“BOTA-ABAIXO, O”
Expressão criada para designar, ao mesmo tempo, o processo de reformas urbanas operado
a partir de 1903 no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, e o prefeito da cidade à época,
Francisco Pereira Passos (1902-1906). Com a expressão “o Bota-Abaixo”, buscou-se
destacar a maneira radical pela qual foi implementado um conjunto de obras públicas que
então redefiniram a estrutura urbana da capital federal.
No início do século XX, o Rio de Janeiro era a principal e maior cidade do país. Os
constantes fluxos migratórios e imigratórios favoreceram um intenso processo de
urbanização, que demandava uma reestruturação espacial daquele que era considerado o
cartão postal do país. Na base desse debate sobre a necessidade de um planejamento urbano
– tanto no Rio quanto em Paris –, esteve presente o conceito de política higienista,
relacionada com as precárias condições sanitárias das habitações urbanas, especialmente as
coletivas. Uma das figuras preeminentes desse debate foi Pereira Passos, que entre 1857 e
1860 frequentou vários cursos na École de Ponts et Chaussées em Paris, onde acompanhou
as obras empreendidas por Georges Haussmann com o intuito de transformar a capital
francesa em uma cidade “civilizada”, de acordo com os padrões da época. À frente da
prefeitura do departamento do Sena, Haussmann desbastou o emaranhado de ruas estreitas,
pôs abaixo habitações populares, e construiu em seu lugar um conjunto monumental de
largas e extensas avenidas.
Sanear, higienizar, ordenar, demolir, civilizar, foram também as palavras de ordem do
prefeito Pereira Passos. Por isso mesmo, cortiços, casas de cômodos, estalagens, velhos
casarões, passaram a ser os alvos preferenciais da reforma urbanística que empreendeu ao
longo de seu mandato. Um dos objetivos principais dessa reforma era livrar a capital
federal da pecha de cidade insalubre, assolada por constantes epidemias de febre amarela,
varíola e malária, com sérios prejuízos para a atividade comercial do país.
À custa da derrubada de velhos imóveis, foram alargadas e prolongadas diversas vias
urbanas, como a rua do Sacramento (futura avenida Passos), a rua da Prainha (atual rua do
Acre) e a rua Uruguaiana, entre outras. Avenidas radiais e diagonais, cortando o centro em
várias direções – as avenidas Mem de Sá, Salvador de Sá, Marechal Floriano – exigiram o
arrasamento de morros, como o do Senado, e a demolição de moradias e casas de comércio
que se encontravam no trajeto das “vias do progresso”.
A avenida Central (atual Rio Branco), que uniu o Rio de Janeiro de mar a mar, isto é, do
porto, na Prainha, até a avenida Beira-Mar, é o marco principal da reforma urbana então
realizada. Apesar de debitada ao prefeito, a obra foi iniciativa do governo federal, que ainda
realizou obras de ampliação do porto do Rio de Janeiro, além de abrir as avenidas
Rodrigues Alves e Francisco Bicalho.
São conflitantes as informações sobre o número de construções demolidas para dar
passagem à nova avenida, variando entre setecentas e três mil. Ao atuar sobre velhas
freguesias e distritos centrais, esse conjunto de intervenções urbanísticas resultou na
destruição de quarteirões inteiros de hospedagens, cortiços, casas de cômodos e estalagens,
além de armazéns e trapiches de áreas junto ao mar, forçando boa parte da população que aí
vivia e trabalhava a se deslocar para os subúrbios ou a subir os morros próximos –
Providência, São Carlos, Santo Antônio, entre outros –, até então pouco habitados.
Reconhecida como indispensável para o processo de remodelação urbana da capital federal,
em especial pelos efeitos que teve sobre a circulação pelo Centro e sua ligação com outras
zonas da cidade, a operação “bota-abaixo” ficou marcada pela maneira autoritária com que
lidou com as milhares de pessoas prejudicadas pela perda de suas moradias e negócios.
Marly Motta
FONTES: ABREU, M. Evolução; BENCHIMOL, J. Pereira Passos; REIS, J.
Administrações; ROCHA, O. Era.
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