XIV Semana de Atualização Jurídica
Disciplina: Direito Administrativo
Prof.: Alexandre Mazza
Data: 23.07.2009
MATERIAL DE APOIO - MONITORIA
Índice
1. Artigos Correlatos
1.1. O poder normativo das agências reguladoras e o indivíduo como sujeito de direito
2. Jurisprudência Correlata
2.1. ADI 3273 / DF - DISTRITO FEDERAL
2.2. ADI 1892 - STF
3. Simulados
1. ARTIGOS CORRELATOS
1.1. O poder normativo das agências reguladoras e o indivíduo como sujeito de direito
Autor: Luiz Eduardo Diniz Araujo
Procurador federal em Recife (PE)
RESUMO: O presente artigo se propõe a analisar a repercussão do agigantamento do ambiente
normativo do Estado brasileiro, verificado a partir do advento do Estado regulador, no patrimônio
jurídico do indivíduo. Para tanto, será necessário identificar, em primeiro, a extensão do poder
normativo exercitado pelas agências reguladoras, revelando as posições doutrinárias divergentes e a
posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito. Em seguida, será abordada a
enxurrada normativa provocada pelo exercício de tal poder pelas agências reguladoras e a deficiência
do controle judicial para a análise de legalidade e legitimidade dessas normas. Por último, será
analisada a mudança na relação Estado-indivíduo quanto à prestação de serviços públicos e a
necessidade de estruturação de controle concentrado para aferir a legalidade das normas
regulatórias e, assim, possibilitar a proteção do indivíduo frente às agências reguladoras e às
empresas privadas prestadoras de serviços públicos.
Palavras-chave: Agências reguladoras; poder normativo; princípio da legalidade; controle de
legalidade; delegação legislativa; regulamento delegado.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O poder normativo das agências reguladoras e a legalidade: debate
doutrinário e a posição do Supremo Tribunal Federal; 3. Enxurrada normativa e ausência de controle
eficaz; 4. O indivíduo como sujeito de direito no Estado regulador; Referências bibliográficas.
1. Introdução
As agências reguladoras independentes já possuem mais de 11 anos de existência no Brasil e seu
surgimento causou certa apreensão na comunidade jurídica em face de disporem de amplos poderes,
em especial o normativo, normalmente incomuns na Administração Pública tradicional.
A sua criação no Brasil se deu a partir da implantação de ideário (neo) liberal que se propunha a
reduzir o tamanho do Estado e a alterar a sua atuação na economia. Neste último aspecto, o Estado
brasileiro promoveu privatizações de empresas estatais que prestavam serviços públicos e exerciam
atividades econômicas em sentido estrito e passou a atuar na economia prioritariamente por meio da
direção, e não mais pela absorção.
Assim, o aparecimento das agências reguladoras no Brasil coincide com a mudança de perfil do
Estado, que, salvo algumas exceções, já não mais se apresenta materialmente na economia, seja
prestando serviços públicos, seja produzindo bens e prestando serviços privados em concorrência
com a iniciativa privada [01].
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Apesar da sensível diminuição da presença material do Estado brasileiro na economia, ainda assim é
possível identificar sua participação na direção dessas atividades, sejam serviços públicos (telefonia,
distribuição de energia, etc.), sejam atividades econômicas em sentido estrito (serviços bancários,
por exemplo). A participação do Estado brasileiro na economia a partir de agora, no entanto, passa a
ter ênfase normativa. Em vez da presença concreta na vida cotidiana do cidadão brasileiro, o Estado
brasileiro se faz presente de forma virtual (MOREIRA NETO, 2002 [02]).
O que pretendo analisar, então, é a repercussão do agigantamento do ambiente normativo do Estado
brasileiro no patrimônio jurídico do indivíduo. Ou seja, a intenção é investigar o que, do ponto de
vista jurídico, mudou na relação entre o indivíduo e o Estado brasileiro a partir da passagem do
modelo social para o modelo regulador.
Para atingir tal reflexão, pretendo, inicialmente, identificar a extensão do poder normativo exercitado
pelas agências reguladoras, revelando as posições doutrinárias divergentes e a posição da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Em seguida, abordarei a enxurrada normativa provocada pelo exercício de tal poder pelas agências
reguladoras e a deficiência do controle judicial para a análise de legalidade e legitimidade dessas
normas.
Por último, analisarei a mudança na relação Estado-indivíduo quanto à prestação de serviços públicos
e a necessidade de estruturação de controle concentrado para aferir a legalidade das normas
regulatórias e, assim, possibilitar a proteção do indivíduo frente às agências reguladoras e às
empresas privadas prestadoras de serviços públicos.
2. O poder normativo das agências reguladoras e a legalidade: debate doutrinário e a
posição do Supremo Tribunal Federal.
A doutrina tem discutido bastante sobre a extensão do poder normativo atribuído às agências
reguladoras. A discussão tem girado basicamente em relação à sua estrita submissão, ou não, à
legalidade. Em resumo, apresentam-se duas posições.
De um lado, alguns autores defendem a exclusiva possibilidade de as agências reguladoras
desenvolverem, por meio de seu poder normativo, o poder regulamentar já previsto para o
Presidente da República, nos estritos limites definidos no art. 84, IV, da Constituição Federal de 1988
(expedir regulamentos para sua fiel execução de leis). Assim, apenas admitem a expedição pelas
agências reguladoras dos regulamentos executivos.
