Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003 (988-998) O USO DE INCLUSIVE EM TEXTOS ESCRITOS FORMAIS Maria Marta FURLANETTO (Universidade do Sul de Santa Catarina) ABSTRACT: The reflection presented in this text refers to a partial result of a research pointing out, on discursive views, the tendencies in the formal written use of Brazilian Portuguese, its normative implications and its relationship with the language teaching. This work refers only to the treatment of the expression "inclusive”. KEY WORDS: Brazilian Portuguese, tendencies, formal written language. 0 Introdução Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa que focaliza tendências no uso escrito culto do português brasileiro, observando-se o que se conserva, o que muda e os conflitos resultantes. Trata-se de descrever e interpretar ocorrências lingüísticas em recortes discursivos; de avaliar essas tendências evocando os aparatos de gramatização1 predominantes (gramáticas vigentes, dicionários); de relacionar essas tendências a questões atuais de caráter pedagógico. Os dados (considerados a partir de 1990) estão sendo coletados principalmente em trabalhos acadêmicos (artigos, teses, ensaios, comunicações). Os elementos lingüísticos englobam desde a seleção lexical até a organização sintática (estrutura, concordância...). As informações básicas após cada recorte incluem apenas o tipo de material (por exemplo, TA = trabalho acadêmico (artigo, ensaio), OA = obra acadêmica) e o ano de publicação ou produção. Admitindo alguns pressupostos filosóficos sobre gramatização e hiperlíngua (AUROUX 1992 e 1994, respectivamente), pretende-se também sintetizar o fenômeno discursivo remetendo a considerações sobre a hiperlíngua em questão, ou brasileiro. Embora o núcleo teórico seja o da Análise de Discurso de linha francesa, uma abordagem complementar que interessa a esse estudo é a do funcionalismo lingüístico, em especial as pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos Discurso & Gramática da UFRJ. Neste trabalho apresento, em nível preliminar, a expressão inclusive, deixando claro que a explicação para certos usos pode ser articulada a outros grupos de dados – o que permitirá a futura recategorização/generalização dos fenômenos). 1. O “transbordamento” de inclusive O espectro semântico de inclusive aproxima-se do movimento semântico de mesmo, até mesmo – o que permite aventar a hipótese de expansão do espectro, a partir do que se registra como gramatizado, ou seja, do que se encontra na descrição de uso padrão. Cunha e Cintra, na Nova gramática do português contemporâneo (1997), indicam apenas que até, inclusive, mesmo, também, etc são palavras denotativas de inclusão – o que se repete nas gramáticas consultadas, que trazem exemplos banais. Elas não são, no entanto, mutuamente substituíveis em todos os contextos. O Novo Aurélio século XXI (1999) registra que inclusive, do latim eclesiástico inclusive, funciona como advérbio: 1. De modo inclusivo; com inclusão. 2. Até; Até mesmo. Até, por sua vez, corresponderia a ainda, também, mesmo. Exemplo: Fala bem de todos, até do inimigo – até poderia ser substituído, no caso, por inclusive. Mas nem todos os ambientes de até parecem aceitar essa substituição como padrão: Fala bem de todos, e até sorri para os inimigos ?...e inclusive sorri para os inimigos. Quanto ao verbete mesmo, na função correspondente a inclusive, o Aurélio o aproxima de até, ainda, não nomeando inclusive; num dos exemplos que traz, por sinal, provavelmente não caberia inclusive: “Não pertenci também à oposição que se faz ao Sr. Pena, antes vi com profundo dissabor, com irritação mesmo [?inclusive], a liga ultimamente formada.” (João Francisco Lisboa). É de pensar que, por causa de “semelhanças de família” (tais como definidas pelo segundo Wittgenstein), inclusive e mesmo se aproximam por alguns traços e se afastam por outros, o que pode ser 1 Processo iniciado no Renascimento europeu “que conduz a produzir dicionários e gramáticas de todas as línguas do mundo [...] na base da tradição greco-latina” (AUROUX, 1992: 8). A gramatização é tratada como revolução tecnológica, servindo como meio de conhecimento e dominação de culturas. Maria Marta FURLANETTO 989 ignorado no uso formal, tornando-os substituíveis. Haveria então, aqui e ali, indiferença pelo contexto de ocorrência (que poderia restringir o uso desses segmentos). Uma visão teórica que aparentemente dá conta de certos aspectos desse fenômeno (deslizamento semântico) é a da lingüística funcional. Votre (1996: 35) salienta a “transferência metafórica” como um processo baseado “[...] em algum tipo de semelhança entre o significado que já está associado a uma forma, e um novo significado. Essa semelhança pode representar, em inúmeros aspectos, um vínculo entre os dois significados.” Analogamente, as ocorrências de inclusive registradas em meus