CRIMES PASSIONAIS: PRESENTE NA VIDA DE MUITOS
CASAIS
Júlia Andressa Queiroz
Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar alguns dados estatísticos sobre crimes
passionais, como e porque acontecem e questionar como é feita a defesa desses réus que matam,
por amor, perante a justiça. Propõe-se a revisão bibliográfica para se destacar alguns aspectos
comumente envolvidos na violência doméstica, tais como a naturalização, a invisibilidade e a
permissividade dos comportamentos abusivos.
Palavras-chave: Crimes passionais. Honra. Patriarcalismo. Violência doméstica.
Abstract
This paper aims to present some statistics on crimes of passion, how and why they happen and
question how is made the defense of these defendants, who kill for love, to justice. It is proposed a
literature review to highlight some aspects commonly involved in domestic violence, such as
naturalization, invisibility and permissiveness of abusive behavior.
Keywords: Crimes of passion. Honor. Patriarchy. Domestic Violence.
Considerações introdutória
O crime passional é, hoje, um dos temas de maior relevância que se encontra em debate na mídia
e nos diversos contextos sociais. Juridicamente, o crime pode ser definido, conforme Nucci
(2006), de forma material, formal e analítica. O primeiro refere-se à compreensão no nível do
senso comum, determinando o que é proibido ou não; já o aspecto formal é tido como um
comportamento proibido por lei e o analítico tem a orientação da lei do direito de um
entendimento específico no qual caracteriza o crime como uma conduta típica, antijurídica e
culpável.
Violência e crime nem sempre andam juntos, pois muitos casais vivem no inter-jogo de um
relacionamento violento, porém não significa que exista a ameaça de morte. O crime passional é
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definido como homicídio, sendo a morte de uma pessoa causada por outra, mas neste caso, ocorre
com uma particularidade, que é a vinculação afetiva sexual ou não entre as partes e o sentimento
forte e dominador conhecido como „paixão‟. Em outras palavras, o crime é cometido sobre a
chamada violenta emoção, prevista no art. 121 da Parte Especial do Código Penal Brasileiro
(2012). As formas de expressão violenta são diversas e, dentre elas, nos focaremos nos crimes
passionais que são atos impulsivos gerados pelo ciúmes, pensamento obsessivo e sentimento de
perda da parceira.
O crime passional pode ser considerado como uma das principais formas de violência doméstica
em nosso meio, englobando, paralelamente as agressões psicológicas, físicas, sexuais e
financeiras. Atualmente, considera-se que estas agressões possuem alta prevalência e consistem
em violação dos direitos humanos, mobilizando organizações e profissionais de saúde e
assistência social a buscar estratégias de enfrentamento.
Trata-se aqui de discutir a paixão, a violência e o crime nos relacionamentos e analisar, os dados
estatísticos e os motivos que levam a um crime passional. A partir de uma revisão bibliográfica, as
questões sociais, as relações de poder, as dificuldades na identificação da violência e a
permissividade envolvidas no comportamento agressivo.
Dados estatísticos sobre violência nos relacionamentos
Diante de dados que o Juiz Nelson Melo de Moraes Rêgo, titular da Vara Especial da Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher do Tribunal de Justiça do Maranhão apresentou na 6°
Jornada Maria da Penha, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça EUZÉBIO (2012), o
maior motivo da violência entre os casais surge quando as mulheres querem a separação. Verificase que a violência ocorre em qualquer classe social, porém, com maior ênfase nas classes baixas e
em relações onde os maridos encontram-se desempregados.
A partir de uma breve revisão de estudos estatísticos, pode-se constatar que o índice de agressões
entre casais é alarmante. Dados epidemiológicos apontam que a violência nos relacionamentos
acarreta mais mortes às mulheres de 15 a 44 anos que a malária, o câncer os acidentes de carro e
as guerras. Compreende como formas de agressões estupros, abusos físicos, sexuais, emocionais,
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violência racial, abandono, privações e assassinatos, entre muitas outras (GOMES, MINAYO &
SILVA, 2005).
Os dados numéricos, trazidas por Waiselfisz (2011) nas últimas estatísticas destacadas no Mapa
da Violência 2012, pelo Instituto Sangali, de que no Brasil a cada 5 minutos uma mulher é
agredida pelo seu parceiro. A mesma pesquisa aborda que o Brasil também é o sétimo em
feminicídio de 84 países, atrás de El Salvador, Guatemala, Rússia e Colômbia. Os Estados com as
taxas mais elevadas de violência contra as mulheres são o Espírito Santo, Alagoas e Paraná,
respectivamente com taxas de 9.4, 8.3 e 6.3 homicídios para cada 100 mil mulheres. No mundo,
um em cada cinco dias de absenteísmo no trabalho feminino decorre da violência doméstica e, na
América Latina, esta estatística atinge cerca de 25% a 50% das mulheres (ADEODATO,
CARVALHO & SIQUEIRA, 2005). Mais um dado alarmante do Sistema de Informações de
Mortalidade da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde relata que, do ano de
1980 a 2010 teve um aumentando de 217,6% de mulheres assassinadas, neste período,
aproximadamente 91 mil homicídio de mulheres no Brasil (WAISELFISZ, 2012). “Isso representa
em média de 4.350 mulheres assassinadas por ano, 362,5 por mês, 12,1 por dia, ou seja, a cada
duas horas, uma mulher é assassinada no país”, afirma Mota (2012). Na cidade de São Paulo, foi
registrado o maior número de assassinatos de mulheres e, em Roraima, o menor. Em 90% destes
casos, os homicídios são cometidos por parceiros sexuais. (WAISELFISZ, 2012.)