Mello (2003) defende com veemência tal posição. Em síntese, afirma que no Brasil apenas há espaço
para regulamentos executivos em razão de entender que, por força do art. 5º, II, da CF/88
("ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"), só a lei
pode inovar em caráter inicial da ordem jurídica.
Esta parcela da doutrina exclui categoricamente a possibilidade de lei delegar ao Poder Executivo a
disciplina de matéria relativa à liberdade ou à propriedade das pessoas [03].
De outro lado, há autores que afirmam que a atribuição de tal poder normativo às agências se daria
em razão da necessidade de se promover a deslegalização de algumas matérias para receberem as
soluções técnicas adaptáveis e flexíveis proporcionadas pela regulação (MOREIRA NETO, 2002).
Defende-se que a legalidade, apesar de ter servido para refrear o poder do monarca, não mais
funcionaria como instrumento de intervenção do Estado no domínio econômico. Para viabilizar a
adaptação das normas legais à dinâmica da economia capitalista, seria necessário conferir maior
margem de liberdade ao Executivo para editar normas complementares à lei. Assim é que se defende
a edição de regulamentos autorizados ou delegados, no qual a lei fixa apenas os princípios gerais a
serem seguidos pela autoridade administrativa na disciplina de uma determinada matéria (BRUNA,
2003). A sua necessidade decorreria da existência de situações de fato extremamente mutantes,
excessivamente técnicas ou politicamente complexas (SUNDFELD, 2002 [04]).
O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a relação entre poder
regulamentar e lei e deixou claro que aderiu à primeira corrente, mais conservadora, que entende
pela admissibilidade apenas de regulamentos executivos. Nesse sentido podem ser citados os
acórdãos proferidos no julgamento da ADI 1.075, da ADI 1.435 e da AC 1.033-AgR-QO.
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No entanto, é importante ressaltar que as decisões do STF sobre a matéria foram proferidas fora do
contexto das agências reguladoras e ainda não houve nenhum julgamento a respeito do poder
normativo exercitado por elas.
Esse debate não é exclusivo do Brasil, mas tem sido travado em outros países que aderiram ao
modelo de regulação da economia por agências independentes.
Martinez (2002) aponta que, nos Estados Unidos da América, o Tribunal Supremo já entendeu pela
impossibilidade de delegação legislativa e de regulamentos autorizados (nondelegation doctrine),
mas, atualmente, reconhece que "as complexas e variadas necessidades normativas das sociedades
modernas superam a capacidade do Parlamento" e, assim, admite a delegação legislativa (delegation
doctrine) e os regulamentos autorizados.
Na Alemanha, há uma tendência pela aceitação de amplos poderes normativos às agências
reguladoras previstas diretamente na Constituição, o que ocorre como forma de diminuir a distância
entre o autor e o destinatário de uma norma jurídica, ao mesmo tempo que se supõe uma descarga
de trabalho para o legislador (MARTINEZ, 2002).
Na França e na Espanha, os respectivos Tribunais Constitucionais entendem que o legislador deve
estabelecer o marco em que as AAI poderão ditar regulamentos executivos. Na verdade, os
regulamentos das autoridades independentes estão sujeitos não somente à lei, mas também às
normas regulamentares do Governo (MARTINEZ, 2002).
O que deve resultar claro da exposição é que o mero exercício de poder normativo pelas agências
reguladoras já representa uma polêmica de grandes proporções, como se vê da divergência
doutrinária existente no Brasil e dos debates já ocorridos em outros países, dificilmente se podendo
chegar a um consenso.
No Brasil, como falado, o STF ainda não se pronunciou sobre a constitucionalidade do poder
normativo exercitado pelas agências e, assim, tem-se uma razoável instabilidade a respeito do que é
produzido pelas agências: vale ou não vale, vincula ou não vincula, pode ou não complementar as
leis, enfim, encontra-se sem resposta um sem-número de questões que o exercício do poder
normativo pelas agências proporciona.
Imprescindível, então, seria uma decisão – legal ou judicial – que defina claramente os limites dos
poderes normativos das agências reguladoras. Enquanto não houver uma tal decisão – eis que
consenso é impossível –, permanecerá o estado de incerteza.
Mas, para fechar o tópico, há uma questão mais importante a ser lançada: independentemente de se
adotar uma ou outra corrente, como o indivíduo pode se defender de tantas fontes normativas?
Como o indivíduo pode se defender do mau exercício do poder normativo pelas agências
reguladoras? Os mecanismos de controle do Estado social seriam compatíveis com a produção
normativa do Estado regulador? Buscaremos respondê-la em seguida.
3. Enxurrada normativa e ausência de controle eficaz.
São muitos os entes federais, entre eles agências reguladoras, a exercitarem o poder normativo em
áreas específicas, deles sendo exemplos: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência
Nacional de Telecomunicações (ANATEL), Agência Nacional do Petróleo (ANP), Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Para se ter noção da dimensão da atividade normativa da Administração Pública federal brasileira,
vale destacar os seguintes dados:
1. Entre janeiro de 2004 e julho de 2008, a ANEEL editou 319 resoluções normativas [05];
2. Entre fevereiro de 1997 e julho de 2008, a ANATEL editou 506 resoluções normativas [06];
3. Entre janeiro de 2004 e julho de 2008, a ANP editou 177 resoluções de caráter normativo [07];
4. Entre outubro de 1992 e julho de 2008, a ANVISA editou 64 instruções normativas [08];
5. Entre abril de 1978 e julho de 2008, a CVM editou 470 instruções de caráter normativo [09];
6. Entre maio de 1992 e julho de 2008, o CADE editou 48 resoluções normativas [10];
7. Entre fevereiro de 2002 e dezembro de 2006, a ANS editou 49 instruções normativas e 148
resoluções normativas [11].