dados “invadem” espaços categoriais, caracterizando o processo de “transferência” (uma coisa pela outra, um significado por outro). A abordagem funcional também perspectiva a discursivização, que corresponde a estágios “finais” da trajetória de mudança: itens lingüísticos e construções passam – tornando-se mais opacos semanticamente – a perder restrições de ocorrência padronizadas, e tendem a assumir a função de marcador discursivo: “Começam a ocorrer em outros contextos que não aqueles que lhes eram originariamente reservados como regulares e previsíveis pelo sistema da língua. Ao mesmo tempo, passam a significar coisas mais genéricas, menos específicas, mais vagas” (VOTRE, 1996: 36). Estudando a gramaticalização2 de ainda (associado a mesmo no Aurélio), Martelotta (1996) afirma que essa partícula teria, desde a origem, feito uma trajetória espaço (tempo) texto. Nos dados analisados, ele classificou as ocorrências de ainda como: marcador de contra-expectativa, intensificador de advérbio e elemento inclusivo. É esse terceiro caso que interessa aqui. O autor apresenta-o com valor semelhante ao de também em sua função argumentativa. Para verificar esse valor, apresento um de meus dados com inclusive: (1) “A [esse] respeito é preciso, inclusive [AINDA, ?TAMBÉM], dizer duas coisas.” (OA, 1997) Aliás além do mais, ainda; por sinal.3 Se ainda substitui inclusive sem problema, não parece que também, que teria valor semelhante, seja totalmente compatível: ele pressupõe um elo semântico com uma seqüência anterior (traço anafórico). Diria que, neste caso, aliás seria o operador mais apropriado. É o que se mostra viável neste outro dado: (2) “A mãe, Gloria, garantia a escola das crianças graças às aulas de dança que dava na cidade. Foi com ela, inclusive [ALIÁS], que a menina aprendeu o ofício indispensável para o futuro sucesso.” (Reportagem de revista semanal, 2001) Aliás além do mais; diga-se a propósito, diga-se de passagem, por sinal. Também (até, mesmo) não seria compatível nesse contexto. Percebi, a partir daqui, que vários outros recortes ficariam “prototipicamente” mais adequados com o uso de aliás. Veja-se outro exemplo: (3) “Por isso mesmo, [a escrita] não era de uso geral, sendo inclusive [ALIÁS, MESMO, ATÉ MESMO] proibida para não iniciados.” (OA, 1997) Aliás diga-se de passagem, por sinal, de resto. Também, novamente, seria incompatível nesse contexto. Admitindo para aliás (como operador de argumentação) uma significação atual que inclua outra perspectiva para as coisas em questão, introduzindo um matiz novo (“diga-se de passagem”, “de resto”), percebe-se que inclusive, nos usos aqui constatados, cumpre provavelmente parte do papel tradicional de aliás. No recorte (4) parece que o termo mais adequado seria aliás, e não inclusive (por coincidência, trata-se de seqüência em que se estuda o funcionamento de aliás...): (4) “... o ‘aliás’ é impossível num contexto não argumentativo” [...]. Ducrot, inclusive, dá um exemplo muito interessante,...” (OA, 1991) Aliás diga-se a propósito, por sinal, de resto. 2 Gramaticalização não se confunde com gramatização. O primeiro termo é usado no contexto da lingüística funcional para indicar “regularização ou convencionalização” como resultado sobretudo de recorrência de uso e aceitação geral. Considera-se que numa gramática alguns itens ou construções estão “emergindo” enquanto outros estão “submergindo”, continuamente. 3 Na seqüência justificarei esse “teste” de substituição de inclusive por aliás. 990 O USO DE INCLUSIVE EM TEXTOS ESCRITOS FORMAIS Em Ducrot (1980), encontra-se um estudo detalhado de d’ailleurs [aliás]4 a partir de uma estrutura canônica em que r é a conclusão da argumentação, P e Q são os conteúdos semânticos postos em relação: (5) Não quero alugar esta sala (r): ela é muito cara (P), aliás ela não me agrada (Q). Compare-se: (5a) Não quero alugar esta sala: ela é muito cara, inclusive ela não me agrada. Aliás além disso, diga-se a propósito, de resto. O argumento P, aqui, já justifica a conclusão r, mas o locutor, num segundo movimento discursivo, acrescenta o argumento Q, que vai no mesmo sentido de P. Q não seria necessário para a argumentação; então, em vez de ser efetivamente utilizado, ele é evocado5. Ducrot observa que não é necessário que d’ailleurs seja precedido, na superfície discursiva, por dois enunciados como na forma canônica; muitas vezes apenas um elemento é atestado (daí a analogia de estruturas onde ocorre inclusive com o entimema da retórica)6. Por outro lado, entre r, P e Q outros constituintes podem aparecer. Saliente-se que d’ailleurs sempre rege um enunciado (que pode estar abreviado). Ainda pode suceder, num diálogo, que a seqüência iniciada por d’ailleurs seja emitida por um segundo locutor (eu traduzo): (6) A: A sala é muito cara. B: Aliás, ela não me agrada. “Geograficamente” d’ailleurs pode situar-se em