Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis SÍNDROME DE BURNOUT E QUALIDADE DE VIDA DE POLICIAIS MILITARES E CIVIS Burnout syndrome and quality of life in the military police and civilian Síndrome de quemarse por el trabajo y calidad de vida de policia militar y policia civil Liliana Andolpho Magalhães Guimarães – Universidade Católica Dom Bosco Vânia Maria Mayer - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Helen Paola Vieira Bueno - Universidade Católica Dom Bosco Márcia Regina Teixeira Minari - Universidade Católica Dom Bosco Lusineide Ferreira Martins – Universidade Católica Dom Bosco Endereço para contato Profa. Dra. Liliana A. M. Guimarães Avenida Tamandaré, 6000. Jardim Seminário CEP: 79117900. Campo Grande, MS – Brasil [email protected] Liliana Andolpho Magalhães Guimarães Psicóloga. Mestre em Psicologia da Saúde, Doutora em Saúde Mental; Pós-doutora em Medicina do Estresse; Profa Titular do curso de Mestrado e Doutorado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco ( UCDB) – MS; Diretora do Laboratório de Saúde Mental e Qualidade de Vida no Trabalho da UCDB. Pesquisadora do CNPq e do Núcleo de Psicologia e Psiquiatria Forense ( NUFOR) - Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo- USP; Participante do Grupo de Trabalho (GT1) da Associação Nacional de Pósgraduação em Psicologia (ANPEP) Vânia Maria Mayer Psicóloga. Mestre em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Doutora em Saúde e Desenvolvimento pela UFMS. Helen Paola Vieira Bueno Psicóloga. Mestre em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Profa e Coordenadora do curso de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Campus Aquidauana-MS. Márcia Regina Teixeira Minari Psicóloga, Mestre em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Psicóloga da Saúde Ocupacional da Universidade Federal de Mato Grosso do SUL (UCDB) Lusineide Ferreira Martins Psicóloga, Mestre pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Atualmente é psicóloga na UCDB, atuando em psicologia clínica e orientadora dos Trabalhos de Conclusão de Curso nas Pós-graduação em Saúde Mental e Psicologia do Trabalho na UCDB Virtual. Agradecimentos: Os autores agradecem a participação dos mestrandos e mestres (à época da realização desse estudo) do curso de Mestrado em Psicologia da UCDB-MS, na coleta de dados em campo: Adelzira Souza Soares, José Soares, Neomar Herculano de Souza Barros, Ignez Charbel Stephannini e Elaine Vaz Vaez Gomes. Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 98 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis RESUMO Este estudo caracterizou e comparou a ocorrência da Síndrome de Burnout (SB) e a Qualidade de Vida Profissional (QVP) entre policiais militares (PMs) e policiais civis (PCs) de Campo Grande-MS, Brasil. A amostra por conveniência foi de 474 policiais, de todas as patentes, estado civil e ambos os sexos. De N=2321 PMs, participaram n=240 (148 M; 92 F); de N= 966 PCs foram amostrados n=234 (127 M; 107F). Nos PMs predominou uma escolaridade média e nos PCs, ensino superior completo. A amostra como um todo apresentou 56% de SB com índice significativamente maior para os PCs, que apresentaram também índices mais elevados que os PMs nas três dimensões da SB. Os PCs referem maior Carga de Trabalho e pior QVT, entretanto mais Motivação Intrínseca. Os resultados obtidos apontam para o nível de desgaste emocional e físico a que os policiais estão expostos, estando os PCs mais comprometidos. Palavras-chave: Esgotamento Profissional; Qualidade de Vida; Polícia; Policiais Militares. ABSTRACT This study characterized and compared the occurrence of Burnout Syndrome (BS) and the Quality of Working Life (QVP) in military police (military police) and civilian police (PCs) from Campo GrandeMS, Brazil. The convenience sample consisted of 474 officers of all ranks, marital status and both sexes. N=2321 PMs studied n=240 (148 M, 92 F), N=966 PCs were sampled n=234 (127 M, 107F). Schooling prevalent among police officers was the high school and among police officers was college. The total sample showed 56% of the SB, significantly higher for PCs, which also had higher rates than the PMs in the three dimensions of the SB. PCs report higher workload and worse QVT, but more Intrinsic Motivation. The results point to the level of emotional and physical distress that the police are exposed and PCs are more committed. Keywords- Burnout Professional; Quality of Life; Police; Military police. RESUMEN Este estudio caracteriza y comparó la incidencia del síndrome de burnout (SBB) y la Calidad de Vida Laboral (QVP) entre la policía militar y em La policía civil de Campo Grande -MS , Brasil. La muestra de conveniencia era de 474 policiais, de todos los rangos , estado civil y ambos sexos. De N=2321 PMs , participaron n=240 (148 M , 92 F); de N=966 PCs, se muestrearon n=234 (127 M, 107F). En los PMs predominou uma escolaridade média y en los PCs, ensino superior completo. La muestra