MARCELO TADEU COMETTI
O DIREITO DOS ACIONISTAS DE PARTICIPAR NOS
LUCROS SOCIAIS
Mestrado em Direito
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2007
MARCELO TADEU COMETTI
O DIREITO DOS ACIONISTAS DE PARTICIPAR NOS
LUCROS SOCIAIS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de mestre
em Direito – Sub Área de Direito
Comercial sob a orientação da Prof. Dr.
Fábio Ulhoa Coelho
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2007
C732d
COMETTI, Marcelo Tadeu
O direito dos acionistas de participar nos lucros sociais. Marcelo
Tadeu Cometti. – São Paulo, SP: [s.n], 2007.
204f.
Orientador: Profº Dr. Fábio Ulhoa Coelho
Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo
1. Lucros sociais. 2. Direito dos acionistas. 3. Sociedades
Anônimas. I. Coelho, Fábio Ulhoa. II. Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
CDD 346.81066
Banca Examinadora
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta dissertação.
Assinatura:______________________Data e Local:_______________________
AGRADECIMENTOS
É imperioso expressar minha gratidão àqueles que muito contribuíram
para a realização desta dissertação de mestrado.
Agradeço assim, em primeiro lugar, ao meu orientador, professor Fábio
Ulhoa Coelho, exemplo a ser seguido por sua dedicação e brilhantismo no ensino do
Direito Empresarial e cujas valiosas lições e sugestões foram essenciais para o
aprimoramento deste trabalho.
Agradeço ao professor Marcus Elidius Michelli de Almeida pelas lições nos
primeiros passos do magistério e por ter despertado em mim, ainda durante a
graduação, o interesse pelo estudo do Direito Empresarial.
À minha querida companheira, Tatiana Neves Smolentzov, com quem,
desde os primeiros anos da Faculdade de Direito, tenho compartilhado e
desenvolvido idéias e ideais, agradeço por toda paciência, estimulo e carinho.
Agradeço também à Vera Maria N. Smolentzov e Vicente Gomes de
Oliveira Filho, sempre prontos e dispostos, pela valiosa ajuda prestada nos
momentos mais difíceis.
Agradeço ao meu pai e professor, Gerson Cometti, grande incentivador e
amigo, e à minha querida mãe, Marina Cometti, confidente de todas as horas e fã
incondicional, por todos os esforços, carinho e abdicação empregados na minha
formação. São a eles, meus queridos pais, a quem dedico este trabalho.
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo o estudo do direito dos acionistas de participar
nos lucros sociais como um instrumento de estabilização nas relações de poder
internas na companhia, sendo, para tanto, dividido em três capítulos.No primeiro
capítulo são analisadas as regras estabelecidas na Lei 6.404/76 e posteriores
alterações que irão determinar os critérios para a apuração e destinação dos lucros
sociais. Busca-se assim determinar o conceito de lucro social, o período de sua
apuração e os instrumentos contábeis elaborados para a sua determinação. Uma
vez que nem todo o lucro auferido pela companhia é destinado aos acionistas a
título de dividendos, realiza-se também neste capítulo o estudo da parte dos lucros
sociais que é destinada ao pagamento das participações estatutárias, bem como à
criação ou manutenção de reservas ou retenção de lucros.No segundo capítulo são
apresentados os diversos grupos de acionistas que integram uma companhia e as
relações de poder existentes entre eles, sendo neste contexto analisado os direitos
essenciais e, conseqüentemente, o direito do acionista de participar nos lucros
sociais. Neste capítulo também é analisada a natureza jurídica do direito de
participar nos lucros sociais, bem como sua abrangência, uma vez que o direito de
participar nos lucros sociais não se resume aos lucros distribuídos, mas abrange
também a parcela dos lucros sociais que, muito embora retida na companhia, gera
benefícios econômicos aos acionistas em razão do aumento no valor patrimonial de
suas ações.No terceiro capítulo, o direito do acionista de participar dos lucros
distribuídos é detidamente analisado, não apenas como um direito ao dividendo por
deliberar, mas também como um direito ao pagamento do dividendo declarado.
Neste último capítulo é analisada a natureza jurídica do dividendo a deliberar, do
dividendo deliberado e dos juros pagos aos acionistas a título de remuneração sobre
o capital próprio. São também estudados os dividendos obrigatórios (artigo 202 da
Lei 6.404/76) e os dividendos preferenciais, em todas as suas modalidades (artigos
17 e 203 da Lei 6.404/76), bem como a titularidade destes direitos.
Palavras-chave: Lucros sociais. Direito dos acionistas. Sociedades Anônimas
ABSTRACT
The paper herein has the purpose to study the right of the shareholders to participate
in the profits as a stabilization instrument of the relation of internal power in the
companies. For this purpose, this paper will be divided in three chapters.The first
chapter analyzes the rules set forth in Law 6,404/76 and further amendments, which
will establish the criteria for the ascertaining and destination of profits. The concept of
profit, the period whereby the profits are ascertained and the accounting instruments
for their determination are tried to be determined herein. Considering the fact that not
all of the profit ascertained by the company is destined to the shareholders as
dividends, this referred chapter brings up the study of part of the profits which is
destined to the payment of the statutory interest, as well as the creation or
maintenance of reserves or profits retention. The second chapter presents the
several groups of shareholders of a company and the relation of power existing
among them. It is analyzed in this context the fundamental rights (direitos essenciais)
and consequently the right of the shareholder to participate in the profits. It is also
analyzed in this chapter the legal nature of the right to participate in the profits as well
as its fulfillment, due to the fact that such right is not only referred to the distributed
profits, but it also encloses part of the profit that engender economic benefits to the
shareholders, due to the increase of the equity value of their shares, even though
such profit is held back in the company.The third chapter deeply analyses the right of
the shareholder to participate in the profits already distributed, not only as a right to
dividend to be discussed, but also as a right to the payment of dividends already
declared. This last chapter analyzes the legal nature of the dividend to be discussed,
the dividends already declared and the interest on net equity paid to the
shareholders. The mandatory dividends (section 202 of Law 6.404/76) and the
preferred dividends in all of their modalities (sections 17 and 203 of Law 6.404/76)
are also studied in this chapter, as well as the rights entitled to them.
Keywords: Profits. Right of the shareholders. Corporations.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 – APURAÇÃO E DESTINAÇÃO DOS LUCROS SOCIAIS.......... 15
1 Apuração do lucros sociais................................................................................ 15
1.1 Lucro social..................................................................................................... 16
1.1.1 Lucro operacional bruto............................................................................... 17
1.1.2 Lucro operacional líquido............................................................................. 18
1.1.3 Lucro antes do Imposto de Renda............................................................... 20
1.1.4 Lucro depois do Imposto de Renda............................................................. 22
1.5 Lucro líquido................................................................................................... 23
1.2 Exercício social............................................................................................... 25
1.3 Demonstrações financeiras............................................................................ 30
1.3.1 Balanço patrimonial..................................................................................... 31
1.3.2 Demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados................................... 38
1.3.3 Demonstração do resultado do exercício.................................................... 40
1.3.4 Demonstração das origens e aplicações de recursos................................. 41
1.4 Destinação dos lucros sociais........................................................................ 44
1.4.1 Resultado do exercício e sua destinação.................................................... 44
1.4.2 Participações estatutárias............................................................................ 47
1.4.3 Participação dos debenturistas.................................................................... 48
1.4.4 Participação dos administradores e empregados........................................ 52
1.4.5 Partes beneficiárias..................................................................................... 56
1.4.6 Reservas de lucro, de capital e de reavaliação........................................... 63
1.4.7 Reservas e retenção de lucro...................................................................... 64
1.4.8 Reserva legal............................................................................................... 66
1.4.9 Reservas estatutárias.................................................................................. 68
1.5 Reservas para contingências......................................................................... 70
1.5.1 Retenção de lucros...................................................................................... 72
1.5.2 Reserva de lucros a realizar........................................................................ 74
1.5.3 Reserva de capital....................................................................................... 76
1.5.4 Reserva de reavaliação............................................................................... 77
1.5.5 Dividendos................................................................................................... 78
CAPÍTULO 2 – DIREITO DE PARTICIPAR NOS LUCROS SOCIAS E AS
RELAÇÕES DE PODER NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS................................ 80
2.1 As relações de poder nas sociedades anônimas........................................... 80
2.1.1 O princípio da maioria nas deliberações sociais......................................... 83
2.1.2 Considerações sobre o acionista controlador e o poder de controle........... 85
2.1.3 Considerações sobre os instrumentos de proteção da minoria acionária... 91
96
2.2 Direitos essenciais como instrumento de estabilização das relações de
poder.....................................................................................................................
2.2.1Direito de participar do acervo líquido.......................................................... 97
2.2.2 Direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais..................................... 99
2.2.3 Direito de preferência.................................................................................. 104
2.2.4 Direito de recesso........................................................................................ 108
2.2.4.1 Hipóteses de recesso previstas no artigo 137 da Lei 6.404/76................ 111
2.2.4.2 Outras hipóteses de recesso previstas na Lei 6.404/76........................... 117
2.2.4.3 Valor do reembolso................................................................................... 119
2.3 O direito de participar nos lucros como um direito essencial......................... 122
2.3.1 Considerações sobre a natureza do direito................................................. 122
2.3.2 Suspensão do direito de participar nos lucros sociais................................. 124
2.3.3 Direito de participar nos lucros sociais e direito do acionista ao dividendo. 128
CAPÍTULO 3 – DIREITO DO ACIONISTA AOS DIVIDENDOS........................... 133
3.1 Natureza jurídica dos dividendos.................................................................... 133
3.2 Titularidade do direito aos dividendos............................................................ 137
3.2.1 Titularidade Originária : ações ordinárias, preferenciais e de fruição.......... 138
3.2.2 Titularidade Derivada: usufruto. Fideicomisso, caução e penhor................ 145
3.2.2.1 Penhor e caução de ações....................................................................... 146
3.2.2.2 Usufruto e fideicomisso de ações............................................................. 150
3.2.2.3 Alienação fiduciária em garantia e outros ônus e gravames.................... 153
3.3 Modalidades de dividendos............................................................................ 154
3.3.1 Dividendos obrigatórios............................................................................... 154
3.3.2 Dividendo preferencial................................................................................. 166
3.3.2.1 Dividendo preferencial fixo....................................................................... 171
3.3.2.2 Dividendo preferencial mínimo................................................................. 173
3.3.2.3 Dividendo preferencial diferencial............................................................. 175
3.3.2.4 Dividendo cumulativo e não cumulativo................................................... 175
3.3.2.5 Dividendo preferencial no Mercado de Valores Mobiliários...................... 177
3.3.3 Dividendos intermediários e intercalares..................................................... 179
3.3.3.1 Dividendo versus juros sobre o capital..................................................... 181
3.4 Considerações sobre a distribuição irregular de dividendos.......................... 185
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 188
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 199
11
INTRODUÇÃO
A sociedade anônima tem na consecução de sua atividade, explorada
sempre com fins lucrativos, o elo de ligação dos interesses pessoais que motivaram
cada um de seus acionistas a ingressar na sociedade, mediante o aporte dos
recursos necessários para a realização do empreendimento. Portanto, nada mais
adequado do que assegurar a esses acionistas o direito de participar nos lucros
auferidos pela companhia. No entanto, quando a sociedade anônima atravessa
momentos de crise econômico-financeira e acaba não atingindo o seu principal
objetivo que é gerar lucro, as relações internas entre os diversos grupos de
acionistas que integram a companhia podem entrar em conflito, devendo existir
assim, em nosso ordenamento jurídico, certos instrumentos que visem a tutelar os
interesses dos acionistas minoritários frente ao poder do acionista controlador.
É neste contexto que se insere o tema desta dissertação de mestrado que
tem como propósito analisar o direito dos acionistas de participar nos lucros sociais
como um instrumento necessário para a estabilização das relações de poder
internas à companhia. A metodologia de pesquisa adotada neste trabalho se baseia
na análise das regras positivadas em nosso ordenamento jurídico, que disciplinam o
direito dos acionistas de participar nos lucros sociais, buscando, através de
exaustiva pesquisa bibliográfica, delimitar as possíveis interpretações que possam
ser dadas a partir dessas normas jurídicas, tendo como linha de pesquisa o
conhecimento tecnológico do direito. A principal dificuldade enfrentada na
elaboração desta dissertação de mestrado foi a escassez de decisões proferidas
pelos nossos tribunais superiores acerca das questões mais controvertidas
12
apresentadas e analisadas ao longo deste trabalho, razão pela qual se buscou nas
diversas correntes doutrinárias a interpretação mais adequada a essas questões.
