AIDA KURI SOUZA
A PERSONAGEM FEMININA NA LITERATURA BRASILEIRA
CRICIÚMA, 2005
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AIDA KURI SOUZA
A PERSONAGEM FEMININA NA LITERATURA BRASILEIRA
Monografia apresentada à Diretoria de PósGraduação da Universidade do Extremo Sul
Catarinense – UNESC, para a obtenção do título de
especialista em Língua Portuguesa: Fenômeno
Sócio-político.
Orientadora Profª Janete Aparecida G. Machado
CRICIÚMA, 2005
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A Deus que grandiosamente nos permitiu nascer e viver.
A minha família, em especial minha mãe, Maria,
que não mediu esforços para incentivar meus estudos,
bem como meus irmãos que souberam repartir
os espaços e as tecnologias e a meu noivo, Fábio, a quem
tenho dedicado pouco tempo para dar tempo aos livros.
A minha orientadora Janete, que me instigou e me fez conhecer
o maravilhoso mundo da Leitura e da Literatura e
com muita paciência me auxiliou
neste projeto de vida.
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RESUMO
A mulher, com a evolução da história, passou por transformações em várias
instâncias, moral, afetiva, econômica, intelectual, etc. Tais transformações foram
importantes para definir a posição de um gênero até então muito discriminado na
sociedade. É nesse ponto que este trabalho tem sua principal reflexão: A mulher
como personagem na literatura, isto é, uma comparação da evolução da mulher na
história e na literatura, isto é, uma comparação da evolução da mulher na história e
na literatura a partir de sua diferentes características sob a ótica dos diferentes
autores de cada época, procurando sempre fazer um paralelo da mulher na história
– vida real – e na literatura – ficção. Para tal compreensão dividiu-se o estudo em
três capítulos. O primeiro faz um resgate histórico da vida da mulher na sociedade
brasileira. O segundo expõe definições e caracterizações da personagem. O
terceiro, traz alguns autores e suas obras, representativos de cada período. Nessa
etapa, apresentam-se reflexões sobre a obra e a forma com que o autor abordou o
tema mulher. Embora, devido à quantidade de obras, não seja possível definir e
comprovar que tudo que ocorreu com a mulher na história fosse transpassado à
literatura ou vice-versa, o estudo permitiu certas reflexões importantes e prováveis
para uma pesquisa futura, como a questão do discurso em que os autores não
davam voz às mulheres quando os assuntos eram: política, economia, comando de
ações, pois utilizavam-se de um recurso de linguagem, o uso da 3ª pessoa, para não
colocá-la à frente de decisões importantes, e até mesmo não reconhecer a mulher
como um ser igual ao homem.
Palavras-chave: mulher, história, personagem.
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SUMÁRIO
1... INTRODUÇÃO......................................................................................................06
2. HISTÓRIA E MULHER.........................................................................................09
2.1. A Mulher e sua História No Brasil........................................................................10
3. MULHER E PERSONAGEM................................................................................19
3.1.Definição e Caracterização de Personagem.......................................................19
4. PERÍODOS LITERÁRIOS, AUTORES E OBRAS................................................27
4.1. Autores e suas Obras.........................................................................................28
4.1.1. Literatura Informativa.......................................................................................28
4.1.2. Barroco.............................................................................................................30
4.1.3. Arcadismo........................................................................................................33
4.1.4. Romantismo.....................................................................................................35
4.1.5. Realismo..........................................................................................................41
4.1.6. Naturalismo......................................................................................................48
4.1.7. Simbolismo.......................................................................................................54
4.1.8. Modernismo.....................................................................................................55
4.1.8.1. Vidas Secas e Sinhá Vitória .........................................................................59
4.1.8.2. As Mulheres de Fogo Morto .........................................................................59
4.1.8.3. O Caso Morel e suas Mulheres ....................................................................62
4.1.8.4. A Festa e a Mulher........................................................................................63
4.1.8.5. Em Câmara Lenta e a Mulher Guerrilheira...................................................64
4.1.8.6. Zero e a Mulher.............................................................................................66
4.2. Os Limites da Evolução......................................................................................68
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5. CONCLUSÃO.......................................................................................................69
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 73
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1. INTRODUÇÃO
A evolução histórica tem demonstrado pequenas, mas significativas
mudanças na vida da mulher. Do tripé dona-de-casa, esposa e mãe, a mulher
passou a chefe de família, empresária, trabalhadora. Tudo isso, graças a constantes
lutas da mulher pela igualdade de gêneros. Essa transição, da dependência para
emancipação, pode ser percebida na literatura brasileira que, concatenada à
História, mostra as etapas, os desafios e sacrifícios pelos quais a mulher passou
para chegar à situação em que hoje se encontra, distante do ideal, entretanto mais
emancipada e independente.
A mulher, criada em berço patriarcal, sempre se conformou com a
situação imposta pelo pai ou pelo marido e assim viveu durante muitos anos
submissa. Com as transformações sociais, industriais e econômicas a mulher foi se
rebelando contra o estado em que se encontrava. Aos poucos, luta pela igualdade
de gêneros e por sua emancipação. No entanto, essa busca foi sofrida e amarga. A
mulher foi responsabilizada por males sociais, foi presa, exilada, não podiam
assumir cargos e, na Idade Média, chegou a ser perseguida como subversiva e
queimada em fogueiras.
Esses fatores, mais a leitura de alguns romances e de pesquisas e
estudos sobre “Questões de Gênero”, despertaram nesta pesquisadora o interesse
pelo tema: “A Personagem Feminina na Literatura Brasileira” sob a ótica de autores
masculinos. Algumas questões causaram inquietações e curiosidade: Será que a
Literatura teve sua contribuição na busca da mulher pela igualdade de gêneros? A
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literatura e a história realmente compartilham fatos que demonstram a evolução da
mulher?
O trabalho divide-se em três capítulos. Cada um traz um aspecto
diferente. O primeiro capítulo fará uma abordagem histórica da vida da mulher no
Brasil e de que forma se pode perceber as mudanças ocorridas na vida da mulher no
decorrer dos anos. O segundo capítulo trata da mulher enquanto personagem.
Consiste num estudo panorâmico sobre personagem, abordando conceitos,
caracterizações, tipologia e linguagem. O terceiro e último capítulo faz uma
abordagem dos períodos, dos autores e obras, apresentando os diversos perfis
femininos.
As obras selecionadas são A Carta de Pero Vaz de Caminha, Antologia
Poética de Gregório de Matos, Marília de Dirceu de Tomás Antonio Gonzaga,
Senhora de José de Alencar, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro
de Machado de Assis, Casa de Pensão de Aluísio Azevedo, Vidas Secas de
Graciliano Ramos, Fogo Morto de José Lins do Rego, O Caso Morel de Rubem
Fonseca, A Festa de Ivan Ângelo, Em Câmara Lenta de Renato Tapajós e Zero
Ignácio de Loyola Brandão. Os livros foram escolhidos por apresentarem perfis
femininos diferentes e por serem representativos de diferentes períodos literários e
históricos. Em muitos, a mulher aparece como um ser emancipado, em outros como
uma deusa e em outros ainda, como um ser submisso e ridicularizado.
O estudo será feito com base em dados bibliográficos obtidos de
historiadores, críticos literários e de poetas e romancistas de cada período literário
que tragam diferentes perfis femininos. O principal objetivo é constatar que a
Literatura contribuiu para as conquistas sociais das mulheres ao apresentar, em
muitas obras, personagens femininas que revelam, seja em sua índole, em ações e
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modos modernos para seu tempo, a busca pela igualdade de gêneros fazendo um
paralelo entre a história e a literatura. A pesquisadora irá observar, ainda, a
importância da Literatura como instrumento de informação e transformações sociais,
a ponto de se tornar apta a transmitir as inquietações de uma época e, no caso
deste estudo, apta a permitir que a mulher esteja refletida nas personagens
femininas dos romances de cada período literário.
Assim, pretende-se cumprir a proposta de traçar um paralelo entre
literatura
e
história.
Dados
historiográficos,
geralmente
pesquisados
por
historiadores do gênero masculino, serão postos em confronto com dados obtidos
em pesquisa realizada a respeito das personagens femininas, ou dos perfis
femininos flagrados nos textos mencionados.
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2. HISTÓRIA E MULHER
A Literatura tem sido, de uma forma ou de outra, o espelho em que a
sociedade se vê refletida, podendo tomar consciência de sua própria imagem.
Agrega também o conhecimento espacial e histórico ligados à criticidade e às
experiências de vida.
Dentre todos os inumeráveis temas focalizados pela literatura está a
evolução da mulher, representada por personagens femininas, e que, na Literatura
Brasileira, tem sido predominantemente, salvo nas últimas décadas, vista a partir da
ótica masculina.
Percebe-se, no decorrer das diferentes épocas históricas e literárias que a
mulher segue a linha do tempo, mas não de maneira uniforme. Ela vai evoluindo
social, intelectual e moralmente em relação ao homem. De submissa e deusa, a
mulher passa a ser vista como um ser capaz de sofrer, mas também de liderar seja a
sua casa ou uma empresa; capaz, enfim, de dar a volta por cima.
Este primeiro capítulo, visa a fazer uma retrospectiva histórica da mulher
na sociedade brasileira, representando-a panoramicamente, desde o descobrimento
até os dias atuais, juntamente com suas conquistas e o processo histórico de sua
emancipação.
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2.1.
A Mulher e sua História no Brasil
Da chegada dos portugueses ao Brasil (1500) até as lutas pela
Independência, registram-se a existência das índias que habitavam as terras nativas
e das mulheres que chegaram mais tarde, por volta de 1530, para colonizar.
As mulheres passaram a ter seus nomes associados a textos de natureza
historiográfica, embora superficialmente, quando envolvidas em lutas por ideais
separatistas, em defesa das terras ou quando se envolviam com grandes donos de
terras e engenhos como Xica da Silva:
De todos os incríveis personagens forjados pela opulência diamantina,
talvez nenhum tenha sido mais extraordinário do que a ex-escrava Xica da
Silva, também conhecida como Xica que manda. Amante do
desembargador João Fernandes de Oliveira, sexto contratador de
diamantes – homem “rico como um nababo, poderoso como um príncipe e
soberano do Tijuco” – Francisca da Silva era filha de um português com
uma africana e fora escrava de José Silva Oliveira (pai do inconfidente José
Oliveira Rolim). Assim que foi libertada, torna-se amante do desembargador,
Xica da Silva virou a pessoa mais influente do Tijuco. O marido mandava na
cidade e ela mandava no marido.
Xica da Silva ia à missa coberta de diamantes, acompanhada por 12
mulatas esplendidamente trajadas. (Diário Catarinense, 2000, p.72)
Xica era uma raridade. Nessa época, a maioria das mulheres era
submissa e só saía de casa acompanhada pelo marido.
A esposa do senhor de engenho era totalmente submissa ao marido. Vivia
para ter filhos, fazer doces, costurar e bordar. Não tinha estudos. Sua vida
social limitava-se a ir à igreja e a conversar com as escravas. (COTRIM,
1996, p.118)
Nem todas as mulheres, porém, se conformavam com a submissão. Em
geral, destacavam-se das demais as mulheres do povo que buscavam liberdade
para si, para sua terra e para todos.
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No trecho abaixo, Cantele lembra que duas mulheres lutaram pelo
reconhecimento da Independência do Brasil (1822):
Nas lutas pela pacificação da Bahia, ficaram famosas duas mulheres: Maria
Quitéria de Jesus, que vestiu uniforme de soldado, pegou em armas e lutou
bravamente e a freira Joana Angélica, que morreu tentando impedir que
soldados portugueses invadissem o convento. [...]
Maria Quitéria de Jesus Medeiros ingressou no batalhão dos “Voluntários do
Príncipe D. Pedro”. Lutou bravamente com o nome de soldado Medeiros,
destacou-se e foi homenageada pelo próprio imperador. (CANTELE, 1996,
p.12 e 19)
Mesmo lutando em batalhas importantes, a mulher não tinha o direito de
assumir cargos elevados, nem podia votar, segundo a 1ª Constituição do início do
século XIX.
Nessa época, já havia também muitos escravos no Brasil. As mulheres
escravas serviam de amas de leite, trabalhavam nos afazeres da casa e muitas
tinham que servir aos desejos dos patrões.
As primeiras décadas, depois da Independência, foram conturbadas,
cheias de guerras e revoltas. Em uma delas, A Guerra dos Farrapos ou Revolução
Farroupilha (1835), uma mulher tornou-se mundialmente conhecida – Ana de Jesus
Ribeiro ou Anita Garibaldi. Os revoltosos questionavam o alto preço dos impostos
cobrados sobre a comercialização do charque. Anita, casada com o italiano
Giuseppe Garibaldi, era uma das líderes da revolução. Após dez anos de luta, Anita
e Giuseppe seguiram para Itália e lutaram pela unificação daquele país.
Durante o governo de Dom Pedro II (1840-1889), as mulheres pouco são
lembradas. Seus nomes reluzem apenas como “mariposas”, “donas ou mulheres de
cabaré” ou “amantes de D. Pedro”.
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Nesse período, há apenas um grande fato envolvendo uma mulher, a Lei
Áurea – de 13 de maio de 1888 – que abolia a escravatura no Brasil e foi
promulgada pela Princesa Isabel, filha de D. Pedro II.
A Princesa Isabel, filha de D. Pedro II, porém achava que deveria abolir a
escravidão de uma só vez.
Por divergências políticas, o Barão de Cotegipe demitiu-se. Foi escolhido
para substituí-lo João Alfredo Correia de Oliveira, que tinha a mesma
opinião que a princesa a respeito da abolição dos escravos.
D. Pedro II teve que embarcar para Europa por motivos de saúde, deixando
a princesa Isabel como regente.
Na ausência do imperador, João Alfredo apresentou o projeto para a
libertação dos escravos. Joaquim Nabuco pediu apoio aos parlamentares no
projeto.
Assim, no dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, utilizando uma caneta
de ouro e pedras preciosas, assinou a lei que declarava livres todos os
escravos do Brasil. (CANTELE, 1996, p. 104)
Na época, chegaram ao Brasil os primeiros imigrantes com suas famílias
para trabalharem nas lavouras, principalmente de café. As mulheres dos imigrantes
também trabalhavam na lavoura.
Com o cultivo do café, a vida social teve um impulso grande e os filhos de
barões do café partiam para a Europa a fim de estudar, trazendo não só um diploma,
mas novas idéias e ideais.
Assim como o voto, o ensino também era apenas para os homens. Como
as mulheres não podiam assumir cargos importantes ou de alto escalão, não
precisavam ser instruídas. Seu trabalho se restringia aos afazeres da casa e cuidar
dos filhos.
[...] Devido às funções que a sociedade atribuía às mulheres naquela época,
dava-se pouca importância à instrução feminina. Bastava lhes aprender as
primeiras letras, um pouco de cálculo, corte e costura, bordado, regras de
boas maneiras, dança e artes culinárias. (CANTELE, 1996, p. 126)
Logo após a Proclamação da República (1889), surgiu uma nova
Constituição, com muitas inovações, mas novamente a mulher não tinha direito ao
voto.
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No governo de Epitácio Pessoa (1919 – 1922) ocorreu a Semana da Arte
Moderna com o envolvimento de muitas mulheres como Anita Malfatti, Tarsila do
Amaral, entre outras. Foi o primeiro grande evento em que mulheres brasileiras
participaram não apenas como expectadoras, mas sim como autoras. Por volta de
1922 e 1926, o Brasil conheceu Maria Bonita, esposa de Lampião famoso
cangaceiro.
Somente em 1934, com a apresentação de uma nova Constituição, no
governo de Getúlio Vargas, é que a mulher passou a ter o direito ao voto, uma
grande vitória para as mulheres que sofriam essa marginalização. Os homens a
julgavam, assim como aos velhos e às crianças, inaptas para tal função.