en su conjunto mostró 56% de SB con un índice significativamente mayor para los PC, que también tenían tasas más altas que los PMs en las tres dimensiones del SB . PCs reportan mayor carga de trabajo e peor calildader de vida en el trabajo, pero más motivación intrínseca. Los resultados obtenidos demonstram el nivel de estrés emocional y físico que los agentes de policía están expuestos, con los PC más comprometidos . Palabras clave: Burnout Profesional, Calidad de Vida, Policía Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 99 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis INTRODUÇÃO No Brasil, a partir da década de 1980 constata-se um aumento dos índices de violência, expresso nos indicadores do setor saúde e da segurança pública (Minayo & Souza, 2003). Para Souza, Franco, Meireles, Ferreira e Santos (2007), essa intensificação da violência tem exigido políticas mais eficazes de segurança pública e acarretado uma sobrecarga física e emocional aos trabalhadores desse setor. Os autores referem ainda que, além de lidar com as pressões da sociedade por um policiamento eficiente, na realidade brasileira as precárias condições de trabalho interferem no desempenho desses profissionais, geram desgaste, insatisfação, provocam estresse e sofrimento psíquico, com sérias repercussões em sua saúde e qualidade de vida. Cabe destacar que, de acordo com Visnikar e Mesko (2002), todas as forças policiais do mundo defrontam-se no momento, com as consequências do estresse a que estes profissionais estão expostos e, diante deste quadro, é premente a busca de alternativas para minimizar o sofrimento, tendo em vista, inclusive, a eficácia de suas ações, com o que concordam os autores deste estudo. No Brasil, Andrade, Souza e Minayo (2009) afirmam que a questão da segurança pública, é geralmente pensada tecnicamente, sem levar em conta a pessoa do policial. Os autores mencionam que a intranquilidade da população brasileira quanto à segurança pública, geralmente, é apenas pensada sobre um norte de referência, a ameaça social, sem levar em conta a pessoa e as singularidades do policial. Este profissional está direta e indiretamente ligado ao contraste social vivido atualmente, direto quando de serviço, tendo que realizar seu trabalho executando suas funções como policia e indiretamente no horário de sua folga, enfrentando a insegurança pública atual como todo cidadão. Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 100 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis O trabalho do policial envolve principalmente duas variáveis: perigo e autoridade. Essa combinação deixaria os policiais em constante pressão por eficiência. Além disso, a presença do perigo os colocaria em alerta e os isolaria dos outros segmentos sociais e comunitários, devido a um comportamento contínuo de desconfiança. Assim, o perigo estimula a conduta do policial focada na defesa pessoal e essa conduta tende a ser impulsiva, pois o perigo traz a ansiedade e o medo (Silva, 2011). Para Oliveira e Santos (2010) o cansaço físico e a falta de equilíbrio emocional podem levar esses profissionais a assumirem atitudes irracionais durantes crises e situações caóticas. Assim, tais atitudes podem levar à falta de eficácia no desempenho do exercício profissional, expondo os policiais e a população em geral a perigos em potencial. Souza et al (2012) afirmam que os constantes riscos a que o policial militar se expõe em função do exercício da sua profissão levam-no, também, a sentir medo, por si e próprio e por sua família, por ser reconhecido como agente da segurança nos períodos de folga do trabalho, quando aumenta seu risco de vitimização, e o de ser agredido e morto no desempenho das suas funções. Esse medo é uma forma de defesa do corpo e do espírito dos que vivem sempre alerta aos perigos. No entanto, quando o estado de tensão e o desgaste físico e emocional são constantes, eles podem gerar diversos prejuízos à saúde e à qualidade de vida, dentre eles, estresse e sofrimento psíquico. Os estressores no trabalho policial são classificados em quatro categorias, a saber, (1) estressores inerentes ao trabalho policial, (2) decorrente das práticas e políticas internas do departamento de polícia, (3) decorrente de tensões com o sistema de justiça criminal e da sociedade em geral e (4) estressores (internos) do próprio policial (Houdmont, 2013). Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 101 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis A função policial, portanto, é considerada de alto risco para o desenvolvimento e instalação da Síndrome de Burnout, quadro clínico mental extremo, decorrente da cronificação do estresse ocupacional (Guimarães & Ferreira, 2000), um dos eixos temáticos deste estudo. O outro eixo temático desta investigação é a Qualidade de Vida Profissional (QVP) será que a literatura como consensualmente aponta para sua multidimensionalidade (Oliveira & Limongi-França, 2005). Cabezas-Peña (2000, p. 25) define a Qualidade de Vida Profissional como “[...] a experiência de bem estar, secundária à percepção de equilíbrio entre as demandas ou cargas de trabalho e os recursos (psicológicos, organizacionais e reacionais) disponíveis para enfrentá-las”. Nessa direção, Fernández (2002), aponta que a QVP é uma das circunstâncias que mais interferem no comportamento das pessoas dentro de uma organização, relacionando-se diretamente com a qualidade dos serviços prestados. Moraes e Kiliminik (1994) referem existir uma relação direta entre a QVT e baixos níveis de estresse, e que o aumento da QVT e o controle do estresse e de suas manifestações negativas no ambiente de trabalho, podem constituir importante base para os resultados organizacionais, com o que concordam os autores do presente estudo. A literatura brasileira sobre o processo de trabalho dos policiais ainda é incipiente. Não foi encontrado nenhum estudo comparativo sobre a Síndrome de Burnout (SB) e a Qualidade de Vida Profissional (QVP) em policiais militares e civis. Na literatura pesquisada para a viabilização da presente investigação, o único estudo que utilizou o mesmo método e instrumentos para aferir a SB e a QVP foi o de Mayer (2006), realizado com policiais militares de Campo Grande-MS, parte da presente investigação. Não foram encontrados na literatura nacional e internacional nos últimos 5 anos estudos que pudessem ser comparados, que abordassem a um só tempo a Síndrome de Burnout (SB) e a Qualidade de Vida Profissional (QVP) com as validação do MBI Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 102 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis utilizada e o QVP-35, instrumento escolhido para aferir a Qualidade de Vida profissional, em policiais militares e civis. Polícia civil e militar: diferentes atribuições São de interesse desse estudo somente as polícias militar e civil, da cidade de Campo Grande/MS. As duas Corporações, por delegação constitucional, são de cunho estadual. Ambas, têm por finalidade promover a segurança pública, e estão subordinadas aos Governadores dos Estados. Os focos de atuação e as funções de ambas, no entanto, são diversos. Faz-se necessária a descrição de atribuições de uma e da outra força porque as eventuais diferenças podem se refletir de distintas maneiras na saúde mental destes dois grupos de policiais. A PC é o primeiro elo na produção da justiça criminal e tem como tarefa principal a investigação e a denúncia de crimes, atuando basicamente, após a sua ocorrência. Especificamente, a PC é responsável pela investigação de crimes e sua autoria, elaboração de Boletins de Ocorrência de qualquer natureza, expedição de cédula de identidade, expedição de atestado de antecedentes criminais e de residência, expedição de registro de porte de arma e expedição de alvarás de produtos controlados, entre outros. Também é competência da PC fiscalizar o funcionamento de determinadas atividades comerciais e autorizar a realização de grandes eventos. A PC pode, ocasionalmente, cumprir missões fora do seu estado. Para isso, porém, é preciso pedir autorização à Polícia Civil local. Os policiais que a integram são de carreiras diversas, como as de: Delegado de Polícia, Escrivão de Polícia, Investigador de Polícia, Perito Criminal, Médico-Legista, Perito Papiloscopista e Agente de Polícia Científica (Silveira et al, 2005). As ferramentas de trabalho da Polícia Civil são as seguintes: entrada de Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 103 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis dados-Boletim de Ocorrência-SIGO, consulta a cidadãos; reconhecimento biométrico, geo-referenciamento de ocorrências e controle de qualidade dos procedimentos-CPJ. Silveira et al. (2005) afirmam que a PM atua na preservação da ordem pública e realiza vigilância ostensiva, que tem a função de cuidar do patrulhamento e da represália imediata às tentativas de danos à segurança pública. É responsável pelo policiamento preventivo, realizando o policiamento ostensivo em todas as suas modalidades: policiamento motorizado e a pé; policiamento florestal e de mananciais; policiamento de trânsito urbano e rodoviário; policiamento montado; policiamento com cães; policiamento escolar; policiamento de guarda; policiamento em praças desportivas; policiamento tático motorizado; radia-patrulhamento aéreo; rondas ostensivas; rondas ostensivas com apoio de motocicletas. Serviços Especiais oferecidos pela Polícia Militar: Bombeiros, entre outros. A denominação policiamento "ostensivo" é dada justamente no sentido de ostentar, alardear, assumir, para que a população a identifique numa situação de emergência e para que os indivíduos que vivem à margem da lei se inibam ante a sua presença. Por isso, por exemplo, são utilizadas as fardas. Nos quadros da PM, há uma carreira e os policiais ocupam postos, denominados de "patentes", e.g., a de Coronel, Major, Capitão, Tenente, Sargento, Cabo e Soldado (Silveira et al , 2005). Portanto, a diferença entre as policiais civil e militar é o escopo de suas funções. De forma geral, os policiais civis investigam os homicídios, roubos e sequestros em seus estados e os policiais militares são responsáveis por prevenir as condutas criminosas e zelar pela ordem pública (Constituição Federal do Brasil, 1988). O principal objetivo desse estudo foi identificar e comparar nas duas corporações (polícia civil e militar de Campo Grande-MS), a ocorrência e os níveis de SB caracterizando a QVP, relacionando-as. Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 104 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis MATERIAL E MÉTODOS Participantes Realizou-se um estudo exploratório-descritivo, utilizando-se parte do banco de dados do estudo realizado por Mayer (2006), em policiais militares. O número amostral de cada corporação foi calculado com base em listagens fornecidas pelos setores de Recursos Humanos da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Mato Grosso do Sul e pelo Comando Geral da Polícia Militar do Estado do Mato Grosso do Sul. A amostra de estudo foi composta 474 policiais civis e militares, de todas as patentes, estado civil e ambos os sexos, escolhidos por conveniência. De uma população de 2321 Policiais Militares, estudou-se uma amostra por conveniência de 240 (148 M; 92 F) e de 966 Policiais Civis foram estudados 234 (127M; 107F). Instrumentos Foram aplicados os seguintes instrumentos: (i) MBI - Inventário de Burnout de Maslach (Maslach & Jackson, 1981) validado no Brasil por Tamayo (2003), que possui três dimensões: a exaustão emocional, a despersonalização e a diminuição da realização pessoal e é conhecido nacional e intencionalmente, dispensando maiores descrições e (ii) o QVP-35- Questionário de Qualidade de Vida Profissional (Cabezas-Peña, 1999), com validação brasileira de Guimarães et al (2004b). Suas s questões são agrupadas em 08 dimensões: (i) Desconforto Relacionado ao Trabalho- DRT (5 itens), (α=0,89, (ii) Apoio Organizacional - AO (3 itens (α=0,86), (iii) Carga de Trabalho- CT (5 itens), (α =0,83), (iv) Recursos Relacionados ao Trabalho- RRT (4 itens) (α= 0,72), (v) Apoio Social- AS (3 itens) (α= 0,79), (vi) Motivação Intrínseca-MI (4 itens) (α=0,75), (vii) Capacitação Relacionado ao Trabalho- CRT (3 itens) (α=0,75)e (viii) Percepção sobre a Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 105 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis Qualidade de Vida no Trabalho- QVT (1 item) (α=0,82). O QVP-35 permite uma medida multidimensional da QVP mediante 35 questões fechadas das percepções que o trabalhador tem das condições relacionadas ao seu ambiente geral de trabalho em uma escala tipo Likert (1- 10) que compreende as categorias: NADA (valores 1-2), POUCO (valores 3-4-5), BASTANTE (valores 6-7-8), MUITO (valores 9-10). Um questionário sócio-demográfico e análise documental, também foram utilizados. O instrumento escolhido para mensurá-la foi o QVP-35 (Cabezas-Peña, 1999), que contém oito dimensões (ver descrição na seção correspondente), sendo a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), uma delas. Procedimentos de coleta de dados A aplicação dos instrumentos foi feita de forma coletiva. Na polícia civil, foi realizada no auditório do setor de Treinamento do Comando Geral de Campo Grande/MS em quatro períodos matutinos, em setembro de 2005; na polícia militar, em três períodos, de agosto a outubro de 2005, no Centro de Formação e Aperfeiçoamento Policial (CFAP) e na Policlínica da Polícia Militar, em Campo Grande/MS. Cinco pesquisadores foram treinados especialmente para a aplicação dos instrumentos em campo. RESULTADOS Previamente à análise de dados, procedeu-se à sua preparação. Foram realizadas análises de casos omissos, extremos (outliers) e de normalidade e homoscedasticidade dos dados. A análise de casos omissos foi feita visualmente, pois os pesquisadores na digitação dos dados verificaram que quase não havia itens com não-resposta e que nenhum padrão foi identificado, permitindo inferir que as não-respostas foram Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 106 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis aleatórias. Em seguida, foi feita a análise de outliers. Nenhum outlier univariado com três ou mais desvios-padrão de distância da média foi encontrado. A análise de outliers multivariados foi feita por meio do cálculo da distância de Mahalanobis. Foram excluídos 2 outliers multivariados. Os indicadores de curtose sinalizam uma distribuição não normal dos dados. Entretanto a análise de normalidade revelou que nenhuma variável estava fora dos padrões aceitos de normalidade. Os índices estavam dentro do recomendado por Kline (1998), curtose acima de 8 e skew acima de 3. A homoscedasticidade foi aferida pelo teste Box's M. A estatística F não significativa revela que não há diferenças nas matrizes de covariância entre os grupos, dando suporte à suposição de homogeneidade Os resultados obtidos