O adequado estudo do direito de participação nos lucros sociais requer a
prévia análise das regras estabelecidas na Lei 6.404/76 e posteriores alterações que
irão determinar os critérios para a apuração e destinação dos lucros sociais. O
primeiro capítulo desta dissertação realiza a abordagem desses dois aspectos
fundamentais para a exata compreensão do tema. O primeiro aspecto consiste em
determinar os instrumentos e critérios para a apuração do lucro social, sendo
analisado ao longo do primeiro capítulo, o conceito de lucro social e as suas diversas
modalidades, bem como o período de sua apuração e os documentos contábeis
elaborados pelos administradores da companhia para sua determinação, as
chamadas demonstrações financeiras. O segundo aspecto consiste na análise das
regras estabelecidas pela lei para a destinação dos lucros sociais, uma vez que nem
todo o lucro auferido pela companhia poderá ser destinado aos acionistas a título de
dividendos. Parte dos lucros sociais também é destinada ao pagamento das
participações devidas aos debênturistas, administradores, empregados e titulares de
partes beneficiárias, bem como à criação ou manutenção de reservas ou retenção
de lucros.
Uma vez analisados os aspectos relacionados à apuração e destinação
dos lucros sociais, o segundo capítulo deste trabalho insere o direito do acionista de
participar nos lucros auferidos pela companhia dentro do contexto em que nos
propomos a estudá-lo. Partindo do estudo das relações existentes entre os diversos
grupos de acionistas que integram a companhia e a dissociação entre a propriedade
acionária e o poder de comando empresarial, são analisados os direitos individuais
dos acionistas, sobretudo os direitos essenciais (artigo 109 da Lei 6.404/76), que
13
surgem como valoroso instrumento na estabilização das relações de poder internas
na companhia. O prévio estudo das relações de poder existentes entre acionista
controlador e minoria acionária, bem como a análise detalhada dos direitos
essenciais dos acionistas, tornam-se, portanto, de extrema importância no estudo,
não apenas da natureza jurídica do direito do acionista de participar nos lucros
sociais, mas, sobretudo, da possibilidade de sua suspensão por deliberação da
assembléia geral nas hipóteses em que o acionista deixar de cumprir obrigação
imposta pela lei ou pelo estatuto social.
Ao longo do segundo capítulo, é também analisada a discussão existente
em nossa doutrina sobre a abrangência e o significado do direito de participar dos
lucros sociais. Isso porque, enquanto para alguns juristas, o direito de participar nos
lucros sociais se resume aos dividendos; para outros, esse direito é muito mais
amplo, abrangendo não apenas os dividendos, ou seja, os lucros distribuídos, como
também a parcela dos lucros sociais que, muito embora retida na companhia, gera
benefícios econômicos aos acionistas em razão do aumento no valor patrimonial de
suas ações. Ora, buscar uma interpretação adequada a essa questão também é um
dos objetivos do presente trabalho.
O terceiro capítulo destina-se ao estudo dos dividendos que são
analisados não apenas como um direito à distribuição de parte do lucro social, isto é,
um direito ao dividendo por deliberar, mas também como um direito ao pagamento
do dividendo declarado que constitui, consoante entendimento harmônico em nossa
doutrina, num verdadeiro direito de crédito, decorrente da decisão tomada pelo
órgão de administração e pela assembléia geral em distribuir aos acionistas parcela
dos lucros sociais auferidos pela companhia. É estudada a natureza jurídica do
dividendo a deliberar e do dividendo deliberado, bem como a titularidade deste
14
direito que, ora é do próprio proprietário da ação, ora é de terceiro, como no caso do
usufrutuário. Outro aspecto relevante sobre o tema, analisado ao longo do terceiro
capítulo, são os dividendos obrigatórios (artigo 202 da Lei 6.404/76) e os dividendos
preferenciais, fixos, mínimos ou diferenciais, cumulativos ou não cumulativos (artigos
17 e 203 da Lei 6.404/76). Sobre os dividendos preferenciais, com a reforma
realizada pela Lei 10.303, de 2001, tornou-se novamente relevante a questão acerca
da possibilidade do estatuto social não conferir vantagem patrimonial a essa espécie
de ação, sobretudo, quando não for conferido ao seu titular o direito de voto, ou
houver restrição ao exercício desse direito. Trata-se de assunto relevante no estudo
do direito dos acionistas de participar nos lucros sociais, detidamente analisado ao
longo do terceiro capítulo.
Muito embora o escopo dessa dissertação de mestrado não seja a análise
dos aspectos tributários da participação dos acionistas nos lucros sociais e,
conseqüentemente, dos dividendos distribuídos aos acionistas, a análise da
natureza jurídica dos juros pagos ou creditados aos acionistas a título de
remuneração sobre o capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio
líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros a Longo Prazo (Lei
9.249/95), também é objeto de nossas considerações no terceiro capítulo deste
trabalho.
O presente trabalho busca contribuir na interpretação das normas
jurídicas que disciplinam o direito dos acionistas de participar nos lucros sociais, não
se limitando apenas ao âmbito acadêmico, mas também ao profissional, auxiliando
assim os operadores do direito a enfrentarem os problemas práticos relacionados às
questões decorrentes do tema ora estudado.
15
CAPÍTULO 1- APURAÇÃO E DESTINAÇÃO DOS LUCROS SOCIAIS
1 Apuração dos lucros sociais
É inerente às sociedades anônimas a busca do lucro quando da
exploração de seu objeto. Assim, o acionista ao adquirir ou subscrever ações de
uma companhia espera que o investimento nela realizado lhe proporcione um
retorno satisfatório como resultado positivo da empresa explorada.
Em teoria, o lucro no investimento feito pelo acionista somente aparecerá
em caráter definitivo por ocasião da liquidação da sociedade. Lembra Luiz Gastão
Paes de Barros Leães (1969, p. 40) que:
a distribuição periódica aos sócios dos lucros resultantes do giro dos
negócios, antes da liquidação final da empresa social, era, em
outros tempos, ignorada, de vez que, dentro da perspectiva então
vigente, os lucros e os prejuízos só deveriam reputar-se como tais
quando, finda a aventura social e dissolvida a sociedade, ambos se
revelassem definitivamente, do confronto dos aportes iniciais com o
produto da liquidação.
Aos poucos, entretanto, os capitalistas passaram a perceber que as
companhias organizadas para uma única empresa não eram economicamente
eficazes, nem eram suficientemente compensadoras as inversões em bens de ativo
fixo que só se liquidavam à custa de vultosas perdas, de sorte que, gradualmente,
foram as sociedades adquirindo estabilidade e permanência (LEÃES, 1969, p. 41).
Na realidade econômica de nossos dias, a companhia adquiriu um caráter
bastante nítido de permanência no tempo, que torna excepcional a sua liquidação. A
perenidade da empresa, diferindo a apuração do lucro definitivo, implica na
necessidade de mensuração periódica dos resultados parciais e o julgamento,
também periódico, da gestão social (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 513).
16
Deste modo, capital e lucro começaram a ser tratados de forma
diferenciada e o lucro auferido na exploração de uma atividade empresarial passou a
ser apurado em períodos determinados. Para que a apuração periódica se torne
possível, a contabilidade registra, ao longo do tempo, as despesas e as receitas
decorrentes da empresa, até o instante em que se devam totalizar umas e outras,
comparar as primeiras com as segundas e apontar as diferenças verificadas,
positivas ou negativas.
A
primeira
parte
desse
Capítulo
tem
por
finalidade
analisar
detalhadamente as técnicas e instrumentos utilizados para a apuração dos lucros
sociais, cumprindo-nos, todavia, analisar previamente nos itens 1.1 e 1.2 os diversos
aspectos em que a palavra lucro pode ser empregada, bem como o conceito de
exercício social, noções fundamentais para a compreensão adequada do tema deste
trabalho.
1.1 Lucro social
A análise adequada dos instrumentos utilizados para a apuração dos
lucros auferidos por uma companhia requer a prévia compreensão do exato conceito
de lucro e dos diversos enfoques que lhe podem ser dados.
Pode-se, em um primeiro momento, conceituar lucro social como sendo o
resultado obtido pela sociedade no exercício de sua atividade empresarial que
represente um acréscimo em seu patrimônio. Portanto, haverá lucro quando a
receita auferida pela companhia na exploração de sua empresa for superior aos
custos e despesas por ela suportados.
17
No entanto, o lucro é uma terminologia bastante ampla. A análise apurada
das demonstrações financeiras de uma companhia, especificadamente das
demonstrações de resultado do exercício, fará com que se constate o emprego da
palavra lucro pela técnica contábil sob diversos aspectos, tais como lucro
operacional bruto, lucro operacional líquido, lucro antes do imposto de renda, lucro
depois do imposto de renda e o lucro líquido do exercício. Torna-se necessário o
adequado entendimento de cada um desses aspectos para que possamos
compreender com maior técnica o processo de apuração e posterior destinação dos
lucros sociais.
1.1.1 Lucro operacional bruto
A primeira modalidade de lucro apurada em uma demonstração de
resultado é a do Lucro Bruto. No entanto, para que se possa chegar ao exato
conceito de lucro bruto, é indispensável a análise de outros conceitos contábeis que
o precedem, tais como receita bruta, receita líquida e custo da atividade.
Os recursos obtidos pela companhia com a exploração de sua atividade
constituem sua receita bruta. Observa-se que na apuração da receita bruta de uma
companhia não são desconsideras eventuais devoluções ou cancelamentos
realizados, bem como abatimentos e descontos comerciais concedidos. Somente
depois de realizadas essas deduções, bem como as dos impostos diretos incidentes
sobre a atividade, é que será apurada a receita líquida da companhia.
Neste sentido, ensina José Carlos Marion (2003, p. 117) que:
a receita líquida, que serve de base para o cálculo do lucro bruto, é
a receita real da empresa, com a exclusão dos impostos (que
“engordam” a receita da companhia, mas são recursos que
18
pertencem ao governo), devoluções, abatimentos e descontos
comerciais.
A precisa apuração do lucro bruto do exercício requer seja ainda abatido
da receita líquida da companhia os custos da atividade, que compreendem todos
aqueles gastos suportados pela companhia para a produção ou circulação de bens
ou serviços, conforme seu objeto social1.
Da receita auferida pela companhia com a exploração de sua atividade
empresarial (“receita bruta”), deduzidos os impostos diretos incidentes sobre a
atividade, bem como os cancelamentos de pedidos e abatimentos (“receita líquida”),
serão subtraídos os custos da atividade, sem considerar as despesas administravas,
financeiras e de vendas, apurando-se, assim, o Lucro Operacional Bruto, ou
simplesmente, Lucro Bruto.
1.1.2 Lucro operacional líquido
O Lucro Operacional Líquido, ou simplesmente Lucro Líquido é obtido por
meio da diferença entre o lucro bruto auferido e as despesas operacionais
suportadas pela companhia no exercício de sua atividade.
As despesas operacionais podem ser definidas como sendo os gastos
relacionados à venda dos bens e serviços produzidos ou circulados pela companhia,
também chamados de despesas de vendas, bem como aqueles decorrentes da
1 Os custos da atividade variam conforme a empresa explorada pela companhia. Assim, são custos
da atividade de produção de bens aqueles relacionados à matéria prima, energia elétrica consumida,
mão de obra empregada. Por sua vez, são custos da atividade de circulação de bens, aqueles
relacionados ao preço da mercadoria adquirida para revenda. Já a mão de obra empregada para a
execução do serviço e demais insumos consumidos no exercício direto da atividade, são os custos da
atividade de prestação de serviços.
19
administração da empresa, ou seja, despesas administrativas, e os necessários ao
financiamento de suas operações, denominados despesas financeiras.
As despesas de vendas representam os gastos de promoção, colocação
e distribuição dos produtos ou serviços da empresa, bem como os riscos assumidos
pela venda, constando dessa categoria as despesas suportadas com o pessoal da
área de vendas, marketing e distribuição, comissões sobre as vendas e publicidade,
gastos estimados com a garantia dos produtos vendidos, perdas estimadas dos
valores a receber, dentre outros. (IUDÍCIBUS; MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 307).
Já as despesas administrativas são aquelas relacionadas aos gastos com
a gestão da empresa, como, por exemplo, remuneração dos administradores da
companhia, materiais de escritório, a depreciação dos móveis e utensílios de uso da
administração, salário e gratificação do pessoal da administração, dentre outros.
Para Sérgio Iudícibus (2000, p. 307) as despesas administrativas
representam os gastos suportados pela companhia para a direção ou gestão da
empresa, e constituem-se de várias atividades gerenciais que beneficiam todas as
fases do negócio ou objeto social. Conforme o citado professor, “constam dessa
categoria itens como honorários da administração (Diretoria e Conselho), salários e
encargos do pessoal administrativo, despesas legais e judiciais, material de
escritório, dentre outros”.
Já as despesas financeiras são os gastos suportados pela companhia
para o financiamento de suas operações, caracterizando-se, conforme José Carlos
Marion (2003, p. 119), “pelas remunerações aos capitais de terceiros, tais como
juros ou incorridos, comissões bancárias, descontos concedidos, juros de mora
pagos, dentre outros”.