No governo ditatorial de Getúlio Vargas(1945), não foram apenas boas
notícias que envolveram as mulheres, aconteceram alguns fatos monstruosos:
Na repressão à Intentona Comunista, o chefe da polícia Filinto Muller
prendeu Luís Carlos Prestes e sua mulher, a alemã Olga Benário. Prestes
foi jogado numa cela imunda. Olga estava grávida e, mesmo assim, foi
deportada para a Alemanha nazista e entregue à Gestapo de Hitler. Morreu
num campo de extermínio, executada numa câmara de gás. (COTRIM,
1997, p. 113)
Jornalista e escritora, Patrícia Galvão, conhecida carinhosamente por Pagu,
foi uma importante figura de “esquerda” e defensora da liberdade
feminina.Foi presa e brutalmente torturada durante o Estado Novo.
(COTRIM, 1997, p. 115)
No governo de José Sarney, as mulheres obtiveram novas conquistas
com a Constituição de 1988:
- licença-gestante com duração de 120 dias para a mulher [...]; - ao
trabalhador doméstico (cozinheira, babás, arrumadeiras, caseiras) foram
assegurados vários direitos como: salário mínimo, 13º salário, repouso
semanal remunerado, férias remuneradas com 1/3 a mais que o salário
normal, licença-gestante remunerada de 120 dias, aviso prévio e
aposentadoria. (COTRIM, 1997,p. 150)
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No governo Collor (1990), uma mulher, Zélia Cardoso de Mello, assumiu o
Ministério da Economia, algo até então raro na política e vida brasileira.
Revendo a História do Brasil, vê-se que, a partir da Semana da Arte
Moderna, as mulheres passaram a participar mais ativamente da cultura e política
brasileiras. Na literatura, temos como destaques Raquel de Queirós, Cecília
Meireles, Clarice Lispector. Na música, Maísa, Nara Leão, Maria Bethânia, Elis
Regina, Vanusa, Warderléia, Rita Lee, Simone e muitas outras. No teatro e cinema,
as mulheres também têm lugar de destaque, sendo inclusive, indicadas como
merecedoras de grandes prêmios, como o foi a atriz Fernanda Montenegro. Ao
participarem, levantam sempre uma bandeira, seja em movimentos estudantis contra
a ditadura, ou em movimentos pela anistia, Diretas Já e Impeachment do Presidente
Collor. Também foram vítimas de repressão, sofrendo tortura, penas de prisão ou de
exílio durante a ditadura militar dos anos 60/70. É o caso de mulheres que lutaram
pela liberdade, sendo acusadas de subversivas.
As transformações culturais, econômicas e sociais decorrentes do
advento da República, da imigração e industrialização, aliadas às idéias
vanguardistas vindas da Europa, impulsionaram mudanças de comportamento como
sair às ruas desacompanhadas, entrar para o mercado de trabalho, assumir cargos
antes não imaginados e até cursar faculdade, fazer parte de eventos culturais não
como acompanhante de pai, irmão ou marido, mas como criadoras e participantes.
O ritmo das mudanças ocorridas, considerado por muitos como alarmante,
veio acompanhado de certa ansiedade por parte dos segmentos mais
conservadores da sociedade, já tomados pela vertigem das grandes
transformações que o país vinha vivendo, sobretudo a partir do último
quartel do século XIX. Não faltaram vozes nesse começo de século para
entoar publicamente um brado feminino de inconformismo, tocado pela
imagem depreciativa com que as mulheres eram vistas e se viam e,
sobretudo, angustiado com a representação social que lhes restringia tanto
as atividades econômicas quanto as políticas. (SEVCENKO, 1998, p. 369370)
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As grandes transformações eram visíveis nos habitantes das cidades e
nas pessoas que vinham do campo, em busca de emprego e de melhores condições
de vida. Muitas dessas mudanças devem-se aos intelectuais que procuravam, em
jornais, folhetins e manifestações, apresentar suas idéias inovadoras.
Diante da variedade de questionamentos, experiências e linguagens tão
novas que as cidades passaram a sintetizar, intelectuais de ambos os sexos
elegeram como os legítimos responsáveis pela suposta corrosão da ordem
social a quebra de costumes, as inovações nas rotinas das mulheres e,
principalmente, as modificações nas relações entre homens e mulheres.
(SEVCENKO, 1998, p. 371)
As mulheres mudaram até no modo de vestir. Os decotes eram maiores e
as saias menores. Os homens estavam receosos do casamento, pois a mulher já
não ficava sob sua redoma, dentro de casa, cuidando dos afazeres.
O dever ser das mulheres brasileiras nas três primeiras décadas do século
foi, assim, traçado por um preciso e vigoroso discurso ideológico, que reunia
conservadores e diferentes matizes reformistas e que acabou por
desumanizá-las como sujeitos históricos, ao mesmo tempo que
cristalizavam determinados tipos de comportamento convertendo-os em
rígidos papéis sociais. “A mulher que é, em tudo, o contrário do homem”, foi
o bordão que sintetizou o pensamento de uma época intranqüila e por isso
ágil na construção e difusão das representações do comportamento
feminino ideal, que limitaram seu horizonte ao “recôndito do lar” e reduziram
ao máximo suas atividades e aspirações, até encaixá-la no papel de “rainha
do lar”, sustentada pelo tripé mãe-esposa-dona de casa. (SEVCENKO,
1998, p. 373)
O pensamento de que a mulher formava o tripé mãe-esposa-dona-decasa era apoiado e reforçado pela Igreja, Estado e, principalmente, pelo homem.
Isso gerava grande estabilidade para eles.
Conforme Sevcenko (1998, p. 375-376), o Código Civil Brasileiro que saiu
no início do século XIX, sacramentava a inferioridade da mulher, pois o homem era o
chefe da família e responsável pela parte moral, financeira e material da família. A
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mulher devia ao marido submissão e respeito. Ela só poderia trabalhar se o marido
autorizasse.
As atividades desenvolvidas pelo homem, que ainda são mais valorizadas
do que as das mulheres, vinham associadas ao poder. Dão ainda autoridade para o
homem dentro e fora do ambiente familiar, embora já não ocorra nos mesmos
parâmetros.
Diante dessa situação atribulada, o casamento começa a balançar;
ocorrendo divórcios. É preciso rever seus moldes para não findá-lo, já que, era visto
como garantidor da saúde e da economia.
As inovações trazidas pela tal “vida moderna” povoavam as páginas dos
mais diferentes tipos de literatura, o que por si só indicava um forte
movimento em prol da defesa de determinadas instituições basilares da
sociedade, mesmo que para isso fosse necessário acatar mudanças e
introduzir outras. Nada, entretanto, que pudesse ferir a legitimidade das
regras do sistema familiar e social. Carregava-se no tom para justificar a
reação “contra certas teorias dissolventes” que dia a dia alimentam a “onda
de imoralidade e da perversão de costumes que tenta levar de vencida tudo
o que a humanidade possui de melhor”. (SEVCENKO,1998:385)
As mulheres precisavam ser “contorcionistas” para, ao mesmo tempo,
serem puras, submissas, estarem sempre prontas para agradar o marido, mostrar
boa aparência, tratar bem as visitas e os filhos.
Para os homens, a mulher, antes de trabalhar, deveria ser uma boa donade-casa. As que estudavam, abdicavam do direito à educação e a liberdade de
expressão.
Enquanto as condições das mulheres da elite melhoraram com
tecnologias(eletricidade, fogão e ferro de passar), as mulheres pobres passavam
dificuldades nas tarefas de limpeza mais elementares. A mulher, de modo geral,
continuava insatisfeita.
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Apesar da importância social do trabalho realizado pelas mulheres dentro
de casa, enquanto produtoras e reprodutoras da mão-de-obra, e não
obstante ser gratuito o trabalho prestado à família, outra imagem
freqüentemente associada à rainha do lar é de perdulária. O papel do
marido de provedor da família, com direito a autorizar ou não o trabalho da
mulher fora do lar, conforme determinavam as leis vigentes no começo do
século, levou a dependência econômica da esposa a ser não apenas
estimulada, mas sobretudo bem-vista. Esse “privilégio”, porém, nem sempre
significou alegria ou felicidade para muitas mulheres. Por trás de frases
como “ela é feliz”, não lhe falta nada” ou “o que mais ela deseja, se o marido
lhe dá tudo?”, é possível enxergar o ambiente de extrema insatisfação e
desconforto, que levava não só algumas mulheres a tomar empréstimos
sem autorização do marido, trabalhar escondido e até mesmo “roubar” o
próprio cônjuge. (SEVCENKO,1998, p. 415-416)
Atualmente, a mulher pode exercer funções, assumir cargos e profissões
que antes apenas os homens poderiam exercer. Pode ser caminhoneira, frentista,
bombeira, deputada, entre outras atividades.
Num país de cultura patriarcal como o Brasil, herdada de seus
colonizadores, quem diria que o país seria tão bem representado por mulheres,
como nas últimas Olimpíadas num esporte que é uma das grandes paixões
nacionais, o futebol.
Parece apropriado que o futebol brasileiro esteja representado na Grécia
por um time de mulheres. Em países em que os homens emigraram atrás
de emprego no exterior, as mulheres fazem seu trabalho. O futebol
brasileiro representado na Grécia é o futebol brasileiro da diáspora.
(VERÍSSIMO, 2004, p. 02)
A mulher está assumindo funções, criando situações, participando da vida
social, econômica e cultural com muito mais fulgor. Como observado anteriormente,
não foi sempre assim. A adoção, por exemplo, dos termos casa e rua para
determinar o que cabia ao homem e à mulher é um modelo dessas diferenças. A rua
é para os homens e a casa, o local ideal para as mulheres. A idéia de que as
mulheres são boas donas de casa provém dos dotes que aprenderam quando
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moças solteiras e dos dotes na cozinha. Da Matta, informa que, muitas vezes, isso
pode indicar inversão de papéis hierárquicos:
Num sentido muito geral e culturalmente valorizado, fala-se sempre que
quem come é o homem, a mulher cozinha e dá os alimentos e a comida.
Mas, como sugeri linhas atrás, pode haver casos contrários, onde o homem
cai na panela de comida, tal como na história de Dom Ratão que caiu na
panela de feijão, o conto de fadas sendo significativo para indicar de que
modo a gula (o desejo incontrolado) pode levar o comedor a tornar-se
comida... Mas pode-se afirmar, sem correr o risco de exagero, que mesmo
hoje, o homem é englobador do mundo da rua, do mercado, do trabalho, da
política e das leis, ao passo que a mulher engloba o mundo da casa, da
família, das regras e costumes relativos à mesa e à hospitalidade. (DA
MATTA, 1991, p. 61)
A mulher conquistou importante espaço social, mas ainda não alcançou o
parâmetro ideal. De dona-de-casa e esposa dedicada e submissa, muitas mulheres
passaram a chefes de família e trabalhadoras. Todas estas conquistas foram, como
relatado anteriormente, um processo lento e penoso, no entanto desde muito tempo
procurado por muitas mulheres, que chegaram a lutar em muitas batalhas, junto e tal
qual os homens. Devido a essas mulheres batalhadoras, chegou-se à atual situação
das mulheres, longe da igualdade com os homens, entretanto bem mais emancipada
do que há alguns anos.
A mulher evoluiu no decorrer do tempo histórico e na literatura. Ontem, a
mulher não tinha direito ao voto e era vista como musa, hoje passou a votar
(Constituição de 1934) e tomar a liderança em eventos importantes a partir da
Semana da Arte Moderna. Além disso, a mulher antes raramente se aventurou a
procurar emprego ou atividades fora de casa por ser discriminada. Segundo o
antropólogo Roberto da Matta, (1991, p. 30) “Assim, se a mulher é da rua, ela deve
ser vista e tratada de um modo. Trata-se, para ser mais preciso, das chamadas
mulheres da “vida”, pois rua e vida formam um equação importante no nosso
sistema de valores.”
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3. MULHER E PERSONAGEM
Após considerar a questão da mulher sob uma visão histórica, uma vez
que o objeto desse estudo é traçar um paralelo entre história e literatura, considerase, aqui a definição de personagem segundo a visão de autores variados, a fim de
estabelecer as teorias a respeito de personagens, caracterização, tipologia e
discurso, que darão respaldo ao paralelo a ser traçado.
A caracterização será de forma geral, aprofundando a definição de
personagem, sua tipologia e características.
Muitas vezes, os autores utilizaram as personagens femininas para que
seu pensamento soasse na voz de suas personagens. Muito do discurso das
personagens carrega um discurso ideológico e social baseado em fatos e
acontecimentos da vida real. Na literatura brasileira, esse discurso expressa o
modelo social organizado segundo ditames do sistema patriarcal.
3.1.
Definição e caracterização da personagem
Tratar desse universo temático requer que se estabeleçam determinados
conceitos teóricos indispensáveis ao trato analítico do objeto proposto. Assim, o
termo personagem será entendido como: “[...] palavra derivada de persona, a
máscara do teatro romano [...]” (SCHÜLER, 2000, p. 40)
Designa, no interior da prosa literária (conto, novela e romance) e do teatro,
os seres fictícios construídos à imagem e semelhança dos seres humanos:
se estes são pessoas reais, aqueles são “pessoas” imaginárias, se os
primeiros habitam o mundo que nos cerca, os outros movem-se no espaço
arquitetado pela fantasia do prosador. (MOISÉS, 1995, p. 396-397):
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Por meio da personagem, cujo referencial é o ser humano, o autor
desenvolve os temas plasmados no mundo que o cerca. Para Bakhtin, a
composição, as ações e o desenrolar do enredo estão estritamente ligados ao
discurso da personagem que nada mais é do que o conjunto de enunciados
pronunciados pela personagem, baseados, muitas vezes, no pensamento do autor,
no próprio mundo criado pela personagem ou na realidade que cerca a vida do
autor.
As palavras dos personagens, possuindo no romance, de uma forma ou de
outra, autonomia semântico-verbal, perspectiva própria, sendo palavras de
outrem numa linguagem de outrem, também podem refratar as intenções do
autor e, conseqüentemente, podem ser, em certa medida, a segunda
linguagem do autor. (BAKHTIN, 1990, p. 119)
Especificamente, por meio da linguagem das personagens, a literatura
contribui como reveladora da busca da mulher pela igualdade de gêneros. Isso pode
ser percebido no uso que o autor faz do discurso das personagens femininas, muitas
vezes, repassando situações, fatos e ações que comprovem que a situação da
mulher vem mudando, a seu favor, com o decorrer das épocas.
Segundo BAKHTIN, (1990, p. 96–98), a língua é viva, mas não única.
Pode-se entender única por estática. Isto só ocorre na forma normativa, em que é
desprovida de ideologia. As ideologias e a evolução histórica dão vida à língua e
criam uma pluralidade de mundos associando história, literatura, ideologias e
sociedade. As palavras, com grande importância social, englobam-se à sociedade e
ganham valores definidos. São as diferentes épocas históricas e as contraposições
entre passado e presente que tornam a linguagem pluridiscursiva.
O autor utiliza-se de discursos já existentes e cria personagens com
discurso próprio, miscigenando o discurso de personagens da vida real, com o
21
discurso do próprio autor. Ao apropriar-se dessas linguagens, torna-as vivas e
individuais e a serviço de suas próprias intenções ou das intenções da personagem.
Assim sendo BAKHTIN, (1990, p. 101 e 104), a literatura, em suas
concepções lingüísticas e ideológicas, é composta de linguagens ativas de diversas
épocas.
O autor, então, não anula a linguagem social em que se insere e vive. Ele,
por meio dessa linguagem, torna a linguagem literária mais profunda e verdadeira.
Esse é um dos fatores, que permitem afirmar, por meio de análises de textos de
alguns autores da literatura brasileira, que a mulher foi descrita e configurada na
literatura de uma forma evolutiva, ou seja, à medida que a literatura romanesca
ajustava-se a exigências inovadoras, mudanças similares são observadas na vida
real, expressas de maneiras diversas.
A partir das obras, dos vários críticos e das diversas bibliografias
estudadas, verifica-se que é por meio da linguagem que todas as ações e fatos
ocorrem. É a manifestação da linguagem, por meio do discurso da personagem, que
move o enredo.
Bakhtin acredita que a linguagem carrega “algo mais” em suas
entrelinhas, pode expressar simplesmente a fala da personagem, mas também levar
a intenção do autor. E ainda acredita que, a linguagem é formada de enunciados
seja histórico, social, ficcional, mas neles é que o autor se espelha ou se baseia para
escrever suas obras.
