado, é importante considerar a existência de concorrência já estabelecida e reconhecida pela
classe médica (o principal target das empresas farmacêuticas). Desta forma, mostrou-se
importante a internalização das atividades e uma presença física nos principais mercados
abastecidos pelos seus concorrentes, de modo a ter um acesso facilitado aos médicos espanhóis e
estabelecer uma marca forte para os produtos Bial.
O segundo driver consiste na procura de ativos estratégicos. Assim, a aquisição da empresa local
Aristegui permitiu a obtenção de informação sobre o mercado, o acesso a recursos humanos
qualificados, a competências e recursos locais em I&D, com pouca expressão no mercado
farmacêutico português. “In many cases the location advantages sought are associated with the
presence of other firms” (Narula e Zanfei, 2003).
O último motivo referido pela teoria de Dunning é a procura de eficiência, segundo a qual a Bial
beneficia, ao internacionalizar-se, dos ganhos associados à exploração de economias de escala e
de gama.
Assim, a internacionalização da Bial rege-se principalmente por motivos proativos, mas também
inclui motivos reativos (Knickerbocker, 1973).
8
Ver anexo 4
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
Modelo Uppsala
Como consta no modelo de Uppsala revisitado (Johanson e Vahlne, 2009), as empresas devem
escolher mercados psicologicamente mais próximos, ou seja, com um menor número de
diferenças linguísticas, culturais e políticas, como é o caso de Espanha em relação a Portugal.
Sendo o quinto maior marcado farmacêutico a nível europeu, com a benesse de não ser, à época,
um mercado saturado, Espanha permitiria uma incrementação a nível geográfico, transformando
a Bial numa empresa ibérica.
No entanto, a empresa salta as etapas iniciais referentes às exportações, como sugerido pela
escola Uppsala, ao partir para o mercado espanhol diretamente com a aquisição da uma
subsidiária para fins comerciais e produtivos. Contudo, este salto justifica-se pelas características
sui generis da indústria farmacêutica. Para os produtos serem vendidos, devem ser reconhecidos
pelas autoridades sanitárias e pelos próprios médicos espanhóis como sendo de qualidade, o que
exige a presença forte e a atuação da Bial no local.
Modo de entrada e estabelecimento
“Control is desirable to improve a firm's competitive position and maximize the returns on its
assets and skills” (Agarwal e Ramaswami, 1992). São estas vantagens, em resultado de um maior
controlo operacional, que explicam a opção de entrar noutro mercado através de uma subsidiária
a 100%. Assim, apesar de algumas empresas optarem por joint-ventures, partilhando custos e
riscos, para reduzir a incerteza no longo prazo (Beamish e Banks, 1987), a Bial optou pelo nível
mais elevado de integração, salvaguardando a sua tecnologia proprietária e potencial de inovação.
De acordo com Agarwal e Ramaswami (1992), isto verifica-se uma vez que “firms that have
higher ability to develop differentiated products are concerned about the possible loss of their
advantage”, evitando, ao mesmo tempo, possíveis custos associados a decisões partilhadas por
empresas com interesses estratégicos divergentes. Uma sole-venture facilita ainda, de acordo com
Morschett et al (2010), a gestão de recursos e investimentos em ativos altamente especializados.
O mercado farmacêutico espanhol já era, em 1998, um dos mais desenvolvidos, caracterizado por
uma grande intensidade competitiva, baseado numa estrutura oligopolística e onde já estavam,
segundo Ana García-Flores, estabelecidas várias multinacionais. Deste modo, considerando o
risco de sobrecapacidade, a qualidade das infraestruturas, os elevados fluxos de know-how em
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
Espanha e a existência de empresas locais com uma cultura corporativa similar à Bial, uma vez
que, para Vítor Teixeira, “o principal risco tem a ver com o perfil do parceiro”, a aquisição seria,
de facto, o modo de estabelecimento mais atrativo. Para além disto, a reduzida distância
psicológica também pode favorecer a aquisição, conduzindo “a firm towards brownfield
investment when there is very little difference between the firm and the host country” (Rooij,
2007:5). A estes fatores somam-se ainda os custos associados à regulamentação, uma das
especificidades da indústria farmacêutica, os quais, de acordo com Ana García-Flores, reiteram
que a aquisição “es mucho más fácil a la hora de entrar en un país”.
Desta forma, ao contrário do que se verificaria caso a empresa optasse por um investimento de
raiz, a aquisição da Aristegui veio acelerar e diminuir os riscos inerentes ao processo de
internacionalização. A Bial pôde iniciar, assim, a sua atividade em Espanha já com quota de
mercado e com recursos humanos altamente qualificados, munidos de um elevado conhecimento
do mercado local. Simultaneamente, os concorrentes dispuseram de menos tempo para reagir à
entrada de um novo player no mercado.
Papel da subsidiária no grupo
A entrada da Bial em Espanha “...fue una apuesta de Bial que ha custado mucho trabajo y
esfuerzo para que una compañía portuguesa entrara dentro el mercado español. Pero después de
16 años, creo que ha sido un éxito, los resultados lo abalan”, refere Ana García-Flores. Depois do
avultado investimento e das dificuldades, a subsidiária em Espanha adquiriu uma posição de
destaque no Grupo Bial.