20
Ressalte-se ainda que existem certas despesas operacionais que não se
enquadram em nenhuma das categorias acima mencionadas, mas também deverão
ser observadas na apuração do lucro operacional líquido. Pode-se citar como
exemplo de outras despesas operacionais os eventuais prejuízos oriundos de
aplicações em outras sociedades, bem como as despesas tributárias não
relacionadas diretamente à atividade da companhia, tais como IPVA, IPTU. Somente
após deduzidas todas essas despesas operacionais do lucro bruto da companhia, é
que se chega ao seu lucro operacional líquido do exercício.
1.1.3 Lucro antes do Imposto de Renda
Após a apuração do lucro operacional líquido da companhia, dele serão
deduzidas as despesas e acrescidas as receitas não operacionais, obtendo-se assim
o lucro antes do imposto de renda.
A Lei 6.404/76 não fornece detalhes do conteúdo das despesas e receitas
não operacionais. Todavia, em face do conteúdo dos resultados operacionais e
considerando os conceitos complementares contidos na legislação de imposto de
renda aceitos pela Contabilidade, em linhas gerais e exceto por um ou outro tipo
adicional de resultado, somente serão consideradas receitas e despesas não
operacionais, os ganhos e perdas na venda ou baixa de bens do ativo permanente
(IUDÍCIBUS; MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 315).
Neste sentido, para José Carlos Marion (2003, p. 121) as despesas e as
receitas não operacionais compreendem tanto os ganhos e as perdas na venda de
bens que integram o ativo permanente da companhia, tais como veículos, imóveis,
participação societária em outras sociedades, máquinas e equipamentos, como
21
também ganhos e perdas aleatórias, anormais, não orçáveis, tais como as perdas
com geadas e chuvas de granizo na agricultura.
Ressalte-se, entretanto, que a base de cálculo para o Imposto de Renda e
para a Contribuição Social não é exatamente o lucro antes do imposto de renda
(Lair) apurado pela contabilidade, mas o lucro ajustado às disposições da legislação
do Imposto de Renda, que será denominado Lucro Real.
Neste sentido, a legislação tributária, consolidada no Regulamento do
Imposto de Renda, Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, prevê que o Imposto
de Renda a pagar pelas pessoas jurídicas com obrigatoriedade de manter
escrituração contábil é calculado com base no Lucro Real2.
O Lucro Real é apurado no Livro de Apuração do Lucro Real, criado por
nossa legislação com a finalidade de separar a apuração do resultado fiscal da
contabilidade financeira (MARION, 2003, p. 122).
O Lucro Real tem como base o lucro antes do importo de renda (Lair)
acrescido dos custos, despesas, perdas e quaisquer outros valores deduzidos na
apuração do lucro contábil que, de acordo com a legislação do Imposto de Renda,
não são dedutíveis. Por sua vez, para a apuração do Lucro Real, serão também
realizadas as deduções permitidas pela legislação do Imposto de Renda que não
foram subtraídas do lucro contábil até o momento, como prejuízos em exercícios
anteriores, contribuições para instituições ou fundos de assistência ou previdência
de empregados, dentre outras.
2
Ressalta-se que a legislação fiscal atual admite o cálculo do Imposto de Renda a pagar com base
no lucro real ou no lucro presumido. Como no lucro presumido a base de cálculo para o Imposto de
Renda é fixada no faturamento e não no lucro da companhia, o presente trabalho irá se limitar à
análise da apuração do lucro real.
22
1.1.4 Lucro depois do Imposto de Renda
Apurado o Lucro Real, base de cálculo do Imposto de Renda e da
Contribuição Social devidos pela companhia, serão deduzidas do Lucro antes do
Imposto de Renda as provisões para pagamento desses tributos, obtendo-se assim
o Lucro depois do Imposto de Renda.
Ressalte-se, entretanto, que o Lucro auferido após a provisão do imposto
de renda ainda não pode ser considerado como aquele que será colocado à
disposição dos acionistas, representando um verdadeiro acréscimo no patrimônio da
companhia
de
onde
deverão
ainda
ser
deduzidas
as
participações
dos
debenturistas, empregados, administradores e titulares de partes beneficiárias, bem
como as contribuições para instituições ou fundos de assistência ou previdência de
empregados (artigo 187, inciso VI da Lei 6.404/76).
A participação dos debenturistas é uma espécie de despesa financeira
adicional, pois é parte variável da remuneração devida aos titulares desses títulos.
As participações de empregados ou administradores no lucro representam uma
espécie de complemento salarial cujo valor, todavia, é apurado com base no lucro,
não deixando de ser um custo adicional da prestação de serviço recebida pela
companhia. A participação atribuída aos titulares de partes beneficiárias também
representa uma espécie de remuneração por serviços prestados por terceiros.
Assim, nota-se que tais itens poderiam ser tratados como despesas operacionais
pela técnica contábil, mas a Lei das Sociedades por Ações não as classificou dessa
forma (IUDÍCIBUS; MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 317).
No caso das contribuições para instituições ou fundos de assistência ou
previdência de empregados, o texto da Lei 6.404/76 é genérico, podendo entender-
23
se que seriam registradas nessa conta todas as contribuições dessa natureza,
independentemente de seu valor ser ou não apurado em função do lucro do
exercício. Todavia, não teria sentido, nesse caso, estarem juntas com as
participações dos debenturistas, administradores, empregados e titulares de partes
beneficiárias. Por isso, devem ser aqui classificadas tais contribuições somente
quando apuradas por uma porcentagem do lucro, ou pelo menos se dependerem de
sua existência, sendo que as concedidas por valor fixo, por percentual da folha de
pagamento ou por outra forma, devem ser contabilizadas como despesas
operacionais (IUDÍCIBUS; MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 317).
Deste modo, deduzidas as referidas participações e contribuições do
Lucro depois do Imposto de Renda, chega-se finalmente ao Lucro Líquido da
companhia.
1.1.5 Lucro líquido
Trata-se da sobra líquida colocada à disposição dos acionistas que
representa um acréscimo efetivo no patrimônio da companhia. Conforme ensina
José Carlos Marion (2003, p. 126), “após deduzidas do resultado as participações e
contribuições, o que remanescer será o lucro líquido”.
É possível sintetizar a apuração do lucro líquido da companhia, desde a
receita bruta por ela auferida, conforme aqui analisado, no seguinte quadro que
ilustra a demonstração do resultado do exercício.
24
DEMONSTRAÇÃO DO RESULTADO DO EXERCÍCIO
“NOME DA COMPANHIA”
DISCRIMINAÇÃO
EXERCÍCIO DE [ANO]
RECEITA BRUTA
(-)Vendas Canceladas/Abatimentos/Descontos
(-) Impostos Diretos (ISS, IPI, ICMS), PIS e
COFINS
RECEITA LÍQUIDA
(-) Custo da Atividade
LUCRO BRUTO OPERACIONAL
(-) Despesas Operacionais
(Despesas
de
Vendas,
Administrativas
e
Financeiras)
LUCRO LÍQUIDO OPERACIONAL
(-) Despesas Não Operacionais
(+) Receitas Não Operacionais
LUCRO ANTES DO IMPOSTO DE RENDA - Lair
(OU PREJUÍZO)
(-) Provisão para o Imposto de Renda
LUCRO DEPOIS DO IMPOSTO DE RENDA
(OU PREJUÍZO)
(-) Participações de Debêntures
(-) Participações de Empregados
(-) Participações dos Administradores
(-) Participações de Partes Beneficiárias
(-) Contribuições e Doações
LUCRO LÍQUIDO DO EXERCÍCIO
LUCRO LÍQUIDO POR AÇÃO DO CAPITAL
Nota-se da análise do referido quadro que a demonstração de resultado
do exercício de uma companhia, nos termos do artigo 187 da Lei 6.404/76, deverá
conter ao final, obrigatoriamente, o Lucro Líquido por Ação do Capital Social obtido
pela divisão do Lucro Líquido auferido pela quantidade de ações em que está
dividido o capital da companhia.
25
Realizada a análise dos diversos aspectos em que a palavra lucro é
aplicada pela técnica contábil, chega-se ao conceito de lucro líquido cuja destinação
será objeto de estudo do presente capítulo.
1.2 Exercício social
Conforme já abordado no item 1.1 acima, muito embora, em teoria, o
retorno do investimento feito pelos acionistas na companhia somente deva aparecer
em caráter definitivo por ocasião da liquidação da sociedade, na prática,
considerando a atual característica das sociedades anônimas que surgem não para
um empreendimento específico, mas sim para a exploração de uma atividade por
período indeterminado, a liquidação da companhia se torna excepcional. Assim, da
necessidade de se definir a periodicidade de apuração do resultado do exercício e,
conseqüentemente, dos eventuais lucros a serem distribuídos aos acionistas da
companhia, surge a noção de exercício social que pode ser definido como sendo o
lapso temporal de um ano, cuja data de término é fixada no estatuto social da
companhia.
Em vista dessas circunstâncias, Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre
Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 513) entendem que:
a sistemática legislativa da generalidade dos povos consagrou
o princípio da periodicidade na apuração dos resultados
sociais, no julgamento da gestão social e na tributação da
renda, tanto da própria sociedade, quanto de seus acionistas.
No entanto, conforme adverte Luiz Gastão Paes de Barros Leães (1969,
p. 43):
26
mesmo assente o caráter convencional dessa periodicidade, não se
deve reputar o exercício social, para efeito de balanço geral3, como
um compartimento estanque. O chamado princípio da autonomia
dos exercícios nada mais quer significar que cada exercício social
constitui uma unidade contábil e jurídica, produzindo os efeitos que
dele decorrem, sem fugir à necessária solidariedade para com os
exercícios que o antecedem (e com os exercícios que lhe
sucederão), já que sempre subsiste um nexo de ligação entre eles,
decorrente do entrosamento das operações sociais e das
sobreposições intercorrentes que se transmitem para os novos
exercícios.
No Brasil, já em 1850, o nosso Código Comercial, em seu artigo 10, nº 4,
impunha a todos os comerciantes, a obrigação de levantar anualmente um balanço
geral do seu ativo e passivo, o qual deveria compreender todos os bens de raiz,
móveis e semoventes, mercadorias, dinheiro, papéis de crédito e qualquer outra
espécie de valores, bem como todas as dívidas e obrigações devidas. Surge assim a
noção de exercício social, como o período de tempo compreendido entre um e outro
balanço geral (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 514).
O Decreto Lei 2.627, de 1940, não estabelecia de modo expresso o
período de duração de um exercício social, exigindo, tão somente, em seu artigo 129
que, ao final de cada ano ou exercício social, fosse levantado um balanço geral para
a verificação dos lucros ou prejuízos da companhia. Assim, a análise sistemática do
artigo 129 do Decreto Lei 2.627/40 e das regras então vigentes do Código Comercial
de 1850, consolidou o entendimento de que o exercício social seria o período de
tempo compreendido entre um e outro balanço geral, ou seja, o período de 12
meses.
Neste sentido, ao comentar o artigo 129 do Decreto Lei 2.627/40, Trajano
de Miranda Valverde (1953, v. 2, p. 355) afirma que “o ano é o espaço de tempo ou
período máximo, fixado na lei, para a apuração, no seu termo, dos lucros ou
3
Em virtude da conceituada obra escrita pelo professor Luiz Gastão Paes de Barros Leães ter sido
elaborada durante a vigência do revogado Decreto Lei 2.627/40, deve-se tomar balanço geral como
as demonstrações financeiras do exercício previstas na atual Lei das Sociedades Anônimas.
27
prejuízos ocorridos na exploração do objeto social”. Isso porque, o artigo 10, nº 4 do
Código Comercial dispunha que todo o comerciante seria obrigado a formar
anualmente balanço geral de seu ativo e passivo, significando a palavra balanço
para o citado jurista, tanto sob o ponto de vista contábil, como sob o ponto de vista
jurídico, “o resultado da verificação dos valores ativos e passivos de um patrimônio,
em dado momento, sendo a demonstração clara e sincera da situação da
sociedade” (VALVERDE, 1953, v. 2, p. 355).
A atual Lei das Sociedades Anônimas, Lei 6.404/76, estabelece no artigo
175 que o exercício social terá duração de um ano e a data do término será fixada
no estatuto social. Para Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro
(1979, v. 2, p. 514):
a disposição em questão comporta dois preceitos. O primeiro
preceito define a periodicidade das operações sociais, fixando-a em
base anual, não se requerendo que o exercício social corresponda
ao ano calendário. Já o segundo preceito firma o princípio de que a
data do término do exercício deve ser objeto de previsão estatutária,
o que significa que qualquer alteração nessa data importa em
alteração dos atos constitutivos da companhia, o que é da exclusiva
competência da Assembléia Geral.
Ressalta-se que o estatuto social fixará o término do exercício social em
data livremente escolhida pelos acionistas. Conforme Fabio Ulhoa Coelho “qualquer
período ânuo serve às finalidades societárias, mesmo que não coincida com o ano
civil4”. Segundo o citado jurista, “para uma sociedade anônima que explora comércio
varejista, como loja de departamento, o mais oportuno seria, muitas vezes, postergar
o término do exercício social para 31 de janeiro, dada a proximidade entre o Natal e
o fim do ano civil” (2002, v. 2, p. 324).