pelo teste de Kolmogorov-Smirnov mostraram não ser possível a aplicação da técnica da ANOVA, dado que, nenhuma das variáveis estudadas mostrou distribuição normal. Foi utilizado, portanto, o teste não-paramétrico de MannWhitney, considerando-se a mediana e não a média. O grau de significância estabelecido foi de 5% para a diferença entre as medianas. A única variável sóciodemográfica a se diferenciar significativamente nos dois grupos foi a escolaridade: os PCs apresentam em sua maioria, curso superior completo e os PMs, escolaridade média. A Tabela 1 mostra que houve diferença significativa nos resultados para SB, em que os PCs, apresentaram mediana maior (57) que o grupo como um todo (56) e do que os PMS (55). Os PCs evidenciaram também índices de SB mais elevados do que os PMS (p<0,01) e também nas seguintes dimensões: (i) Exaustão Emocional (p< 0,01) e (ii) Diminuição do Envolvimento Pessoal (EP) (p<0,03). A Tabela 2 mostra o resultado apresentado por PCs e PMS em cada dimensão do QVP-35. Evidenciaram-se diferenças significativas nas seguintes dimensões: (i) Carga de Trabalho (CT) (p<0,01), (ii) Motivação Intrínseca (MI) (p=0,01) e (iii) Percepção Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 107 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis sobre a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) (p=0,01)); os PCs apresentam percepção de maior Carga de Trabalho, de pior QVT, porém maior Motivação Intrínseca que os PMs. Tabela 1 Resultados da Síndrome de Burnout e suas 03 dimensões para PCs, PMS e amostra total Corporação EP EE DE BURNOUT Policia Civil (PCs) 28,0< 16,0 12,0 57,0 28,0> 14,0 12,0 55,0 Total 28,0 15,0 12,0 56,0 p-valor* *0,03 *<0,01 0,10 *<0,01 Policia Militar (PMs) Mediana * (p< 0,05) teste Mann- Whitney Legenda EP- Diminuição do Envolvimento Pessoal EE- Exaustão Emocional DE- Despersonalização Tabela 2 Resultados das dimensões do QVP-35 para PCs, PMs e amostra total Corporação DRT AO CT RRT AS MI 7,0 4,2 5,0 6,0 8,3 7,0 8,5 8,0 8,0 4,2 5,1 6,2 8,3 7,0 8,8 8,0 7,0 0,68 0,71 <0,01 0,29 0,28 0,01 0,14 BASTANTE 8,1 MUITO 8,8 MUITO p- valor* 7,0 BASTANTE Classif. 8,3 BASTANTE Total 6,6 BASTANTE Mediana 5,2 POUCO PMs QVT 4,0 POUCO PCs CRT 0,01 *Teste de Mann-Whitney (p< 0,05) Legenda DRT - Desconforto Relacionado ao Trabalho AO - Apoio Organizacional CT - Carga de Trabalho RT - Recursos Relacionados ao Trabalho AS - Apoio Social MI - Motivação Intrínseca CRT - Capacitação para o Trabalho QVT - Percepção Geral sobre a Qualidade de Vida no Trabalho Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 108 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis Procedeu-se também a uma Análise de Regressão Linear Múltipla (ARLM) para verificar se as dimensões do QVP-35 exercem influência na SB, analisando-se primeiramente o grupo como um todo. A regressão obtida foi significativa (p<0,05) e o coeficiente de determinação (R2) foi de 0,26, ou seja, 26% da variação do Burnout foi explicada pelas dimensões do QVP-35. As dimensões do QVP-35 que mostraram influência (p<0,05) na SB foram as seguintes: (i) Desconforto Relacionado ao Trabalho, (ii) Apoio Organizacional, (iii) Carga de Trabalho e (iv) Capacitação Relacionada ao Trabalho. As únicas dimensões que se mostraram positivamente correlacionadas foram o Desconforto Relacionado ao Trabalho e a Carga de Trabalho, sendo que as demais variáveis se mostraram inversamente correlacionadas com a SB (Tabela 3). Tabela 3 Análise de Regressão Linear Múltipla dos coeficientes das dimensões do QVP-35 sobre a SB, para o grupo como um todo Dimensão Coeficiente β p-valor Desconforto relacionado ao trabalho 0,93 *< 0,01 Apoio Organizacional -0,72 *< 0,01 Carga de Trabalho 1,03 *< 0,01 Recursos relacionados ao trabalho 0,38 0,14 Apoio Social 0,04 0,83 Motivação Intrínseca -0,36 0,13 Capacitação relacionada ao trabalho -0,47 *0,04 * (p< 0,05) A seguir, foi feita ARLM separadamente, para PCs e PMs. Para os PCs, a ARLM foi significativa (p-valor < 0,05) e o coeficiente de determinação (R2), foi de 0.43, ou seja, 43 % da variação da SB foi explicada pelas dimensões do QVP-35. As dimensões do QVP-35 que contribuíram para a ocorrência da SB nos PCs foram: (i) Desconforto Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 109 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis Relacionado ao Trabalho, (ii) Apoio Organizacional, (iii) Carga de Trabalho e (iv) Recursos Relacionados ao Trabalho. O Apoio Organizacional esteve inversamente relacionado à SB (Tabela 4). Tabela 4 Análise de Regressão Linear Múltipla dos coeficientes das dimensões do QVP-35, sobre a SB, para os PCs Dimensão Coeficiente β p-valor Desconforto relacionado ao trabalho 1,4 *< 0,01 -0,65 * 0,02 Carga de Trabalho 1,1 *< 0,01 Recursos relacionados ao trabalho 0,94 * 0,02 Apoio Social -0,06 0,80 Motivação Intrínseca -0,67 0,06 Capacitação relacionada ao trabalho -0,15 0,67 Apoio Organizacional * (p< 0,05) Para os PMs, a ARLM foi significativa (p-valor < 0,05) e o coeficiente de determinação (R2) foi de 0.10, ou seja, 10 % da variação da SB foi explicada pelas dimensões do QVP-35. Nos PMs, portanto, as dimensões do QVP-35 exercem menor influência para a ocorrência da SB do que nos PCs. Apenas as seguintes dimensões do QVP-35 se mostraram significativamente influentes para a ocorrência de SB nos PMs (p < 0,01): (i) Desconforto Relacionado ao Trabalho e (ii) Capacitação Relacionada ao Trabalho, sendo que a última se mostrou inversamente relacionada (p < 0,01) como apresentado na Tabela 5. Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 110 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis Tabela 5 Análise de Regressão Linear Múltipla dos coeficientes das dimensões do QVP-35 sobre a SB, para os PCs Dimensão Coeficiente β p-valor Desconforto relacionado ao trabalho 0,14 * < 0,01 Apoio Organizacional -0,04 0,18 Carga de Trabalho 0,12 0,06 Recursos relacionados ao trabalho 0,01 0,89 Apoio Social 0,003 0,96 Motivação Intrínseca 0,04 0,62 Capacitação relacionada ao trabalho -0,25 *< 0,04 * (p< 0,05) DISCUSSÃO A amostra de estudo apresentou um elevado índice de SB. Obteve-se, no entanto, diferenças estatisticamente significativas nos resultados apresentados por PMs e PCs, em que os PCs apresentaram índices mais elevados de SB do que os PMs (p<0,01). Os PCs apresentam também índice mais elevado nas seguintes dimensões da SB: (i) Exaustão Emocional (EE) e (ii) Diminuição do Envolvimento Pessoal (EP). Para Zohar (1997) a EE é primordialmente, uma resposta às demandas dos estressores que os trabalhadores enfrentam, tais como, a sobrecarga de trabalho, os contatos interpessoais, conflito de papéis e os altos níveis de expectativas dos indivíduos com relação a si próprios e a sua organização. Em concordância ao estudo realizado por Faria (1998), os achados obtidos na presente investigação particularmente nos PCs, podem estar relacionados à permanência prolongada dos estressores do ambiente de trabalho, provavelmente provenientes da esfera estrutural-organizacional e que expõem o trabalhador a um estresse permanente e crônico. Leiter (1993) considera que a Diminuição do Envolvimento Pessoal, surge de Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 111 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis forma paralela à EE, e apresenta-se como causa direta dos estressores laborais, sobretudo, a falta de apoio social e de oportunidades para desenvolver-se profissionalmente. Cabe lembrar que nos PCs, predominou a escolaridade superior completa e nos PMS, a escolaridade média. É possível que esse fato atue como um dos fatores de desestimulo aos PCs, ou seja, a escolaridade superior não é valorizada para progressão na carreira. Com relação às dimensões do QVP-35, os PCs apresentaram percepção de maior Carga de Trabalho, menor índice de QVT, no entanto, maior Motivação Intrínseca que os PMs. A dimensão Motivação Intrínseca (MI) engloba as questões: (i) vontade de ser criativo, (ii) orgulho pelo trabalho, (iii) motivação e (iv) satisfação com o trabalho. Os resultados obtidos parecem estar de acordo com o que referem Maslach e Leiter, (1997) quando afirmam que indivíduos altamente motivados e idealistas são os mais expostos ao Burnout. Quanto à Carga de Trabalho Excessiva, Levi, Frankenhauser e Gardell (1986) referem que, uma sobrecarga quantitativa implica em uma grande quantidade de trabalho, em um determinado período de tempo. Sabe-se que, em geral, o contingente de policiais não é suficiente para todas as demandas a serem atendidas, podendo haver um maior número de horas de trabalho (Carlotto & Câmara, 2011). Devido ao tipo de trabalho (ocorrências prolongadas) muitas vezes o policial não consegue terminar seu turno no horário previsto. Acrescente-se que, o trabalho desenvolvido por esses profissionais é carregado de intensa carga emocional, o que pode contribuir também para uma sobrecarga qualitativa. Nessa direção, Hochschild (2003) denominou de “emotional work”, trabalho emocional, o tipo de trabalho em que a cada contato é necessário adaptar ou regular o comportamento às emoções. O “emotional work” implica em expressar emoções desejadas pelas organizações, durante o trabalho. Todos Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 112 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis esses aspectos podem repercutir na Qualidade de Vida no Trabalho desses policiais. Oliveira (2011) aponta alguns fatores para o acometimento da fadiga intensa entre os militares, como uma carga horária de trabalho elevada, baixos salários, com uma rotina de atividade física no trabalho abaixo do recomendado, pressão da mídia e imposições previstas em regulamento da polícia militar, que podem levar a problemas de saúde mental. Os resultados obtidos por meio da Análise de Regressão Linear Múltipla (ARLM) feita nas dimensões do QVP-35 sobre a SB para o grupo como um todo indicou que, as primeiras influenciam em 26% a ocorrência da segunda, apresentandose maior para