É na fábrica de Bilbau que está concentrada a investigação e produção de vacinas antialérgicas e
meios de diagnóstico para alergias, “área de negócio onde se quer posicionar como um player
europeu”9. Atualmente, nestas instalações, onde trabalham 250 colaboradores (dos quais mais de
99% são espanhóis), são produzidas, por exemplo, 250 mil vacinas e testes de diagnóstico,
existindo capacidade para atingir a produção de 2 milhões de frascos de vacinas por ano9. A nível
de resultados contabilísticos, Ana García-Flores estima que a Bial Espanha tenha um peso de
30% dentro do grupo e afirma que o mercado espanhol é o segundo mais preponderante para a
Bial, logo após o mercado português.
9
Fonte: www.bial.pt
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
A subsidiária espanhola tem também visto o seu trabalho reconhecido externamente. Em 2010,
foi eleita a melhor empresa em Espanha, pela Câmara Hispano Portuguesa e, além disso, “Bial
España ha conseguido estar en el número 45 del ranking IMS - dentro del top 50 -, siendo el
laboratorio que más crece dentro de los laboratorios que no son genéricos”, refere Ana GarcíaFlores em entrevista.
A diretora de marketing considera, contudo, que há ainda muito potencial de crescimento:
“Estimamos que sea uno de los mercados dentro del grupo que tiene mayor capacidad de
crecimiento, simplemente por el tamaño del mercado”.
A importância da Bial Espanha no grupo dá-se, em grande medida, pela alavancagem do restante
processo de internacionalização da empresa, como refere Vítor Teixeira: “Espanha é o eixo
estratégico, o núcleo duro do projeto de internacionalização da Bial”.
Importa também referir a importância da subsidiária no sistema organizacional do grupo e a sua
relação com a headquarter. Ana García-Flores explica que os mecanismos de coordenação das
atividades da multinacional variam consoante os departamentos. No geral, o trabalho é realizado
a um nível corporate e, nesses casos, o cérebro do departamento localiza-se na sede em Portugal.
No entanto, há alguns departamentos com mais autonomia, devido às diferenças nos mercados e
na produção (é o caso dos departamentos comerciais e de I&D), cujas estruturas são similares às
estruturas dos departamentos homónimos em Portugal. Para estes, há um diretor geral que reporta
as atividades diretamente à sede. A diretora de marketing evidencia uma tendência de integração
das atividades: “Cada vez más estamos trabajando como corporate”.
Várias teorias debruçam-se sobre o tema do papel da subsidiária no grupo. Adotando a tipologia
“scope”, de White e Poynter (1984), a Bial Espanha pode ser considerada uma “product
specialist”, pois desenvolve, produz e comercializa um número limitado de produtos para os
mercados globais. Dada a importância do conhecimento e do I&D na indústria farmacêutica e,
particularmente, na Bial, importa classificar a subsidiária à luz de uma tipologia baseada no
conhecimento. De acordo com Gupta e Govindarajan (1994), a subsidiária pode ser considerada
um “player integrado”, pois os fluxos de conhecimento circulam entre a headquarter e a
subsidiária, que recebe muito, mas também dá muito.
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
Conclusão e discussão
O processo de internacionalização da Bial iniciou-se devido a uma necessidade interna de
crescimento. Para além de ser o mercado natural das empresas portuguesas, a escolha de Espanha
e a realização de IDE são justificadas pela reunião das vantagens que a literatura sugere. No
entanto, o facto de as diferentes etapas do modelo de Uppsala não serem tidas em consideração,
assim como a escolha de uma sole-venture como modo de entrada podem ser questionados, de
acordo com o contributo de alguns autores. Apesar de já se verificar o preconizado no paradigma
eclético, a Bial teria registado ganhos a nível de conhecimento de mercado caso realizasse, numa
primeira fase, exportações. De igual modo, a entrada através de uma joint-venture poderia
implicar mais vantagens do que riscos, pois a Bial possuía, em 1998, apenas uma patente e tinha
mais a ganhar do que a perder com a partilha da gestão da filial.
Não obstante, a estratégia de internacionalização tem-se mostrado bem sucedida. Isto explica-se,
em parte, por possuir vantagens de propriedade, localização e internalização, bem como por ter
estabelecido operações em Espanha através de brownfield. De facto, a Bial Espanha tem
confirmado o seu potencial de crescimento no seio do grupo e do mercado espanhol, permitindo
igualmente alavancar uma expansão à escala regional, mas também internacional, como
comprova o subsequente processo de internacionalização que este primeiro passo permitiu.
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l%20-%20M%EAs%20das%20Marcas%20com%20Hist%F3ria&seccao=ECONOMIA
Entrevistas
García-Flores, A.15-12-2014. Diretora de Marketing da Bial (Bilbau).
Teixeira, V. 14-10-2014. Diretor de Marketing da Bial (Porto).
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
Anexos
Anexo 1
Fonte: Carvalho (2007).
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
Anexo 2
Fonte: Contessi e Weinberger (2009).
Anexo 3
Fonte: World Investement Report (1999).
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O processo de internacionalização da Bial em Espanha
Anexo 4
Fonte: World Health Organization (2004).
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