lugares diferentes, mesmo no final do enunciado regido (Ela não me agrada, aliás), e sua ocorrência é impossível em contexto não argumentativo. O enunciado regido aparece como argumento suplementar a um ou mais argumentos anteriores. Daí que não se possa começar um discurso com d’ailleurs (não uma “sentença”, no sentido sintático). E mais: a asserção que se faz mostra que a fala do autor tem autoridade, manifestada pelo índice suplementar que d’ailleurs Q imprime nela. Eis, de meus dados, mais um recorte em que vejo analogia com essa estrutura apresentada por Ducrot para d’ailleurs [aliás]: (7) “Antes de tudo somos médicos. Inclusive muitos de nós fazem questão de nunca demonstrar sua crença.” (Depoimento em reportagem de revista semanal, 2001) Aliás diga-se a propósito, por sinal, de resto. Trata-se de médicos que associam um tratamento espiritual ao tradicional, sendo irrelevante a denominação religiosa. Para autentificar sua identidade profissional, o depoente acrescenta que médicos como ele não fazem demonstração de sua crença. Parece-me claro que, nesse caso, o indicador semântico de argumentação P está implícito, eventualmente porque já teria sido enunciado. As gramáticas normativas pouco dizem sobre o uso de aliás, mesmo porque seguem a NGB (Portaria n. 36, 28/01/1959), em que palavras “que denotam exclusão, inclusão, situação, designação, retificação, realce, afetividade, etc.” têm “classificação” à parte. Cunha e Cintra (1997) a listam com ou antes, isto é, ou melhor. Não se trata, contudo, da função que focalizo aqui, que aparece com o caráter inclusivo ratificador, e não retificador. Mais interessante é consultar gramáticas antigas (pré-NGB); vou examinar, por isso, o que trazem Silveira Bueno (1944) e Eduardo Carlos Pereira (1941). Em Silveira Bueno (1944: 173), aliás aparece como conjunção coordenativa adversativa, ao lado de: mas, porém, todavia, contudo, senão, somente (como principais). Eis os exemplos que traz: 4 O uso de d’ailleurs em francês, tal como analisado por Ducrot, parece corresponder ao de aliás em português, exceto para o caso de retificação; ficarei com essa hipótese. 5 Um detalhe: “ser evocado” remete a uma construção que tem analogia com a que pode ser esquematizada por: “X, para não dizer Y”. Ex.: “Smetak era uma figura estranha, para não dizer contraditória.” (depoimento em ISTOÉ 1679 – 5/12/2001: 120). 6 Por isso mesmo, nas várias ocorrências de inclusive substituíveis por aliás é possível ler um implícito. Seja neste recorte: “Alguns desses termos podem ser, inclusive, parte integrante do vocabulário ativo dos informantes.” (TA, 1999). O implícito (P) estaria na estrutura “podem ser ALGO”; ser “parte integrante do vocabulário ativo dos informantes” seria o argumento suplementar. Maria Marta FURLANETTO 991 (8) “Preveni-me com bom agasalho, aliás [senão (se não o fizesse)] teria ficado doente.” (9) “Um velho inglês que, aliás [todavia?], andara terras e terras.” (Rui – Cartas de Inglaterra – 116) Mais adiante (p. 417) o autor explica o emprego de aliás: “Procedendo do latim alias, funciona como advérbio de modo e como conjunção explicativa, equivalendo a isto é, quer dizer” (corresponde à lista de Cunha e Cintra). Eis os exemplos: (10) “Os pobres lordes vão acelerar talvez um século a sua aliás [por sinal, diga-se de passagem?] inevitável abolição”. (Rui Barbosa – Cartas de Inglaterra – 300) (11) “Êste altar é de mármore, aliás, de granito”. Ele explica, para (11): “Neste emprêgo de aliás, conjunção explicativa, devemos dizer que se está excedendo o povo, como se fôsse palavra da moda, nunca vista pela maioria. Tudo o que é demais, tornase ridículo.” (p. 417) Trata-se aqui de retificação, única função que se encontra hoje nas gramáticas. Por outro lado, os gramáticos andavam confusos com tais expressões: Silveira Bueno classifica aliás, em certa passagem, como conjunção adversativa, depois parece esquecer o emprego correspondente. Quanto a inclusive, não aparece em parte alguma dessa gramática (nem exclusive; também não há registro em Eduardo Carlos Pereira). Em sua Gramática expositiva (curso superior, 57a edição), Pereira (1941) apresenta aliás como advérbio de modo (p. 359), com este exemplo: (12) “Disposição em que, aliás [diga-se de passagem, por sinal?], tanto tinham insistido os representantes da França” (A.H.). Mas diz também que pode funcionar na frase como conjunção, por exemplo: (13) “Trabalha, aliás não conseguirás.” (14) “Rio, 2 de abril, aliás de maio.” (14) corresponde ao que Silveira Bueno classifica como “conjunção explicativa”, mas em (13) parece coincidir com o exemplo de Rui Barbosa citado por Silveira Bueno (Trabalha, senão não conseguirás). A etimologia, no entanto, pode explicar a aproximação e ao mesmo tempo o alargamento de uso: desde o século XVI aliás registra-se como “de outra maneira”, “do contrário” (forma adverbial) (CUNHA, 