O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado
momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios
dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um
dado objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do
diálogo social. Ele também surge desse diálogo como seu prolongamento,
como sua réplica, e não sabe de que lado ele se aproxima desse objeto.
(BAKHTIN, 1990, p. 86)
22
Cada autor tem uma perspectiva sócio-ideológica do mundo. Para
Bakhtin, as linguagens se entrecruzam, numa espécie de dialogismo. Não é possível
dizer que a ideologia do autor não está expressa, de alguma forma, no discurso de
suas personagens. Além disso, expressam discursos sociais de determinadas
épocas.
O discurso romanesco reage de maneira muito sensível ao menor
deslocamento e flutuação da atmosfera social ou, como foi dito, reage por
completo em todos os seus momentos.
Introduzido no romance, o plurilingüísmo é submetido a uma elaboração
literária. Todas as palavras e formas povoam a linguagem são vozes sociais
e históricas, que lhe dão determinadas significações concretas e que se
organizam no romance em um sistema estilístico harmonioso, expressando
a posição sócio-ideológica diferenciada do autor no seio dos diferentes
discursos da sua época. (BAKHTIN, 1990, p. 106)
Por isso, a literatura é uma fonte ideal para o estudo que se pretende
levar adiante.
Para melhor compreensão e análise de personagens femininas, é
essencial definirmos e caracterizarmos a personagem de modo geral.
A personagem ou o personagem é um ser fictício que é responsável pelo
desempenho do enredo; em outras palavras, é quem faz a ação. Por mais
real que pareça, o personagem é sempre invenção, mesmo quando se
constata que determinados personagens são baseados em pessoas reais.
(GANCHO, 1999, p.14-18):
Para Gancho(1999), a personagem pertence à história, mas só pode ser
vista como personagem se participa efetivamente do enredo. As personagens
podem receber diferentes classificações. Conforme o papel que desempenham,
podem ser protagonista – personagem principal, antagonista – o opositor do
protagonista, secundário – personagens de participação menor na história.
De
acordo com a caracterização, as personagens são divididas em planas e redondas.
Planas são personagens com pequenos atributos e dividem-se em tipo e caricatura.
23
Tipo é aquela que carrega características peculiares de um grupo. Caricatura é uma
personagem de características fixas e ridículas. Ainda quanto à caracterização, as
personagens podem ser redondas, ou seja, possuem um número maior de
características consideráveis (física, psicológica, social, mora, ideológica). A
complexidade ou não de uma personagem depende muito do desenrolar da história,
das tramas em que se envolvem e de criatividade do autor.
Entenda-se que a personagem é fictícia, mas seu discurso pode conter a
expressão ideológica do autor, dialogando com outras linguagens como a social, a
histórica, a ficcional.
Sabendo que é por meio da personagem que se desenvolve o enredo, é
senso comum entre os críticos que a personagem seja a responsável pelo
envolvimento do leitor que sofre, se alegra e presencia todas as emoções no
desenrolar da história junto à ação de cada personagem.
A personagem depende, todavia, de um contexto que a envolva, a partir
do qual o enredo evoluiu. Nesse espaço, entra a perspicácia do autor na criação dos
elementos essenciais da narrativa, aproximando-os, ou não, da realidade histórica e
social. “Podemos dizer, portanto, que o romance se baseia, antes de mais nada,
num certo tipo de relação entre o ser vivo e o ser fictício, manifestada através da
personagem, que é a concretização deste.” (CÂNDIDO, 1976, p. 55)
A personagem e o ser vivo diferenciam-se porque este é mais vulnerável,
maleável, enquanto aquele é fixo, determinado pelas caracterizações e imposições
do autor.
No romance, podemos variar relativamente a nossa interpretação da
personagem; mas o escritor lhe deu, desde logo, uma linha de coerência
fixada para sempre, delimitando a curva da sua existência e a natureza do
modo-de-ser. Daí ser ela relativamente mais lógica, mais fixa do que nós.
(CÂNDIDO, 1976, p. 59)
24
É importante salientar que as personagens não correspondem a pessoas
vivas, mas os autores utilizam-se de dados observados em personagens da vida real
para dar vida às personagens da ficção. O romance também não reproduz fielmente
a realidade. O autor se apropria de fatos e locais para denunciar, avisar e incitar o
leitor.
A visão de realidade, na obra, depende da organização da mesma e
também da intenção do autor que cria o pano de fundo de acordo com o que
pretende demonstrar.
Se as coisas impossíveis podem ter mais efeito de veracidade que o
material bruto da observação ou do testemunho, é porque a personagem é,
basicamente, uma composição verbal, uma síntese de palavras, sugerindo
certo tipo de realidade. Portanto, está sujeita, antes de mais nada, às leis de
composição da palavras, à sua expansão em imagens, à sua articulação em
sistemas expressivos coerentes, que permitem estabelecer uma estrutura
novelística. (CANDIDO, 1976, p. 78)
Para Defina, cada época teve um herói (personagem) marcado por um
traço identificador de sua época “Na Idade Média, o herói (homo Christianus)
encontra nos caminhos da fé a suprema verdade que lhe devolverá a imortalidade
perdida na “queda” (Galaaz) (DEFINA,1975, p. 84). O autor acrescenta ainda que
“cada autor pode jogar com uma infinidade de elementos, indícios para caracterizar
ou desvendar o personagem aos olhos do leitor.” (DEFINA, 1975, p. 84)
E, assim, o leitor vai desvendando a conduta, o caráter de cada
personagem e o valor de verdade que ela conduz.
A observação da linguagem e também do discurso são preponderantes
para distinguir uma personagem que apenas narra um fato daquela que leva a
opinião do autor.
Em primeiro lugar, observar como estão apresentados os personagens.
Antecipo alguns pormenores, aos quais voltarei, a propósito do ‘ponto de
vista’, na análise estrutural. Às vezes, o herói ou a heroína falam em
25
primeira pessoa, narram-se a si mesmos. Outras, os personagens são
apresentados mediante um retrato e o autor intercala aqui e ali a ficção para
precisar um traço, uma reação, omitir uma opinião, etc. (DEFINA, 1975, p.
85)
Importante também é verificar as relações entre as personagens e o como
evoluem na obra, se possuem adversários e que tipo de personagem representam.
De acordo com Defina, (1975, p. 88), são três as formas de caracterização da
personagem, a individual que age segundo seus preceitos e distingue-se dos outros
por isso; a típica é a representação de um grupo por meio das mesmas
características e a caricatural que pode mesclar características da típica e da
individual e também diferenciá-las.
O autor tem várias maneiras de apresentar a personagem, seja de forma
imediata, após várias descrições, de forma estática ou evolutiva.
É importante ressaltar que, por meio da personagem e do uso da
linguagem que o autor faz, é que fatos históricos e sociais se interiorizam nas obras
e as enchem de realismo e verossimilhança.
Defina resume o que seria a personagem:
Anote-se ainda, que o termo personagem é uma especificação ou derivação
de pessoa. Já o sufixo agem aponta o coletivo, como em folhagem,
plumagem, camaradagem. Personagem, pois, tipifica, personifica, coletiviza
vários tipos de pessoas, considerando-as numa só, que as representa.
(DEFINA, 1975, p. 90)
Enfim, personagem que era a máscara que os atores usavam nas peças
teatrais, é também um ser fictício responsável pelo desenrolar das ações e do
enredo. Além desse significado, é o espelho em que se vê refletida a evolução da
sociedade. Afinal, assume traços peculiares que podem levá-la a agir segundo
modelos de comportamento de um determinado grupo e, por isso, apresentar-se
com certos atos, feições e características que o representam. Por outro lado,o seu
26
discurso pode conter muito mais do que aquilo que se lê: nas entrelinhas pode estar
a intenção do autor ou a representação da própria personagem com idéias
renovadoras.
Comparando os períodos históricos com os literários, e respectivas obras,
é possível demonstrar a evolução da mulher e a luta pela emancipação feminina por
meio das personagens construídas na literatura.
27
4. PERÍODOS LITERÁRIOS, AUTORES E OBRAS
A Literatura e a História são categorias culturais em contato. Fatos
históricos, pensamentos, acontecimentos, ideais refletem-se nas obras de muitos
autores que, muitas vezes, são coadjuvantes da história.
A abordagem a ser praticada efetivará um levantamento de dados
relativos às personagens femininas em comparação com as mulheres de cada
época. Os dados obtidos destinam-se a comprovar que a evolução da mulher recebe
um grande impulso da literatura. Como leitora em potencial, provavelmente,
experimentava muito daquilo que lia, inclusive ideais de liberdade e emancipação da
mulher.
Os autores e obras que serão analisados são Pero Vaz de Caminha com
a Carta, que corresponde à Literatura Informativa, no período histórico conhecido
como Colonial (1500-1815). Nesse mesmo período colonial, aparece a obra de
Gregório de Matos inserida no período Barroco e, ainda, Tomás Antonio Gonzaga
com a obra Marília de Dirceu que fez parte do Arcadismo. No Período Imperial
(1823-1889), é possível abordar ainda o Romantismo de José de Alencar com o
romance Senhora e o Realismo de Machado de Assis com Memórias Póstumas de
Brás Cubas e Dom Casmurro, bem como Aluísio Azevedo e suas idéias naturalistas
em Casa de Pensão. Já no Período Republicano (a partir de 1889), é possível
enfatizar as contribuições do Simbolismo e do Modernismo de Graciliano Ramos em
Vidas Secas, José Lins do Rego com sua obra Fogo Morto, Rubem Fonseca e O
Caso Morel, Ivan Ângelo e seu livro A Festa, Renato Tapajós com o romance Em
Câmara Lenta e Inácio de Loyola Brandão com Zero.
28
4.1. Autores e suas obras
4.1.1. Literatura Informativa
Por volta de 1500, Portugal passava por um período de prosperidade ao
dominar as rotas marítimas com grandes navegações e descobertas. A frota de
Cabral aportou no Brasil. Trouxe consigo degredados, cronistas e navegadores.
Verificando atentamente os registros literários, verifica-se que a Literatura Brasileira
iniciou a partir desse grande fato histórico: a chegada dos portugueses às terras
brasileiras.
Esse período literário inicial constitui-se de documentos e cartas com
informações sobre as novas descobertas decorrentes das explorações marítimas.
Os cronistas e viajantes apresentavam a terra, os nativos, seus costumes e as
riquezas que poderiam ser exploradas.
Em síntese, a representação que se faz do indígena nessa literatura atesta
um confronto entre o homem selvagem e o homem civilizado. A descrição
da natureza, por sua vez, enfatiza a riqueza e a exuberância da paisagem.
Da junção desses dois elementos surgiu a visão da nova terra, considerada
um novo Paraíso Terrestre – uma porção rica do planeta, habitada por um
homem ainda não civilizado (de acordo com o conceito europeu de
civilização, é claro). (FARACO & MOURA, 1998, p. 133)
O texto escolhido deste período é a Carta de Pero Vaz de Caminha. É um
relato, em forma de carta, da terra encontrada e da viagem que a esquadra de Pedro
Álvares Cabral fez às terras brasileiras enviado ao rei D. Manuel. Nesse documento,
Caminha descreve tudo que vê e as impressões que as novidades e a descoberta
lhe causam. O relato de Caminha e os relatos posteriores são considerados textos
29
históricos e incluem-se na literatura porque alguns críticos atribuem, a certos textos,
valor histórico e o sentimento nativista.
Sobre o autor, a editora descreveu o seguinte:
Pero Vaz de Caminha nasceu provavelmente no Porto, em 1450. Cavaleiro
das casas de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I, e mestre da Casa da
Moeda do Porto (1476), cargo em que sucedeu ao pai, Vasco Fernandes
Caminha, coube-lhe redigir, como um vereador, os capítulos da câmara
portuense apresentados às cortes de Lisboa. O único escrito de Caminha
de que se tem conhecimento é a carta que dirigiu a D. Manuel I, dando-lhe
notícias sobre a terra do Brasil e pormenores da descoberta. (Martin Claret,
2003, p. 13)
Na época, as mulheres que habitavam estas terras eram as índias.
Caminha ressaltou, principalmente, as características físicas dessas mulheres: “Ali
andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, e suas
vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas cabeleiras que, de as muito bem
olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha” (CAMINHA, 2003, p. 100). O autor
acrescenta ainda:
Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas como
eles, que não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma coxa, do
joelho até o quadril, e a nádega, toda tinta daquela tintura preta; e o resto
tudo, da sua própria cor. Outra trazia ambos os joelhos, com as curvas
assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas e com
tanta inocência descobertas, que nisso não havia vergonha alguma.
Também andava aí outra mulher moça, com um menino ou menina ao colo,
atado com um pano (não sei de quê) aos peitos, de modo que apenas as
perninhas lhe apareciam. Mas as pernas da mãe e o resto, não traziam
pano algum. (CAMINHA, 2003, p. 105)
Percebe-se que nenhuma mulher viajou com a esquadra. Quando o
escrivão lembra da mulher européia é apenas para usá-la como termo de
comparação.
30
4.1.2. Barroco
Portugal, a metrópole, passava por um período tensa em que a Igreja
Católica se via abalada pela Reforma de Martinho Lutero e buscava com a ContraReforma retomar a estabilidade.
Inicia-se uma fase de conflitos humanos em que não se sabe o que
prevalece, se é a força do homem ou a força de Deus.
Nesse período, desenvolve-se o Barroco na Europa (final do século XVI e
início do século XVII). Como colônia de Portugal, o Brasil copiava as tendências
literárias vindas da Europa. Aqui, o Barroco aconteceu entre os séculos XVII e XVIII.
Doutra perspectiva, o Barroco mergulha raízes na própria cultura
renascentista, na medida em que os padrões medievais não haviam
desaparecido de todo curso do século XVI: geralmente subterrâneas, e por
vezes mescladas às novas postulações culturais, conferem ao renascimento
o seu caráter bifronte. A estética barroca visava a unificar a dualidade
renascentista, formada pela coexistência de valores medievais e católicos e
das novidades pagãs trazidas pelo ressurgimento do espírito clássico. De
modo ainda esquemático, apontava o esforço de promover uma aliança
identificadora entre o teocentrismo medieval e o antropocentrismo
quinhentista, vale dizer, entre a Idade Média e a Idade Moderna. [...] A essa
dicotomia de base correspondem as características formais do Barroco: o
jogo do claro-escuro, da luz e sombra, a assimetria, o contraste, a
abundância de pormenores, o retorcido da sintaxe, as invenções
desconcertantes e cerebrinas, o rebuscamento de metáforas, a euforia dos
sentidos, em jatos sinestésicos sucessivos, a recusa do vocabulário “fácil”,
popular, o aristocratismo, o amaneiramento; e de conteúdo: a “agudeza” dos
conceitos [...] (MOISÉS, 1995, p. 59)
No Brasil, entre 1601 e 1768, desenvolvia-se o chamado Ciclo da Canade-Açúcar, que teve a Bahia e Pernambuco como grandes pólos econômico e social.
No início do século XVIII, esse pólo passou para Minas Gerais com o Ciclo do Ouro.
No Ciclo da Cana-de-Açúcar, intensificou-se o tráfico de negros na
tentativa de sanar problemas com a mão-de-obra nos engenhos. Foi um período de
grandes invasões holandesas e francesas por questões territoriais, pois era difícil o
domínio dessa grande extensão de terra que era o Brasil.
31
Existiam conflitos por questões de posse de terras e bens, cobrança de
impostos, empréstimos, entre outros. Foram feitos tratados para delimitar fronteiras.
O açúcar sofria concorrência em outros países, isto levou Portugal a uma
grave crise. Então, iniciou-se a “corrida do ouro” em que os bandeirantes, a pedido
do governo português, foram em busca de ouro e pedras preciosas no interior, em
terras pouco exploradas.
Com a descoberta, vários aventureiros debandaram-se para a região das
jazidas. O Ciclo do Ouro foi um período muito próspero para Portugal, pois todo ouro
e pedras eram levados para a metrópole, com isso cresceu o descontentamento das
pessoas que aqui moravam e tiveram início as lutas separatistas.
