Fenômenos de Transporte I
Prof. Carlos Ruberto Fragoso Jr.
1. Fundamentos de Cinemática dos Fluidos
1.1 Definições
Escoamento – é a deformação contínua de um fluido que sofre a ação de uma força tangencial, por
menor que ela seja.
Cinemática dos Fluidos – descreve o escoamento dos fluidos sem se preocupar com as forças que
originam estes movimentos. A análise desta forças é deixada para a dinâmica. Para isso, organiza
informação sobre a posição, o deslocamento, o espaço percorrido, a velocidade, a rapidez e a
aceleração dos corpos. Cinemática (do grego: cinemática = movimento).
gravitacional
campo ou volumétricas
centrífugo
Tipos de Forças
normais (compressão)
contato ou superficiais
tangenciais (cisalhamento)
Esforços dos fluidos
Fluido em repouso – atuam somente as forças de campo.
Fluido em movimento – atuam as forças de campo, normais e também forças de cisalhamento.
1.2 Regimes de escoamento
a) Escoamento laminar:
As camadas de fluido deslizam umas sobre as outras (lâminas); não há mistura macroscópica de fluido.
A velocidade do escoamento em um determinado ponto não varia com o tempo.
Ocorre quando o fluido escoa em baixas velocidades em um tubo com diâmetro pequeno.
b) Escoamento turbulento:
Aparecimento de turbilhões no seio do fluido, provocando a mistura.
A velocidade num ponto oscila com o tempo ao redor de um valor médio.
1.3 Experiência de Reynolds (1883)
Por meio deste experimento Reynolds pode evidenciar a diferença qualitativa entre o escoamento
laminar e turbulento. O experimento consistia em introduzir um fio de líquido colorido no centro de um
tubo através do qual o mesmo líquido, sem corante, escoava com uma velocidade controlada. A baixas
velocidades de escoamento, o fio de líquido colorido permanecia reto e contínuo pelo comprimento do
tubo e quando certa velocidade crítica era atingida, a linha colorida era violentamente agitada e sua
continuidade destruída por curvas e vórtices, revelando assim fluxo turbulento.
1.4 Número de Reynolds
Quando a velocidade de um fluido que escoa em um tubo excede certo valor crítico, o regime de
escoamento passa de laminar para turbulento, exceto em uma camada extremamente fina junto à parede
do tubo, chamada camada limite, onde o escoamento permanece laminar. Além da camada limite, onde o
escoamento é turbulento, o movimento do fluido é altamente irregular, caracterizado por vórtices locais e
um grande aumento na resistência ao escoamento. O regime de escoamento, se laminar ou turbulento, é
determinado pela seguinte quantidade adimensional, chamada número de Reynolds:
Re =
ρuD uD Forças Inerciais
=
=
μ
ν
Forças Vis cos as
(1)
Verifica-se experimentalmente que o escoamento de um fluido em um tubo circular é:
•
Laminar se Re < 2100.
•
Turbulento se Re > 4000.
•
Instável, mudando de um regime para outro se 2100 < Re < 4000 (região de transição).
1.5 Propriedades Intensivas e Extensivas
Grandeza intensiva é qualquer grandeza associada a uma substância que seja independente da
sua massa. Pode-se citar como grandeza intensiva a velocidade e a temperatura. Consequentemente
grandeza extensiva é aquela que depende da massa da substância (i.e. do tamanho do sistema). Como
exemplos citam-se a massa e o volume da substância. Toda a grandeza extensiva tem uma intensiva a
ela associada, denominada grandeza específica, que pode ser obtida dividindo-se a grandeza pela
massa da substância, como exemplificado a seguir para uma propriedade N qualquer.
η=
dN
dm
ou
propriedade intensiva =
propriedade extensiva
m
(2)
A próxima tabela exemplifica algumas grandezas extensivas usuais em fenômenos de
transporte e correspondentes intensivas.
Tabela 1.0 – Exemplos de grandezas extensivas e correspondentes grandezas intensivas.
Extensivas
Intensivas
Massa
m
Quantidade de movimento
um
Velocidade
Volume
V
Volume específico
Energia
E
Energia específica
Energia interna
U
Energia interna específica
2
Energia cinética
½mu
Energia cinética específica
Energia potencial
mgz
Energia potencial específica
1
u
v
e
u
½ u2
gz
1.6 Sistema
É uma quantidade de matéria de massa e identidade fixa, que escolhemos como objeto de
estudo. Esta quantidade de matéria está contida por uma fronteira através da qual não há fluxo de
massa. Apenas energia (calor e trabalho) flui através da fronteira. Exemplo:
Sistema
1.7 Volume de Controle
É uma determinada região delimitada por uma fronteira onde uma determinada quantidade de
matéria é observada. A fronteira desta região pode ser atravessada por massa, calor, trabalho ou outras
formas de energia. Estuda-se a variação da massa e da energia da substância ao atravessar esta região.