1982). Ferreira (1999) registra aliás como advérbio, em cinco acepções: 1. de outra maneira, de outro modo, do contrário; 2. além disso, além do mais (corresponde aparentemente a d’ailleurs em Ducrot); 3. no entanto, não obstante, nada obstante, apesar disso, contudo (conjunção adversativa); 4. diga-se a propósito, seja dito de passagem (eu acrescentaria “por sinal”, “de resto”)]; 5. ou por outra, ou seja, digo (elemento de retificação). Para sintetizar essas possibilidades, diria que 1, 3 e 5 têm um traço semântico que se poderia nomear [+ alteridade], indicando “outra coisa”, que vai em direção contrária; 2 e 4 implicariam algo como [+ inclusão] “de outra coisa”, que vai no mesmo sentido, e o que se apresenta no conjunto são matizes que podem ser explorados nos vários contextos, possibilitando mudanças. O que tirar de conclusivo dessas indicações? Testando os dados disponíveis, tentando substituir inclusive pelas acepções acima registradas no Aurélio para aliás, verifiquei que, salvo por uma ou outra situação que merece atenção especial, o uso de inclusive que considero “derivante” (mobilização para fora do que seria padrão) corresponde ao uso de aliás em suas acepções 2 e 4, que trazem o traço [+ inclusão]. As acepções 1 e 5 servem à função de aliás como retificador/explicativo, ao passo que a acepção 3 (com conetivo adversativo) não parece subsistir no português brasileiro escrito. Isso me mostra que mesmo os dicionários não etimológicos contam a história de uma língua. Observo, a partir daí (hipótese a ser explorada), que a dificuldade/impossibilidade ou a possibilidade de substituição de inclusive pela expressão alternativa aliás, no sentido de [+ inclusão] – como nas acepções 2 e 4 do Aurélio –, pode servir de critério para estabelecer, respectivamente, o grau maior ou menor de correção, seguindo o que se chama aqui “padrão” de uso de inclusive. Esse critério se mostra mais discriminador que aquele que, conjuntamente, será usado a seguir, na exploração dos recortes. Com efeito, aliás é excluído quando inclusive se conforma ao padrão, como se pode observar na seqüência. 992 O USO DE INCLUSIVE EM TEXTOS ESCRITOS FORMAIS 2. Gramática de usos Neves (2000), em sua Gramática de usos do português – que utiliza uma base de dados constituída por “textos escritos de literaturas romanesca, técnica, oratória, jornalística e dramática,...” (2000: 14) –, traz inclusive (ao lado de exclusive, fora, afora, menos) como forma preposicional derivada de advérbio. Ela faz parte do que a NGB chama “preposições acidentais”, elementos que estão se gramaticalizando como preposições. Tais preposições, observa a autora, “[...] não introduzem complemento, mas estabelecem relação semântica adverbial” (p. 732). O uso que ela registra assim se caracteriza: inclusive introduz sintagma nominal ou oração infinitiva – portanto, seqüência de valor nominal. Esse uso me parece padronizado. Em meus dados, no entanto, inclusive extrapola essa estrutura – o que, admitindo o processo de gramaticalização, significaria um uso ainda flutuante, indeciso. Compare-se, por exemplo, este registro (NEVES, 2000: 734) com a correspondente formulação hoje comum (hipotética, para este exemplo): (15) Foi perguntar à dona Arautina, vizinha da frente, que conhecia todos os moradores do bairro, INCLUSIVE os novatos. [? aliás os novatos] (15a) Foi perguntar à dona Arautina, vizinha da frente, que INCLUSIVE conhecia os moradores novatos do bairro. Diria que em (15a), como no entimema da Retórica, uma “premissa” menor é implicitada na seqüência introduzida por inclusive; no exemplo acima, “os moradores do bairro”. Em (15) não caberia a mera substituição de inclusive por aliás., mas isso seria possível para a construção alternativa (15a), que corresponde a um uso que se normaliza aos poucos. Veja-se nos exemplos (16) e (17) o uso que corresponde à descrição de Neves: (16) “Devido aos perigosos vírus que circulam na Internet e já atingiram alguns computadores de membros desta CVL, inclusive o meu, as mensagens...”. (mensagem de comunidade virtual, 2000) (17) “Tudo no universo funcionaria dessa maneira [sistema mecânico; lei de causa e efeito], inclusive nós mesmos.” (OA, 2000) Note-se, nos dois casos, que o predicado da seqüência antecedente se mantém na seqüência com inclusive – sempre implícito. Possíveis correspondentes não-padrão para esses dois exemplos seriam: (18) Devido aos perigosos vírus que circulam na Internet e já atingiram inclusive o meu computador, ... ou ... e inclusive já atingiram... (19) Tudo no universo inclusive funcionaria dessa maneira... Aliás diga-se de passagem, por sinal, de resto (para os dois exemplos). Quanto a aliás, a busca na Gramática de usos do português de Neves foi infrutífera. Passo à interpretação apresentada para a gramaticalização de até na abordagem funcionalista que Baião e Arruda (1996) adotam. Os