4
Observa-se que, ao contrário da legislação societária, o direito tributário determina ser o ano civil o
período de apuração dos resultados da companhia. Logo, se a sociedade anônima fixar data de
encerramento do exercício social diverso de 31.12, deverá levantar demonstrações financeiras em
duas ocasiões distintas.
28
No entanto, conforme excetua Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 617):
a liberdade de escolha não prevalecerá nos casos de atividades
que, por força de lei especial, estiverem obrigadas a encerrar o
exercício social em data determinada, tal como ocorre com as
instituições financeiras que encerrarão o exercício social a 31 de
dezembro.
Não há vedação legal quanto à fixação do término do exercício social em
data móvel, tal como, o último dia do mês de fevereiro, ou o último dia útil do ano.
Todavia, como bem observa Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 617):
a fixação do termo do exercício social em data móvel só parece ser
possível quando dela não resultar em exercício com duração de
mais de um ano, visto que o parágrafo único do artigo 175 da Lei
6.404/76 só admite essa hipótese excepcional em caso de
constituição de companhia ou de alteração estatutária.
Assim, prossegue o citado jurista:
não será lícito determinar que o encerramento do exercício ocorra,
por exemplo, no último dia do mês subseqüente ao mês em que
houver ocorrido o encerramento do exercício anterior, de tal modo
que o primeiro exercício se encerraria, por exemplo, em 31 de
janeiro, o segundo, em 28 de fevereiro, o terceiro, em 31 de março e
assim por diante.
Entretanto, em certas circunstâncias excepcionais, admite-se que o
exercício social de uma companhia tenha duração diversa de um ano. Nos termos
do artigo 175, § único da Lei 6.404/76, o exercício social poderá ter duração diversa,
na constituição da companhia e nos casos de alteração estatutária.
Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 617), “na constituição da
companhia e nos casos de alteração estatutária para mudar o termo do exercício
social, a duração poderá, excepcionalmente, ser inferior ou superior a doze meses”.
Neste mesmo sentido, para José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 432)
“se admite o primeiro exercício social superior ou inferior a um ano, a fim de
29
adequar-se o exercício normal da sociedade ao período que se pretende, o mesmo
acontecendo quando o estatuto é alterado com objetivo de mudar o exercício”.
Logo, se uma companhia é constituída em 1º de maio e tem o término de
seu exercício social fixado em 31 de dezembro, o primeiro exercício social terá
duração de apenas 8 meses, sendo assim inferior ao período de 12 meses previsto
como regra geral no caput do artigo 175 da Lei 6.404/76. Por sua vez, o exercício
social de uma companhia poderá ser superior a 12 meses, se os acionistas, em
Assembléia Geral realizada em 30 de novembro, resolverem alterar o estatuto para
transferir de 31 de dezembro para 31 de julho termo do exercício social. Nesta
hipótese, no ano da alteração, o exercício social compreenderá o período de 18
meses, sendo assim superior ao período de 12 meses previsto como regra geral no
caput do artigo 175 da Lei 6.404/76.
O encerramento do exercício demonstrará a situação patrimonial e
financeira da companhia em uma determinada data, revelando como se comportou a
empresa durante o período decorrido desde o encerramento imediatamente anterior.
A fixação do termo do exercício social representa, conforme Egberto Lacerta
Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 515):
uma exigência de ordem prática, não devendo ser entendida como
um estancamento dos negócios sociais, e sim, como um instante do
giro da companhia, destinado a permitir que se acompanhe sua
evolução patrimonial, sua capacidade lucrativa e a eficiência de sua
administração.
Para tanto, cumpre a Diretoria elaborar, ao término de cada exercício
social, as demonstrações financeiras da companhia, exprimindo com clareza a
situação do patrimônio e as mutações ocorridas no exercício.
30
1.3 Demonstrações financeiras
Como próprio nome já indica, as demonstrações financeiras são
documentos contábeis que têm a finalidade de revelar, de demonstrar a vida
financeira da sociedade no período considerado. Assim, esses documentos
contábeis retratam a saúde econômica e patrimonial da sociedade a todos aqueles
que tenham interesses na companhia, sejam os seus acionistas, sejam terceiros
que transacionem ou que pretendam transacionar com a sociedade.
Logo, as demonstrações financeiras permitem uma avaliação bastante
circunstanciada da empresa tanto sob o aspecto patrimonial, quanto no que
concerne a índices de liquidez, nível de lucratividade e grau de endividamento
(BORBA, 2004, p. 433).
A divulgação das demonstrações financeiras ganhou importância com a
institucionalização do mercado de capitais. Isso porque é imprescindível que os
investidores em potencial conheçam, na extensão possível, as perspectivas que lhes
oferecem as companhias (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 516).
Muito embora os dispositivos contidos na Lei das Sociedades Anônimas
quanto às demonstrações financeiras se apliquem tanto às companhias de capital
fechado, como às companhias de capital aberto, essas últimas deverão ainda
observar regras específicas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários com o
escopo de assegurar o full disclousure ao público investidor em geral.
Neste sentido, afirmam Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares
Guerreiro (1979, v. 2, p. 516) que:
a especial atenção do legislador volta-se inegavelmente para
as demonstrações financeiras das companhias abertas que, a
par das normas constantes da lei, já bastante exigentes,
deverão ainda observar preceitos especiais expedidos pela
31
CVM com o objetivo de propiciar a chamada full disclousure,
ou seja, a abertura integral da realidade societária ao público
investidor. A full discousure há de se operar sob as mais
diversas modalidades e mediante variados dispositivos que
objetivam trazer para a luz do dia os dados necessários à
perfeita informação do mercado.
Nos termos do artigo 176 da LSA, são quatro as demonstrações
financeiras exigidas pela LSA: (a) balanço patrimonial; (b) demonstração do
resultado do exercício; (c) demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados; e (d)
demonstração das origens e aplicações dos recursos.
1.3.1 Balanço patrimonial
O balanço patrimonial pode ser conceituado como sendo um documento
contábil que tem por finalidade retratar a situação patrimonial da companhia em
determinado momento, mensurando e descrevendo o seu ativo (conjunto de bens e
direitos), passivo (conjunto de obrigações) e patrimônio líquido.
Trata-se da mais importante das demonstrações financeiras, pois funciona
como uma espécie de radiografia da sociedade (BORBA, 2004, p. 433). A relevância
de tal peça contábil é tamanha que tanto o Código Comercial (artigo 10, nº V), como
o Decreto Lei 2.627/40 (artigo 129), a ela já se referiam como Balanço Geral.
O balanço patrimonial, juntamente com as demais demonstrações
financeiras, deve ser levantado anualmente. Trata-se, essencialmente, de um
documento sintético, que demonstra a situação do patrimônio social de maneira
estática, ou seja, em um momento determinado. Daí, muitos entenderem, conforme
afirmam Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 257),
que “o balanço é um documento de expressão relativa, o que não deixa de ser
32
verdadeiro, sobretudo se for considerada uma série de fatores que dele podem
retirar o caráter de precisão absoluta”.
Neste sentido, ressalta Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 618) que, “ao
exigir um único balanço anual, a lei confere à posição demonstrada no balanço uma
presunção de imutabilidade que os valores ali apresentados efetivamente não têm”.
De fato, prossegue o citado jurista:
os elementos que compõem o patrimônio de uma empresa em pleno
funcionamento estão em constante mutação: a matéria prima
transforma-se em produto industrializado, este é substituído pelo
crédito, o crédito é transformado em dinheiro, e assim por diante. A
posição estática apresentada no balanço reflete o estado do
patrimônio social num dado momento.
De qualquer modo, inegável é a relevância desse documento contábil que
deve compreender os elementos ativos e passivos da companhia, agrupados em
contas. Essas contas são classificadas segundo os elementos do patrimônio que
registrem, e agrupadas de modo a facilitar o conhecimento e a análise da situação
financeira da companhia, conforme disposto no artigo 178 da Lei 6.404/76.
As contas do ativo, dispostas em ordem decrescente de grau de liquidez
dos elementos nelas registrados (artigo 178, § 1º da Lei 6.404/76), retratam todos os
bens e direitos que integram o patrimônio de uma companhia. Com base nesse
critério, os grupos de contas do ativo são registrados no balanço patrimonial da
companhia na seguinte ordem: (a) ativo circulante; (b) ativo realizável a longo prazo;
e (c) ativo permanente, dividido em investimentos, imobilizado e diferido.
O ativo circulante representa o grupo de contas com maior liquidez,
compreendendo as disponibilidades imediatas, os direitos e créditos realizáveis até o
término do exercício seguinte e as aplicações de recursos em despesas do exercício
seguinte (artigo 179, inciso I da Lei 6.404/76).
33
Entende-se por disponibilidades tudo aquilo que a companhia pode lançar
mão imediatamente, como, por exemplo, dinheiro em caixa e em bancos, cheques e
outros títulos com livre movimentação para aplicação nas operações da companhia e
para os quais não haja restrições para o uso imediato.
Já os direitos realizáveis até o término do exercício seguinte
compreendem aqueles créditos que serão transformados em dinheiro ao longo do
ciclo operacional da companhia5, ressaltando-se que nas companhias em que o ciclo
operacional tiver duração maior que o exercício social, a classificação do crédito
como ativo circulante terá por base o prazo desse ciclo e não o período do exercício
social. Conforme exemplifica Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares
Guerreiro (1979, v. 2, p. 529):
Na fabricação de máquinas e equipamentos de grande porte, o ciclo
operacional da empresa poderá exceder um exercício, considerado
como o período completo de doze meses. Nessa hipótese, o término
do exercício social poderá não servir de parâmetro para a
classificação de elementos ativos no circulante ou no longo prazo.
Também são incluídas no ativo circulante as aplicações de recursos em
despesas do exercício seguinte. Trata-se de pagamentos realizados pela companhia
por despesas ainda não incorridas, gerando assim um crédito em favor da
sociedade.
O ativo realizável a longo prazo é o segundo grupo de contas com maior
liquidez registrado no balanço patrimonial da companhia, compreendendo os direitos
realizáveis após o término do exercício seguinte, à exceção da hipótese de
companhia cujo ciclo operacional seja maior que o exercício social, bem como os
5
Observa-se que a lei não define ciclo operacional. Assim, para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p.
661), “por ciclo operacional entende-se o período que decorre desde as aplicações iniciais de
recursos, no processo de produção, até o retorno desses recursos mediante a cobrança do preço do
produto vendido”.
34
derivados de vendas, adiantamentos ou empréstimos6, independentemente do
tempo de sua realização, a sociedades coligadas ou controladas, diretores,
acionistas ou participantes no lucro da companhia, desde que não decorram de
negócios usuais na exploração do objeto da companhia (artigo 179, inciso II da Lei
6.404/76).
Neste sentido, ensina Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 662) que a
classificação no ativo realizável a longo prazo obedece a dois fatores. O primeiro
fator é o tempo, classificando-se em tal grupo de contas os direitos que só serão
transformados em dinheiro após o término do exercício seguinte (período de 12
meses), ou após o ciclo operacional da companhia quando este ultrapassar 12
meses. O segundo fator está relacionado à condição do devedor, classificando-se
como realizável a longo prazo os créditos derivados de vendas, adiantamentos ou
empréstimos que não constituírem negócios usuais na exploração do objeto da
companhia, independentemente do prazo de realização, quando feitos a sociedades
coligadas ou controladas, diretores, acionistas ou participantes no lucro da
companhia.
Por fim, o ativo permanente é o último grupo de contas registrado no
balanço patrimonial da companhia, sendo dividido em: (a) investimentos, que
compreendem as participações permanentes da companhia em outras sociedades e
os direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo circulante e que não se
destinem a manutenção da atividade da empresa; (b) imobilizado, que compreende
os direitos que a companhia tem sobre bens destinados à manutenção das
atividades da empresa, ou exercido com essa finalidade, inclusive os direitos de
propriedade industrial; e (c) diferido, que compreende as aplicações de recursos em
6
Ressalta-se que, em se tratando de instituições financeiras, será vedado adiantamentos ou
empréstimos a sociedades coligadas ou controladas, diretores, acionistas ou participantes no lucro da
companhia, conforme artigo 34 da Lei 4.595/64.
35
despesas que contribuirão para a formação do resultado de mais de um exercício
social, tais como despesas com publicidade e propaganda da companhia.
As contas do passivo, dispostas em ordem decrescente de grau de
liquidez dos elementos nelas registrados (artigo 178, § 2º da Lei 6.404/76), retratam
todas as dívidas e obrigações que integram o patrimônio de uma companhia, seja
em relação a terceiros, seja em relação aos seus sócios. Com base nesse critério,
os grupos de contas do passivo são registrados no balanço patrimonial da
companhia na seguinte ordem: (a) passivo circulante; (b) passivo exigível a longo
prazo; (c) resultados de exercícios futuros; e (d) patrimônio líquido, dividido em
capital social, reservas de capital, reservas de reavaliação, reservas de lucros e
lucros ou prejuízos acumulados.
As obrigações da companhia junto a terceiros são demonstradas no
passivo exigível que é composto pelo grupo de contas que integram o passivo
circulante e o passivo exigível a longo prazo (artigo 180 da Lei 6.404/76).