os PCs (43%) e menor para os PMs (10%). Já em 1985, Huse e Cummings referiam que uma crescente insatisfação do trabalhador pode repercutir em uma baixa qualidade de vida nas organizações, podendo gerar alcoolismo, uso de substâncias psicoativas, toda a sorte de desordens psiquiátrico-psicológicas, absenteísmo, greves, atendimento deficitário à população, baixa produtividade, entre outras. A ARLM para o grupo como um todo mostrou que as seguintes dimensões do QVP-35 contribuem para a ocorrência da SB: (i) Desconforto Relacionado ao Trabalho (interrupções incômodas, conseqüências negativas do trabalho sobre a saúde, falta de tempo para a vida pessoal, incomodo físico no trabalho, conflitos com outras pessoas), (ii) Carga de Trabalho (quantidade de trabalho, estresse, pressão para realizar o trabalho, pressão para manter a qualidade do trabalho), (iii) Apoio Organizacional impossibilidade de expressar o que pensam, o não apoio de superiores, a impossibilidade de expressar suas necessidades e opiniões, bem como impossibilidade de que suas propostas sejam ouvidas e aplicadas, insatisfação com o salário, Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 113 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis impossibilidade de ser criativo, não preocupação da corporação para a melhoria da QV, não reconhecimento do esforço, não informação sobre os resultados do trabalho realizado (ausência de feed back) e não possibilidade de promoção e (iv) Capacitação para Realizar o Trabalho (sentir-se capacitado para a realização do trabalho, trabalho que exige capacitação, capacidade de desligar-se ao final da jornada de trabalho). As únicas dimensões que se mostraram positivamente correlacionadas foram: Desconforto Relacionado ao Trabalho (interrupções inoportunas, exposição constante a eventos nocivos a saúde física e mental, falta de tempo para a vida pessoal, exigência física excessiva, conflitos com outras pessoas no trabalho) e Carga de Trabalho; as demais dimensões se mostraram inversamente correlacionadas à SB. Como se pode observar, fica evidente a urgência da melhoria das condições ligadas à organização do trabalho desses profissionais para uma diminuição de sua repercussão na ocorrência e níveis da Síndrome de Burnout. A ARLM mostrou também que, nos PCs, as seguintes dimensões do QVP-35 contribuíram para ocorrência da SB: (i) o Desconforto Relacionado ao Trabalho, (ii) o Apoio Organizacional, (iii) Carga de Trabalho (CT) e (iv) Recursos Relacionados ao Trabalho (não considera que seu trabalho é importante para a vida de outras pessoas, carga de responsabilidade, não ficam claras suas atribuições, não têm autonomia e liberdade de decisão). O Apoio Organizacional (AO) esteve inversamente relacionado à SB, ou seja, quanto maior o AO, menor foi a presença de SB. Fica manifesta a insatisfação dos PCs com os recursos existentes para desempenhar seu trabalho, a alta carga de trabalho e o desconforto para realizá-lo. É possível que o pouco AO percebido deva-se, em parte, a “insatisfação” com a compensação-recompensa recebida. Esse dado pode ser fruto da própria cultura organizacional, que reforça a ideia de que o efetivo não deve se preocupar com aspectos Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 114 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis econômicos referentes ao seu trabalho. Segundo seus estatutos, os policiais são proibidos por estatuto, de fazerem manifestações relativas a questões salariais e outras, havendo claras e severas punições. A consequência dessa linha de raciocínio pode ser uma “crônica” defasagem salarial. Pode-se inferir também, em concordância com os achados de Maslach e Leiter (1997) que os PCs podem ter altas expectativas ou expectativas não atingidas, com relação a desafios no trabalho, a recompensas, ao reconhecimento, a progressão na carreira e a outros aspectos laborais que podem gerar estresse e Burnout. As autoras acrescentam que, as expectativas dos trabalhadores acerca da profissão, da organização e da sua própria eficácia pessoal podem ter uma contribuição significativa para o Burnout. Nos PMS, apenas as seguintes dimensões do QVP-35 se mostraram significativamente influentes na SB (i) Desconforto relacionado ao trabalho, (ii) Capacitação relacionada ao trabalho (inversamente relacionada). Os PMs deixam evidente, portanto que, a capacitação para o trabalho é um fator essencial para a não ocorrência da SB. A única dimensão da QVP presente tanto em PCs quanto em PMS, foi o Desconforto Relacionado ao Trabalho. Cabe destacar que, algumas das variáveis que contemplam o desconforto são inerentes ao trabalho policial (exposição constante a violência e eventos deletérios a saúde física e mental), no entanto, outras (falta de tempo para a vida pessoal, conflitos com outras pessoas no trabalho, falta de preparo físico) podem ser atenuadas ou modificadas. Os achados obtidos no presente estudo apontam, sobretudo, para a importância de variáveis da organização