E foi nesse período tumultuado que se desenvolveu o Barroco brasileiro.
O padre Antonio Vieira e Gregório de Matos Guerra são os ícones principais.
E não menos interessante é o estudo da contribuição de Gregório de Matos
para aproximação entre a linguagem literária e a linguagem popular, pela
maneira como introduziu em suas composições não só palavras até então
proibidas ou vedadas ou mal-aceitas como expressões de uso comum.
(SODRE, 1976, p. 87)
A relação entre história e literatura, nesse período, acontece nos sermões
do Padre Antonio Vieira em defesa dos escravos e índios contra o uso da mão de
obra barata e da escravidão.
Gregório de Mattos, com suas sátiras e poesias criou muitas polêmicas:
Gregório de Matos era homem de boa formação humanística, doutor in
utroque jure pela Universidade de Coimbra: mazelas e azares tangeram-no
de Lisboa para a Bahia quando já se abeirava dos cinquent’anos; mas entre
nós não perdeu, antes espicaçou o vezo de satirizar os desafetos sociais e
políticos, motivo de sua deportação para Angola de onde voltou, um ano
antes de morrer, indo parar no Recife que foi sua última morada. (BOSI,
1994, p. 37)
Gregório moteja aqueles senhores de engenho que, já mestiçados de
português e tupi presumiam igualar-se em prosápia com a velha nobreza
32
branca que formaria o “antido estado” da Bahia. E é com olhos de saudade
e culpa que o poeta vê o novo mercador lusitano e os associados da colônia
ávidos de lucro e interessados em trocar por ninharias o ouro doce das
moendas. (BOSI, 1994, p. 38)
Gregório de Matos Guerra foi o grande poeta desse período. Escrevia
poesias de temáticas variadas, ora religiosas, ora líricas, mas o destaque maior foi
para a poesia satírica, a quem deve o apelido de “Boca do Inferno”.
Foi tumultuada a vida do poeta baiano que um biógrafo chamou-a de “vida
espantosa”.
Como filho de senhor de engenho, Gregório pôde estudar em Portugal, para
onde se mudou aos 14 anos de idade. Lá passou trinta e dois anos,
prósperos e tranqüilos.
Retornou ao Brasil em 1682, nomeado par funções na burocracia
eclesiástica da Sé da Bahia.Durou pouco no cargo, do qual foi destruído em
1683. iniciou-se, então, a última fase de sua vida. O casamento com Maria
dos Povos, a quem dedicou belíssimos sonetos, não impediu a decadência,
social e profissional, do Dr. Gregório. Ficou famoso em suas andanças e
pândegas pelos engenhos do Recôncavo. Mais famosas ainda eram suas
sátiras. Talvez por causa delas, foi deportado para Angola, em 1694. Pôde
retornar ao Brasil, no ano seguinte, mas para o Recife, onde morreu aos 59
anos de idade. (AMARAL et alii, 2000, p. 77)
A mulher aparecia nas poesias líricas de uma forma mais idealista do que
real. Eram sonetos para um grande amor, para uma mulher idealizada, e ainda uma
mulher descrita como deusa. Como a mulher não aparecia em feições ou situações
reais, não se sabe se desempenhavam alguma função diferente de dona-de-casa,
esposa e mãe. “Não vi em minha vida a formosura,/ Ouvia falar nela cada dia, E
ouvida me incitava, e me movia/ A querer ver tão bela arquitetura.” (MATOS, 1997,
p. 47)
Observa-se que o poeta, todavia, não estava alheio à realidade de sua
época, uma vez que os poemas mostram sua preocupação com a Bahia e os
desmandos feitos por lá. A mulher parece sem importância, a não ser por sua beleza
na poesia lírica e nas poesias satíricas quando é hostilizada e ridicularizada.No
poema intitulado A outra freira que mandou ao poeta um chouriço de sangue: Com
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que este chouriço gordo/ tão gordo, e especiado/um filho vosso é criado/ co sangue
do vosso tordo:/ porém tomou mau acordo,/ quem quer que o empapelou,/ e a darmo vos obrigou/ pois não tem caminho enfim/ mandares-me o filho a mim,/ que outro
pai vos encaixou. (MATOS, 1997, p. 76)
Em várias poesias, Gregório cita os mesmos nomes de mulher como
Ângela, cujo nome deriva de anjo, angelical, algo divinizado: “Ontem a vi por minha
desventura/ Na cara, no bom ar, na galhardia/ De uma Mulher, que em Anjo se
mentia,/ De um Sol, que se trajava em criatura.” (MATOS, 1997, p. 47)
É notável que todas as vezes em que o poeta fala de amor e da mulher
suas palavras são amáveis, diferentes daquelas palavras que lhe fizeram herdar tal
apelido já citado: “Dizem, que da clara escuma,/ dizem, que do mar nascera,/ que
pegam debaixo d’água,/ as armas, que Amor carrega.” (MATOS, 1997, p. 101)
Nunca da vossa dureza/ dor alguma se esperou:/ porque aonde amor
faltou,/ falta a lei da natureza:/ logrei na vossa beleza/ os bens, que me
dispensastes,/ enquanto a ira aplacastes/ do mar dessa formosura, que não
dá bens a ventura, Sem que padeçam contrastes. (MATOS, 1997, p. 81)
4.1.3. Arcadismo
Durante o Ciclo do Ouro, Período Colonial, desenvolveu-se no Brasil o
Arcadismo (1768-1836), quando o Brasil tinha como capitais Minas Gerais(centro de
extração de minérios) e Rio de Janeiro (centro de escoamento de mercadorias) e
sob grande influência do ciclo do ouro e do descontentamento com os mandos e
desmandos da metrópole.
De acordo com SODRÉ (1976, p. 107): Arcadismo é um termo que deriva
de Arcádia, uma região da Grécia onde viviam pastores chefiados pelo deus Pã e
dedicavam-se, além do pastoreio, à poesia. Posteriormente, passou a ser conhecido
34
também como Neoclassicismo e designa as academias literárias e os escritores que
tinham como característica o retorno ao clássico e adotavam a simplicidade e o
bucolismo.
Desse período, destacamos o poeta Tomás Antonio Gonzaga com sua
obra Marília de Dirceu:
Em Marília de Dirceu, obra composta de liras, o poeta, transformado em um
eu-lírico pastor (Dirceu), mostra-nos sua paixão por Marília. A obra divide-se
em duas partes. a) A primeira contém confidências amorosas, descrições da
amada, planos e sonhos de felicidade conjugal. b) Na segunda parte
agrupam-se os poemas escritos no cárcere, revelando sofrimento físico e
moral do poeta. (FARACO & MOURA, 1998, p. 170-171)
O poeta é, sem dúvida, um dos mais lembrados do Arcadismo. Escreveu
outra obra muito importante, Cartas Chilenas, em que utiliza a sátira de fatos reais
daquela época:
E existia em Gonzaga, fora de qualquer dúvida, o verdadeiro talento, a
capacidade de traduzir em versos os seus sentimentos. Foi a qualidade que
o salvou dos males do arcadismo, que lhe permitiu a eternidade. Mesmo
descrevendo cenas a que a escola obrigava, as campestres por exemplo,
existe em Gonzaga o sentimento íntimo e a naturalidade da expressão
capazes de neutralizar aquela subordinação, que não deixava de estar
presente e que, por isso mesmo, transparece em todos os seus versos.
(SODRÉ, 1976, p. 115)
Seguindo a mesma linha dos escritores até então, a mulher continua
figurando nos poemas apenas como um ser de extrema beleza, uma deusa, objeto
de um grande amor e, no caso dos árcades, uma pastora fictícia, pois na verdade
não tinham nenhum envolvimento com o campo a não ser nas palavras do poeta.
Gonzaga, tal como a maioria dos árcades, idealiza a mulher, no entanto
de uma forma mais racional e objetiva, resgatando a pureza existente no amor e
enaltecendo o equilíbrio e a segurança que o amor e a mulher trazem ao ser amado:
Mas tendo tantos dotes de ventura,/ Só apreço lhes dou, gentil Pastora,/ Depois que
35
o teu afeto me segura/ Que queres do que tenho ser Senhora./ É bom, minha Marília
é bom ser dono/ De um rebanho, que cubra monte e prado;/ Porém, gentil pastora, o
teu agrado/ Vale mais que um rebanho e mais que um trono. (GONZAGA, 2002, p.
14)
4. 1. 4. Romantismo
Entre os anos de 1836 e 1881, foi o Romantismo que predominou como
escola literária, surgindo após três importantes fatos históricos mundiais: a
Revolução Industrial que impulsionou avanços tecnológicos nas indústrias, a
Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos que despertaram novos
ideais para alguns intelectuais que moravam fora do Brasil.
[...]o Romantismo expressa os sentimentos dos descontentes com as
novas estruturas: a nobreza, que já caiu, e a pequena burguesia que ainda
não subiu: de onde, as atitudes saudosistas ou reivindicatórias que pontuam
todo o movimento.. (BOSI, 1994, p. 91)
O Brasil, egresso do puro colonialismo, mantém as colunas do poder
agrário: o latifúndio, o escravismo, a economia de exportação. E segue a
rota da monarquia conservadora após um breve surto de erupções
republicanas, amiudadas durante a Regência. (BOSI, 1994, p. 92)
[...] Há em todo o período um nacionalismo crônico e às vezes agudo, que
ao observador menos avisado pode parecer traço bastante para unificar e
definir a cultura romântica. De Magalhães e Varnhagen a Castro Alves e
Sousândrade, dos indianistas e sertanistas aos condoreiros, transmite-se o
mito da terra-mãe orgulhosa do passado e dos filhos, esperançosa do
futuro. (BOSI, 1994, p. 154)
A vinda da família real trouxe mudanças significativas para a
emancipação política e social do país como a abertura de portos, a fundação do
Banco do Brasil e o advento de indústrias.
Devido ao cultivo de café, à vinda da família real e às mudanças sociais
significativas, o eixo econômico passou de Minas Gerais para São Paulo. Assim,
36
intensificaram-se as lutas pela emancipação política. Isso despertou nos escritores o
patriotismo como relatam:
No Brasil, o período romântico deve ser compreendido paralelamente ao
processo de emancipação política.
Dois princípios orientaram os escritores da época: o desejo consciente de
enfatizar o orgulho patriótico e a intenção de criar uma literatura
independente e diferente da portuguesa. Por isso, costuma-se dizer que a
literatura romântica no Brasil equivaleu, no plano cultural, ao que a
proclamação da Independência representou no plano político. (FARACO,
MOURA, 1998, p. 217)
O Romantismo foi a corrente literária posterior ao Arcadismo. Inovadores,
os autores buscavam, por meio de suas palavras, valorizar algo que fosse
tipicamente nacional: a pátria, a natureza e o índio, além do amor e da religião.
Popularizou o romance enquanto gênero, dentre outras contribuições.
Esse período apresenta inúmeros poetas e romancistas, dos quais se
destaca José de Alencar e a sua obra Senhora, cuja personagem feminina Aurélia
será objeto desse estudo.
O livro conta a história de Aurélia Camargo, uma jovem pobre de 18 anos
que recebe inesperadamente a herança do avô. Com a herança, ela compra um
antigo amor que a havia rejeitado porque era pobre. Os dois vivem um casamento
de mentiras e fingimentos durante 11 meses, até Seixas devolver o valor do dote e
pedir sua liberdade. Nesse momento, Aurélia declara seu amor e passam a viver um
casamento feliz. O casamento por interesse, prática comum na época, é
demonstrado na obra que está dividida em quatro partes: Preço, Quitação, Posse e
Resgate.
Nesse romance, Alencar mostra a mulher em sua beleza, porém não mais
uma mulher submissa e bela, mas sim, uma mulher capaz de lutar por seus direitos
e demonstrar ao homem que não é tão frágil quanto imagina. Aurélia mostra-se uma
37
grande articulista ao planejar todo o destino de seu amado Seixas e descobrir os
interesses financeiros dele.
[...]Se admitirmos que é o fato de o jovem Seixas casar-se pelo dote, em
virtude da educação que recebera, damos a Alencar o crédito de narrador
realista, capaz de pôr no centro do romance não mais os heróis Peri e
Ubirajara, Arnaldo e Canho, mas um ser venal,inferior. O que seria falso,
pois o fato não passava de um recurso: o equilíbrio, perdido em termos de
visão romântica do mundo, vai-se restabelecer porque Alencar arranjará
uma solene redenção fazendo Seixas resgatar-se na segunda parte da
história. O passo dado em direção ao romance de análise social fora uma
concessão – logo mudada em crítica – à mentalidade mercantil que
repontava no fim do Império. Mentalidade que o escritor rejeita quando vem
à tona a vileza crua do interesse, mas não quando enevoada pelos fumos
de requinte aristocrático: a glória dos salões, o luxo das alcovas, a pompa
dos vestuários. (BOSI, 1994, p.139-140)
Essa obra é romântica porque descreve a beleza dos salões e bailes,
idealiza o amor e a mulher. É realista, porém, se observarmos que há uma crítica à
sociedade, que arranjava casamentos conforme lhe fosse conveniente, como um
meio de ascenção social.
No romance Senhora, José de Alencar reproduz, por meio de sua
personagem feminina Aurélia, uma das características da época – o casamento por
interesse – ou as mulheres carregavam grandes dotes, ou era interessante unir
famílias de nomes influentes, ou ainda, homens compravam suas esposas. No caso
de Aurélia, seria o contrário, ela comprou o marido.
Alencar usa de artifícios para articular o enfoque de seu livro: o
casamento de interesse. Para isso fala da beleza e formosura de Aurélia e, ao
mesmo tempo, revela a insegurança da própria personagem que pensa que todos a
acham bonita porque é rica.
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Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.
Desde o momento de sua ascenção ninguém lhe disputou o cetro; foi
proclamada a rainha dos salões.Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos
poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade. Era rica e formosa.
Duas opulências que se realçam como a flor em vaso de alabastro; dois
esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante.[...]
[...]Assaltada por uma turba de pretendentes que a disputavam como o
prêmio da vitória, Aurélia, com sagacidade admirável em sua idade, avaliou
da situação difícil em que se achara, e dos perigos que a ameaçavam.
Daí provinha talvez a expressão cheia de desdém e um certo ar provocador,
que erriçavam a sua beleza aliás tão correta e cinzelada para a meiga e
serena expansão d’alma. Se o lindo semblante não se impregnassse
constantemente, ainda nos momentos de cisma e distração, dessa tinta de
sarcasmo, ninguém veria nela a verdadeira fisionomia de Aurélia, e sim a
máscara de alguma profunda decepção. (ALENCAR,s.d., p. 155-156)
O autor faz uma crítica à sociedade que cria normas a serem seguidas,
sejam elas preconceituosas ou não, como a submissão da mulher que deveria ser
educada para o casamento e não podia se emancipar. “Mas essa parenta não
passava de mãe de encomenda, para condescender com os escrúpulos da
sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha admitido ainda certa
emancipação feminina”. (ALENCAR, s.d., p.155)
Aurélia era irônica e dona de si. Acreditava que conseguiria tudo só por
causa da sua riqueza e fazia sempre tudo a seu modo. Não se achava romântica,
pois não ficava sonhando com seu futuro, ou um “príncipe”. Pelo contrário ela diziase “brilhante”, pois tinha o dinheiro que tudo pode.
-Há vejo que a senhora não é nada lisonjeira. Está desmerecendo nos meus
“dotes”, acudiu a menina sublinhando a última palavra com um fino sorriso
de ironia. Então sabe D. Firmina, que eu tenho um “estilo de ouro”, o mais
sublime de todos os estilos, a cuja eloqüência arrebatadora não se resiste?
As que falam como uma novela, em vil prosa, são essa românticas e pálidas
que se andam evaporando em suspiros; eu falo como um poema: sou a
poesia que brilha e vislumbra. (ALENCAR, s.d., p. 159)
Alencar chegou a comparar a mulher ao homem, quando expôs a frieza
de Aurélia.