O passivo circulante compreende as obrigações da companhia, inclusive
financiamentos para aquisição de direitos do ativo permanente, com vencimento até
o exercício social seguinte. Já o passivo exigível a longo prazo compreende as
obrigações da companhia com vencimento em prazo maior, à exceção da hipótese
de companhia cujo ciclo operacional seja maior que o exercício social. Infere-se do
exposto que a classificação das obrigações no passivo circulante e no passivo
exigível a longo prazo obedece aos mesmos critérios de classificação do ativo
relativos ao prazo de vencimento das obrigações, inclusive no que concerne ao ciclo
operacional da companhia.
De acordo com Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro
(1979, v. 2, p. 532), “o critério de distinção entre o passivo circulante e o passivo
36
exigível a longo prazo repousa no prazo de vencimento das obrigações da
companhia, conforme se dê no exercício seguinte ou em maior lapso de tempo”.
Trata-se, segundo os citados juristas, “da mesma idéia que norteou o legislador ao
traçar o limite entre o ativo circulante e o ativo realizável a longo prazo”.
Os resultados de exercício futuro também correspondem a um dos grupos
de conta do passivo registrado no balanço patrimonial da companhia. Trata-se de
receitas recebidas antecipadamente que, subtraídas dos custos e despesas a elas
correspondentes, contribuirão para o resultado de exercícios futuros. Assim, em
razão do princípio contábil da Realização da Receita, a companhia não pode
reconhecer receita antes da prestação do serviço correspondente, ou da entrega do
produto ou mercadoria objeto da venda. Entretanto, para José Carlos Marion (2003,
p. 373), “embora a receita recebida antecipadamente não contribua para o resultado
do atual exercício, há, paralelamente, uma apuração de resultado que contribuirá
para formação de resultado de futuros exercícios”.
O patrimônio líquido é o último grupo de contas do passivo registrado no
balanço patrimonial da companhia, compreendendo as seguintes contas: (a) capital
social; (b) reservas de capital; (c) reservas de reavaliação; (d) reservas de lucros; e
(e) lucros ou prejuízos acumulados.
O grupo de contas patrimônio líquido substitui, na atual sistemática
adotada pela Lei 6.404/76, o antigo passivo não exigível que por representar,
sobretudo, as obrigações da companhia junto aos seus sócios, recebeu tal
designação em contraposição ao passivo exigível que, conforme já analisado,
constitui um grupo de contas que ainda hoje representava as obrigações da
companhia perante terceiros.
37
A conta capital social discriminará o montante subscrito e, por dedução, a
parcela ainda não realizada. Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 671), “a conta
capital é a expressão monetária da contribuição que os acionistas se obrigam a
trazer para a formação do acervo necessário à realização do objeto social”. A conta
capital deverá demonstrar o montante do capital subscrito, a parcela ainda não
realizada e o montante do capital efetivamente integralizado.
A conta reserva de capital, analisada de modo mais detalhado na
segunda parte deste Capítulo (item 1.5.3 infra), distingue-se claramente das
reservas de lucro, muito embora os valores recebidos a esse título também
aumentem o patrimônio da companhia. A conta de reservas de capital será
composta: (a) pelo ágio decorrente da emissão e subscrição de ações, ou seja, pela
contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor nominal ou, na hipótese
de emissão de ações sem valor nominal, pela contribuição que ultrapassar a
importância destinada à formação do capital social, inclusive nos casos de
conversão em ações de debêntures ou partes beneficiárias; (b) pelo produto da
alienação de partes beneficiárias ou bônus de subscrição; (c) pelo prêmio recebido
na emissão de debêntures; e (d) pelas doações e subvenções7 para investimento.
A conta de reservas de reavaliação compreende a contrapartida
decorrente do acréscimo do valor dos bens incorporados ao patrimônio da
companhia, em razão de uma nova avaliação realizada por empresa especializada
ou por três peritos contábeis (item 1.5.4 infra). Observa-se que somente se for
realizado o valor da reavaliação é que o montante correspondente da reserva
poderá ser computado como lucro para efeito de distribuição de dividendo ou de
participações (artigo 187, §2º da Lei 6.404/76).
7
As subvenções para investimento são as ajudas ou auxílios pecuniários, concedidos pelo Estado,
nos termos da legislações específica, em favor de companhias que prestam serviços ou realizam
obras de interesse público (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 677).
38
Por fim, as reservas de lucros são contas do patrimônio líquido
constituídas pela apropriação de lucros da companhia. As reservas de lucro, grande
relevância para o presente trabalho, serão analisadas de modo detalhado na
segunda parte deste Capítulo (item 1.4.7 infra).
1.3.2 Demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados
Apenas uma parte do Lucro Líquido é distribuída para os acionistas da
companhia na forma de dividendos. A maior parte, em regra, é retida na companhia
e reinvestida na empresa explorada. O lucro retido na companhia pode ser utilizado
de várias maneiras. Pode ser utilizado para aumentar o capital social, ou ainda ser
destinado a algum fim específico, hipótese em que será tratado como uma Reserva
de Lucro (item 1.4.7 infra). Por sua vez, a parte do lucro não distribuída aos
acionistas e não utilizada para aumento de capital ou para a constituição de reservas
de lucro será acumulada em uma conta do patrimônio líquido denominada Lucros
Acumulados.
Em regra, os lucros acumulados são remanescentes de lucro sem fim
específico, sem destino certo, em suspenso. Portanto, os lucros acumulados
deverão ser adicionados ao lucro líquido do próximo exercício, para, em conjunto
com aquele, participar de uma nova distribuição. Daí a expressão Demonstração de
Lucros ou Prejuízos Acumulados significar o lucro líquido do exercício acrescido pelo
remanescente de lucro que não teve uma destinação específica no exercício
anterior. Da mesma forma, se a companhia, ao invés de lucro, estiver apresentando
prejuízos de outros exercícios, esses prejuízos serão acumulados e retratados na
Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados (MARION, 2003, p.158).
39
Neste sentido, para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2 p. 324) “a
demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados revela, partindo do saldo do início
do exercício, a parte do resultado positivo não distribuído aos acionistas, ou do
negativo não absorvido pela companhia”.
Ocorre que, muitas vezes, os lucros acumulados ao final de um exercício
social sofrem acréscimos ou deduções ao longo do exercício seguinte. Assim,
através das Demonstrações de Lucros ou Prejuízos Acumulados, os acionistas
poderão observar claramente os fatores responsáveis por essa variação. Para tanto,
as Demonstrações de Lucros ou Prejuízos Acumulados deverão discriminar os
seguintes elementos: (a) o saldo do início do período, os ajustes de exercícios
anteriores8 e a correção monetária do saldo inicial; (b) as reversões de reservas e o
lucro líquido do exercício; e (c) as transferências para reservas, os dividendos, a
parcela dos lucros incorporada ao capital e o saldo ao fim do período (artigo 186 da
Lei 6.404/76).
Note-se que o Decreto Lei 2.627/40 exigia apenas a demonstração do
resultado do ano, ou seja, o balanço geral; não pedia que se divulgassem
informações sobre o destino do lucro ou prejuízo acumulado no início do exercício
social. Deste modo, sendo o balanço a demonstração de uma posição estática, o
leitor ficava sem saber por que o valor do lucro ou prejuízo acumulado no início do
exercício (balanço do exercício anterior) era diferente do demonstrado ao final do
exercício. Não raro, o lucro acumulado era totalmente distribuído ou utilizado e
nenhuma
informação
era
prestada
pelas
demonstrações
financeiras
(CARVALHOSA, 2003, v. 3, p.727).
8
Nota-se que como ajustes de exercícios anteriores serão considerados apenas os decorrentes de
efeitos de mudança de critério contábil, ou da retificação de erro imputável a determinado exercício
anterior, e que não possam ser atribuídos a fatos subseqüentes.
40
Neste sentido, afirma Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares
Guerreiro (1979, v. 2, p. 541) que:
através dessas demonstrações financeiras, objetiva-se dar
conhecimento dos eventos que mediaram entre o início e o fim do
exercício social, tomando-se como ponto de referência os resultados
de exercícios anteriores e seus efeitos sobre o período considerado.
Com essa demonstração fica o acionista habilitado a analisar a
evolução da vida da companhia durante o exercício, sem se limitar,
entretanto, aos dados do balanço patrimonial, que se refere a uma
posição estática, ao fim do mesmo exercício.
O parágrafo 6º do artigo 202, introduzido Lei 10.303, de 2001, determina
que os lucros não destinados à constituição de reservas, nos termos dos artigos 193
a 197, deverão ser distribuídos como dividendos. Tal dispositivo, conforme Modesto
Carvalhosa (2003, v. 3, p. 729), impede a reiterada prática por parte das companhias
de reter lucros injustificadamente, sob a conta usualmente denominada “lucros
acumulados”. Esse novo dispositivo acrescido pela lei de 2001, explica Modesto
Carvalhosa, veio consagrar o entendimento da Comissão de Valores Mobiliários,
obrigando a companhia a distribuir, como dividendo, todo o lucro que exceder às
retenções legalmente previstas. Trata-se de norma que visa a reforçar o direito do
acionista de receber dividendos, na medida em que toda e qualquer retenção de
lucros terá de ser adequadamente justificada na assembléia geral ordinária.
1.3.3 Demonstração do resultado do exercício
A demonstração do resultado do exercício, por sua vez, “destina-se a
apresentar o processo de formação do resultado, desde a receita bruta até o lucro
líquido final” (BORBA, 2004, p. 435) ou, no dizer de Américo Oswaldo Campligia
41
(1978, p.183), é “a medida do desempenho econômico” da companhia apurada
durante o exercício social.
Os principais elementos discriminados na demonstração de resultado do
exercício, tais como, receita bruta, receita líquida, custo da mercadoria e serviços
vendidos, lucro operacional bruto, lucro operacional líquido, lucro antes do imposto
de renda, lucro líquido do exercício, dentre outros, foram detidamente estudados
quando da análise do conceito de lucro social através dos diversos enfoques que lhe
podem ser atribuídos pela técnica contábil na apuração do resultado do exercício
(item 1.1 supra).
Pode-se concluir que essa demonstração financeira tem por escopo
apresentar, de modo detalhado, o processo de apuração do resultado da companhia
ao longo do exercício social.
1.3.4 Demonstração das origens e aplicações de recursos
Várias denominações têm sido atribuídas a esta demonstração financeira.
A mais usual é Demonstração Fluxo de Fundos (Funds Flow Statement), sobretudo,
nos Estados Unidos. Outra, menos comum, é Demonstração de Fontes e Usos de
Capital de Giro Líquido. Em certas situações é conhecida também como
Demonstração das Modificações na Posição Financeira. Todavia, com a Lei
6.404/76, consolidou-se o emprego da denominação Demonstração de Origens e
Aplicações de Recursos – Doar (MARION, 2003, p. 455).
A demonstração das origens e aplicações de recursos indica modificações
na posição financeira da companhia, mediante a análise da origem dos recursos que
42
financiaram o acréscimo do ativo circulante, ou através da verificação da destinação
dos recursos, na hipótese de redução do capital circulante.
As origens de recursos são representadas pelos aumentos no capital
circulante líquido da companhia, e as mais comuns são as decorrentes: (a) das
próprias operações da companhia, em razão do lucro do exercício, acrescido de
depreciação, amortização ou exaustão e ajustado pela variação nos resultados de
exercícios futuros; (b) dos acionistas, em razão da integralização do capital social, já
que tais recursos aumentam as disponibilidades da empresa e, conseqüentemente,
seu capital circulante líquido; e (c) de terceiros, por empréstimos obtidos pela
companhia, pagáveis a longo prazo, bem como por recursos oriundos da venda de
bens do ativo permanente, ou pela transformação do realizável a longo prazo em
ativo circulante.
Neste sentido, conforme José Carlos Marion (2003, p. 462), “entende-se
por Origem toda operação que aumente o Capital Circulante Líquido”. Assim,
prossegue o citado professor, “a obtenção de recursos por meio de financiamento a
longo prazo, o aumento do Capital em dinheiro e a venda de itens do ativo
permanente (investimento e imobilizado) são exemplos de origens de recursos”.
Por sua vez, as aplicações de recursos são representadas pelas
diminuições do capital circulante líquido da companhia, e as mais comuns são as
decorrentes de: (a) inversões permanentes derivadas da aquisição de bens do ativo
imobilizado, aquisição de novos investimentos permanentes em outras sociedades e
a aplicação de recursos no ativo diferido; (b) pagamento de empréstimos a longo
prazo, pois, assim como a obtenção de um novo financiamento representa uma
origem, sua liquidação significa uma aplicação; e (c) remuneração dos acionistas,
derivada dos dividendos distribuídos.
43
Observa-se que as demonstrações das origens e aplicações de recursos
deverão discriminar os saldos, no início e no fim do exercício, do ativo e do passivo
circulantes, o montante do capital circulante líquido e o seu aumento ou redução
durante o exercício (artigo 188, inciso IV da Lei 6.404/76).