Exemplo:
Volume de Controle
1.8 Regime permanente (estacionário) e transiente
No escoamento permanente, as propriedades e características do fluxo são independentes do
tempo. Isto significa que não existem mudanças nas propriedades deste fluxo em um determinado
ponto com o decorrer do tempo, mas pode ter mudanças espaciais (de um ponto com relação ao outro).
1.9 Descrição Lagrangeana (sistema) e Euleriana (volume de controle)
Estes dois tipos de descrição permitem analisar problemas em mecânica dos fluidos de duas
formas diferentes:
1) Descrição Lagrangeana (sistema) consiste em identificar certas partículas do fluido e a partir
daí observar variações de propriedades tais como temperatura; velocidade; pressão; etc. ao
longo do tempo, ou seja, necessita-se conhecer as propriedades das partículas à medida que
estas se deslocam no espaço com o passar do tempo. Isto dificulta consideravelmente o estudo
do escoamento. A outra forma, a Euleriana, apresenta vantagens por oferecer maior
simplicidade com precisão satisfatória. (No método de Lagrange a medida deve acompanhar o
escoamento – ex. balão de sondagem atmosférica).
2) A descrição Euleriana (volume de controle) é a mais apropriada para se estudar as propriedades
do fluido em escoamento. Este método consiste em fixar-se o tempo e observar as propriedades do
fluido em vários pontos pré-estabelecidos podendo-se assim obter uma “visão” do comportamento
do escoamento naquele instante. Repetindo-se este procedimento para alguns instantes diferentes
pode-se ter um entendimento do comportamento do escoamento ao longo do tempo. (No método de
Euler, escolhe-se um volume de controle, que é fixo no espaço, o qual é atravessado pelo
escoamento. Neste método, o equacionamento é aplicado nas entradas e nas saídas).
2. Balanços Globais e Diferenciais
Para se estudar um escoamento deve-se identificar algumas informações relativas ao processo e
fundamentar a técnica a ser utilizada para a sua análise. As abordagens de análise são baseadas na
descrição lagrangeana (diferencial) e euleriana (global), assim:
Balanços Globais:
•
o volume de controle delimita uma caixa preta;
•
as equações de balanço são aplicadas através da envoltória do volume de controle;
•
o volume de controle pode incluir paredes sólidas, e
•
não fornece informações sobre o comportamento ponto a ponto do sistema, apenas valores
globais (ou seja, entradas e saídas).
Balanços Diferenciais:
•
o elemento de volume é infinitesimal; está dentro da caixa preta;
•
permite ao observador “observar” variações das grandezas no interior do volume de controle;
•
o balanço é aplicado geralmente sobre uma única fase, e
•
o balanço é integrado até os limites da fase com o auxílio de condições de contorno para
encontrar a solução particular do problema.
2.1 Equações básicas na forma integral para um volume de controle (Balanço Global)
Começaremos nosso estudo de fluidos em movimento desenvolvendo as equações básicas na
forma integral para aplicação em volume de controle. Por que a formulação em volume de controle
(i.e. região fixa) em vez de sistema (i.e. massa fixa)? Há dois motivos básicos. Primeiro, é
extremamente difícil identificar e seguir a mesma massa de fluido em todos os instantes, como deve
ser feito para aplicar a formulação do sistema. Segundo, o que nos interessa, geralmente, não é o
movimento de uma dada massa de fluido, mas sim o efeito do movimento global de fluido sobre algum
dispositivo ou estrutura (tal como uma seção da asa ou uma curva de uma tubulação). Deste modo, é
mais conveniente aplicar as leis básicas a um volume definido no espaço, usando uma análise de
volume de controle (sistema euleriano).
Como já estamos familiarizados com as leis básicas para um sistema, pois elas fazem parte de
estudos anteriores de física, mecânica e termodinâmica. Nosso objetivo agora é obter expressões
matemáticas para estas leis que sejam válidas para um volume de controle, mesmo sabendo que as leis
básicas se aplicam realmente a uma massa (i.e. um sistema). Isto envolverá deduções matemáticas que
convertem uma expressão de sistema para uma expressão equivalente de volume de controle. Ao
invés de deduzir esta conversão para cada uma das leis, iremos deduzi-la de uma forma genérica, e em
seguida, aplicá-las a cada lei.