São poucos os casos em que, antes de matar a mulher, o homem já não havia dados sinais de
agressividade, como a violência psicológica, física e ameaças verbais. Por isso, desde que se criou
a Lei 11.340/2006 conhecida como Lei Maria da Penha, as delegacias da mulher receberam um
número crescente de denúncias por maus tratos e ameaças de morte, sofrida por seus agressores,
com o objetivo de coibir este crime.
Influência de uma sociedade patriarcal
Há uma complexidade do fenômeno da violência conjugal que perpassa toda uma construção
histórica, cultural e social na perspectiva de gênero. Segundo Blay (2012), agredir ou matar uma
mulher, são fatos que têm acontecido ao decorrer da história e em diferentes regimes econômicos
e políticos.
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A história da dominação masculina, com bases no patriarcado, conforme descreve Saffioti (2005),
acontece há milhares de anos e faz parte da prática de muitos países, onde a concepção adotada e
passada culturalmente pela sociedade em relação à mulher é a de „objeto de posse‟ de seu marido,
sendo-o dono da casa e detentor do direito de decisão. Segundo o mesmo autor a mulher, neste
contexto, era educada para os afazeres domésticos, colocada como um ser impensante e incapaz
de decidir, pelas condições de submissão e naturalização de seu papel de mulher, esposa, mãe e o
homem educado para ser forte, dominador o que trás o sustento para a família.
A própria etimologia de família (famulus em latim), que significa “as coisas e pertences do
senhor”, indica essa ordem patriarcal (ENGELS, 2002) que, atravessando as gerações de forma
inconsciente como uma herança genealógica sociocultural, o modelo de família hierárquica e
autoritária manteve-se por séculos a dominação masculina sobre a mulher e a família (BAUER,
2001; ARAUJO, 2010).
Araújo (2003) assinala que a maior vítima é a mulher, mas isto não significa que os homens não
sofram violência ou mesmo com a violência praticada. Há uma complexidade do fenômeno da
violência conjugal que perpassa dentro de uma construção histórica e social na perspectiva de
gênero.
Para o estudo do art. 26 do Código Penal, Figueiredo (2011) pontua que é necessário saber que os
homens são iguais perante a lei, mas profundamente diferentes sob o ângulo biológico e
psicológico. Rabinowcz (2000) explica os diferentes funcionamentos entre o psíquico de homens
e mulheres:
A mulher traída nem sempre se vinga sobre o marido ou sobre sua
cúmplice. Com freqüência perdoa, por vezes suicida-se de desespero,
quando se vê abandonada para sempre, mas quando toma o partido de se
vingar, a sua vingança é atroz. É um traço característico da psicologia da
mulher. Exasperada, passa a ser um monstro de ferocidade, que só
respira vingança e só pensa em submeter a sua vítima aos mais atrozes
sofrimentos. São verdadeiras especialistas da dor. (2000, p 138).
Devido às questões sociais e culturais, foram tolerados por muito tempo os crimes praticados
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dentro do lar, independente de classe social, devido as desigualdade de gênero, sendo o homem o
detentor do poder, que manda para a mulher obedecer, dentro de um contexto hierárquico no
relacionamento. Diante deste quadro, os crimes passionais só irão diminuir ou acabar
definitivamente quando o patriarcalismo não influenciar mais nas idéias, no comportamento e nas
decisões das pessoas. (ELUF, 2007).
Motivos que levam a cometer o Crime
Estudos apontam que existe uma reprodução do modelo de educação que foi recebido dos pais na
infância, ou também uma “perpetuação transgeracional do ciclo da violência”, resultando, muitas
vezes, na agressão como o método utilizado para a resolução dos conflitos (PENSO; COSTA,
2008, p. 109).
Para a maioria dos indivíduos, a idéia de mãe é como se fosse de uma espécie de Santa, papel este
transferido com a vinda da esposa ou companheira que será mãe de seus filhos e quando frustrado
em alguns aspectos como generosidade e pouco afável com esse indivíduo ou querendo na
maioria das vezes romper com o relacionamento, para alguns homens, o único jeito para resolver
esse problema é agredir, matar, acabar com o “erro” (BIFANO, 2009).
Para Walker (apud DINIZ, 2011, p.19) a dinâmica da violência conjugal evidencia-se de maneira
cíclica, relacional e progressiva. Esses autores chamam a atenção para um ciclo da violência de
três fases que se intercalam. São elas: (1) a construção da tensão: com incidentes pequenos e
controlados; (2) tensão máxima: onde ocorre a perda do controle, concretizando a eclosão da
violência psicológicas ou físicas; e (3) o momento chamado de „lua de mel‟, que corresponde à
fase de reestruturação e de promessas, de modo que com o tempo reinicia o processo de tensão até
a lua de mel e assim sucessivamente até que um dos conjugues rompa com o relacionamento.