usos de até estariam seguindo a seguinte trajetória: ESPAÇO (TEMPO) TEXTO (do concreto ao abstrato, por um processo de metaforização: caminha-se do universo referencial para a organização discursiva). A trajetória analisada no português brasileiro é a seguinte: Até espacial > até temporal > até inclusivo > até de contra-expectativa (este último passo lembra o agora de contra-expectativa). Embora os dados da pesquisa tenham vindo de um corpus de língua falada, o que importa aqui é a hipótese sobre a ocorrência do que as autoras chamaram de até inclusivo, ao qual estou associando o uso de inclusive no caso presente. Note-se que até é estudado na semântica da argumentação como operador argumentativo, e é nesse sentido que é tratado no texto em questão. Não só as autoras afirmam que esse elemento tem um uso “inclusivo”, mas também que assumem um sentido de inclusive, sobrevivendo com o marcador de contra-expectativa, ganhando um valor pragmático-discursivo. Sobre até inclusivo, com várias nuanças de inclusão, elas anotam que um falante pode “reforçar uma idéia” usando-o. No exemplo apresentado, alguém comenta sobre a ausência de um plano econômico para o País: (20) “isso é muito ruim... porque se tivesse um plano já definido ... até investimentos estrangeiros podiam vir pro:: ...pro Brasil... né?...” (p. 255) Maria Marta FURLANETTO 993 Percebe-se aí a escalaridade implicitada por até, num processo argumentativo em que “investimentos estrangeiros virem para o Brasil” é o argumento mais forte entre outros possíveis para mostrar a necessidade de um bom plano econômico. Entretanto, não penso que esse contexto propicie a substituição por inclusive – o que seria possível com este outro (21) apresentado: (21) “... saiu até [INCLUSIVE] no jornal do Brasil...” para o locutor mostrar a importância e a gravidade do que ocorrera numa empresa. Mas é com o exemplo (22) que as autoras pensam que até vale por inclusive: (22) “... foi até minha colega que me contou...” indicando, segundo elas, “realce discursivo”, reforço de veracidade do que é relatado (note-se a possibilidade de aliás). De qualquer forma, não seria um uso padrão, e elas também admitem que não há valor pleno de inclusive. E observam que até inclusivo é parco no corpus, e que nesse significado “já vai ‘desbotando’ a idéia concreta de percurso”. Eu diria que no caso de escalaridade, trata-se de um percurso diferente (porque os argumentos mais “baixos” na escala não são em princípio explicitados), mas sempre percurso (argumentativo). 3. Explorando o corpus Considerarei como contexto padrão para inclusive aquele descrito por Neves (2000: 734), que corresponde aos (parcos) exemplos que se encontram nas gramáticas normativas: inclusive introduz sintagma nominal (que pode estar preposicionado) ou oração infinitiva – assim representável, provisoriamente, levando em conta que a seqüência precedente tem autonomia sintática: S + INCLUSIVE + (PREP)SN Exemplo padrão: (23) “Por constituir um conceito processual, a razão situa tudo no nível do contingente, inclusive a própria razão, que é caracterizada como surgindo do contingente, a partir de fragmentos.” (OA, 1990) Aliás não pode substituir inclusive. Cabe observar que exclusive, correspondente a inclusive, não permite (correntemente) a mesma deriva semântica, não havendo simetria entre os dois – salvo nessa construção estereotipada: “de 12 a 17 de abril – inclusive (ou exclusive)”. O uso de inclusive na modalidade formal, hoje, reflete o processo de discursivização tal como caracterizado na lingüística funcional: afasta-se das restrições gramaticais e alarga as possibilidades de posicionamento nos enunciados – substituindo outras partículas por encampar seu espectro de significação. Por hipótese, direi que em todas as ocorrências há alguma indicação de que se trata de funcionamento argumentativo. Como estratégia de abordagem, tendo em vista a proximidade admitida entre inclusive e até, até mesmo, mesmo, também [excluirei ainda], faço a experiência de substituição como primeiro passo para observar a aceitabilidade e os efeitos de sentido. O corpus para análise de inclusive neste trabalho corresponde a 38 seqüências, a maior parte do período de 1997 a 2001 (atualmente tenho o registro de quase 80). Trata-se aqui de uma amostra, que deverá representar (salvo por matizes) as ocorrências todas. Essas seqüências também representam a variedade de estrutura linear encontrada nesta etapa da análise. Uso a seguinte simbologia, para marcar as configurações: S = sentença PARTE S = parte de sentença (inclusive secciona sentença) SADJ = sintagma adjetival ? = questionamento da aceitabilidade ESTRUTURA 1: PARTE S + INCLUSIVE + PARTE S (24) “Alguns desses termos podem ser, inclusive [ATÉ / MESMO/ ATÉ MESMO /TAMBÉM], parte integrante do vocabulário ativo dos informantes.” (TA, 1999) Aliás além disso, além do mais, ainda; diga-se de passagem, por sinal. Alternativa: Alguns desses termos PODEM ATÉ SER parte integrante... 