Falcão (2008) chama atenção para o problema ao registrar que a produção normativa do Congresso
Nacional foi pouco superior a 10% da produção normativa de três agências reguladoras:
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Em 2007, o Congresso aprovou 198 leis. Em compensação, apenas três das principais agências
reguladoras produziram 1.965 resoluções. A Agência Nacional de Energia Elétrica editou 635, a
Agência Nacional de Transportes Terrestres, 726, e a Agência Nacional de Águas, 604. Mesmo sem
considerar resoluções das outras sete agências federais (ANVISA, ANS, ANCINE, ANATEL, ANP,
ANTAQ e ANAC), são quase dez vezes mais atos normativos. Nos estados, o cenário se repete. No
Rio Grande do Sul, por exemplo, a AGERGS produziu 580 resoluções enquanto a Assembléia
Legislativa gaúcha elaborou apenas 188 leis estaduais. Existem agências em 19 estados e também
no Distrito Federal. Em alguns, mais de uma, como São Paulo e Rio.
Diante dos números apresentados acima, penso já ser possível se falar em enxurrada normativa por
parte das agências.
Questão relevante a ser considerada é a que segue abaixo.
A produção normativa do Congresso se encontra submetida a eficazes mecanismos de controle
concentrado e difuso de constitucionalidade, parâmetro bastante amplo em que se inserem análises
de proporcionalidade, razoabilidade e legitimidade. O controle concentrado de constitucionalidade por
meio do STF tem sido bastante exercitado e a possibilidade de deferimento de medida cautelar com
efeito vinculante para todos, inclusive poderes públicos, evita a produção de efeitos ilegítimos sem
que seja necessário aguardar o final do processo.
No entanto, a produção normativa das agências, que, em quantidade numérica, passa a se sobrepor
à produção legislativa, não possui um controle eficaz de legalidade, aí se incluindo também análise
de proporcionalidade, razoabilidade e legitimidade. O controle realizado pelo Poder Judiciário a
respeito dessas normas é exclusivamente o difuso, a posteriori, que apresenta algumas deficiências,
a saber: o processo judicial apenas se instaura a partir de uma lesão; falta de conhecimento técnico
do setor regulado pelo juiz; análise meramente pontual, e não global, da normatização setorial;
impossibilidade de ouvir todos os interessados na edição da norma no processo judicial, o que ocorre
durante a elaboração da norma no âmbito das agências; efeitos apenas entre as partes do processo,
ou quando muito, no âmbito de ações coletivas, com efeitos limitados à competência territorial do
órgão prolator [12].
Ou seja, a coletividade não dispõe de meios eficazes para se insurgir contra a produção normativa
das agências, o que é bastante perigoso.
É perigoso porque a falta de legitimação democrática das agências e a observação de que, na
prática, isso poderia conduzir a desvios indesejáveis na regulação econômica, como é o caso da
captura, suscitou na doutrina a necessidade de serem estabelecidos eficazes mecanismos de controle
sobre as suas atividades, notadamente a normativa. Vale lembrar que a crítica fundamental ao
modelo de agências independentes baseia-se essencialmente nos efeitos perversos do insulamento
burocrático e seu déficit democrático. Assim, sua autonomia e independência representariam uma
ameaça ao interesse público na medida em que agentes não eleitos tomam decisões relevantes para
a sociedade.
Segundo Melo (2001), o fato de os agentes reguladores não serem eleitos torna particularmente
relevante a análise das relações entre representação e responsabilização, a exigir controle
democrático sobre a atuação das agências. A responsabilização seria a variável decisiva: alta
delegação sem responsabilização geraria ineficiência; baixa delegação sem responsabilização,
ineficiência.
De acordo com essa visão, o controle da atividade das agências se destina a conferir legitimidade
democrática à atuação de agentes não-eleitos pelo povo.
Assim, a coletividade se encontra despida de meios eficazes para combater as normas reguladoras.
Não existe meio de impugnação que se revele expedito, que seja apreciado por quem tenha
conhecimento da matéria posta sob exame e que essa decisão seja estendida a todos os
interessados.
4. O indivíduo como sujeito de direito no Estado regulador.
Quando o Estado brasileiro prestava serviços públicos diretamente, não havia um estatuto claro
quanto às condições de sua prestação e quanto aos direitos e deveres do cidadão. Tanto que se fazia
crer que o acesso a determinados bens e serviços públicos seria uma liberalidade do governante,
como se este os estivesse custeando com recursos privados. A politização do acesso a bens e
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serviços públicos com fins eleitoreiros – custeados, claro, com recursos públicos – possuía papel
bastante importante na dinâmica da política brasileira.
A transferência da execução dos serviços a empreendedores privados e a percepção de que o acesso
a esses bens e serviços passa a ter um caráter contratual – e não gracioso, como astutamente se
fazia sentir, ainda que, em verdade, fosse financiado ou por tributos ou por preços públicos –
enfraquece, senão exclui, o proveito eleitoreiro do acesso a eles.