- Leis básicas para um sistema (sem entrada ou saída de massa)
- Conservação de massa
Como um sistema é, por definição, uma porção arbitrária de matéria de identidade fixa, ele é
constituído da mesma quantidade de matéria em todos os instantes. A conservação de massa exige que
a massa M, do sistema seja constante. Numa base de taxa (i.e. por unidade de tempo), temos:
D
∫ ρ dV = 0 (da definição de sistema, as fronteiras não permitem entrada/saída de massa)
Dt Sistema
(3)
- A primeira lei da termodinâmica (conservação da energia)
A equação da primeira lei pode ser escrita na forma de taxa como sendo:
D
Q − W =
∫ eρ dV
Dt Sistema
(4)
u2
+ gz
2
(5)
e=u+
- Segunda Lei de Newton (quantidade de movimento)
Para um sistema movendo-se em relação a um referencial fixo, a segunda lei de Newton
G
G
( F = ma ) estabelece que a soma de todas as forças externas agindo sobre o sistema é igual à taxa de
variação de quantidade de movimento “linear” do sistema.
D
∑ F = Dt ∫
u ρ dV
(6)
Sistema
De forma genérica podemos observar que para cada lei básica destas apresentadas a quantidade
integral é uma propriedade extensiva do sistema (Nsis). Nsis pode ser massa, quantidade de movimento
ou energia do sistema. É útil introduzir a variável η para a propriedade intensiva. Assim, podemos
tornar as relações para um sistema de uma forma genérica por:
N sistema =
∫
ηρ dV
(7)
Sistema
- Teorema do transporte de Reynolds (converte de sistema para volume de controle)
Este teorema tem como premissa transformar as equações válidas para um sistema em equações
válidas para um volume de controle. (i.e. converte do sistema Lagrangeano para o Euleriano).
As equações obtidas na seção anterior para a massa, energia e quantidade de movimento são
para um sistema, e desejamos agora “converter” para equações equivalentes para volume de controle.
Para isso, usaremos o símbolo N para representar qualquer uma das propriedades extensivas do
sistema. Podemos imaginar N como sendo uma quantidade de “coisa” (massa, movimento linear,
movimento angular ou energia) do sistema. A propriedade intensiva correspondente (N/m) será
designada por η. Assim,
N sistema =
∫
Sistema
ηρ dV
(8)
Com base nas equações de sistemas e por meio de uma comparação entre sistema e volume de
controle, obtemos uma relação fundamental entre a taxa de variação de qualquer propriedade extensiva
arbitrária, N, de um sistema e a variação destas propriedades associadas com um volume de controle.
Alguns autores referem-se a esta equação discriminada a seguir, como o Teorema de Transporte de
Reynolds (TTR).
DN sistema d
ˆ )dA
= ∫∫∫ (ηρ)dV + ∫∫ (ηρnu
Dt
dt ∀
A
ou
(9)
DN sistema d
ˆ )dA
=
∫ (ηρ)dV + SC∫ (ηρnu
Dt
dt VC
(10)
Avaliação do produto vetorial n̂udA
ˆ
nudA
= u (cos α)dA
n̂udA = +udA
n̂udA = −udA
Interpretação física de cada termo do TTR
DN sistema
Dt
d
∫ (ηρ)dV
dt VC
- é a taxa de variação de qualquer propriedade extensiva (da quantidade de
qualquer “coisa”, por exemplo, massa e energia) arbitrária do sistema.
- é a taxa de variação com o tempo da propriedade extensiva arbitrária N dentro
do volume de controle.
: η é a propriedade intensiva correspondente a N; η = N/m.
: ρdV é um elemento de massa contido no volume de controle.
:
ˆ )dA
∫ (ηρnu
SC
∫
VC
(ηρ)dV é a quantidade total da propriedade extensiva N contida dentro do
volume de controle
- é a taxa líquida de fluxo da propriedade extensiva N através da superfície de
controle.
ˆ )dA é a taxa de fluxo de massa através do elemento de área dA por unidade
: (ρnu
de tempo.
ˆ )dA é a taxa de fluxo da propriedade extensiva N através da área dA.