do trabalho. Cabe ressaltar que, somente a Motivação Intrínseca (individual) não parece suficiente para proporcionar uma percepção de QVP adequada para a amostra de estudo Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 115 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis e que variáveis ligadas ao Apoio Organizacional e à Organização do Trabalho a afetam diretamente. A organização do trabalho policial e a dinâmica da violência, cadenciando novos ritmos de convivência na sociedade, são fatores que não só comprometem a economia do país, mas também afetam a saúde dos cidadãos. Esses aspectos colocam o policial no centro de uma conjugação de forças, exigindo dele um verdadeiro e constante combate, que também é travado com o componente de precarização do trabalho. Ambos os instrumentos utilizados neste estudo mostraram-se adequados para os objetivos propostos. O MBI de vinte itens, em sua validação realizada por Tamayo (2003), mostrou-se eficaz na aferição do Burnout neste grupo ocupacional. O QVP-35, utilizado pela primeira vez na amostra, mostrou-se de fácil aplicação, marco teóricoconceitual bem estabelecido. A ausência de estudos feitos com policiais civis e militares simultaneamente avaliando a SB e a QVP não permitiu maiores comparações com os resultados obtidos. CONCLUSÕES A análise dos resultados permite concluir que a SB está presente, tanto em policiais civis quanto em policiais militares da cidade Campo Grande-MS, sendo que, os PCs, apresentam índice mais elevado. Alguns aspectos da QVP de cada corporação podem ter contribuído para a ocorrência da SB na amostra de estudo como um todo, sendo em comum a PCs e a PMS, a percepção de desconforto relacionado ao trabalho. Para os PCs, os seguintes domínios contribuíram para a percepção de ocorrência da SB i) o Desconforto Relacionado ao Trabalho, (ii) Apoio Organizacional, (iii) Carga de Trabalho e (iv) Recursos Relacionados ao Trabalho. Para os PMs, contribuíram a Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 116 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis percepção de Desconforto Relacionado ao Trabalho e a Falta de Capacitação relacionada ao trabalho. É possível uma ação preventiva por parte da organização e tal ação poderia incluir 1) a aplicação de um programa efetivo de diagnóstico, orientação e controle do estresse, bem como de identificação dos eventos estressores, presentes no dia-a-dia dos policiais, através de check-up médico e psicológico anual; 2) a implementação de um programa de atividade física, esporte e lazer; 3) a construção ou recuperação de espaços adequados a essas práticas; e 4) o aumento do número de policiais, principalmente de soldados, a fim de evitar a sobrecarga de trabalho. Sugere-se a realização de outros estudos com a mesma amostra comparando gênero, patente, tempo na função entre outras variáveis, que poderão trazer dados mais específicos sobre a ocorrência da SB e da QVP nesses profissionais. Aponta-se para a necessidade de medidas concretas, dentre as quais, o desenvolvimento de espaços de escuta dos problemas que os policiais vivenciam no cotidiano e em momentos de grandes tensões, visando não apenas, mas também, ao melhor desempenho técnico e a maior qualidade de vida para eles e suas famílias. Recomenda-se projetos de bem-estar psicológico direcionados ao policial militar, pois situações de risco podem, em longo prazo, gerar efeitos colaterais severos como o desenvolvimento de patologias, ou na falta de controle acerca do comportamento agressivo, esses fatores constituem risco direto à população. Presume-se que novos e maiores investimentos por parte do poder público, quem sabe, poder-se-ia observar profissionais mais saudáveis do ponto de vista afetivo-emocional e, consequentemente, mais eficazes na realização de sua tão fundamental atividade profissional. Revista Sul Americana de Psicologia, v2, n1, Jan/Jun, 2014 117 Guimarães, Mayer, Bueno, Minari & Martins. Síndrome de bournout e qualidade de vida de policiais militares e civis Ainda que, o conhecimento desses resultados no futuro possa ser importante na tomada de decisões, os autores da presente investigação acreditam que os achados obtidos podem contribuir para o conhecimento da situação em que se encontram a Saúde Mental e a Qualidade de Vida dos policiais aqui estudados, servindo como ponto de partida para a implantação de medidas, encaminhadas ao apoio dos profissionais na melhoria de sua qualidade de vida profissional e geral. REFERÊNCIAS Andrade, E. R., Sousa, E. R. & Minayo, M. C. S. (2009). Intervenção visando a autoestima e a qualidade de vida dos policiais civis do Rio de Janeiro. Ciências e Saúde Coletiva, 14 (1), 275-285. Cabezas-Peña, C. (1999). Síndrome de desgaste profesional, estrés laboral y calidad de vida profesional. Formación médica continuada en Atención Primaria, 5 (8), 491492. Cabezas-Peña, C. (2000). La calidad de vida de los profesionales. 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