De outro lado, a privatização da execução dos serviços públicos tornou necessária a regulamentação
da relação entre Estado e o prestador do serviço (regida pela Lei nº 8.987/1995, que trata das
concessões de serviços públicos, e pelas leis setoriais) e entre o prestador do serviço e o indivíduo
(regida pela Lei nº 8.078/1990 e também pelas leis setoriais), agora qualificado como consumidor.
A vantagem principal é o estabelecimento de um estatuto de direitos e deveres do indivíduo quanto à
prestação do serviço. A mera declaração de direitos já significa o reconhecimento da existência de
direitos e deveres. Em período anterior, não se sabia ao certo quais eram os direitos do indivíduo
(continuidade do serviço, possibilidade de cobrança por danos morais e materiais, indenização por
cobranças indevidas).
Isso não quer dizer, no entanto, que haja o efetivo respeito pelas empresas concessionárias e pelas
agências reguladoras aos direitos do consumidor de serviços públicos.
Na verdade, em geral, são fortes as críticas de que as agências reguladoras não estariam tão
preocupadas com os interesses dos consumidores, que são basicamente qualidade da prestação do
serviço e modicidade tarifária.
Segundo a literatura estrangeira, a tendência é que, por várias razões, as agências reguladoras
passem a se identificar com os setores regulados e a atender suas demandas em detrimento dos
consumidores. Uma das razões, a ser citada meramente para ilustrar a questão, seria a de que o
pessoal que trabalha nas agências ou já trabalhou ou pretende trabalhar nas empresas reguladas, o
que ocasionaria uma identificação natural entre regulador e regulado.
Stigler (2004) desenvolveu a tese de que a falta de legitimidade democrática das agências possibilita
a captura pelos setores regulados. Com base em dados econômicos da regulação da Interstate
Commerce Commission (ICC), defendia que, em regra, a regulação era adquirida pela indústria
regulada, além de concebida e operada em seu benefício.
Posner (2004), a sua vez, afirmava que as características básicas dos serviços públicos de infraestrutura e transporte público nos EUA poderiam ser explicadas não pela teoria da captura, mas pela
teoria segundo a qual a regulação é estruturada para conceder benefícios a grupos de consumidores
politicamente efetivos, o que se dá às custas de grupos desorganizados, em sua maioria também de
consumidores.
Majone (1997), por outro lado, entende que é natural que grupos bem organizados – como é o caso
dos grupos empresariais – tendam a colher mais benefícios da regulação do que interesses amplos e
difusos, como é o caso dos interesses dos consumidores [13].
Na prática regulatória brasileira, muitas vozes têm se levantado contra a atuação das agências,
podendo-se fazer referência a algumas delas:
1. "A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste) criticou a Agência Nacional de
Saúde (ANS) por ter autorizado a aplicação de um reajuste de até 9,94% nas tarifas cobradas por
cinco planos de saúde considerados antigos. Um plano de saúde antigo, segundo a ANS, é qualquer
plano de saúde contratado pelo beneficiário até 1º de janeiro de 1999 e não adaptado às regras da
Lei 9.656/98"; [14]
2. "Foi geral a contrariedade demonstrada ontem pelos consumidores em Belém, logo após o anúncio
do reajuste da tarifa de energia elétrica pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A partir
desta segunda-feira, o consumidor residencial irá arcar com uma tarifa aumentada em 1,74% e a
classe industrial e comercial, com 7,20%;" [15]
3. "De um lado, a Agência Nacional de Saúde Suplementar comemora que o reajuste autorizado
nesta sexta-feira (08) para os planos de saúde, fixado em 5,76%, é o menor dos últimos seis anos.
Do outro o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) criticou o aumento, lembrando que,
apesar de estar abaixo dos 9% estimados, ainda é o dobro da inflação do período, medida pelo
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (2,58%)"; [16]
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4. "Idec vê com muita preocupação a postura atual da ANEEL em relação às revisões tarifárias de
energia elétrica que tem sido divulgada nos jornais. A agência está propondo mudar a metodologia
de cálculo, o que pode beneficiar as concessionárias e prejudicar, em muito, os consumidores!"; [17]
Então, se a literatura estrangeira aponta essa identificação entre regulador e empresas reguladas e
se, na prática, algumas decisões proferidas pelas agências reguladoras têm sido tão questionadas
por associações de consumidores, por supostamente violarem os seus interesses, qual a posição do
indivíduo diante disso?
Em primeiro, deve-se notar que o processo de decisão das agências reguladoras envolve, em regra,
procedimentos de audiência e consulta públicas, nos quais são ouvidos os agentes do mercado e os
consumidores quanto às normas a serem aplicadas a determinadas relações econômicas e de
consumo. Quando a sociedade civil não está estruturada a ponto de participar tecnicamente do
debate, haverá um confronto desigual com os agentes do mercado, os quais certamente disporão de
todos os argumentos técnicos a favor de suas posições.
Caso emblemático é o das revisões tarifárias dos contratos de distribuição de energia elétrica. Essas
revisões envolvem elementos tão complexos (parcela A e parcela B da tarifa, empresa de referência,
fator X, perdas comerciais, conta de desenvolvimento energético – CDE, contratos de longo prazo,
pool, etc.) que, supondo-se que haja um grave erro em sua elaboração pela Agência Nacional de
Energia Elétrica, ao consumidor leigo não seria dado entender a questão e pleitear pela correta
revisão.