994 O USO DE INCLUSIVE EM TEXTOS ESCRITOS FORMAIS (25) “Tal ‘correção’ pode consistir inclusive [ATÉ / MESMO / ATÉ MESMO / TAMBÉM] em atividades que desenvolvam prazerosamente o hábito da leitura, pondo o aluno em contacto com a língua-padrão.” (TA, 2001) Aliás além do mais, ainda; diga-se a propósito, por sinal. (26) “Em Brasília, o Comando Nacional continua levando ao conhecimento dos diversos ministérios e parlamentares a proposta elaborada pelo Grupo Técnico, que foi assinada inclusive [ATÉ / MESMO / ATÉ MESMO / TAMBÉM] pela direção do INSS.” (Boletim de associação de professores, 2001) Aliás além do mais, ainda; diga-se a propósito, por sinal. (27) “Tais perguntas são apenas para reflexão e não me proponho a respondê-las aqui. Acredito, inclusive [ATÉ / MESMO / ATÉ MESMO / TAMBÉM], que várias outras pudessem ser feitas nessa mesma linha...” (Mensagem em comunidade virtual, 2001) Aliás além do mais, além disso; diga-se a propósito, por sinal. Em exemplos com essa estrutura, que é a mais freqüente nos dados coletados, inclusive aparece comumente entre vírgulas, e poderia admiti-las quando não foram usadas, como em (25) e (26). Por outro lado, as formas alternativas parecem todas aceitáveis – descontados os matizes de sentido. E – aspecto interessante – em todos os casos aliás poderia ser a escolha mais padronizada, para não dizer mais “correta”: (24a) Aliás, alguns desses termos podem ser... (25a) Aliás, tal “correção” pode consistir... (26a) Aliás, foi assinada... (27a) Aliás, acredito que várias outras... ESTRUTURA 2: S + INCLUSIVE + SADJ (28) “A escrita medieval é marcada pela variedade, inclusive [?ATÉ / ?MESMO / ATÉ MESMO / ?TAMBÉM] ortográfica.” (OA, 1997) Aliás não pode substituir inclusive. ESTRUTURA 3: INCLUSIVE + S (29) “... são alguns exemplos de que aquilo que chamamos civilização moderna não é a maravilha que muitos pensam ser. Inclusive [?ATÉ / ?MESMO / ?ATÉ MESMO / ?TAMBÉM] recentemente temos assistido e ainda estamos assistindo à “limpeza étnica” de territórios...” (artigo de periódico [prov. 1998/1999]) Aliás além disso, além do mais; diga-se de passagem, por sinal. Compare-se o efeito que produziria a substituição de inclusive por aliás – que parece ser a expressão semanticamente mais apropriada para a argumentação aí desenvolvida, conforme teorizado por Ducrot. Penso que a seguinte construção é similar: (30) “Lá [UnB, referência à URP], ninguém está por fora. Não tenho certeza se os técnicosadministrativos entraram, mas os professores todos estão. Inclusive aqueles que vão entrando já ganham a URP.” (boletim de associação de professores, 2001) Aliás diga-se a propósito, por sinal. ESTRUTURA 4: S + INCLUSIVE + S (31) “[a agiotagem] É uma prática muito difícil de ser coibida, inclusive [ATÉ / MESMO / ATÉ MESMO / TAMBÉM] porque as vítimas costumam se esconder por medo.” (depoimento em reportagem de revista semanal, 2001) Aliás além do mais, ainda (32) “Os professores e estudantes [...] deliberaram pelo apoio à greve dos STAs por este ser um movimento justo, legal e legítimo, inclusive [ATÉ / MESMO / ATÉ MESMO / TAMBÉM] Maria Marta FURLANETTO 995 reconhecido pelo Superior Tribunal Federal...” (notícia em boletim de associação acadêmica, 2001) Aliás além do mais; diga-se a propósito, por sinal. (33) “Na segunda [entrevista], entretanto, sua fala foi mais fluida, tendo inclusive [ATÉ / MESMO / ATÉ MESMO / TAMBÉM] aumentado o número de enunciações.” (TA, 1999) Aliás além disso, além do mais; diga-se a propósito, por sinal. Considerando a estrutura com aliás explicada por Ducrot, diria que, em (31), da conclusão r (prática difícil de ser coibida) passa-se a Q, deixando razões prévias implicitadas (estrutura entimêmica). Aliás seria compatível aqui. Em (32) P aparece na forma da justificação para apoio à greve (movimento justo, legal e legítimo), que se suplementa com Q (reconhecimento pelo STF). Aliás poderia encontrar-se aqui de pleno direito – e um ajuste sintático possibilitaria a entrada na forma padrão, com o uso padrão de inclusive: (32a) ... por este ser RECONHECIDO COMO pelo Superior Tribunal Federal... Aliás não poderia substituir inclusive. UM MOVIMENTO JUSTO, LEGAL E LEGÍTIMO, INCLUSIVE Em (33), com pequena variação na linha sintática, para chegar ao padrão, percebe-se igualmente o cabimento de aliás (“aliás, o número de enunciações aumentou”), estando a conclusão, neste caso, em seqüência anterior (aumento de competência lingüística). Nos dados também constam alguns recortes em que inclusive parece compor a estrutura padrão, mas com alguma diferença semântica que talvez não seja irrelevante, merecendo maior atenção. Há outras ocorrências que de alguma forma escapam às generalizações que busquei efetuar. Isso aponta, segundo meus critérios, para uma dispersão inevitável em suas funções. Mas, observadas essas funções no contexto da prática discursiva correspondente, destaca-se uma propriedade: a argumentação. Nesse processo, um traço parece comum a outros fenômenos que já me chamaram a atenção no corpus em estudo: a repetição, a ênfase, o acréscimo – enfim, o traço [+ inclusão], matizado nos vários contextos de ocorrência. 