: (ηρnu
2.1.1 CONSERVAÇÃO DE MASSA
O primeiro princípio físico ao qual aplicamos a relação entre as formulações de sistema e volume
de controle é o princípio da conservação de massa. A massa de um sistema permanece constante. As
formulações de sistema e de volume de controle (genérica) são relacionadas pela equação
DN sistema d
ˆ )dA
=
∫ (ηρ)dV + SC∫ (ηρnu
Dt
dt VC
(30)
Para deduzir a formulação para volume de controle da conservação de massa, fazemos:
N=Meη=1
Que substituídos na equação genérica do TTR fornece:
DM sistema d
ˆ )dA
=
∫ (ρ)dV + SC∫ (ρnu
Dt
dt VC
(31)
⎛ DM sistema
⎞
= 0 ⎟ , resulta em:
Da conservação de massa para sistema ⎜
⎝ Dt
⎠
d
ˆ )dA = 0
∫ (ρ)dV + SC∫ (ρnu
dt VC
(Balanço Geral para Conservação de Massa)
(32)
d
∫ (ρ)dV = Taxa de aumento de massa no VC
dt VC
ˆ )dA = Taxa líquida de massa através da SC
∫ (ρnu
SC
Para um volume de controle fixo (não deformável), unidimensional (propriedades do
escoamento são praticamente uniformes) representado pela figura abaixo:
(Taxa de massa acumulada) + (Taxa de massa que sai) – (Taxa de massa que entra) = 0
dρ
dV
dt
VC
∫
+
∑ ( ρ Au )
i
i i sai
i
dρ
dV + ∑ ( ρi Au
i i ) sai −∑ ( ρ i Au
i i )entra = 0
dt
i
i
VC
∫
–
∑ ( ρ Au )
i
i i entra
=0
i
(BGM – VC não deformável).
(33)
- Casos Especiais
Em alguns casos é possível simplificar a equação anterior (Equação 33), como no caso de um
escoamento incompressível (massa específica ρ = constante, geralmente válida para líquidos). Quando
ρ não depende nem do espaço nem do tempo, a equação pode ser escrita como:
ρ
d
∫ dV + ∑i ( ρi Aui i )sai −∑i ( ρi Aui i )entra = 0
dt VC
(34)
A integral de dV sobre todo o volume de controle é o próprio volume total do sistema. Assim,
dividindo a equação anterior por ρ, escrevemos:
dV
+ ∑ ( Au
i i ) sai −∑ ( Au
i i ) entra = 0
dt
i
i
(35)
Para um volume de controle não deformável, de forma e tamanhos fixos, V = constante. A
conservação da massa para escoamento incompressível, através de um volume de controle fixo e para
regime permanente ou não, torna-se:
∑ ( Au )
i i sai
i
=∑ ( Au
i i ) entra
(36)
i
A solução desta somatória (integral) sobre a seção de uma superfície de controle é comumente
chamada de taxa de fluxo de volume ou vazão volumétrica (no SI em m3/s). Assim, a vazão
volumétrica nestas condições através da seção da superfície de controle de área A, é dada por:
Q=
ˆ
∫ nudA
ou
Q = A∗u
(vazão volumétrica – no SI [m3/s]) (37)
m = ρ * Q
(vazão mássica – no SI [kg/s])
SC
(38)
Considere agora o caso geral de escoamento permanente, compressível (para gases), através de
um volume de controle fixo. Por definição, nenhuma propriedade do fluido varia com o tempo num
escoamento permanente, reduzindo a equação 33, para:
∑ ( ρ Au )
i
i
i i sai
−∑ ( ρi Au
i i ) entra = 0
i
(39)
Exemplos
Exemplo 14: Considere o escoamento permanente de água em uma junção de tubos conforme
mostrado no diagrama. As áreas das seções são: A1 = 0,2 m2; A2 = 0,2 m2; A3 = 0,15 m2. O fluido
também vaza para fora do tubo através de um orifício no ponto 4, com uma vazão volumétrica
estimada em 0,1 m/s. As velocidades médias nas seções 1 e 3 são u1 = 5 m/s e u3 = 12 m/s. Determine
a velocidade do escoamento na seção 2.
Exemplo 15: Um reservatório se enche de água por meio de duas entradas unidimensionais. Ar é
aprisionado no topo do reservatório. A altura da água é h. (a) Encontre uma expressão para a variação
da altura da água, dh/dt. (b) Calcule dh/dt para D1 = 25 mm, D2 = 75 mm, u1 = 0,9 m/s, u2 = 0,6 m/s e
Ares = 0,18 m2, considerando a água a 20 ºC.
Exemplo 16: Um tanque de volume V = 0,05 m3 contendo ar a p = 800 kPa (absoluta) e T = 15ºC. Em
t = 0, o ar começa a escapar por uma válvula. O ar sai como uma velocidade u = 300 m/s e massa
específica ρ = 6 kg/m3 através de uma área A = 65 mm2. Determine a taxa de variação da massa
específica do ar no tanque em t = 0.
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