Apenas a organização da sociedade civil a ponto de dispor de consultoria especializada possibilitaria
a defesa de seu ponto de vista, em busca da modicidade tarifária e da qualidade do serviço.
Ou seja, o indivíduo, de forma isolada, não organizado junto aos seus semelhantes, parece não
possuir grande importância no contexto do Estado regulador, exatamente em face desse
agigantamento normativo. Daí a importância de estruturação de instituições de sociedade civil para
fazer frente aos interesses econômicos que se encontram do outro lado da prestação dos serviços
públicos, os quais, em razão de sua força, podem influenciar essa produção normativa em favor de
seus interesses.
Em segundo, como já tratado acima, entendo que o controle difuso de legalidade de regulamentos
não é eficaz para controlar as normas expedidas pelas agências reguladoras. A percepção é que um
controle concentrado de legalidade, a exemplo do que ocorre com o controle concentrado de
constitucionalidade, poderia ser implementado para analisar a legalidade de normas regulatórias.
A vantagem de um controle concentrado de legalidade seria a análise judicial da norma regulatória
em um único processo, cuja decisão teria efeitos vinculantes para todos, e não limitados a
determinados grupos de consumidores. Na verdade, de que serve afastar a aplicação para uns de
norma regulatória visivelmente ilegal e mantê-la aplicável para outros? O modelo concentrado daria
sentido e eficácia ao controle de legalidade.
Quanto à competência para apreciar e julgar uma tal ação, a proposta do controle concentrado ainda
ficaria em aberto. E isso porque uma das fontes de legitimidade das agências é a especialização
técnica (energia, telecomunicações, saúde suplementar, petróleo, vigilância sanitária, etc.) e não
adiantaria em nada submeter a análise de regulamentos a juízes leigos nessas áreas.
Um modelo a ser estudado é o do Office of Management and Budget (OMB) norte-americano, que
possui quadro de especialistas técnicos e desenvolve análises do tipo custo-benefício da regulação.
No entanto, nos EUA, tal órgão não integra o Judiciário, mas faz parte do Poder Executivo.
Outro modelo é o espanhol. Segundo Martinez (2002), os atos administrativos dessas autoridades
sujeitos ao Direito público são recorríveis diretamente, em única instância, ante a Sala de lo
Contencioso-Administrativo de la Audiencia Nacional.
Enfim, o fato de não termos, na estrutura judiciária brasileira, órgão adequado a fazer este tipo de
controle não quer dizer que devamos desistir dele, já que pode se apresentar como uma forma eficaz
de fazer valer os direitos do indivíduo brasileiro frente ao Estado e às empresas privadas prestadoras
de serviços públicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Universidade de Brasília, 1997.
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FALCÃO, Joaquim. Agências reguladoras e o Poder Judiciário. In: Folha de São Paulo. Nº 28.907,
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GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003.
MAJONE, Giandomenico. From the Positive to the Regulatory State: Causes and Consequences of
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004.
MELO, Marcus André. A política da ação regulatória: responsabilização, credibilidade e delegação. In:
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NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. São Paulo: Editora Revista
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In: BRESSER, Luiz Carlos, e SPINK, Peter Kevin (coord.). Reforma do Estado e Administração Pública
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SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2002.
Notas
1.
Ou seja, não é mais a Telebrás que presta o serviço público de telefonia, mas empresas
privadas, em regime de concessão, permissão ou autorização; a geração de energia, salvo exceções,
como é o caso da Companhia Hidroelétrica do São Francisco – CHESF e da Centrais Elétricas do
Norte do Brasil – Eletronorte, entre outras, também é realizada por empresas privadas, em regime
de concessão, permissão ou autorização; a Petrobrás, a sua vez, não mais possui o monopólio da
pesquisa e lavra das jazidas de petróleo, de sua refinação e transporte em estado bruto, sendo
possível a participação de empresas privadas nessas atividades; a manutenção de algumas rodovias
federais, como é o caso das BR-040 (Rio de Janeiro/Petrópolis), BR 116 (trecho Rio/São Paulo), BR290 (Osório/Guaíba), BRs-116, 239 e 293 (pólo rodoviário de Pelotas) e da rodovia sobre a ponte
Rio-Niterói, não é mais realizada diretamente pela União, mas por empresas privadas em regime de
concessão.
2.
"A redução expressiva das estruturas públicas de intervenção direta na ordem econômica não
produziu um modelo que possa ser identificado com o de Estado mínimo. Pelo contrário, apenas se
deslocou a atuação estatal do campo empresarial para o domínio da disciplina jurídica, com a
ampliação de seu papel na regulação e fiscalização dos serviços públicos e atividades econômicas. O
Estado, portanto, não deixou de ser um agente econômico decisivo. Para demonstrar a tese, basta
examinar a profusão de textos normativos editados nos últimos anos".
3.
Por todos, Mello (2003):
"Por isto, a lei que limitar-se a (pretender) transferir ao Executivo o poder de ditar, por si, as
condições ou meios que permitem restringir um direito configura delegação disfarçada,
inconstitucional. Deveras: as funções correspondentes a cada um dos Poderes (Legislativo, Executivo
e Judiciário) são, como regra, indelegáveis. Disto se ressalva, tão-só, a hipótese de "leis delegadas"
– pela própria Constituição previstas no art. 59, IV, mas editáveis apenas em decorrência do
procedimento legislativo regulado no art. 68 e segundo as condições e limites ali estabelecidos.
