O descaso com o planejamento energético brasileiro Gilmar Mendes Lourenço* A indicação de insuficiência de gás natural representa apenas o sintoma das atitudes de improvisação do governo federal com o planejamento No tocante ao abastecimento de gás, a nacionalização setorial ocorrida na Bolívia colocou em xeque as condições de abastecimento, à mercê das de longo prazo da área energética brasileira. O gás é uma espécie de elo entre os dois principais sistemas energéticos com limitações de suprimento no País: hidroeletricidade (limpa e barata) e termoeletricidade. decisões da YPFB, e, sobretudo, o modus operandi da Petrobras naquele país, devido às atitudes unilaterais das autoridades bolivianas, incluindo a quebra de contratos, a passagem das refinarias para o controle do De fato, a partir da escassez de energia verificada em 2001 – por conta da combinação entre a diminuição dos níveis dos reservatórios do Sudeste, associada à estiagem, e o diminuto nível e/ou inadequação dos Estado e a promoção de um arrocho tributário. Delineia-se um panorama de insuficiência do gás boliviano em um horizonte de curto prazo investimentos pretéritos –, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) acusou surpresa com o fato, até a administração Lula, as usinas termoelétricas movidas a gás foram transformadas, de Rigorosamente, delineia-se um panorama de insuficiência do gás boliviano em um horizonte de curto maneira emergencial, em válvula de escape à geração hidrelétrica, e o consumo de gás passou a ser fortemente subsidiado. Um conjunto razoável de unidades industriais prazo, diante da capacidade de oferta de 40 milhões de metros cúbicos/dia para os contratos de suprimento de 30 milhões ao Brasil, 7 milhões à Argentina, além dos 5 milhões alocados à demanda interna. No que se refere procurou tirar proveito da conjuntura de preços e de oferta favoráveis, especialmente via oferta boliviana, para promover a reconversão da matriz energética de óleo para gás, caso dos segmentos de cerâmica e de à Argentina, há o compromisso de fornecimento de 27 milhões de metros cúbicos/dia em três anos. Cumpre reconhecer que a Petrobras vem intensificando a exploração de gás da Bacia de Santos (Mexilhão), implantando projetos no Espírito Santo (Peroá-Cangoa e Golfinho, com produção estimada de 24 milhões de metros cúbicos/dia a partir de 2009) e investindo em duas estações de regaseificação de gás liquefeito, como forma de amenização dos efeitos da instabilidade boliviana. Ainda assim, a estatal vem descumprindo as metas de produção de gás em mais de 12,0% em face da meta projetada. Lembre-se de que a exploração da reserva (de petróleo e gás) do campo de Tupi, recentemente descoberta em águas profundas em Santos, exigirá vultosos investimentos físicos e tecnológicos (cerca de três vezes superiores aos convencionais) de longa maturação temporal (entre sete e oito anos), mas viáveis com cotação do petróleo acima de US$ 30,00 no mercado internacional, conforme cálculos dos meios especializados. vidros, elevando o peso do insumo na utilização de combustíveis no País para 25,0%. A Petrobras definiu, abruptamente, em outubro de 2007, um corte de 17,0% da disponibilidade de gás natural às distribuidoras de São Paulo e do Rio de Janeiro (decisão anulada, no caso do Rio, por determinação judicial), retomando-a aos patamares previstos nos contratos (2,3 e 2,0 milhões de metros cúbicos/dia para Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente), em face do prolongamento da seca na Região Sudeste. Com isso, a estatal confirmou a iminência de um novo apagão energético, projetada por instituições da envergadura das Centrais Elétricas Brasileiras e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Inclusive, a prospecção de compressão da oferta de gás levou a Petrobras a se comprometer, junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a abastecer gás para as térmicas. ANÁLISE CONJUNTURAL, v.29, n.11-12, p.18, nov./dez. 2007 * Economista, técnico da equipe permanente desta publicação, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UNIFAE – Centro Universitário – FAE Business School. Segundo estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério das Minas e Energia (MME), o País terá de conviver com déficit de 48,0 milhões aquelas forçadas a substituir gás por óleo combustível, em um panorama de elevação das cotações do petróleo no mercado externo e de restrições ambientais. de metros cúbicos/dia entre 2010 e 2016, mesmo quando considerada a produção esperada de Tupi. O problema do gás é de competência do MME, a quem caberia preparar um plano visando à redução da Contudo, os diferenciais entre os ritmos de crescimento da economia brasileira e de maturação dos investimentos em ampliação e diversificação da oferta de energia podem ofuscar os planos de inversões excessiva dependência do País do item, realizada ainda de forma atabalhoada, e ao levantamento de alternativas de substituição mais eficientes, acompanhadas da instituição de um marco regulatório-ambiental privados, em decorrência da multiplicação das dúvidas quanto à disponibilidade, qualidade e custo do insumo e/ou precipitar a efetivação de novos racionamentos pelas vias físicas (espontâneos ou por cotas) e financeira adequado. Não menos relevante seria efetuar uma compensação das empresas afetadas, principalmente (preços). É o caso dos projetos de expansão dos segmentos cerâmico e de vidros. ANÁLISE CONJUNTURAL, v.29, n.11-12, p.19, nov./dez. 2007