Trata-se de um conjunto de informações de extrema relevância para o
acionista empreendedor, investidores e terceiros que transacionem com a
companhia, pois facilita a análise da situação financeira da companhia, permitindo a
verificação imediata do grau de endividamento da sociedade e de suas perspectivas
de liquidez.
A demonstração das origens e aplicações de recursos é um documento
contábil obrigatório para todas as sociedades anônimas de capital aberto e para as
sociedades anônimas de capital fechado com patrimônio líquido, na data do balanço,
superior a R$1.000.000,00 (um milhão de reais)9.
Ressalta-se, contudo, que o Brasil, seguindo uma tendência mundial,
deverá substituir em breve a Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos
pela Demonstração de Fluxos de Caixa – DFC, cujo objetivo primário é prover
informações relevantes sobre os pagamentos e recebimentos, em dinheiro, de uma
companhia, ocorridos durante um determinado período (IUDÍCIBUS; MARTINS;
GELBCKE, 2000, p. 337).
Uma vez elaboradas as demonstrações financeiras da companhia, os
administradores deverão colocá-las à disposição dos acionistas, juntamente com o
relatório da administração e, se houver, parecer dos auditores independentes e do
conselho fiscal. Esses documentos deverão ser disponibilizados aos acionistas com
antecedência de, pelo menos, 01 (um) mês da data de realização da assembléia
9
Trata-se limite previsto na artigo 176, §6º da Lei 6.404/76 que foi atualizado pela Lei 9.457, de
05/05/1997.
44
geral ordinária que sobre eles deliberará, devendo ainda, nos termos do artigo 133,
§3º da Lei 6.404/76, ser publicados na imprensa oficial nos 05 (cinco) dias anteriores
à data de realização da referida assembléia. Observadas essas formalidades legais,
os acionistas poderão se reunir em Assembléia Geral e, dentre outras assuntos,
deliberar sobre as demonstrações financeiras do exercício, bem como realizar a
destinação do resultado da companhia.
1.4 Destinação dos lucros sociais
1.4.1 Resultado do exercício e sua destinação
O desempenho econômico da companhia durante o exercício social é
apurado pelos administradores através da elaboração da demonstração dos
resultados do exercício. Trata-se, conforme analisado (item 1.3.3 supra), de
documento contábil em que os administradores, partindo da receita bruta obtida pela
companhia, detalham os lançamentos contábeis decorrentes da exploração da
atividade, tais como deduções, custos, despesas e receitas operacionais e não
operacionais, até chegar ao resultado do exercício que poderá ser positivo na
hipótese de lucro, ou negativo, quando verificado prejuízo pela companhia.
Para Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 2,
p. 557), “lucro corresponde ao resultado positivo da exploração da atividade
econômica pela sociedade, entendendo-se esse resultado positivo como a diferença
entre a receita gerada e as despesas incorridas na operação social”.
Observa-se, entretanto, que os bons resultados em determinado exercício
não significam necessariamente bons dividendos, pois, da apuração dos resultados
45
espelhados na demonstração de que trata o artigo 187 da Lei nº 6.404/76, até a
concreta distribuição de dividendos aos acionistas, desdobra-se um complexo
processo que envolve uma série de deduções até que se chegue ao conceito de
lucro líquido (item 1.1.5 supra) e uma série de considerações até que se chegue ao
momento da efetiva distribuição de dividendos.
Assim, do resultado do exercício, nenhuma participação ou reserva será
constituída, tampouco dividendos serão distribuídos aos acionistas, sem que se
realize a provisão para o pagamento do imposto de renda (“IRPJ”) e da contribuição
social sobre o lucro líquido (“CSLL”), devendo o saldo remanescente absorver
obrigatoriamente os prejuízos acumulados de exercícios anteriores. Para Modesto
Carvalhosa (2003, v. 3, p. 773):
é de todo ilegal a decisão de distribuir resultados positivamente
apurados num exercício se houve resultados negativos acumulados
nos anteriores, que se equivalham ou mesmo superem o lucro do
exercício mais recente. A situação do lucro, ou da perda da
companhia, não se fraciona nem se isola de exercício para
exercício. Apenas por razões práticas existe uma verificação
periódica dos lucros e das perdas. Porém, esse princípio da
anualidade da verificação dos resultados sociais não prevalece para
a distribuição de dividendos. Estes somente podem ser distribuídos
se a situação acumulada dos diversos exercícios anteriores da
companhia apresentarem resultado positivo em relação ao capital
social.
A comparação entre a Demonstração do Resultado do Exercício e a
Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados “constituí o primeiro momento do
processo de determinação da lucratividade concreta da companhia do exercício
considerado” (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 560).
É evidente que essas deduções se darão apenas quando o resultado do
exercício social for positivo, ou seja, quando for apurado lucro pela companhia. Isso
porque, na hipótese de prejuízo, este será obrigatoriamente absorvido pelos lucros
46
acumulados, pelas reservas de lucros e pela reserva legal, nessa ordem (artigo 189,
parágrafo único, da Lei nº 6.404/76). Todos os valores positivos registrados pela
companhia em períodos precedentes, representativos de acréscimos patrimoniais
decorrentes da exploração de sua atividade empresarial, uma vez não distribuídos,
ou seja, retidos pela companhia, servirão para compensar os prejuízos verificados
em exercícios subseqüentes.
Entretanto, sendo positivo o resultado do exercício e realizadas as
deduções previstas no “caput” do artigo 189 da Lei nº 6.404/76, serão calculadas
sobre o saldo remanescente do lucro do exercício as participações dos
debenturistas, empregados, administradores e titulares de partes beneficiárias10
(artigo 190 da Lei nº 6.404/76). Trata-se de participações possíveis e não de
participações obrigatórias, somente se efetivando quando previstas nos estatutos e
sob as condições aí estabelecidas, respeitadas a ordem e a sucessividade
determinadas pela lei (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 560). Após a dedução
dessas participações, o saldo remanescente constituirá o lucro líquido do exercício
(artigo 191 da Lei nº 6.404/76).
Aos administradores cabe apresentar à Assembléia Geral Ordinária,
juntamente com as demonstrações financeiras do exercício, proposta sobre a
destinação do lucro líquido da companhia, observado o disposto nos artigos 193 a
203 da Lei 6.404/76. Tanto as demonstrações financeiras, como a proposta de
destinação do resultado, serão elaboradas presumindo-se a aprovação da
Assembléia Geral (artigo 176, §3º da Lei nº 6.404/76). Na hipótese da não
aprovação da proposta de destinação dos lucros, as modificações aprovadas pelos
10
Partes Beneficiárias são títulos negociáveis, sem valor nominal e estranhos ao capital social,
emitidos pelas sociedades anônimas de capital fechado que conferem aos seus titulares direito de
crédito eventual contra a companhia, consistente na participação nos lucros anuais.
47
acionistas constarão em ata (artigo 134, §4º da Lei nº 6.404/76), sendo nessa
hipótese dispensada nova publicação das demonstrações financeiras.
Ocorre que, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 326), “a
companhia não é inteiramente livre para decidir sobre a destinação de seu
resultado”. De um lado, está sujeita à observância das normas legais e estatutárias
que obrigam a distribuição de parte dos lucros sociais aos acionistas (dividendos
obrigatórios); de outro, submete-se às disposições legais e estatutárias que vedam a
distribuição aos acionistas de outra parte dos mesmos lucros (reservas). Logo, a
proposta da administração para destinação do lucro líquido do exercício deverá
observar as destinações obrigatórias previstas em lei e no estatuto, conforme
estabelecido no artigo 192 da Lei 6.404/76.
O estudo da destinação dos lucros sociais, seja através da constituição de
reservas, seja pela sua distribuição aos acionistas, requer a prévia análise das
participações estatutárias previstas no artigo 190 da Lei 6.404/76.
1.4.2 Participações estatutárias
Apurado o resultado do exercício, serão deduzidos os prejuízos
acumulados e a provisão para imposto sobre a renda. Sobre o lucro remanescente
será calculada e deduzida a participação dos empregados. O saldo remanescente
servirá de base para o cálculo da participação dos administradores, observada as
limitações previstas no artigo 152, § 2º da Lei 6.404/76. Sobre o lucro remanescente,
após deduzidas as participações estatutárias anteriores, será calculada a
participação das partes beneficiárias.
48
Trata-se da ordem de cálculo e pagamento das participações estatutárias
previstas no artigo 190 da Lei 6.404/76. Ressalta-se, todavia, que o citado
dispositivo legal não se refere à participação estatutária dos titulares de debêntures
que, no entanto, encontra previsão no artigo 187, item VI da Lei 6.404/76.
1.4.3 Participação dos debenturistas
A debênture é um instituto de origem inglesa, introduzida em nosso
ordenamento jurídico em 1882, com a Lei nº 3.150 e o Decreto nº 8.821. Até a Lei
6.404/76, a debênture encontrava-se disciplinada pelo Decreto nº 177-A, de 1893,
que passou a ser conhecido como a “Lei dos Empréstimos por Debêntures”, e pelo
Decreto Lei nº 781, de 1938, que dispunha sobre a comunhão de interesses entre os
portadores de debêntures.
Em 1965, a Lei nº 4.728 introduziu importantes inovações no regime das
debêntures, prevendo, ao lado das debêntures ao portador, as debêntures
nominativas endossáveis, com cláusula de correção monetária e as debêntures
conversíveis em ações, estas últimas objeto da Resolução nº 109, de 04 de fevereiro
de 1969, do Conselho Monetário Nacional, que também regulamentou a emissão,
registro
e
colocação
das
debêntures,
sendo
posteriormente
modificada,
parcialmente, pela Resolução nº 378, de 1976.
A Lei nº 6.404, de 1976, em seus artigos 52 a 74, reformulou, com base
no regime trazido pela Lei nº 4.728/65, a disciplina das debêntures, revogando todas
as disposições de lei que, a partir de 1893, regulavam a matéria. Todavia, conforme
Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 564) “o conceito legal de debêntures é mantido,
49
na Lei 6.404/76, ou seja, mútuo contraído pela companhia nos termos obrigacionais
pré-estabelecidos na escritura de emissão”.
Considerando o escopo desta dissertação de mestrado, certos aspectos
de grande relevância no estudo das debêntures não serão aqui abordados, tais
como, questões relacionadas à emissão, registro e circulação, vencimento,
amortização e resgate, juros e prêmio de reembolso, conversibilidade em ações,
espécies, agente fiduciário e assembléia de debenturistas.
Todavia, antes de uma abordagem mais detalhada acerca do direito de
participação nos lucros sociais que essa espécie de valor mobiliário pode conferir ao
seu titular, é fundamental observar que, não obstante a existência de outras
posições e teorias sobre a natureza jurídica da causa de emissão de debêntures11,
prevalece na doutrina brasileira a teoria do contrato de mútuo, sendo o entendimento
da grande maioria de nossos juristas, conforme afirma Modesto Carvalhosa (2002,
v. 1, p.571):
que a emissão de debêntures constitui uma modalidade especial de
mutuo, caracterizada pela divisão da quantia mutuada em frações,
atribuídas a diversos titulares que se tornam credores, ligados entre
si pelo vínculo comum de uma só operação, que dá nascimento às
debêntures.
Neste sentido, de acordo com Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.140) “a
doutrina, ressaltando tratar-se a emissão de debêntures de uma operação de
empréstimo, costuma apresentá-las como parcelas de um contrato de mútuo, em
que a sociedade anônima emissora é a mutuaria e os debenturistas os mutuantes”.
Para o citado jurista, “o conceito doutrinal é, sob o ponto de vista didático,
11
O contrato de mútuo não é o único negócio de crédito que poderá ser a causa da emissão de
debêntures, conforme posição defendida por Luiz Gastão Paes de Barros Leães (1980, p. 9) e
Trajano de Miranda Valverde (1953, v. 2, p. 161).
50
extremamente útil e, ressalvado o caso das debêntures perpétuas, estabelece os
contornos básicos do instituto de forma correta”.
As debêntures podem ser conceituadas como sendo valores mobiliários
que conferem direito de crédito perante a sociedade anônima emissora, nas
condições constantes do certificado, se houver, e da escritura de emissão
(COELHO, 2002, v. 2, p. 141).
Nos termos do artigo 56 da Lei nº 6.404/76, a debênture poderá assegurar
ao seu titular, dentre outros direitos, a participação nos lucros da companhia. Tratase de uma remuneração adicional aos juros e correção monetária, atribuídos ao
titular dessa espécie de valor mobiliário.
Trata-se, conforme Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 652), de instituto
assimilável ao participating bonus do direito norte-americano, que concede, além dos
juros, a participação do debenturista nos lucros da companhia. Para o citado jurista:
a causa dessa dupla remuneração é óbvia, tanto aqui como lá, ou
seja: visa atrair para a emissão dos títulos uma vantagem adicional,
consistente na participação dos lucros sociais. Os participating
bônus, com efeito, são a única modalidade que se pode admitir em
nosso direito, em face do caráter oneroso e mercantil do empréstimo
debenturístico, que não poderia sujeitar o tomador ao não
recebimento de remuneração nos exercícios em que não houvesse
lucro.