Era uma expressão fria, pausada, inflexível, que jaspeava sua beleza,
dando-lhe quase a gelidez da estátua. Mas no lampejo de seus grandes
39
olhos pardos brilhavam as irradiações da inteligência. Operava-se nela uma
revolução. O princípio vital da mulher abandonava seu foco natural, o
coração, para concentrar-se no cérebro, onde residem as faculdades
especulativas do homem. (ALENCAR, s.d., p. 163)
A mulher não é descrita apenas pela beleza com que é caracterizada,
mas pelo fato de demonstrar inteligência. ”Era realmente para causar pasmo aos
estranhos e susto a um tutor a perspicácia com que a moça de dezoito anos
apreciava as questões mais complicadas.” (ALENCAR, s.d., p. 164)
Alencar denuncia ainda o casamento em que o noivo era escolhido pelos
pais da moça. A mulher não era livre nem para escolher a pessoa que lhe
acompanharia pelo resto da vida.
- Dezenove? Cuidei que ainda não os tinha feito!... Muitas casam-se desta
idade, e até mais moças; porém quando não têm o paizinho ou a mãezinha
para escolher um bom noivo e arredar certos espertalhões. Uma menina
órfã, inexperiente, eu não lhe aconselharia que se casasse senão depois da
maioridade, quando conhecesse bem o mundo. (ALENCAR, s.d., p. 164)
Novamente, o autor faz alusões a certos preceitos que a mulher deveria
seguir, mas que pouco se preservavam. Mais um sinal de que não apenas a
sociedade mudava, mas as mulheres também.
Felizmente D. Camila tinha dado a suas filhas a mesma vigorosa educação
que recebera; a antiga educação brasileira, já bem rara em nossos dias,
que, se não fazia donzelas românticas, preparava a mulher para as
sublimes abnegações que protegem a família, e fazem da humilde casa um
santuário. (ALENCAR, s.d., p. 174)
Aqui o papel da dominação inverte-se. Seixas está submisso à Aurélia,
que tem dinheiro. A tortura psicológica que ela lhe causa chega a perturbá-lo quando
está na sua presença.
40
O autor chega a expor de forma simbólica, o momento em que a mulher
deixa de ser moça solteira para se tornar uma mulher casada, o que muitas vezes,
não significava alegria para a mulher, mas tristeza.
A associação de dois atos tão opostos, a aurora da existência e sua
despedida; a idéia da morte a entrelaçar-se naquela mocidade tão rica de
todas as prendas; a grinalda de noiva cingindo uma fronte a desfalecer;
esse contraste era para deixar funda impressão no ânimo. (ALENCAR, s.d.,
p. 196)
Alencar expõe também a obrigatoriedade que a sociedade impunha às
mulheres “de bem”, que era ter um marido. “[...]Sou rica, muito rica, sou milionária;
precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas.” (ALENCAR,
s.d., p. 199)
José de Alencar escreveu magistralmente sobre o índio e a natureza
brasileira, mas também sobre a sociedade e seus costumes, inclusive sobre os
valores morais.
A obra de Alencar abrange os grandes temas de nossa literatura romântica,
incorporando quase todos os aspectos da realidade brasileira do seu tempo.
Essa é uma novidade. A outra, é a utilização literária de uma língua que
procurava se distanciar do português de Portugal, pela incorporação de
regionalismos e termos indígenas que aos poucos entravam no português
do Brasil. Alencar procurou traçar um perfil do homem essencialmente
brasileiro e de nossa realidade geográfica e política. As situações criadas
por Alencar são simbólicas e tinham em mira o nacionalismo na literatura.
(FARACO, MOURA, 1998, p. 254)
Nessa obra, a mulher é protagonista, Aurélia é a personagem principal,
em torno dela o enredo se desenvolve. Pode-se dizer que é uma personagem
complexa, pois são diversas as caracterizações e descrições feitas pelo autor sobre
a personagem. Realmente é algo peculiar ter uma mulher como protagonista sob a
ótica de um autor masculino, quando a mulher apenas iniciava sua luta pela
emancipação.
41
A partir do Romantismo, a mulher passa a ser “vista com outros olhos”,
pois agora participa da vida social, vai a teatros e, principalmente as burguesas,
tornam-se leitoras dos folhetins.
A literatura da época deve muito à mulher e ao estudante, segundo
Sodré, pois são eles os maiores leitores que ditam modas e preferências. Este
avanço se deu devido às alterações na vida feminina que deixou a exclusividade da
casa e da família, para freqüentar salões, teatro e a rua.
Tal egocentrismo explica a presença de um componente feminóide na
personalidade romântica, traduzida num dandismo exagerado: à Razão
clássica, opõem o sentimento; colocam as razões do coração em lugar do
racionalismo, o sentimentalismo em vez da especulação ou investigação
“científica”; cultuam a imaginação desenfreada. Introvertidos, terminam por
manifestar as incongruências próprias desembates sentimentais; jogados
entre sentimentos nem sempre coerentes, derivam para atitudes
paradoxais, anárquicas, oscilantes, peculiares à sensibilidade feminina e
dos adolescentes. (MOISÉS, 1996, p. 463)
A mulher já não vive isolada no ambiente da casa e da família. O
casamento começa a mudar, podendo a moça escolher o marido. A sociedade, que
antes era exclusivamente rural, passa a ser em grande maioria urbana e não mais é
necessário manter o patrimônio em família, por isso os casamentos mudam. O pai
não precisa escolher o marido que irá perpetuar seus bens.
Nos romances, a mulher, que se torna leitora, vê sua história retratada em
folhetins. Sentimentos femininos são retratados, mas agora, não apenas como algo
exclusivo das mulheres.
4.1.5. Realismo
Em oposição ao Romantismo e ao sentimentalismo, surge o Realismo que
prima pela razão, visando a denunciar os desequilíbrios da sociedade. Os avanços
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tecnológicos e industriais, melhorias na eletricidade, comunicações e transporte, em
grande parte, decorrem dessa nova visão de mundo.
Absorvendo idéias positivistas, os realistas posicionaram-se contra o
Romantismo, tendo como característica principal a visão objetiva do mundo,
substituindo sentimento por razão, egocentrismo por universalismo, questionando e
analisando os fenômenos da vida social.
O Realismo não foi um período longo. Ocorre no final do século XIX e
início do século XX. Vários fatos históricos foram determinantes para alterações
significativas no modo de vida dessa época como: a Abolição da Escravatura, o fim
da Monarquia, a Proclamação da República, o lançamento da 1ª Constituição na
República, instituição do casamento civil, a transformação das províncias em Estado,
substituição da aristocracia pela burguesia. O dinheiro, o capitalismo e o café
impulsionavam a indústria e a economia.
Os acontecimentos da metade do século constituem, intencionais ou não,
decorrentes das reformas ou de reflexos de reformas, o começo de uma
profunda transformação cujas proporções o tempo indicará. Valem mais
como sintomas. Mas encontram repercussão, prolongam os seus efeitos,
geram novos acontecimentos, na medida em que correspondem a
necessidades antes inexistentes na vida brasileira. Na proporção em que se
aproxima o fim do século, a transformação desencadeada na altura da sua
metade avulta e os sinais se tornam ostensivos por toda a parte, surgem
completos e acabados à simples observação. Está claro que a
transformação, na medida em que acentuasse os seus traços, teria de
refletir-se na situação das classes. (SODRÉ, 1976, p. 342)
Os textos e autores desse final do século XIX eram norteados pela
objetividade. Escrevendo de modo documental, baseados na observação dos
referenciais, tinham o compromisso com a verdade. Faziam um retrato da vida
contemporânea. Tinham como artifício, o detalhismo e a descrição minuciosa de
fatos e pessoas, de modo a demonstrar que as personagens estavam condicionadas
ao meio físico e social.
43
O autor mais expressivo do Realismo foi, sem dúvida, Machado de Assis.
De suas obras, focalizam-se, aqui, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom
Casmurro.
Machado de Assis, por ser um dos mais conhecidos autores desse
período, mas também por fazer uma profunda análise psicológica de seus
personagens,
merece
nossa
atenção.
Sua
vida
literária
acompanha
as
transformações pelas quais o país atravessa. Escrevia para ser reconhecido, algo
difícil para a época. Machado, que desempenhou várias funções antes de ser
jornalista, escrevia de maneira irônica e objetiva.
Machado de Assis não mitificou a terra nem idealizou heróis locais, embora
atuasse na época do florescimento da literatura regional. Em lugar de índios
emplumados e de falares rústicos, convocou um vago instinto de
nacionalidade, propositadamente indefinido, como legado à inventividade
dos escritores brasileiros. As mulheres dos seus romances, infecundas,
inquietas e adulterinas, conflituam-se no extremo oposto ao modelo telúrico.
São mulheres urbanas, mesmo as de origem humilde, envoltas em mistério.
Perdidos estão os homens que se abrigam nelas. (SCHULER, 2000, p. 44)
O escritor busca inspiração nas ações rotineiras do homem. Penetrando na
consciência das personagens para sondar-lhes o funcionamento, Machado
mostra-nos, de maneira impiedosa e aguda, a vaidade, a futilidade, a
hipocrisia, a ambição, a inveja, a inclinação ao adultério. (FARACO,
MOURA, 1998, p. 335)
Memórias Póstumas de Brás Cubas conta a história de Brás Cubas, um
defunto que se torna autor após a morte. Dom Casmurro é a história de Bentinho e
Capitu e de seu casamento cheio de controvérsias.
Dom Casmurro é a história, contada pelo marido, de um adultério a seu ver
cometido pela mulher... Narrado em 1ª pessoa, por um narradorpersonagem que se auto-intitula Dom Casmurro e que conta a vida de
Bentinho, o jovem que foi, este romance significou, por mais de 60 anos,
mais um exemplo de adultério feminino explorado pela literatura realista.
Entretanto, em 1960, uma professora americana, Helen Cadwel, propôs a
sua releitura, apontando Bentinho, e não a esposa, Capitu, como problema
central a ser desvendado. Desde então o romance vem sendo lido e relido,
44
com novas chaves que cada vez mais comprovam tratar-se de um enigma
elaborado pelo mestre Machado de Assis. (AMARAL et al, 2000, p. 176)
Para os realistas, o ser humano era algo a ser analisado em seus conflitos
interiores e também nas questões que envolviam a moral e os bons costumes da
sociedade.
A mulher também é analisada por meio das personagens femininas, não
tão frágeis como para os românticos, mas capazes de cometer delitos como o
adultério, buscando felicidade fora do casamento, ou de enriquecer ilicitamente. As
personagens femininas são astutas, sabem manejar situações diversas e são
desprovidas de fragilidade.
Memórias Póstumas de Brás Cubas traz a história de um defunto que
escreve suas memórias após a sua morte. Um romance com profunda inserção
psicológica em que o autor coloca teorias do Humanitismo criado por Quincas Borba
(personagem de outro livro de Machado de Assis), amigo de Brás Cubas.
As mulheres, nessa narrativa, são contrapontos importantes na vida da
personagem principal. São mulheres que extravazam sua emoção em público: “ De
pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca entreaberta, a triste
senhora mal podia crer na minha extinção. – Morto! Morto! Dizia consigo” (ASSIS,
1988, p. 06)
Machado de Assis faz também exaltação à mulher, mas criticamente, ao
contrário dos românticos: “ [...] minha sobrinha Venância, por exemplo, o lírio-dovale, que é a flor das damas do seu tempo; [...] (ASSIS, 1988, p. 07). Trata da
velhice da mulher como uma “ruína”. Não esconde mais que entre belas, há
senhoras mais velhas e mulheres de beleza menos esplendorosas. Enfim traz à
literatura uma mulher mais concreta: “[...]Tinha 54 então anos, era uma ruína, uma
45
imponente ruína.[...] Virgília tinha agora a beleza da velhice, um ar austero e
maternal; estava menos magra do que quando a vi, pela última vez[...]”
(ASSIS,1988, p.09). O autor expôs ainda o adultério da mulher e também uma
comparação entre a mulher e a natureza Pandora, a detentora do poder e temida
pelo homem.
-Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua mãe e tua inimiga.
Ao ouvir esta última palavra, recuei um pouco, tomado de susto. A figura
soltou uma gargalhada, que produziu em torno de nós o efeito de um tufão;
as plantas torceram-se e um longo gemido quebrou a mudez das coisas
externas. (ASSIS, 1988, p. 12)
Enalteceu a profissão de parteira, exclusiva das mulheres: “Nasci;
recebeu-me nos braços a Pascoela, insigne parteira minhota, que se gabava de ter
aberto a porta do mundo para uma geração inteira de fidalgos.” (ASSIS, 1988, p.
15). Expôs um homem submisso à mulher, cumprindo e satisfazendo seus desejos:
E, se era jóia, dizia isto a contemplá-la entre os dedos, a procurar melhor
luz, a ensaiá-la em si, e a rir, e a beijar-me com uma reincidência impetuosa
e sincera, mas protestando, derramava-se-lhe a felicidade dos olhos, e eu
sentia-me feliz com vê-la assim. (ASSIS, 1988, p. 24)
Machado de Assis, descreve a mulher que desde jovem trabalha para
sustentar a casa:
Era filha natural de um sacristão da Sé e de uma mulher que fazia doces
para fora. Perdeu o pai aos dez anos. Já então ralava coco e fazia não sei
que outros trabalhos de doceira, compatíveis com a idade. Aos quinze ou
dezesseis casou com um alfaiate, que morreu tísico algum tempo depois,
deixando-lhe uma filha. Viúva e moça, ficaram a seu cargo a filha, com dois
anos e a mãe, cansada de trabalhar. Tinha de sustentar as três pessoas.
Fazia doces, que era o seu ofício, mas cosia também, de dia e de noite com
afinco, para três ou quatro lojas e ensinava algumas crianças do bairro, a
dez tostões por mês. (ASSIS, 1988, p. 71)
46
Já não se trata de uma mulher endeusada e cheia de mistérios, mas de
um ser verossímil que trabalha, que é infeliz no casamento e que sonha algo melhor
para sua vida, como muitas mulheres na realidade.
Em Dom Casmurro, Bentinho e Capitu são amigos de infância e lutam
juntos para que Bentinho não vá para o seminário, pois sentiam uma grande atração
um pelo outro. O fato se consuma devido a uma promessa de D. Glória, mãe de
Bentinho. Bentinho e Capitu vivem um tempo separados. O amor não acaba, e
Bentinho, enfim, consegue com a ajuda de José Dias, o copeiro da casa, sair do
seminário. Não tarda muito e os dois se casam, assim como seu amigo de seminário
Escobar e Sancha, amiga de Capitu. As famílias tornam-se muito amigas, mas
Bentinho começa a desconfiar das feições de seu filho e dos olhares de Capitu, tudo
por causa de seu ciúme. Certo dia, Escobar morre afogado e as desconfianças de
Bentinho aumentam a ponto de revelá-la. Bentinho diz a Capitu que Ezequiel é filho
de Escobar. O casamento que já não ia bem, vê-se à beira da separação, mas para
evitar isto mãe e filho mudam-se para a Europa. Bentinho vive só, o tempo vai
passando, seus parentes vão deixando-o e, quando Capitu morre e é enterrada na
Suíça, o filho decide visitar o pai, mas as feições fazem Bentinho lembrar seu amigo
Escobar. Mesmo assim, eles se abraçam, e o leitor acaba, por fim, sem realmente
saber se houve ou não traição. Bentinho já em idade avançada narra a história e
relembra a felicidade que sentia ao lado da mulher que amou, Capitu.
Não se trata aqui de uma história exclusivamente de amor. Machado de
Assis quis trazer à tona toda a pressão psicológica pela qual passa Bentinho quando
começa a sentir ciúmes. Num lance de perspicácia, deixa que o leitor tire suas
próprias conclusões sem afirmar se Capitu cometera realmente adultério.
47
As mulheres apresentadas por Machado, nesse livro, têm características
peculiares. Capitu mostra-se altiva e nada submissa, além de inteligente e dona de
si, características que o próprio autor reconhece. “-Sinhazinha, qué caçada hoje? –
Cocadinha tá boa. – Vá-se embora, replicou ela sem rispidez. De cá! Disse eu
descendo o braço para receber duas. Comprei-as mas tive de as comer sozinho;
Capitu recusou.” (ASSIS,1982, p. 39).