4. “Além disso”, ... Nas acepções de aliás apresentadas no Aurélio – e a partir das quais estabeleci um critério para estudar a intersecção de campos semânticos no estudo de inclusive –, uma das que apresentam o traço [+ inclusão] aparece representada por além disso, além do mais (a que acrescentei ainda). Pois bem, Guimarães (1987), propondo uma análise enunciativa de conjunções do português, explora o funcionamento de além disso (que equipara, na seqüência de sua análise, a além de). Para explicar um conjunto de características encontradas no funcionamento das conjunções, ele adota uma classificação (semântica) proposta na década de 1930 por Charles Bally, que propõe que na enunciação relacionam-se as orações de três modos: coordenação (a segunda tem a primeira como tema, retomando-a de forma implícita: é um comentário dela), segmentação (a segunda é comentário da primeira, mas as duas juntas formam uma oração; ocorre com não só...mas também, tanto... quanto,...), ligação (não se dá a distinção tema/propósito; isso se deduz do contexto; uma seqüência se subordina à principal). Certas conjunções, tal como além disso – e eu acrescento inclusive, aliás, quando correspondem a esse funcionamento –, marcam a oração que introduzem como comentário, tendo como resultado que elas não podem ser invertidas. Como enfatiza Ducrot (1980), aliás não pode iniciar discurso. Esse mesmo traço (que implica anáfora, remetendo ao tema) explica a possibilidade de articulação por sobre o limite da frase, como se vê em (30) “Inclusive aqueles que vão entrando...” e mesmo a retomada por outro locutor, num diálogo. Guimarães classifica além disso como conjunção coordenativa, levando em conta, para este e para os outros conetivos, “[...] o modo como os segmentos articulados se organizam em relação à enunciação.” (1987: 36). Parte do seguinte exemplo: (34) Os jogadores treinaram bastante, além disso estão muito motivados. Note-se a possibilidade de: 996 O USO DE INCLUSIVE EM TEXTOS ESCRITOS FORMAIS (34a) Os jogadores treinaram bastante, aliás (inclusive) estão muito motivados.7 O teste de articulação por sobre o limite da frase produz: (35) Os jogadores treinaram bastante. Além disso estão muito motivados. (35a) Os jogadores treinaram bastante. Aliás (inclusive) estão muito motivados. E o da divisão para dois locutores: (36) A – Os jogadores treinaram bastante. B – Além disso estão muito motivados. (36a) B – Aliás (inclusive) estão muito motivados. Quanto a (35), Guimarães admite que além disso pode articular unidades maiores, como parágrafos e capítulos. Tenho dúvida a respeito para aliás e inclusive, que talvez só produzam articulação mais localizada. No capítulo sobre “polifonia e orientação argumentativa”, ele alinha além disso com mesmo, até, até mesmo, caracterizando essas expressões – todas, nas funções aqui consideradas, habitualmente ou classificadas como advérbios ou como palavras denotativas (NGB) – como incidindo sobre a enunciação do enunciado (e não sobre o enunciado, ou o verbo), resultando daí serem operadores de argumentação. Observo, contudo, que além disso valendo por aliás/inclusive não pertence a uma classe argumentativa que estabelece uma escala (em que alguns argumentos seriam mais “promissores” que outros para levar a uma conclusão): os argumentos articulados são de mesma força – um acrécimo, uma espécie de repetição, como já salientei. Além de outras características que deixarei de lado, Guimarães aproxima além disso (com traço anafórico como em por isso, apesar disso) de além de, que seria uma preposição. Reutilizando a simbologia de Ducrot, tem-se: (37) Os jogadores treinaram muito (P). Além disso (aliás, inclusive) estão muito motivados (Q). Não há como perder o jogo (r). (37a) Os jogadores, além de estarem muito motivados, treinaram muito. Etc. Diria que aqui houve um engano. O enunciado semanticamente equivalente seria: (37b) Os jogadores, além de terem treinado muito, estão muito motivados. Etc. O além é a motivação, e não o treino. Então não há inversão, como julga Guimarães, que estranha esse efeito: o além disso, finalmente, é “além de terem treinado muito” – tanto que essa seqüência não é independente. Por outro lado, tal estrutura impede a possibilidade para aliás e inclusive – o que também mostra o seu caráter anafórico, e mais: a diferença de estratégia, que produz outro efeito de sentido. Observo ainda que, nos recortes analisados em que inclusive valia por aliás (= além disso), a não enunciação do elemento semântico