Ressalta-se que a possibilidade da debênture conferir ao seu titular o
direito de participar nos lucros da companhia, não descaracterizaria a natureza da
causa de sua emissão como contrato de mútuo, tampouco afastaria a liquidez do
título, requisito essencial à sua cobrança como título executivo extrajudicial. Isso
porque a remuneração via participação nos lucros não substitui os juros fixos
estabelecidos na escritura de emissão e devidos pela companhia tomadora do
51
crédito, sendo assim garantido a esses debenturistas, além dos juros, o direito de
participar nos lucros sociais.
Observa-se ainda que não se trata de direito eventual à participação nos
lucros, já que o direito incorporado à debênture permanece íntegro mesmo que no
período de duração do título ocorram exercícios em que o direito subjetivo não possa
ser exercido. O titular de tais debêntures com prêmio em lucros, não podendo
exercer a pretensão em determinados exercícios, mantém íntegro o seu direito ao
crédito nos exercícios seguintes (CARVALHOSA, 2002, v.1, p. 655).
A participação dos debenturistas nos lucros sociais não encontra previsão
no artigo 190 da Lei 6.404/76, mesmo porque tal participação nos lucros sociais não
representa necessariamente uma participação estatutária. Todavia, é consenso
entre os nossos doutrinadores que o seu cálculo e a sua dedução devem ser
realizados juntamente com as participações estatutárias previstas no citado artigo,
haja vista que as demonstrações de resultado do exercício deverão discriminar, após
o resultado deduzida a provisão para o imposto de renda (artigo 187, item V da Lei
6.404/76) e antes do lucro líquido do exercício (artigo 187, item VII da Lei 6.404/76),
as participações de debêntures, empregados, administradores e partes beneficiárias,
e as contribuições para instituições ou fundos de assistência ou previdência de
empregados (artigo 187, item VI da Lei 6.404/76). Neste sentido, Egberto Lacerda
Teixeira e Alexandre Tavares (1979, v. 2, p.563) entendem que “a omissão não
prejudica a participação das debêntures no lucro da companhia, antes do cálculo
das demais participações referidas”. Tal ponto de vista baseia-se precisamente, no
inciso VI do artigo 187, conjugado com o artigo 56.
Embora seja consenso que as participações dos debenturistas devam ser
calculadas e deduzidas antes da apuração do lucro líquido do exercício,
52
questionável é a ordem de seu cálculo frente às participações estatutárias
expressamente previstas no artigo 190 da Lei 6.404/76. Conforme Modesto
Carvalhosa (2003, v. 3, p.744), “para evitar dúvidas quanto à ordem de preferência
no cálculo será conveniente que o estatuto indique claramente a posição das
debêntures na ordem de cálculo do artigo 190”.
Note-se que a Lei 6.404/76 não estabelece nenhum limite quanto ao
percentual que poderá ser atribuído pela Assembléia Geral aos tomadores de
debêntures com direito de participar nos lucros sociais.
1.4.4 Participação dos administradores e empregados
O Decreto nº 434, de 1891, vinculado ao espírito nitidamente às
características das sociedades contratuais disciplinadas pelo Código Comercial até
então existentes, cujo cargo de administrador era uma atribuição inerente aos sócios
a quem cumpria o dever de dirigir a companhia, não disciplinava com maiores
detalhes a questão da remuneração dos administradores, prevendo inclusive a
possibilidade do exercício a título gratuito dessa função.
Essa concepção foi superada pelo Decreto Lei nº 2.627, de 1940, que,
adotando uma visão institucional da sociedade anônima, descartou a possibilidade
de exercício gratuito da administração societária. No entanto, para Modesto
Carvalhosa (2002, v. 1, p. 246):
essa evolução, no entanto, serviu para o exercício abusivo do direito
que então se passava a reconhecer. Do voluntariado, os
administradores passaram a perceber desmedidamente parte dos
lucros, outorgando-se, via estatuto, altíssimos percentuais de
gratificação de balanço. Passaram a se apropriar, dessa forma, de
grande parte dos resultados que poderiam ser distribuídos aos
acionistas como dividendos.
53
Muito embora o citado Decreto Lei nº 2.627/40 possuísse em seu artigo
134 dispositivo que vedasse a participação dos diretores nos lucros sociais,
enquanto não garantido o pagamento de dividendo mínimo aos acionistas de 6% ao
ano, calculado sobre o valor nominal das ações, não havia, uma vez realizado o
pagamento desse dividendo mínimo12, qualquer critério objetivo para a fixação do
percentual do lucro a ser atribuído aos administradores.
Exigiu-se assim, como umas das principais medidas moralizadoras da Lei
nº 6.404/76, a fixação de critérios eficazes para estabelecer o equilíbrio entre
acionistas e administradores na participação dos lucros sociais auferidos pela
companhia ao longo do exercício.
Neste sentido, os autores do Anteprojeto da Lei nº 6.404, de 1976,
justificam as inovações propostas, no que toca à remuneração dos administradores,
à necessidade de conciliar-se o interesse em mobilizar o bom técnico, que exige
remuneração adequada, com o objetivo de evitar notórios abusos de acionistas
majoritários, que se elegem para se atribuírem honorários sem proporção com os
serviços prestados, e que equivalem à distribuição de lucros. Assim, prosseguem os
autores do Anteprojeto na exposição justificativa das inovações propostas:
o artigo 153 do Projeto fixa alguns parâmetros que permitem à
minoria prejudicada, ou à autoridade judicial que conhecer do caso,
formar juízo sobre a existência ou não de abusos da maioria. São
normas que, pela variedade das situações a que deverão aplicar-se,
somente podem ser enunciadas com grau de generalidade que as
aproxima dos meros padrões de referência para avaliação dos
casos concretos. (LAMY; PEDREIRA, 1997, v.1, p. 242).
Nos termos do caput do artigo 152 da Lei nº 6.404/7613, a fixação da
remuneração dos administradores deverá observar certos parâmetros, tais como as
12
Conforme Modesto Carvalhosa (2003, v.1, p. 246), durante o período inflacionário, tornou-se
irrisório o percentual mínimo de 6% do capital a ser pago aos acionistas como dividendos para que os
administradores pudessem participar nos lucros sociais.
13
A redação do caput do artigo 152 da Lei nº 6.404/76 foi dada pela Lei nº 9.457/97.
54
suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e
reputação profissional e o valor dos seus serviços prestados no mercado. Esses
parâmetros poderão servir de base para a minoria acionária que venha a se sentir
prejudicada com a fixação da remuneração pela Assembléia Geral, possa impugnar
a deliberação tomada em evidente abuso de poder por parte dos acionistas
controladores da companhia.
Considerando o escopo dessa dissertação de mestrado ser a análise do
direito dos acionistas na participação dos lucros sociais, não cabe aqui uma análise
mais detalhada sobre a pertinência ou não dos critérios estabelecidos pela Lei
6.404/76 para fixação da remuneração fixa dos administradores da companhia,
sendo tão somente relevante para o aprofundamento desse trabalho a análise da
remuneração variável que poderá ser a eles atribuída pelo estatuto social. Assim,
muito embora a remuneração fixa represente uma despesa suportada pela
companhia que reduz, em última análise os lucros sociais, a remuneração variável
consiste em uma participação direta dos administradores nos lucros auferidos pela
companhia, apresentando grande relevância na destinação do resultado do exercício
e, conseqüentemente, na apuração do lucro líquido da companhia.
Torna-se assim, indispensável, a fixação de certos limites para a
atribuição de uma remuneração variável aos administradores que consista em uma
participação nos lucros sociais. Para tanto, a Lei nº 6.404/76 estabelece certos
requisitos para o pagamento dessa participação aos administradores, cujo principal
objetivo é tutelar os interesses das minorias acionárias face a eventuais abusos por
parte do acionista controlador.
Os administradores somente poderão participar nos lucros da companhia
quando o estatuto social fixar dividendo obrigatório em, pelo menos, 25% (vinte e
55
cinco por cento) do lucro líquido ajustado, não podendo essa participação
ultrapassar a remuneração anual a eles atribuída, ou um décimo dos lucros
auferidos pela companhia, prevalecendo o que for menor (artigo 152, §1º da Lei nº
6.404/76). Ademais, os administradores somente farão jus à participação nos lucros
do exercício social em que for atribuído aos acionistas o dividendo obrigatório (artigo
152, §2º da Lei nº 6.404/76).
Nota-se que, sobre esses requisitos previstos nos parágrafos 1º e 2º do
artigo 152 da Lei nº 6.404/76, entende o professor Modesto Carvalhosa, não se
destinarem à disciplina do pagamento da mesma remuneração variável, devendo ser
analisados isoladamente. Isso porque, para o citado jurista, existem duas
remunerações variáveis distintas que poderão ser atribuídas aos administradores da
companhia. A primeira remuneração variável, cujos limites estão fixados no artigo
152, §1º da Lei nº 6.404/76, consiste na participação estatutária dos administradores
nos lucros de balanço, que é direito de natureza contratual, inderrogável pela
assembléia geral, e que não poderá ultrapassar 10% com base nos lucros que
remanescerem depois de deduzidos os prejuízos acumulados e a provisão pára o
imposto de renda. Já a segunda remuneração variável, cujo limite está fixado no
artigo 152, §2º da Lei nº 6.404/76, consiste em uma participação voluntária,
originada da deliberação da Assembléia Geral, cujo montante cabe a ela determinar,
observado o princípio de eqüidade14 de participação dos acionistas nos mesmos
resultados (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 258).
Não parece ser esse o entendimento mais adequado, considerando ter os
citados dispositivos legais como principal escopo impedir o exercício do direito
14
O Princípio da Eqüidade a que se refere Modesto Carvalhosa condiciona a participação dos
administradores nos lucros sociais à distribuição de dividendos obrigatórios aos acionistas
equivalentes a 25% do lucro do exercício e dividendos diferenciados, nos termos do artigo 17 da Lei
nº 6.404/76, aos preferencialistas (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 257).
56
abusivo por parte do acionista controlador que, exercendo a administração da
sociedade, poderia se apropriar da totalidade do saldo dos lucros remanescentes
obtido após o pagamento dos dividendos mínimos obrigatórios e dos dividendos
diferenciados previstos no artigo 17 da Lei nº 6.404/76, na hipótese da Assembléia
Geral poder determinar uma remuneração variável aos administradores observados
tão somente os limites estabelecidos pelo artigo 152, §2º da Lei nº 6.404/76.
Neste sentido, José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 401) também
contesta aqueles estudiosos que se posicionam no sentido de separar a regra do §1º
do artigo 152 da regra do §2º do mesmo artigo, por entenderem que uma cuida da
atribuição estatutária e a outra da atribuição assemblear da participação dos
administradores nos lucros sociais. Para tanto, o citado jurista fundamenta a sua
divergência em inúmeras razões, dentre elas que:
sem a fixação estatutária, a participação se transformaria em uma
liberalidade; exigir o dividendo de 25% para a participação
estatutária e não exigi-lo para a assemblear seria um ilogismo; o
Capítulo XVI da Lei 6.404/76, que trata de “lucro, reservas e
dividendos”, apenas se refere às participações estatutárias; se o §2º
tivesse autonomia, os limites previstos no §1º a lê não se aplicariam,
o que representaria uma conclusão aberrante.
1.4.5 Partes beneficiárias
As partes beneficiárias são títulos que poderão ser emitidos, a qualquer
tempo, pelas sociedades anônimas, conferindo aos seus titulares o direito de
participar nos lucros anuais eventualmente auferidos pela companhia. Apesar de
representar um valoroso instrumento para a implementação de certos negócios, a
57
utilização de partes beneficiárias, nos dias atuais, tem se mostrado cada vez menos
usual. As razões da não utilização com maior freqüência desse instrumento pelas
companhias, está na própria origem e evolução das partes beneficiárias no direito
brasileiro.
Trata-se de instituto originado no direito francês (“parts de fondateur”),
que foi introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 3.150, de 1882, ao
estabelecer a possibilidade de instituir ao fundador da companhia certa vantagem
consistente na atribuição de uma parcela nos lucros sociais. Conforme Modesto
Carvalhosa (2002, v.1, p. 455), referido diploma legal:
inaugurou a faculdade de se remunerar, por meio da participação nos
lucros sociais, serviços prestados visando à constituição da
companhia, revestindo, no entanto, de excepcionalidade esse sistema
remunerativo.
Na mesma linha da Lei nº 3.150, de 1882, foi promulgado o Decreto nº
434, de 1890, que dispunha, em seu artigo 20, ser lícito, por deliberação da
Assembléia Geral, depois de constituída a companhia, estabelecer em favor dos
fundadores ou de terceiros que hajam concorrido com serviços para a formação da
companhia, qualquer vantagem consistente em uma parte dos lucros líquidos.