Como vês, Capitu, aos quatorze anos, tinha idéias atrevidas, muito menos
que outras que lhe vieram depois; mas eram só atrevidas em si, na prática
faziam hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto, não de salto
, mas aos saltinhos. (ASSIS, 1982, p. 40)
Capitu quis que lhe repetisse as respostas todas do agregado, as alterações
do gesto e até a pirueta, que apenas lhe contara. Pedia o som das palavras.
Era minuciosa e atenta; a narração e o diálogo, tudo parecia remoer
consigo. Também se pode dizer que conferia, rotulava e pregava na
memória a minha exposição. Esta imagem é porventura melhor que a outra,
mas a ótima delas é nenhuma. Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui
particular, mais mulher do que eu era homem. (ASSIS, 1982, p. 61)
Já D. Glória, a mãe de Bentinho, e sua Prima Justina eram mulheres mais
conservadoras, guardavam o luto, tinham certos apreços à religião e o casamento
era um símbolo de fidelidade conjugal. A mãe de Bentinho, com a morte do marido,
torna-se chefe de família, ainda muito jovem.
Minha mãe era boa criatura. Quando lhe morreu o marido, Pedro de
Albuquerque Santiago, contava trinta e um anos de idade, e podia voltar
para Itaguaí. Não quis, preferiu ficar perto da igreja em que meu pai fora
sepultado. Vendeu a fazendola e os escravos, comprou alguns que pôs ao
ganho e alugou, uma dúzia de prédios, certo número de apólices, e deixouse estar na casa de Matacavalos, onde vivera os dous últimos anos de
casada. Era filha de uma senhora mineira, descendente de outra paulista, a
família Fernandes. [...] Vivia metida em um eterno vestido escuro, sem
adornos, com um chalé preto, dobrado em triângulo e abrochado ao peito
por um camafeu. (ASSIS, 1982, p. 16)
Bentinho demonstra submissão à Capitu, pois é obediente e ela exerce
certo domínio sobre ele. Além de transformá-lo, muitas vezes, em brinquedo, Capitu
48
consegue, inclusive, dominar seus sentimentos e sair-se bem usando inteligência em
qualquer situação. “[...]Capitu não se dominava só em presença da mãe; o pai não
lhe meteu mais medo. No meio de uma situação que me atava a língua, usava da
palavra com a maior ingenuidade deste mundo”. (ASSIS, 1982, p. 77). “Era justo,
calei-me e obedeci. Outra cousa em que obedeci às suas reflexões foi, logo no
primeiro sábado, quando fui à casa dela, e, após alguns minutos de conversa, me
aconselhou a ir embora”. (ASSIS, 1982, p. 124).
Nesse livro, Machado comprova que as mulheres realmente tornaram-se
leitoras: “Eram belos, e na primeira noite que os levou nus a um baile, não creio que
houvesse iguais na cidade, nem os seus, leitora, que eram então de menina[...]”
(ASSIS, 1982, p. 86)
Capitu, Sancha, D. Glória, D. Justina, todas do romance D. Casmurro são
personagens secundárias, embora Capitu seja mais expressiva não se sobressai
em caracterizações ou nas colocações do autor em relação às personagens
masculinas. Todas as personagens femininas são utilizadas para emoldurar o
protagonista Bentinho, homem que tem sua psiquê analisada por Machado de Assis.
Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, a mulher tem menor
representatividade que em
Dom Casmurro, sendo personagens
que não
acrescentam, nem causam reviravoltas nos pensamentos de Brás Cubas. Inclusive
as mulheres nessa obra têm menos importância que o Humanitismo.
4. 1. 6. Naturalismo
Muitos críticos apontam o Naturalismo como parte integrante do
Realismo, outros não. No entanto, este estudo irá visualizá-los separadamente,
49
levando em consideração que as personagens são apresentadas diferentemente
pelos autores.
Os naturalistas apresentam personagens moldados segundo as teorias
deterministas:
Aceitando uma visão predominantemente biológica do ser humano, os
naturalistas enfatizam a hereditariedade física e psicológica como
determinantes do comportamento das personagens, cuja vida interior é
reduzida a quase nada e cujo comportamento aproxima-se do
comportamento animal, pois são movidas sobretudo pelo instinto. (FARACO
& MOURA, 1998, p. 285)
A transformação da atitude realista diante da vida em um processo literário,
o naturalismo, não ocorreu por força de circunstâncias fortuitas. Enquadrado
no largo movimento racionalista da segunda metade do século XIX, traduziu
as exigências de uma sociedade em que a ascensão burguesa se
completara e denunciava as suas contradições. De uma fase em que a
burguesia e o povo estavam unidos para derrocar os últimos baluartes do
feudalismo a sociedade passara a uma fase em que a burguesia se
colocava de um lado e o proletariado de outro, fase em que a Revolução
Industrial generalizava os seus efeitos e ampliava as suas conseqüências,
para isso utilizando os elementos de acumulação a que já atingira. (SODRÉ,
1976, p. 382)
Alguns críticos vêem o Realismo e o Naturalismo como tendências
distintas, outros afirmam que o Naturalismo é uma subseqüência do Realismo. A
verdade é que algumas diferenças entre as duas existem.
[...] *a investigação da sociedade e dos caracteres individuais ocorre “de
fora para dentro”; as personagens tendem a simplificar, pois são vistas
como joguetes, títeres dos fatores biológicos e sociais que determinam suas
ações, pensamentos e sentimentos.
*ênfase na descrição das coletividades, dos tipos humanos que encarnam
os vícios, as taras, as patologias, as anormalidades reveladoras dos
parentescos entre o homem e o animal; no homem descendo à condição
animalesca em sua situação de mero produto das circunstâncias externas,
como a hereditariedade e o meio ambiente;
* o tratamento de temas a partir de uma visão determinista conduz e
direciona as conclusões do leitor e empobrece literariamente os textos.
(AMARAL, et al, 2000, p. 148)
50
O Naturalismo, na literatura, surgiu com Émille Zola. O método de
observação e experimentação foi aplicado à literatura. Para ele, o autor deveria ver e
não criar todas as personagens e fatos, que deveriam surgir após coleta de dados e
análise de suas patologias.
Desse período, o autor selecionado foi Aluísio Azevedo e sua obra Casa
de Pensão. É a história de um jovem provinciano chamado Amâncio que, após uma
vida difícil no Maranhão e de sonhar com a Corte, transfere-se para o Rio de Janeiro
para estudar e hospeda-se por um tempo na casa de Campos, sentindo-se atraído
por sua esposa, Hortência. Depois disso, vai morar na Casa de Pensão de Madame
Brizard, lugar onde muitos fatos acontecem e onde convive com pessoas de várias
personalidades. O fato é que o jovem Amâncio, acusado de um crime pelo próprio
amigo “Coqueiro”, é levado a julgamento, sendo absolvido. Inconformado com a
felicidade de Amâncio e a maledicência do povo, Coqueiro toma a arma que fora de
seu pai, dirige-se ao Hotel Paris e mata Amâncio. A mãe deste, D. Ângela, chega do
Maranhão para vê-lo e ajudá-lo no processo e descobre casualmente, numa notícia
de jornal, a foto do filho em um necrotério.
Em Casa de Pensão, a vida airada do estudante que vem do Norte para o
Rio, o ambiente pegajoso da pensãozinha onde se instala, enfim o rumor
dos jornais e da boêmia em volta do caso escandaloso em que se envolve,
formam o coro, estruturalmente superior ao desenho flácido, do
protagonista, cujas fraquezas são atribuídas desde as primeiras páginas à
herança do sangue. (BOSI, 1994, p. 190)
Aluísio Azevedo pretendeu interpretar a realidade de uma camada social
marginalizada, em franco processo de degradação, quer pela força da
pressão social, quer pelo determinismo – que o autor aceita como teoria
válida.
A cronologia da produção literária do escritor chama a atenção pelo fato de
as obras naturalistas e as românticas serem, muitas vezes, simultâneas. O
desnível de qualidade de seus romances certamente decorria da
necessidade de escrever seguidamente, fazendo concessões ao público.
Segundo a crítica, sua grande virtude reside na capacidade de retratar
agrupamentos humanos. (FARACO, MOURA, 1998, p. 317)
51
Nesse romance do século XIX, Azevedo descreve personagens
totalmente envolvidas pelo ambiente em que convivem. A pressão psicológica que o
protagonista sofre é visível, seja da parte do amigo Paiva que lhe insistia em dizer
que a família de Coqueiro não era boa coisa, seja do próprio Coqueiro, da saudade
que sentia da mãe, da faculdade para a qual não tinha vocação e também pelas
mulheres que o cercavam: Lúcia, Nini, Mme. Brizard, Hortência, Carlotinha, Amélia e
outras.
O autor demonstra já nas primeiras páginas que as tradições da
sociedade , como o casamento e o dote, que se mantinham, embora algumas
mudanças já podiam ser vistas, como a mulher gerenciando os negócios como na
passagem em que João Coqueiro fala de Mme. Brizard “Minha mulher é quem toma
conta de tudo!... E dando à voz um tom grave: - Ela é muito asseada, muito exigente
em questões de comida!“ (AZEVEDO, 1995, p. 48).
O casamento, além de ser uma das tradições, comprobatoriamente
aparece como sinônimo de saúde, como vimos historicamente.
-
O doutor, decerto, encontrará muita mulher perigosa, de quem deve
fugir como o diabo da cruz; mas terá ocasião de ver algumas raparigas
bem educadas, honestas e inteligentes. Não as vá procurar na alta
sociedade, não, que aí se escondem as piores! Mas indague-as cá por
baixo, na mediocracia, que as há de descobrir. E olhe, se quer aceitar
um conselho de amigo, case-se! Não há melhor vidinha! Estou casado
há três anos e ainda não tive um segundo de arrependimento!... Ao
menos conserva-se a saúde, desenvolve-se o espírito e trabalha-se
mais... O método, homem! O método é o segredo da existência!
(AZEVEDO, 1995, p. 46)
O autor, por meio de suas personagens, expõe o pensamento de alguns
homens sobre a mulher:
Simões principiou então a falar sobre casamento; daí passou às mulheres:
descreveu a sua indiferença por elas. Só lhes conhecia dois gêneros: A
mulher cínica e a mulher hipócrita.
52
Paiva Rocha protestava: - Havia muita mulher honesta, verdadeiros anjos
de virtude! E que deixassem lá falar! Em certas ocasiões uma boa rapariga
tinha o seu cabimento! Sim1 Quem não gostava de estética?... (AZEVEDO,
1995, p. 46)
Em várias passagens do texto, Azevedo faz menção ao amor de Amâncio
pela mãe, para ele mais que um amor fraternal. O autor coloca que há uma relação
incestuosa entre mãe e filho, o conhecido complexo de Édipo. “As poucas vezes em
que estavam juntos, o pai chegava no melhor da intimidade e Ângela se retraía,
cortando em meio as carícias do filho, como se as recebera de um amante, em plena
ilegalidade do adultério.” (AZEVEDO, 1995, p. 56).
Em pleno século XIX, surgiam questionamentos a respeito do desejo das
mulheres “- Seria ardente ou calmo? Meigo ou arrebatado? Que atitude tomaria a
bela mulher nos momentos supremos de ventura? Quais seriam as suas palavras,
as frases do seu delírio?” (AZEVEDO, 1995, p. 58). O autor expõe uma preocupação
que só viria a ser discutida profundamente anos mais tarde.
Ao mesmo tom ameno das conversas das personagens sobre a mulher, o
autor declara que a mulher sentia medo do marido e, por isso, muitas vezes,
submetia-se a seus mandos e desmandos.
Lourenço, às vezes, voltava ébrio, a cachimbar no fundo do carro, e afazer
carícias piegas à mulher, que, ao lado, chorava silenciosamente. Ela,
coitada! Tinha muito medo sempre que o via neste gosto, porque o demônio
do homem dava então para brigar [...](AZEVEDO, 1995, p. 61).
Além desses fatores, Azevedo cria mulheres ousadas, donas de si, que se
vestem como querem “[...]Aquela mulher devia ter sido um pancadão no seu tempo!
Tudo que era pescoço e ombros ainda se podia ver! Quem dera a muitas novas um
colo daqueles!...” (AZEVEDO, 1995, p. 69). Espertas, que respondem ao marido,
nada submissas “-Mas, podes perder as esperanças, que eu não morro antes de ti,
53
Mane Bocó! [...] – Ah! Supunhas que eu levaria a roer uma vida de chifre e depois
rebentava pra aí, enquanto ficavas por cá a te lamber de contente” (AZEVEDO,
1995, p. 124). E ainda, bem mais velhas que o marido “Mme. Brizard era muito mais
velha do que ele, mas, talvez por isso mesmo, fosse a esposa que melhor lhe
convinha.” (AZEVEDO, 1995, p. 67). Para a época, essas características não eram
comuns.
Na obra Casa de Pensão, há ainda alguns trechos em que o homem traz
opiniões sobre a mulher como, de acordo com (AZEVEDO,1995, p. 101), a diferença
entre as mulheres da Corte e as provincianas, segundo o autor, as primeiras
casavam-se e aquietavam-se pois conheciam a vida dos salões, de festas e da
Corte, em si; enquanto para as provincianas tudo era novidade e podiam se tornar
ambiciosas querendo muito mais do que sonhavam.
Aluísio
Azevedo
mostra
personagens
à
moda
naturalista.
Suas
personagens femininas, diga-se, são extravazadas para a época, embora muito do
que o autor escreva seja verossímil, espelha-se na realidade que o circunda.
O autor, por ter grande interesse em aglomerados humanos, traz em
nessa obra diversas mulheres, nenhuma protagonista, mas são mulheres que
representam determinados tipos de mulher, ou determinados grupos da sociedade.
Madame Brizard é uma dona de pensão, mais velha e ex-mulher de homem de
posses, Hortência é uma dona de casa recatada que não pode pensar em aventuras
fora do casamento, Amélia, a jovem que se finge de inocente para fisgar uma marido
com bons dotes, Lúcia é uma mulher que busca aventuras com jovens, mas não
consegue se desvencilhar da segurança do marido e D. Ângela, a mãe piedosa, o
anjo.
54
No entanto, são mulheres descritas pelo homem, não se sobressaem
sobre as peripécias de Amâncio.
A tendência naturalista teve um campo propício para se desenvolver, uma
vez que além das idéias positivistas e deterministas vindas da Europa, a classe
burguesa ascendia ao poder e o proletariado começa a efervecer devido à
Revolução Industrial, industrialização e as condições impróprias com as quais
tinham que trabalhar. Nesse universo, predominam personagens tipo que
representam o perfil coletivo da mulher.
O naturalismo, numa época em que a burguesia e o proletariado se
chocavam, procurava trazer à ficção, como à crítica, os novos quadros que
a existência européia apresentava, particularmente aqueles quadros
urbanos em que se desenvolvia a tremenda luta que a acumulação
capitalista proporcionava. (SODRÉ, 1976, p. 384)
4.1.7. Simbolismo
Com o fim da escravidão, o surgimento de um novo sistema servil, o fim
do Império, inovações da República, as grandes revoltas republicanas de Canudos e
Contestado. Entre os séculos XIX e XX, ocorre um movimento literário ligado à
musicalidade, que faz uso de sons e símbolos para ativar os sentidos. De origem
francesa, mas repercutindo no Brasil devido a um grande poeta chamado Cruz e
Sousa, o Simbolismo traz como características o retorno ao subjetivismo que mistura
sentimentalismo e sugestão num estágio metafísico, envolvendo um “Eu”
inconsciente e subconsciente. Tal como os parnasianos, os poetas simbolistas
primavam pela forma.
O Simbolismo, movimento essencialmente poético do fim do século XIX,
representa uma ruptura radical com a mentalidade cultural do Realismo-
55
naturalismo, buscando fundamentalmente retomar o primado das
dimensões não-racionais da existência.