P, a que isso remete, não é obstáculo à validade da expressão, que tem como alternativa além do mais – que aponta P como algo vago, a ser buscado pelo interlocutor, e eventualmente conhecido por ele. Uma última observação, que pode ser parte da explicação para a ocorrência freqüente de deriva na construção padrão com inclusive, é esta: embora no padrão se verifique INCLUSIVE + (PREP) SN, ou seja, inclusive seguido de sintagma nominal ou preposicional, uma vez que implicita a S anterior pode ser desdobrada em seus elementos semânticos. Retome-se o exemplo de Neves (15): (15) Foi perguntar à dona Arautina, vizinha da frente, que conhecia todos os moradores do bairro, INCLUSIVE os novatos. (15b) ... que conhecia todos os moradores do bairro ...que conhecia inclusive os moradores novatos do bairro. O resultado dessa operação, como se evidencia, é uma das construções em deriva: 7 As substituições aqui apresentadas dizem respeito aos usos “derivados” do padrão e observados no corpus. Maria Marta FURLANETTO 997 (15c) Foi perguntar à dona Arautina, vizinha da frente, que conhecia inclusive os moradores novatos do bairro. (pressupõe: ela conhecia todos os moradores do bairro) com a variante possível já apontada quando do primeiro comentário ao exemplo de Neves: (15a) Foi perguntar à dona Arautina, vizinha da frente, que inclusive conhecia os moradores novatos do bairro. Em várias ocorrências atuais, então, o que se faz é atualizar o que está implícito – mas sintaticamente no lugar “errado”. Ou melhor: o que devia estar posto antes só aparece como pressuposto depois. Essa substituição produziria um efeito discursivo de maior impacto? 5. Comentário final Bréal, em seu Ensaio de semântica, afirma que a prudência faz com que “[...] se renuncie a construções que se tornaram muito difíceis de serem compreendidas. É raro que o povo não use dessa precaução. O que ele não compreende, ele abandona ou transforma” (BRÉAL, 1992: 49). Esta observação pode ser estendida, de alguma forma, aos falantes cultos. Talvez a própria ausência de controle programático sobre o uso das “palavras denotativas” tenha permitido a expansão/intersecção de que se trata aqui. Gramáticas e manuais voltados para o ensino ignoram quase totalmente seu papel no jogo discursivo. Ora, as possibilidades de significância dos elementos lingüísticos são contínua e ativamente negociadas: a língua não resiste – se assim se pode dizer –, ela sofre modelagem, uma vez que constitutivamente aberta ao jogo, e os sentidos historicamente estabelecidos não são meramente reproduzidos. O outro lado da moeda é que há significações registradas, que fazem parte da memória discursiva – tanto que há também os que tentam conservá-las, verificando-se maior ou menor tolerância em relação ao que muda, gerando discussões atinentes a conseqüências de várias ordens (por exemplo, como reagir diante das formas legitimadas, gramatizadas, em relação às que efetivamente ocorrem no português brasileiro formal? O senso de correção não leva também à hipercorreção?). No uso contemporâneo de inclusive é visível a negociação de sentidos (o que não significa que se trate de processo consciente) – e este é apenas um caso entre muitos. O discurso se apresenta como efeitos de sentido, matizes que vão circulando e passando ao domínio comum. “A não homogeneidade das cristalizações é o espaço da história, e o espaço para rompimentos da cristalização. E, portanto, o lugar da mudança.” (GUIMARÃES, 1987: 191). O que está acontecendo no Brasil, enfatiza Oliveira, em parte por influência da mídia, é que “[...] o registro formal de hoje é talvez o semiformal de outros tempos e o ultraformal caminha a passos largos para o desuso” (texto on line). RESUMO: A reflexão que apresento neste texto é resultado preliminar e parcial de um projeto de pesquisa que focaliza discursivamente as tendências no uso escrito culto do português brasileiro, suas implicações normativas e sua relação com a pedagogia da língua. Neste trabalho limito-me ao tratamento da expressão “inclusive”. PALAVRAS-CHAVE: português brasileiro, tendências, escrita formal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992. _____. A “hiperlíngua” e a externalidade da referência. In: ORLANDI, Eni (Org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1994. p. 241-251. BAIÃO, Rosaura de Barros; ARRUDA, Júlia Arruda. Gramaticalização de até. In: MARTELOTTA, Mario Eduardo; VOTRE, Sebastião Josué; CEZARIO, Maria Maura. Gramaticalização no português do Brasil: uma abordagem funcional. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. p. 251260. BRÉAL, Michel. Ensaio de semântica: ciência das significações. São Paulo: EDUC, 1992. CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. CUNHA, Celso; CINTRA, L.F. Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 2. ed. 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