Em síntese: os regulamentos serão compatíveis com o princípio da legalidade quando, no interior das
possibilidades comportadas pelo enunciado legal, os preceptivos regulamentares servem a um dos
seguintes propósitos: (I) limitar a discricionariedade administrativa, seja para (a) dispor sobre o
modus procedendi da Administração nas relações que necessariamente surdirão entre ela e os
administrados por ocasião da execução da lei; (b) caracterizar fatos, situações ou comportamentos
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enunciados na lei mediante conceitos vagos cuja determinação mais precisa deva ser embasada em
índices, fatores ou elementos configurados a partir de critérios ou avaliações técnicas segundo
padrões uniformes, para garantia do princípio da igualdade e da segurança jurídica; (II) decompor
analiticamente o conteúdo de conceitos sintéticos, mediante simples discriminação integral do que
neles se contém".
4.
"O Estado tem que se organizar para fazer mais do que editar uma lei geral para vigorar por
tempo indeterminado e depois cuidar dos conflitos individuais. E para isso ele tem de intervir mais.
Aqui está a questão. O modelo que conhecemos – a separação de Poderes tradicional e as funções
que competiam aos Poderes Judiciário e Legislativo – era perfeitamente coerente com o baixo
intervencionismo estatal. Se o Estado não está muito preocupado em gerenciar a realidade ambiental
de modo a ir apertando paulatinamente as exigências para melhorar o meio ambiente; se quer
deixar os membros da sociedade acertarem suas diferenças independentemente da ordem jurídica,
aí pode realmente editar uma norma geral que vigore por muitas décadas, como o Código Civil, e
depois solucionar os conflitos pelo Poder Judiciário.
Mas se o Estado quer perseguir concretamente o valor ambiental, vai ter que intervir mais, editando
normas seguidamente, dando-lhes conteúdos cada vez menos gerais, tratando de temas sempre
mais particulares. Assim, poderá realizar o tal gerenciamento normativo dos conflitos. Se o que se
quer é melhorar o nível de poluição ambiental na cidade do Rio de Janeiro, é preciso mapear a
cidade, identificar onde estão os grandes focos de emissão e os grandes problemas; a seguir, casar
isso com as características do desenvolvimento da cidade, com os projetos de aplicação de recursos
de desenvolvimento industrial, com as mazelas do subdesenvolvimento brasileiro que fazem com que
haja dificuldades na urbanização etc. Em suma, necessita-se de verdadeiro planejamento, que
incorpore essa massa de dados muito complexa, bem como do constante replanejamento. (...).
É por isso que surgiram as agências reguladoras. Elas nasceram porque a sociedade exigiu que o
Estado regulasse certas realidades, fazendo este ‘gerenciamento’ que referi. Não limitar-se à distante
edição de normas abstratas capazes de cuidar da sociedade durante 80 anos sem transformação
mais profunda (como o Código Civil), mas comprometer-se com normas que organizem a relação das
indústrias com os moradores, que componham isto tudo com os interesses da cidade; quer dizer:
normas que, embora sendo gerais, são muito mais específicas e instáveis do que foram no passado.
Regular é, ao mesmo tempo, ser capaz de dirimir os conflitos coletivos ou individualizados. É por isso
que surgem as agências reguladoras, porque o Estado tem de regular".
5.
Informação encontrada na página www.aneel.gov.br.
6.
Informação encontrada na página www.anatel.gov.br.
7.
Informação encontrada na página www.anp.gov.br.
8.
Informação encontrada na página www.anvisa.gov.br.
9.
Informação encontrada na página www.cvm.gov.br.
10.
Informação encontrada na página www.cade.gov.br.
11.
Informação encontrada na página www.ans.gov.br.
12.
Art. 16 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Foi ajuizada a ADI 1.576 contra o dispositivo
mencionado, sem que o STF houvesse deferido a medida cautelar para suspender sua vigência.
13.
"Compact, well-organized groups will tend to benefit more from regulation than broad, diffuse
interests, but the winning coalition usually includes some subsets of consumers. For example, in the
pre-deregulation era, the rates of local telephone service were subsidized by the heavy users of longdistance service, typically firms. Similar regulatory regimes protecting individual consumers prevailed
in all the public utilities, as well as in the energy and transport industries. Stigler’s theory does not
explain this pervasive phenomenon of cross-subsidization. A more general model was needed, and
this was provided by Peltzman (1976)".
14.
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/07/28/materia.2007-07-28.9253579391/view
15.
http://www.celuloseonline.com.br/pagina/pagina.asp?IDItem=11733&IDNoticia=9370
16.
http://www.portaldoconsumidor.gov.br/noticia.asp?busca=sim&id=8040
17.