Para tanto, redescobre e redimensiona a subjetividade, o sentimento, a
imaginação, a espiritualidade; busca desvendar o subconsciente e o
inconsciente nas relações misteriosas e transcendentes do sujeito humano
consigo próprio e com o mundo. (AMARAL et al, 2000, p. 90)
No Brasil, considera-se o início do Simbolismo em 1893, com a
publicação da obra Missal e Broquéis de Cruz e Sousa. Extinguindo-se em 1902,
com a morte deste autor. Aqui o movimento não foi tão expressivo quanto na
Europa.
Esse autor, é o mais representativo deste movimento no Brasil.
Sua obra transpassou para a arte, de certo modo, a discriminação social e
racial que sofrera. Só fora reconhecido após a morte, pois era incompreendido pela
crítica. O reconhecimento veio da temática e do modo como escrevia misturando
metafísica à temática da dor, da morte, do mistério.
Por terem uma visão subjetiva, os autores e as obras simbolistas
distanciam-se do referencial. A singularidade e a subjetividade de suas obras não
permitem traçar um paralelo entre referencial e literatura, por isso, aqui esse trabalho
se limita a citar que existem perfis femininos nas obras de autores simbolistas, mas a
divagação, a ênfase em linguagem carregada de simbologia, de abstrações, as
distanciam de mulheres reais.
4.1.8 Modernismo
A partir de 1902, começa a figurar, no país, o Modernismo. Com as
indústrias surge o proletariado (assalariado), aumenta o número de imigrantes:
A fase que medeia entre o declínio do Império e o irrompimento da primeira
Guerra Mundial – fato este que os historiadores consideram, com razão, o
56
encerramento do século XIX – denuncia importantes e profundas alterações
na vida brasileira. Tais alterações, que vinham afetando a estrutura
econômica e nela acabariam por frisar o contraste, que era novo, entre a
tradicional atividade agrícola, já sensivelmente modificada, e as atividades
urbanas em ascensão, particularmente industriais, acabariam por
proporcionar à classe média uma força e um papel que antes não tinha. O
aparecimento dessa classe no palco político é o fenômeno social por
excelência desse período em que o Brasil muda de fisionomia. Conjugando
os seus esforços com os de setores importantes da classe dominante, a
nova classe provocara as modificações reformistas do declínio do Império e
deflagara a República. Com o novo regime, encontra uma transitória fase de
fastígio, quando está presente no poder político, através do papel de
Floriano. Não tardará a reação, que se inicia com o governo de Prudente de
Morais e atinge o seu máximo com a “política dos governadores”, sob
Campos Sales. Os escritores participam, como elementos agora de classe
média, nos acontecimentos do tempo. Buscam formas de arregimentação,
ainda precárias. E a sua atividade através da imprensa traduz justamente a
coincidência de ser esta, em sua maioria expressiva, a intérprete dos
sentimentos da classe nova que pressiona no sentido de reivindicar o papel
que lhe cabe na vida brasileira. (SODRÉ, 1976, p. 433-434)
Juntam-se a isso, a Primeira Guerra Mundial, a revolução Russa, a crise
econômica de 1929, a crise da política cafeeira no Brasil.
Os intelectuais pretendiam criar algo tipicamente nacional, limitando a
influência da Europa nas tendências artísticas, fato até então rotineiro. As
vanguardas européias influenciaram esses intelectuais que, sustentados pelo
conhecimento de novas técnicas de expressão artística, fizeram eclodir o
Modernismo em 1922.
O ambiente que o Movimento Modernista encontrava era dos mais propícios
ao irrompimento de alguma coisa nova. Dominava-o ainda o parnasianismo,
com os poeta apegados ao soneto e os prosadores ao dicionário,
inteiramente distanciados da vida e do mundo, trabalhando fora da
realidade, na complicada elaboração de obras a que o público concedia
uma atenção superficial. Sobre essa planície é que os novos, com
estardalhaço, lançam as suas furiosas arremetidas, destruindo tudo na
passagem e não perdoando pecado algum. A tarefa principal do movimento
consistiria, sem dúvida, em destruir o existente, o dominante, o consagrado,
de vez que não consagrado senão pelo apreço de pares e dele apenas
vivia. (SODRÉ, 1976, p. 524)
Há um grande questionamento aos valores do mundo moderno e a
Primeira Guerra gera desconfiança na política, na vida em sociedade e, até mesmo,
57
nas ideologias vigentes. Segue-se a este fato, a Revolução Russa e a crise
econômica de 1929 e ainda, a 2º Guerra Mundial gerando incertezas profundas no
homem e fazendo mudar seu modo de agir, pensar e expressar-se.
A vida brasileira também se transforma, uma luta contra os elementos
coloniais, as mudanças econômicas e sociais. Inicia-se o surto industrial,
impulsionado a princípio, pelo cultivo do café. O capitalismo e as relações capitalista
como o acúmulo de dinheiro nas mãos de poucos, a abertura de créditos, o lucro.
Todos estes fatores levaram a uma grande mudança na vida social do país.
Modernismo, no Brasil, é o período que compreende as tendências
artísticas posteriores à Semana de Arte Moderna, em 1922.
Oswald de Andrade, de personalidade anarquista e irreverente, tornou-se a
personagem simbólica desse processo, não apenas por suas contribuições
pessoais, mas pela capacidade de descobrir novos talentos, de aglutiná-los
em torno de um projeto comum.
Mário de Andrade, por sua vez, simboliza a liderança mais austera e
conseqüente. (AMARAL et al, 2000, p. 22)
A Semana de Arte Moderna, uma exposição que reuniu diversos ramos
artísticos, ocorreu em fevereiro de 1922 e trouxe uma linguagem nova afinada com
as idéias vanguardistas. Os modernistas, a partir desse evento, atingiram seu
objetivo que era chocar a burguesia, embora caíssem em contradição, pois quem
lhes financiava eram os cafeicultores.
As novas tendências apareciam timidamente com alguns textos
publicados com inovações na linguagem, algumas obras de artistas plásticos. Não
demorou para que a crítica discordasse do que ocorria.
Os artistas divulgavam suas obras em revistas e dividiam-se em grupos
por defenderem pontos de vista diferentes. Organizavam manifestos de acordo com
os ideais e as tendências de cada um.
58
A geração modernista de 22 busca destruir os modelos tradicionais
românticos e pôr fim à rigidez da norma. Os autores são fortemente influenciados
pelas vanguardas, e que misturam nacionalismo para criar expressões artísticas
autônomas. Como principais características estão: verso livre, mistura entre prosa e
poesia, uso da ironia, utilização de linguagem coloquial. Dentre os autores deste
período destacam-se Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira.
A
geração
modernista
de
1930-1945
é
caracterizada
pelo
amadurecimento das idéias e a junção de elementos tradicionais e modernos.
[...] Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade – Cecília Meireles,
Murilo Mendes e Jorge de Lima integram a geração de 30, cuja produção
poética tem como característica fundamental a conciliação entre elementos
da tradição e elementos da modernidade, nacionalismo e universalismo.
Em 1942, numa espécie de “balanço” da Revolução Modernista de 1922,
Mário de Andrade ressalta três grandes conquistas dela decorrentes: “o
direito permanente à pesquisa estética, a atualização da inteligência
artística brasileira e a estabilização de uma consciência criadora
nacional.”(AMARAL et al, 2000, p. 265)
Essa fase consolidou o Modernismo. Foi um período marcado por uma
Grande Guerra, a Segunda, e pelas revoluções Tenentista, Coluna Prestes,
Constitucionalista e todo o período Getulista.
Dentre as características literárias, há uma conciliação entre nacional e
universal, e os escritores possuem uma grande percepção do tempo em que vivem e
da necessidade de transformá-lo.
A partir de 1945, as idéias da 3ª geração modernista é que prevalecem.
O Brasil e seus autores vão delineando uma literatura livre de normas,
formas e tradicionalismos tanto estéticos como na linguagem e nos temas. A arte
regional e popular passa a ser valorizada. Há uma proposição de valorização da
linguagem, da vida social, num compromisso entre arte e realidade. Os escritores já
não podem ser enumerados, pois são muitos.
59
4.1.8.1. Vidas Secas e Sinhá Vitória
Da geração de 30–45, destaca-se Graciliano Ramos e sua obra Vidas
Secas. Conta a história de uma família de retirantes nordestinos que caminha sem
rumo à procura de melhores condições de sobrevivência, de preferência longe da
seca. Sendo o autor um cidadão preocupado com a realidade social do seu tempo,
descreve em muitos de seus livros aquilo que vê na própria vida.
No livro Vidas Secas, Graciliano Ramos dedica um capítulo exclusivo à
personagem feminina “Sinhá Vitória” de Vidas Secas. O autor demonstra a mulher
judiada pela seca, uma mulher com altivez de espírito, mas fraqueza física, que
resistia a uma vida “desgraçada” pela seca e pela fome. Quando sinhá Vitória se
arruma para uma festa é vista como ridícula pelo marido; mas quando o marido
gasta o pouco que consegue ganhar em bebedeiras, ela impunha sua opinião
malfadando o marido e fazendo suas solicitações.
[...] Pensou na cama de varas e mentalmente xingou Fabiano. Dormiam
naquilo, tinham-se acostumado, mas seria mais agradável dormirem numa
cama de lastro de couro, como outras pessoas.
Fazia mais de um ano que falava nisso ao marido. Fabiano a princípio
concordara com ela, mastigara cálculos, tudo errado. [...] Como não
entendessem, Sinhá Vitória aludira, bastante azeda, ao dinheiro gasto pelo
marido na feira, com jogo e cachaça. (RAMOS, 1981, p. 40)
Olhou de novo os pés espalmados. Efetivamente não se acostumava a
calçar sapatos, mas o remoque de Fabiano molestara-a Pés de papagaio.
Isso mesmo, sem dúvida, matuto anda assim. Para que fazer vergonha a
gente? Arreliava-se com a comparação. (RAMOS, 1981, p. 43)
4.1.8.2. As Mulheres de Fogo Morto
Do mesmo período, seleciona-se ainda Fogo Morto de José Lins do Rego.
Obra peculiar, dita do ciclo da cana-de-açúcar, já que trata da vida nos engenhos da
60
época. Foi dividida em três partes: a primeira conta a vida de José Amaro agregado
do engenho de Lula de Holanda. José Amaro é um homem desgraçado, pois o povo
acredita que ele se transforma em lobisomem. Além disso a mulher não o suporta
(acaba abandonando-o), filha Marta enlouquece. Na segunda parte, o autor narra a
vida no Engenho Santa Fé de propriedade do coronel Lula de Holanda, casado com
dona Amélia. Lula, que nada quer com o trabalho, acaba colocando o engenho na
miséria. E a terceira parte traz a história de Vitorino Carneiro da Cunha, homem que
tem sede de justiça e adora fazer política, além de desafiar quem quer que fosse.
No enredo deste romance, que possui uma pluralidade de perspectivas que
vão do coronel decadente ao seleiro derrotado, conta-se assim a
decadência dos engenhos açucareiros do Nordeste, os problemas do
latifúndio, do coronelismo, da seca, do cangaço e das violências policiais e
políticas. (AMARAL et al, 2000, p. 287)
A mulher, tal qual na obra de Graciliano, é um ser sofrido que, muitas
vezes, tem que obedecer ao marido ríspido e seco, além de ter que suportar as
dores que a vida traz, como a doença de um filho, a vida desgraçada pela pobreza.
Mesmo diante de tudo isso, existem mulheres corajosas como Sinhá, esposa de
José Amaro que, após mandos e desmandos e após ver a filha maltratada,
abandona-o. Ela não se intimida e desacata o marido na frente de estranhos. A favor
dos filhos, põe-se contra o marido. “ – Cala a boca, Zeca! A gente não está aqui para
ouvir besteira”[...]“Deixa a menina, Zeca! Vai bater sola.” (REGO, 1977, p. 5-7)
Os homens são os coronéis, os cabras-macho do sertão. As mulheres,
porém, não se abatiam, eram opiniosas e chegavam a satirizar a figura do valentão.
A mulher conversa com outros homens, embora ainda pressionada pela presença e
os olhares do marido. “ – O compadre também não cria juízo! – Mais do que tenho,
minha comadre, só mesmo se fosse monge. – E deu uma risada estrondosa. O
61
mestre José Amaro, de cara fechada, era como se não escutasse[...]” (REGO, 1977,
p. 22)
D. Amélia era das poucas na região que pôde estudar e aprender a tocar
piano. Mas mesmo assim, o sonho, a conveniência e as regras sociais fizeram-na
casar-se, assim como D. Adriana e Sinhá que se cansara da miséria. Acreditavam
que mudariam sua vida. As mulheres vivem nas condições mais adversas. D. Amélia
passa de uma vida de regalias em que as escravas faziam tudo, a dona de casa que
cria calos nas mãos, assim como sua mãe que, com a morte de seu pai Tomás, tem
que assumir o engenho. “O Santa Fé não seria aquele da saúde do Capitão Tomás,
mas ia andando com a energia da mulher de expediente de homem. Aquilo dera o
que falar. Com um genro dentro de casa, a velha Mariquinha preferia ser o homem
da família.” (REGO, 2000, p. 158).
A mulher era tratada como um objeto. Ao não atender os desejos e
vontades do dono era mandada embora. “- Como eu ia lhe dizendo, compadre, para
se tratar com mulher, só com chicote. [...] Quinca do Engenho Novo pegou a dele,
amarrou num carro de boi e mandou largar a bicha na bagaceira do sogro.” (REGO,
2000, p. 215)
No Modernismo, a caracterização da mulher segue a linha do autor, de
acordo com a geração em que se enquadra. Nos romances das décadas de 30,40 e
50 temos Sinhá, de Fogo Morto e Sinhá Vitória, de Vidas Secas que representam as
nordestinas, retirantes que passam pela miséria da seca e da decadência da canade-açúcar. Não são os protagonistas. Novamente o homem é o personagem
principal, mas são humanizadas e mais próximas de um mundo real da sociedade
vigente, dando credibilidade a estas personagens diante do leitor.
62
O autor expôs as mulheres dos engenhos desde as escravas até as
senhoras dos donos de engenho, todas com algum sofrimento, alguma mágoa, mas
todas elas têm em comum uma vida sem perspectivas, no ambiente do marido.
4.1.8.3. O Caso Morel e suas Mulheres
Alguns romances foram considerados para representar um período
perturbador da História brasileira recente, inclusive, o período da ditadura militar
(1964-1985). São eles: O Caso Morel de Rubem Fonseca, A Festa de Ivan Ângelo,
Em Câmara Lenta de Renato Tapajós e Zero de Inácio de Loyola Brandão.
O Caso Morel de Rubem Fonseca conta a história de um artista “Paul (ou
Paulo) Morel que tem a vida conturbada e não aceita as normas impostas pela
sociedade e pelo mundo, acaba preso por um crime que não se sabe se cometeu, e
é assessorado por Vilela, um escritor que aconselha Morel e o ajuda a escrever um
livro na prisão.
Em meio à história, estão envolvidas muitas personagens, dentre elas três
mulheres que viveram juntas com Morel. Num casamento moderníssimo, vivem
conjugalmente os quatro, Morel, Ismênia, Carmem e Joana. Ismênia era artista
plástica, Carmem é modelo e prostituta e tem um filho. Joana era o grande amor de
Paul. Outras mulheres também fizeram parte da história de Paul, que levava uma
vida entre arte e sexo.
A vida dessa família moderna transcorria normalmente, na medida do
possível, até Joana ser encontrada morta na praia e Morel ser preso como o
principal suspeito do crime. Na prisão, Vilela assessora Morel a desvendar o crime e
a escrever um livro.
63
Em O Caso Morel, as mulheres descritas por Rubem Fonseca são
desprovidas de pudor ou de qualquer romantismo. São personagens concretas que
podem ser encontradas na vida real. Carmem, modelo, também se prostituía após
ter sido estuprada pelo cunhado: “Meu filho é filho do homem que é casado com a
minha irmã”. (FONSECA, 1995, p. 80) ou Joana que gostava de “sexo animal”,
sentia prazer quando apanhava: “Apoiado na mão direita, dei um tapa com a
esquerda no rosto de Joana. Joana fechou os olhos, o rosto crispado, não emitiu um
som sequer.[...] Bati com violência. Joana deu um gemido lancinante. Continuei
batendo, sem parar.” (FONSECA, 1995, p. 07). Ou ainda Ismênia, uma pintora que
aceita viver um casamento a quatro: “[...] apenas porque não sei dizer,
simplesmente: você quer vir morar na minha casa com outras mulheres – uma puta,
uma jeune fille com pendores artísticos e uma grã-fina que não sei se topará...”