O artigo de Santiago e Coelho (2010) refere que o homem, quando está vivendo um
relacionamento e descobre que seu objeto amado pode estar lhe traindo de forma real ou
imaginária, sente-se acometido de ódio, dor e ciúme e, na pouca tolerância de suportar o
sofrimento, comete o crime que muitas vezes leva à morte da parceira. O mesmo foi evidenciado
por Eluf (2007), a qual percebe que o que leva alguém a cometer um crime passional é o
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sentimento de egoísmo e de posse, não resultando do amor, e sim do ódio. Sendo assim, os
criminosos passionais são imaturos emocionalmente, não aceitando frustrações. Matam “quem
eles julgam amar” de forma compulsiva, tornando-se muito difícil separar dos restos mortais de
suas vitimas. (COTES, 2006)
Diferentes tipos de homicídio e defesa no tribunal do júri
Nelson Hungria considera o homicídio como uma forte violação do senso moral da humanidade
civilizada. (HUNGRIA, 1942) Identificam-se vários tipos de homicídios os quais tem relação com
os Crimes Passionais, dentre eles o homicídio privilegiado e o qualificado explicado a seguir com
suas devidas relações.
Com relação ao homicídio privilegiado, este está disposto no §1º do art. 121 do Código Penal
(ABREU FILHO, 2012). Se o homicida comete crime por valores morais ou emocionais logo
após a provocação, sem tempo para pensar na atitude, o juiz pode reduzir a pena de um sexto para
um terço. Ou seja -para confirmar o beneficio de homicídio privilegiado- a conduta deve ser
praticada pelo agente dominado da violenta emoção (CAVALCANTE, 2006).
Considera-se qualificado o homicídio, se praticado com determinados meios que apresentem
crueldade, ou de forma a dificultar ou tornar impossível à defesa da vítima; ou, por fim, se
perpetrado com o objetivo de atingir fins especialmente reprováveis como execução ou ocultação
(PRADO, 2002). Ainda, no homicídio qualificado, pode-se fazer uma analise subjetiva as quais
constam nos incisos I e II, § 2º do art. 121 do Código Penal. A primeira é a do motivo torpe, sendo
um motivo repugnante e depravante do agente. (FIGUEIREDO, 2011). A segunda circunstância é
o motivo fútil, o qual é um motivo desproporcionado ou inadequado. (FIGUEIREDO, 2011). Uma
maneira de diminuir um sexto da pena do homicida passional é defender que foi um homicídio
privilegiado, ou seja, no momento do crime o criminoso sofreu “perturbações dos sentidos e da
inteligência”, julgando ser por “motivo torpe”, ou seja, o que a mulher fez afetou a masculinidade
(ELUF, 2007).
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A tese de legítima defesa da honra, que levou a absolvição de alguns casos, não é mais aceita nos
tribunais, pois com o desenvolvimento da sociedade, é possível se dizer agora que “a honra do
homem não é portada pela mulher”. Sendo assim, o criminoso terá de arcar com as consequências
de seus atos. No entanto, algumas ideias e crenças de culpabilização da mulher e vitimização do
homem ainda circulam em nossa sociedade, dificultando as mudanças (ELUF, 2007).
Considerações finais
Sabe-se que para toda a ação corresponde uma reação, e muitos fatores que durante o
relacionamento, quando não bem explicados e clareados entre os parceiros, no acúmulo, podem
levar ao acometimento de um crime passional ou grave. Sendo assim, parece ser que a única
forma de evitá-lo é quando os envolvidos conseguem identificar que o casal está com um
problema relacional e possam seguir em busca de “projetos preventivos”.
O comportamento do ser humano é de alta complexidade, pode ser influenciado por causas
multifatoriais oriundas de contextos dos modelos familiares, social e cultural. Estudos indicam,
que possivelmente, o comportamento da vítima também possa ter sua contribuição como fator
“retro-alimentador” da irritabilidade do agressor, criando-se assim um ciclo de violência conjugal
muitas vezes irreversível e alimentando ainda mais às estatísticas de fatalidade.
O homicídio passional sempre esteve presente na humanidade e não pertence exclusivamente a
uma classe social. O sentimento, é inerente ao ser humano, e a cada um cabe administrar a dor de
uma separação. Sendo que o autor do crime não tem o direito de matar por emoção ou por
sentimento de desprezo e a paixão sentida não pode ser usada para deixar o assassino na
impunidade.
O grande desafio é reconhecer e combater que ainda há desigualdade de gênero com ações
direcionadas para mostrar o caráter coletivo desses crimes, evitando seu esquecimento e
banalização. A Lei Maria da Penha representou um grande avanço no combate à violência contra
a mulher, no entanto, muito ainda precisa ser feito para coibir e prevenir os crimes passionais.
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