http://www.idec.org.br/emacao.asp?id=857
fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12029
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Disciplina: Direito Administrativo
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Data: 23.07.2009
2. JURISPRUDÊNCIA
2.1. ADI 3273 / DF - DISTRITO FEDERAL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. CARLOS BRITTO
Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU
Julgamento: 16/03/2005
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
EMENTA: CONSTITUCIONAL. MONOPÓLIO. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO. PETRÓLEO, GÁS NATURAL
E OUTROS HIDROCARBONETOS FLUÍDOS. BENS DE PROPRIEDADE EXCLUSIVA DA UNIÃO. ART. 20,
DA CB/88. MONOPÓLIO DA ATIVIDADE DE EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO, DO GÁS NATURAL E DE
OUTROS HIDROCARBONETOS FLUÍDOS. ART. 177, I a IV e §§ 1º E 2º, DA CB/88. REGIME DE
MONOPÓLIO ESPECÍFICO EM RELAÇÃO AO ART. 176 DA CONSTITUIÇÃO. DISTINÇÃO ENTRE AS
PROPRIEDADES A QUE RESPEITAM OS ARTS. 177 E 176, DA CB/88. PETROBRAS. SUJEIÇÃO AO
REGIME JURÍDICO DAS EMPRESAS PRIVADAS [ART. 173, § 1º, II, DA CB/88]. EXPLORAÇÃO DE
ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO ESTRITO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. ART. 26, § 3º,
DA LEI N. 9.478/97. MATÉRIA DE LEI FEDERAL. ART. 60, CAPUT, DA LEI N. 9.478/97.
CONSTITUCIONALIDADE. COMERCIALIZAÇÃO ADMINISTRADA POR AUTARQUIA FEDERAL [ANP].
EXPORTAÇÃO AUTORIZADA SOMENTE SE OBSERVADAS AS POLÍTICAS DO CNPE, APROVADAS PELO
PRESIDENTE DA REPÚBLICA [ART. 84, II, DA CB/88]. 1. O conceito de monopólio pressupõe apenas
um agente apto a desenvolver as atividades econômicas a ele correspondentes. Não se presta a
explicitar características da propriedade, que é sempre exclusiva, sendo redundantes e desprovidas
de significado as expressões "monopólio da propriedade" ou "monopólio do bem". 2. Os monopólios
legais dividem-se em duas espécies: (i) os que visam a impelir o agente econômico ao investimento
--- a propriedade industrial, monopólio privado; e (ii) os que instrumentam a atuação do Estado na
economia. 3. A Constituição do Brasil enumera atividades que consubstanciam monopólio da União
[art. 177] e os bens que são de sua exclusiva propriedade [art. 20]. 4. A existência ou o
desenvolvimento de uma atividade econômica sem que a propriedade do bem empregado no
processo produtivo ou comercial seja concomitantemente detida pelo agente daquela atividade não
ofende a Constituição. O conceito de atividade econômica [enquanto atividade empresarial]
prescinde da propriedade dos bens de produção. 5. A propriedade não consubstancia uma instituição
única, mas o conjunto de várias instituições, relacionadas a diversos tipos de bens e conformadas
segundo distintos conjuntos normativos --- distintos regimes --- aplicáveis a cada um deles. 6. A
distinção entre atividade e propriedade permite que o domínio do resultado da lavra das jazidas de
petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos possa ser atribuída a terceiros pela
União, sem qualquer ofensa à reserva de monopólio [art. 177 da CB/88]. 7. A propriedade dos
produtos ou serviços da atividade não pode ser tida como abrangida pelo monopólio do
desenvolvimento de determinadas atividades econômicas. 8. A propriedade do produto da lavra das
jazidas minerais atribuídas ao concessionário pelo preceito do art. 176 da Constituição do Brasil é
inerente ao modo de produção capitalista. A propriedade sobre o produto da exploração é plena,
desde que exista concessão de lavra regularmente outorgada. 9. Embora o art. 20, IX, da CB/88
estabeleça que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são bens da União, o art. 176 garante
ao concessionário da lavra a propriedade do produto de sua exploração. 10. Tanto as atividades
previstas no art. 176 quanto as contratações de empresas estatais ou privadas, nos termos do
disposto no § 1º do art. 177 da Constituição, seriam materialmente impossíveis se os
concessionários e contratados, respectivamente, não pudessem apropriar-se, direta ou
indiretamente, do produto da exploração das jazidas. 11. A EC 9/95 permite que a União transfira ao
seu contratado os riscos e resultados da atividade e a propriedade do produto da exploração de
jazidas de petróleo e de gás natural, observadas as normais legais. 12. Os preceitos veiculados pelos
§ 1º e 2º do art. 177 da Constituição do Brasil são específicos em relação ao art. 176, de modo que
as empresas estatais ou privadas a que se refere o § 1º não podem ser chamadas de
"concessionárias". Trata-se de titulares de um tipo de propriedade diverso daquele do qual são
titulares os concessionários das jazidas e recursos minerais a que respeita o art. 176 da Constituição
do Brasil. 13. A propriedade de que se cuida, no caso do petróleo e do gás natural, não é plena, mas
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relativa; sua comercialização é administrada pela União mediante a atuação de uma autarquia, a
Agência Nacional do Petróleo - ANP. 14. A Petrobras não é prestadora de serviço público. Não pode
ser concebida como delegada da União. Explora atividade econômica em sentido estrito, sujeitandose ao regime jurídico das empresas privadas [§ 1º, II, do art. 173 da CB/88]. Atua em regime de
competição com empresas privadas que se disponham a disputar, no âmbito de procedimentos
licitatórios [art. 37, XXI, da CB/88], as contratações previstas no § 1º do art. 177 da Constituição do
Brasil. 15. O art. 26, § 3º, da Lei n. 9.478/97, dá regulação ao chamado silêncio da Administração.