(FONSECA, 1995, p. 86)
Também Elisa Gonçalves, uma colunista social, rica, bem-sucedida,
casada, que vive uma aventura com Morel fora do casamento. Mulheres
consideradas “normais” para a atualidade.
As personagens femininas dessa obra são secundárias. Ismênia, Carmem
e Joana representam, respectivamente, artistas, modelos e prostitutas, como
espécies de personagens-tipo.
4.1.8.4. A Festa e a Mulher
Ivan Ângelo, em seu livro A Festa, narra episódios de repressão, caos e
desordem vividos nos anos 70.
64
A narrativa é formada de recortes e flash-backs. Inicia com a chegada de
retirantes a São Paulo e um princípio de tumulto em que um jornalista, pai de família,
é acusado de subversivo, quando na verdade estava lá para fazer uma matéria para
um jornal. Entre idas e vindas, o caso acaba parando numa festa, em um
apartamento, onde se reúne uma juventude psicodélica, drogada, transloucada, mas
que luta por liberdade.
Assim como Rubem Fonseca, Ivan Ângelo traz personagens femininas
concretas, como as mulheres retirantes, donas de casa, mães de família, amantes,
trabalhadoras, são personagens que representam mulheres reais. São secundárias,
caracterizadas também como tipos. São descritas sob a perspectiva masculina.
Além disso, o autor expõe por meio de questionamentos e afirmações a luta das
mulheres pela emancipação e igualdade de gêneros.
Alguém afirmava uma coisa, o escritor protestava, dizia que era ridículo, ela
não sabia exatamente o que era ridículo, concordava. Aprendia também
frases como: a mulher não pode ficar marginalizada. Em 62, era uma das
duas frases preferidas. (ÂNGELO, 1995, p. 59)
Cabelo comprido e minissaia. Se tivéssemos proibido, se todas as mães do
mundo tivessem proibido essa liberdade quando começou, protegido os
corpos de nossos, filhos, se tivéssemos proibido que eles se juntassem para
aquelas danças de uns anos atrás eles não estariam assim, loucos, se nós
todas tivéssemos proibido a pílula, proibido que se falasse em pílula nos
jornais, meu Deus, se eu tivesse uma filha eu acho que eu morria de
preocupação, ficava doida, ter de olhar dentro da bolsa, ler as cartas
escondidas, ouvir as conversas, proibir certas leituras , se tivéssemos
proibido que tirassem a roupa nos teatros, nos cinemas, nas praias, esses
hippies sem-vergonha fumando maconha e fazendo sem-vergonhices
pelados na frente dos fotógrafos[...] (ÂNGELO, 1995, p. 102-103)
4.1.8.5. Em Câmara Lenta e a Mulher Guerrilheira
Em Câmara Lenta traz uma reflexão sobre um período de grande tensão
na história brasileira. Demonstra as expectativas, as esperanças, tudo o que
65
envolvia o movimento de guerrilha. O enredo traz o anseio de jovens estudantes de
modificar a política e a realidade brasileira. Organizando-se por meio de movimentos
estudantis e agremiações, muitas pessoas tentam, na clandestinidade, acabar com o
regime ditatorial vigente, no entanto, acabam sofrendo com as barbáries da censura
na época. Alguns acabam presos, outros exilados, muitos mortos e torturados.
Nesse romance, a mulher aparece como uma ativista dos movimentos de
guerrilha. Ela, inclusive, apresenta-se disposta a matar ou morrer para sobreviver.
Não vive mais na conveniência de um casamento. “Ele sorriu involuntariamente ao
notar que o velho tinha dito “vocês”, aceitando tacitamente, diante da crise, aquela
ligação entre eles.” (TAPAJÓS, 1979, p. 98), luta por liberdade e idéias de esquerda
que favoreçam a diversas formas de expressão.
A mulher é descrita em sua delicadeza, empunhando armas e
demonstrando força e segurança. “Ela se levantou sem pressa, segurando o revólver
quase com carinho.” (TAPAJÓS, 1979, p. 37). Descreve também, que na hora da
prisão e da tortura não há distinção, a mulher sofre tanto ou mais que o homem.
Enquanto a perua rompia o silêncio da madrugada, intimidando os que a
viam passar, os policiais em seu interior espancavam a prisioneira, gritando-lhe as
obscenidades mais sujas que conseguiam lembrar-se. “[...] No rosto, o sangue
começava a brotar pelo nariz e do canto dos lábios. Mas ela não gritou nem mesmo
gemeu. [...]”(TAPAJÓS, 1979, p. 144).
A personagem, nessa obra, pode ser caracterizada como tipo, no entanto
não representa, individualmente, um grupo de mulheres, ou a mulher de modo geral.
A personagem feminina representa a mulher do povo que luta por democracia e
igualdade, mas o autor não aborda em nenhum momento a mulher como
protagonista. Assim, pode-se dizer que se trata de uma mulher diferente dos anos
66
20, por exemplo, que, sob a ótica masculina, ainda não se sobressáia como
representante de uma classe.
4.1.8.6. Zero e a Mulher
A obra Zero de Inácio de Loyola Brandão traz também a problemática do
período militar (1964-1985) em que a repressão, a censura e a tortura dominaram as
ações políticas e sociais.
A história ocorre em torno da personagem José que, ainda garoto,
trabalhava no cinema com o ofício de apanhar ratos. José acaba conhecendo Rosa
com quem passa a viver. Em meio a essa história, o autor retrata acontecimentos
reais do país e da América Latina, lugar que chamou América Latíndia, onde os atos
de guerrilhas, ou qualquer ato suspeito dos chamados “comuns” era repreendido.
José, por insistência de Rosa, que queria ter uma casa só sua, acaba roubando e
matando com intuito de arrecadar dinheiro para compra da casa. Tentara conseguir
empréstimos, financiamentos por meios legais. Como não conseguiu, resolveu
roubar. Conheceu Gê, o líder da guerrilha e passou a acobertá-lo, participar de
assaltos a banco e outros atos de guerrilha. Todo o interesse que José tinha por
Rosa foi diminuindo e a guerrilha tornou-se mais importante para ele. Rosa
enlouqueceu e morreu ou evaporou simbolicamente.
Nessa obra, Brandão(1976) mostra uma mulher que assume profissões e
funções antes só atribuídas ao homem – como uma dona de bar ”Átila gostava das
mulheres magras. Era gamadíssimo em Carola. Ela tímida, quieta. Tinha uma bar
deixado pelo ex-marido, morto de tétano. Barzinho pequeno, no pátio de uma
escola.” (p.12). Mulheres promíscuas, que agem fora dos padrões da sociedade.
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“Tinha uma menina de 13 anos que vivia dando (gostava de trepar com as pernas
fechadas). Ela ia até a pensão e dava no quarto, mesmo com os outros olhando
(eram cinco no quarto da pensão) (p.11). Na obra, aparecem também fatos que
demonstram a repressão às mulheres. Censuras religiosas com lições de
puritanismo, censuras morais e sociais com regras já impostas pela sociedade de
décadas anteriores. “Rosa se cala, ela sabe que não deve. Quem deve é o marido, o
homem, o senhor, o amo, o mestre. Ela deve ser dele, para que ele use e abuse.”
(p.106). Rosa, certa vez, fora interpelada por um fiscal da FMC – Fiscalização Moral
e Cívica, pois biquíni fora proibido. Outro fator que demonstra a repressão é a
contrariedade ao uso da pílula que também fora proibida. A passagem a seguir
demonstra resumidamente tudo que fora iimposto à mulher:
1- Abaixar a saia; 2 – Fechar os decotes; 3 – Encompridar as mangas; 4 –
Não sair de casa; 5 – Não participar de divertimentos profanos; 6 – Não
dançar danças eróticas; 7 – Não freqüentar piscinas; 8 – Aprender a tocar
piano, a bordar, costurar e cozinhar; 9 – Aprender a cuidar de crianças e 10
- Ser piedosa. (BRANDÃO, 1976, p. 217)
Não se trata de uma obra comum. Zero traz a escrita fragmentada, num
misto de linguagem publicitária, literária e informativa, além da abordagem dos mais
variados temas: proibição aos jogos, livros, músicas, fechamento do congresso,
apelo ao consumismo e à mídia para camuflar as reais situações do país, a queima
de livros considerados subversivos, a repressão, a censura e das graves sessões de
tortura, às quais eram submetidos todos os que fossem considerados subversivos.
Zero é uma visão diferente de Em Câmara Lenta a respeito do mesmo
tema, a ditadura militar. O mesmo panorama a respeito da mulher se mantém. Rosa
pode ser considerada como uma personagem-síntese representativa dos múltiplos
perfis femininos. Representa a massa, o povo em geral que luta contra os crimes, a
pouca liberdade de expressão e as sessões de tortura. Em termos de classificação,
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que Rosa é uma personagem mista, ou seja, é tipo quando aparece como a esposa
de um guerrilheiro, mas é dotada complexidade na forma como é moldada pelo
autor.
4.2. Os Limites da Evolução
A mulher é retratada na literatura como um ser que evoluiu. Não se pode
generalizar conclusões relativas às mudanças vivenciadas pela mulher sem, antes,
levar em conta alguns aspectos.
As conclusões, a que se chega por meio desta pesquisa, limitam-se aos
dados obtidos nas obras estudadas e não refletem a totalidade. Existem diversos
perfis femininos, inúmeros autores e incontáveis obras e ainda os fatores raça,
religião, regionalismos, sócio-econômicos, variáveis que somente panoramicamente
foram abordados.
Pode-se afirmar sim que há mudanças históricas visíveis na vida da
mulher as quais também se refletem na literatura; todavia, pela infinidade de obras,
sobretudo no período do Modernismo, essa afirmação deve se limitar às obras
estudadas.
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5. CONCLUSÃO
O primeiro ponto a ser confirmado com este estudo é de que, sem dúvida,
com base numa pesquisa bibliográfica, histórica e literária, pode-se dizer, com
certeza, que a mulher evoluiu. Isso está presente nas obras literárias e
historiográficas e representa a vida real. O que não se pode garantir é que essa
evolução tenha sido abrangente e uniforme, uma vez que os perfis femininos vistos
não representam a totalidade da população. Para isso seria preciso um estudo
minucioso desenvolvido por um grupo de pesquisadores, devido ao grande número
de obras e de fatores a serem considerados.
É claro que, em cada período literário, as mudanças foram surgindo, e as
obras atestam que realmente elas ocorreram. Na Literatura Informativa, a mulher era
observada apenas nas características físicas. Nos períodos que seguem, a beleza e
o endeusamento também centralizam os comentários e as descrições.
No Barroco, a literatura já registra o fato de que a mulher sofre hostilidade
e é até ridicularizada, como se vê na obra satírica de Gregório de Matos, o que
pressupõe a tematização de aspectos da realidade da época.
Já no Arcadismo, a mulher é vista de modo endeusado, porém racional. É
sinônimo de segurança: quem tem um amor está seguro. Isso é fruto dos códigos
estéticos da época e camufla o perfil real da mulher.
No Romantismo, a mulher, leitora de folhetins, embora continue sendo
idealizada e apresentada como personagem superior aos parâmetros da realidade,
quando protagonista da narrativa, apresenta-se dotada de personalidade complexa.
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Luta por seus direitos, toma conta dos negócios, é uma grande articulista, participa
da vida social, freqüentando salões, bailes e teatros.
No Realismo, a mulher já não é idealizada. É, muita vezes, uma
personagem baseada numa mulher da vida real, que comete deslizes, realiza ações
inteligentes e não demonstra fragilidade. Mulheres que buscam melhores condições
de vida. O autor escolhido as constrói em toda a complexidade humana, porém
ainda mantém, como protagonistas as personagens masculinas. Observa-se que
essas personagens masculinas têm sua história totalmente afetada pela presença
das mulheres, cuja ação e caráter são decisivos para o desenvolvimento das tramas.
Os protagonistas são homens, que se revelam submissos à influência feminina. Isso
revela a importância que se confere à mulher nas relações sociais.
No Naturalismo, as personagens são observadas como numa experiência.
Surgem questionamentos sobre o prazer da mulher, revelam a evolução e mudanças
no modo de agir e vestir. As mulheres também não assumem papel de
protagonistas. Na obra considerada, elas são personagens secundárias, num
universo construído segundo normas da sociedade patriarcal. Vê-se, contudo, a
força que têm para, no anonimato, reverter as normas, refazer os critérios de
organização social, derrubar os tabus morais e agir contrariamente aos preconceitos.
A revelação de seus valores e anseios desmascara a vida de aparências e a
ambigüidade da conduta masculina.
No Modernismo, as mulheres participam ativamente de movimentos pela
liberdade, movimentos artísticos e culturais, tornam-se escritoras, trabalhadoras,
chefes dentro e fora-de-casa, sofrem com a fome, a miséria e o descaso. Lutam
destemidamente e batalham, desprovidas de pudor e de censura. Buscam liberdade
intelectual, física e moral.
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A mulher que mal tinha permissão para sair de casa, pôde ampliar seus
horizontes. Podia, inclusive, estudar na Europa. Com as escolas aqui, porém seria
mais fácil o ingresso de mulheres nas aulas.
Observou-se ainda que, até a imigração, as mulheres que mais
trabalhavam eram as negras escravas. As sinhás ou senhoras podiam aprender a
bordar e tocar piano.
O Romantismo apresenta-se para a mulher, como início do processo de
efetiva emancipação. Tornou-se leitora, teve acesso a idéias inovadoras por meio
das personagens de romance. Nessa época, a fragilidade do homem ficou exposta
por meio do “mal do século”: o homem chora, sente saudades e dor, sentimentos
atribuídos à mulher. E o que é mais interessante, na maioria das vezes, chora ou
sofre por uma mulher.
Até o Realismo, detendo-se aqui nas obras analisadas, observa-se que o
discurso de personagens femininas é indireto, revelando, nesse aspecto, o grau de
manipulação da linguagem operado pelo autor, mascarado de narrador geralmente
homem. Após esse período, passa-se a usar discurso direto. Isso pode levar à
constatação de que a mulher não tinha acesso à palavra e à expressão de vontades,
opiniões e sentimentos, vendo-se na dependência de um narrador homem que lhe
traduzisse o discurso pressupondo, pois, uma deficiência discursiva.
Freqüentemente as obras revelam que a mulher aparece como
personagem secundária, excetuando Aurélia Camargo, protagonista do romance
“Senhora”. Capitu, Madame Brizard, Hortência, Amélia, D. Ângela, Sinhá Vitória,
Sinhá, D. Amélia, Ismênia, Carmem, Joana, Rosa e outras são descritas como
personagens secundárias, muitas delas são tipos que representam facções da
sociedade. Isso vem demonstrar o quanto o homem domina as letras, situação que
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começou a mudar apenas no Modernismo, quando as mulheres despontaram na
literatura como escritoras e muitas foram reconhecidas como autoras de grande
talento e criatividade.
Outro aspecto verificado, refere-se à literatura contemporânea. Nesse
período, percebe-se que o idealismo é abandonado e abre-se espaço para pesquisa
do real e para uma análise introspectiva do ser humano. As personagens analisadas
representam as classes média e baixa. O resultado de todos esses fatores é que as
mulheres-personagem aparecem mais próximas da condição real da mulher, de sua
humanidade.
Observou-se ainda
que
a literatura mostra
uma superação da
dependência da mulher em relação ao trabalho e às relações interpessoais, muito
embora, nos romances, essas questões ainda sejam apresentadas sob uma ótica
masculina.
A Literatura e a História dividem idéias comuns, seja com ênfase no
referencial real, seja com ênfase no ideal. Ambos importantes em seu papel de
espelho da realidade. Nesse espaço, as personagens femininas podem demonstrar
como tem sido o caminho percorrido.
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A PERSONAGEM FEMININA NA LITERATURA BRASILEIRA