Matéria infraconstitucional, sem ofensa direta à Constituição. 16. Os preceitos dos arts. 28, I e III;
43, parágrafo único; e 51, parágrafo único, da Lei n. 9.478/98 são próprios às contratações de que
se cuida, admitidas expressamente pelo § 2º do art. 177 da CB. 17. A opção pelo tipo de contrato a
ser celebrado com as empresas que vierem a atuar no mercado petrolífero não cabe ao Poder
Judiciário: este não pode se imiscuir em decisões de caráter político. 18. Não há falar-se em
inconstitucionalidade do art. 60, caput, da Lei n. 9.478/97. O preceito exige, para a exportação do
produto da exploração da atividade petrolífera, seja atendido o disposto no art. 4º da Lei n.
8.176/91, observadas as políticas aprovadas pelo Presidente da República, propostas pelo Conselho
Nacional de Política Energética - CNPE [art. 84, II, da CB/88]. 19. Ação direta julgada improcedente.
2.2. ADI 1892 - STF
INFORMATIVO Nº 500 - Estado-membro: Criação de Região Metropolitana – 5 (ADI – 1842)
O Min. Gilmar Mendes, inicialmente, na linha dos votos precedentes, afastou a preliminar de inépcia
da inicial, e julgou prejudicada a ação quanto ao Decreto 24.631/98, acompanhando a divergência
inaugurada pelo Min. Joaquim Barbosa no que se refere ao prejuízo da ação apenas quanto aos
artigos 1º, caput e § 1º; 2º, caput; 4º, caput e incisos I a VII; e 11, caput e incisos I a VI; e 12,
todos da LC 87/97. Quanto ao mérito, o Min. Gilmar Mendes concluiu que todos os dispositivos que
condicionam a execução da integração metropolitana ao exclusivo crivo de autoridade estadual são
inconstitucionais. Afirmou que a expressão “a ser submetido à Assembléia Legislativa” do inciso I do
art. 5º, além do parágrafo único do art. 5º; dos incisos I, II, IV e V do art. 6º; do art. 7º; do art. 10,
todos da LC 87/97 são inconstitucionais por não pressuporem o poder decisório da integração
metropolitana no âmbito do colegiado de municípios integrantes e do estado federado, como os
Conselhos Deliberativos criados nos artigos 4º e 11 da LC 87/97. Quanto aos artigos 11 a 21 da Lei
2.869/97, aduziu que a estrutura de saneamento básico para o atendimento de região metropolitana
retira dos municípios qualquer poder de decidir, concentrando no Estado do Rio de Janeiro todos os
elementos executivos, inclusive a condução da específica Agência Reguladora e a fixação das tarifas
dos serviços das concessionárias. Ressaltou, no ponto, que a titularidade do serviço de saneamento
básico, relativamente à distribuição de água e coleta de esgoto, é qualificada por interesse comum e
deve ser concentrada na Região Metropolitana e na Microrregião, nos moldes do art. 25, § 3º, da CF,
observando a condução de seu planejamento e execução por decisões colegiadas dos municípios
envolvidos e do Estado do Rio de Janeiro. Acrescentou, ainda, a inconstitucionalidade dos parágrafos
2º do art. 4º, e do art. 11 da LC 87/97, que condicionam a execução dos respectivos Conselhos
Deliberativos “à ratificação pelo Governador do Estado”. ADI 1842/RJ, rel. orig. Min. Maurício Corrêa,
3.4.2008. (ADI-1842)
Estado-membro: Criação de Região Metropolitana – 6 (ADI – 1842)
Em suma, o Min. Gilmar Mendes entendeu que o serviço de saneamento básico, no âmbito de
regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerados urbanos, constitui interesse coletivo que não
pode estar subordinado à direção de único ente, mas deve ser planejado e executado de acordo com
decisões colegiadas em que participem tanto os municípios compreendidos como o estado federado.
Frisou que, nesses casos, o poder concedente do serviço de saneamento básico nem permanece
fracionado entre os municípios, nem é transferido para o estado federado, mas deve ser dirigido por
estrutura colegiada, instituída por meio da lei complementar estadual que cria o agrupamento de
comunidades locais, em que a vontade de um único ente não seja imposta a todos os demais entes
políticos participantes. Assim, esta estrutura deve regular o serviço de saneamento básico de forma
a dar viabilidade técnica e econômica ao adequado atendimento do interesse coletivo. Ressaltou, por
fim, que a mencionada estrutura colegiada pode ser implementada tanto por acordo, mediante
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convênios, quanto de forma vinculada, na instituição dos agrupamentos de municípios, e a instituição
de agências reguladoras pode se provar como forma bastante eficiente de estabelecer padrão técnico
na prestação e concessão coletivas do serviço e saneamento básico. Após, pediu vista dos autos o
Min. Ricardo Lewandowski. ADI 1842/RJ, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.4.2008. (ADI-1842)
3. SIMULADOS
Analise as seguintes assertivas:
As agências reguladoras podem ser conceituadas como autarquias sob regime especial com função
de regular setor específico da atividade econômica, devendo atuar com a máxima independência
possível do Poder Executivo e imparcialidade perante o Governo, Setores regulados e a sociedade.
CORRETO
As agências reguladoras surgiram por volta da década de 90, com o objetivo de concentrar a
regulação do mercado nas mãos do governo, tendo em vista a aproximação do socialismo adotado
pelo governo, implementando a vontade do constituinte de 1988.
ERRADO
Pode-se afirmar que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) é uma autarquia em regime especial,
encerrando os elementos e características inerentes às agencias reguladoras, embora não tenha
recebido a designação de “agencia”.
CORRETA
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