Observa-se que tal dispositivo legal não disciplinava claramente questões
de grande relevância acerca da criação e emissão de partes beneficiárias, tais como
prazo, mecanismo de resgate e amortização, bem como limites quanto à
participação desses beneficiados nos lucros sociais. Todavia, tais omissões foram
de extrema relevância para a construção jurisprudencial e doutrinária sobre do tema,
cujas discussões e conclusões foram aproveitadas nos anteprojetos de reforma da
lei societária que antecederam o projeto de Trajano Miranda Valverde, do qual
resultou o Decreto Lei nº 2.627, de 1940.
58
O
projeto
de
Valverde
refletiu
as
contribuições
doutrinárias
e
jurisprudenciais elaboradas ao longo dos cinqüenta anos anteriores e consolidadas
pelos projetos anteriores de Clodomiro Cardoso, de 1930, e Gudesteu Pires, de
1935, todos fundados em preceitos que procuravam evitar abuso dos fundadores e
terceiros na apropriação parasitária de parte dos lucros sociais (CARVALHOSA,
2002, v. 1, p. 459). Ademais, o projeto de Valverde foi responsável por uma das
principais evoluções na disciplina das partes beneficiárias ao transpor a mera noção
de remuneração pessoal dos fundadores e terceiros prestadores de serviços para a
de instrumento de captação de recursos junto àqueles que não desejariam se tornar
sócios da companhia.
A Lei nº 6.404/76 manteve, com pequenas modificações, a disciplina das
partes beneficiárias por sua utilidade na composição de interesses, sobretudo na
implementação de negócios cuja contribuição tenha natureza distinta daquelas
realizadas pelos acionistas na formação do capital social, especialmente quando se
tratar de negócios que envolvam conversão de dívidas, alavancagem de recursos e
cessões de direitos cujo valor somente seja realizado ao longo de sua utilização, tais
como as cessões de patentes, os contratos de transferência de tecnologia, dentre
outros.
Para Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 1,
p. 333), em boa hora o legislador de 1976 houve por bem manter, com os
necessários aprimoramentos, esses títulos de natureza peculiar que se prestam
admiravelmente a diversas finalidades, indo desde a pura e simples captação de
recursos financeiros até a disciplina de interesses insuscetíveis de composição
através de outros mecanismos societários.
59
Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 151) que uma das
funções das partes beneficiárias é a captação de recursos pela companhia que as
emite para aliená-las a interessados na rentabilidade proporcionada pela
participação nos seus resultados, recebendo, em contrapartida dos adquirentes, o
pagamento do preço a elas atribuído pela companhia. Ao lado dessa função, típica
dos valores mobiliários, as partes beneficiárias possuem ainda outras duas, a de
remuneração por prestação de serviços e a de atribuição gratuita.
Todavia, desde a sua promulgação, algumas importantes modificações
foram introduzidas na Lei nº 6.404/76, sendo uma das mais relevantes a realizada
pela Lei 10.303, de 2001, que proibiu as companhias abertas de emitirem partes
beneficiárias15.
Para Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 453):
por meio dessa vedação, o legislador de 2001, considerando a
pouca utilização do instituto, e de forma preconceituosa, excluiu a
possibilidade de existência nas companhias abertas desses títulos,
que poderiam também aí ter grande utilidade para a composição de
credores e a remuneração de serviços.
Com efeito, lamenta o citado jurista, “a importância das partes
beneficiárias não foi perfeitamente compreendida na prática societária brasileira e
teve pouco aproveitamento”.
A utilização inadequada do instituto, sobretudo, durante o período que
antecedeu a promulgação do Decreto Lei nº 2.627/40, em que as partes
beneficiárias muitas vezes serviam, em detrimento aos direitos de acionistas
minoritários, como um mecanismo de privilégio arbitrário e descabido a acionistas
15
Observa-se que as partes beneficiárias, antes mesmo da vedação trazida pela Lei 10.303, de 2001,
já estavam excluídas do novo mercado da Bolsa de Valores do Estado de São Paulo, uma vez que as
companhias integrantes desse novo mercado não poderiam ter partes beneficiárias em circulação e
seus estatutos deveriam vedar expressamente a possibilidade de emissão desses títulos.
60
controladores, fundadores e terceiros, somada ao desconhecimento sobre o enorme
alcance desses títulos na composição de interesses, capazes de oferecer maior
flexibilidade às companhias em seus relacionamentos com terceiros, tem levado à
progressiva tendência de extinção das partes beneficiárias na prática societária
brasileira.
Todavia, por se tratar de um instrumento que ainda pode ser utilizado
pelas companhias de capital fechado, atribuindo ao seu titular uma participação nos
lucros sociais, imperioso é o estudo das partes beneficiárias para o desenvolvimento
dessa dissertação de mestrado. No entanto, considerando o escopo do presente
trabalho, não cabe aqui uma análise mais detalhada da discussão doutrinária16 que
se travou no passado acerca da natureza jurídica das partes beneficiárias. Mesmo
porque com o aperfeiçoamento e a disseminação do conceito de valor mobiliário,
sobretudo após as valiosas contribuições do professor Luiz Gastão Paes de Barros
Leães (1974, p. 41), as discussões sobre serem ou não as partes beneficiárias um
título de crédito perderam parte de seu valor.
Conforme define Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.152), “as partes
beneficiárias são valores mobiliários que asseguram ao seu titular direito de crédito
eventual perante a sociedade anônima emissora, consistente numa participação nos
lucros desta”. Observa-se, no entanto, que além das sociedades anônimas de capital
aberto (artigo 47, § único da Lei nº 6.404/76), as instituições financeiras também não
16
Para alguns doutrinadores, como Rubens Requião (1971, v. 2, p. 91), Alexandre Tavares Guerreiro
e Egberto Lacerda Teixeira (1979, v. 1, p. 333), Trajano de Miranda Valverde (1953, v. 1, p. 217), as
partes beneficiárias são verdadeiros títulos de crédito. Todavia, outros doutrinadores, como Cunha
Peixoto (1972, v.1, p.361), entendem serem as partes beneficiárias títulos de natureza a parte que
não se confundem com a ação ou com qualquer outro título de crédito, uma vez que o seu titular não
seria credor enquanto não fossem apurados e distribuídos os lucros sociais. Modesto Carvalhosa
(2003, v. 1, p. 480), apoiado no posicionamento de Pontes de Miranda sobre direito e pretensão
(Teoria do Direito Subjetivo de Windscheid), define partes beneficiárias como sendo um título de
crédito puro e simples que confere ao seu titular o direito de exigir da companhia a prestação nele
especificada, qual seja, a participação nos lucros sociais.
61
poderão emitir partes beneficiárias, nos termos do artigo 35, inciso I da Lei 4.595, de
1964.
A participação dos titulares de partes beneficiárias se dará antes mesmo
da destinação do lucro líquido pelos acionistas, uma vez que o lucro líquido nada
mais é do que o resultado que remanescer depois de deduzidas as participações
dos debenturistas, empregados, administradores e titulares de partes beneficiárias
(artigo 187, inciso VI e artigo 190 da Lei nº 6.404/76).
No entanto, para coibir eventuais abusos de acionista controlador, a
participação atribuída aos titulares de partes beneficiárias não poderá ultrapassar a
10% dos lucros sociais, apurados com base no resultado do exercício, após
deduzidos os prejuízos de exercícios anteriores, a provisão para o imposto de renda
e as participações de debenturistas, empregados e administradores. Observa-se
assim que a participação das partes beneficiárias no lucro social, limitada a um
décimo deste, nunca poderá absorver integralmente o resultado, de sorte a
impossibilitar o pagamento de dividendos aos acionistas.
Todavia, cumpre-se ressaltar que não é requisito para o pagamento de
partes beneficiárias, a efetiva distribuição de dividendos aos acionistas. Isso porque
a Assembléia Geral Ordinária delibera, conforme proposta apresentada pelos órgãos
de administração, sobre a destinação do lucro líquido do exercício, já deduzido das
participações estatutárias previstas no artigo 190 da Lei nº 6.404/76. E, conforme
será analisado nos próximos itens, a decisão assemblear poderá aprovar a não
distribuição de dividendos em determinado exercício, retendo os respectivos lucros
em reserva especial (artigo 202, parágrafos 4º e 5º da Lei nº 6.404/76), muito
embora tenha a companhia realizado o pagamento das participações estatutárias
aos titulares de partes beneficiárias que se dá antes da apuração do lucro líquido.
62
Nos termos do artigo 48 da Lei nº 6.404/76, o estatuto fixará o prazo de
duração das partes beneficiárias17 e, sempre que estipular resgate, deverá criar
reserva especial para esse fim. Pode-se observar que as partes beneficiárias não
poderão pesar indefinidamente sobre a companhia, participando perpetuamente nos
lucros sociais. Ademais, o resgate será uma faculdade e, havendo tal previsão, o
estatuto deverá criar reserva especial para esse fim (item 1.2.3.1.2 infra).
Ressalta-se, conforme José Edwaldo Tavares Borba (2004, 308), que:
se a sociedade constituir uma reserva para resgate das partes
beneficiárias, os recursos a tanto destinados também deverão estar
compreendidos na mesma décima parte dos lucros18”. Trata-se,
segundo o citado autor (2001, 412),” de uma reserva estatutária de
lucros, criada pela Assembléia Geral, mediante norma estatutária
que explicite a sua finalidade, critérios de atribuição de lucros à
conta e o limite máximo de valor.
Neste sentido, Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 503), ao comentar
artigo 46 da Lei nº 6.404/76, afirma que:
o §2º da norma ora em estudo, ao estabelecer um teto de
participação das partes beneficiárias nos lucros, nele incluída a
eventual formação de reserva para resgate, traz a questão
pertinente de se saber se tal reserva pode ser considerada ou não
estatutária.
Após apresentar parecer CVM/SJU nº 84/8319, elaborado ainda quando as
companhias de capital aberto estavam autorizadas a emitir partes beneficiárias,
17
Ressalta-se que o prazo de duração de partes beneficiárias atribuídas gratuitamente, salvo as
destinadas a sociedades ou fundações beneficentes dos empregados da companhia, não poderá
ultrapassar 10 anos (artigo 48, §1º da Lei nº 6.404/76).
18
A Comissão de Valores Mobiliários, em seu Parecer CVM/SJU nº 109/83, opinou no sentido de que
tanto a reserva para resgate de partes beneficiárias, como a reserva para conversão de partes
beneficiárias em ações, estão abrangidas pelo limite de 10% nos lucros estabelecido no artigo 46, §2º
da Lei nº 6.404/76 (Pareceres da Superintendência Jurídica, parte 3, p. 125 e s.)
19
A opinião da Comissão de Valores Mobiliários em seu Parecer CVM/SJU nº 84/83 em que, muito
embora tenha sido inicialmente de que o fundo de reserva facultativa para resgate de partes
beneficiárias não deva ser considerado como conta integrante do patrimônio líquido, não sendo assim
considerado uma reserva estatutária, após revisão de Norma Janssen Parente, ficou estabelecido
que a reserva para resgate de partes beneficiárias constitui efetivamente uma reserva de lucros,
integrante do patrimônio líquido.
63
conclui o citado jurista “ser inquestionável a inclusão dessa reserva nas contas do
patrimônio líquido”, razão qual deve ser considerada uma reserva estatutária.
O lucro que remanescer depois de deduzidas as participações
estatutárias aqui analisadas; será considerado o lucro líquido do exercício (artigo
191 da Lei nº 6.404/76), cuja destinação será dada pela Assembléia Geral Ordinária,
conforme proposta apresentada pelos órgãos de administração da companhia,
observadas as regras sobre a constituição de reservas (artigos 193 a 199 da Lei nº
6.404/76) e distribuição de dividendos aos acionistas da companhia (artigos 201 a
205 da Lei nº 6.404/76).
1.4.6 Reservas de lucro, de capital e de reavaliação
As reservas previstas na Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, são: a) a
reserva de lucro (item 1.4.7 infra); b) a reserva de capital (item 1.5.3 infra), e c) a
reserva de reavaliação (item 1.5.4 infra).
Para Fran Martins (1978, v. 2, t. 2, p. 676):
o termo reserva tem muitas acepções e diversos significados,
mesmo em linguagem jurídica”. Todavia, entende o citado jurista
que, em qualquer aspecto, “o termo reserva implica na idéia de
poupar, guardar, conservar, deixar de lado.
As reservas aumentam o valor do patrimônio, devendo ser computadas
quando da avaliação patrimonial da companhia. Ao se calcular o valor patrimonial da
ação de determinada companhia para, por exemplo, fixar o preço de emissão de
novas ações em razão de aumento do capital social (artigo 170, §1º da Lei nº
64
6.404/76), o valor do patrimônio líquido base para esse cálculo será composto
também pelos valores das reservas existentes, sejam elas de lucro, capital ou
reavaliação.
No
que
tange
à
destinação
do
resultado
do
exercício,
mais
especificamente do lucro líquido apurado pela companhia, são as reservas de lucro
que despertam maior interesse do profissional e estudioso do direito, em razão da
possibilidade de sua utilização como instrumento de abuso contra a minoria
acionária.
1.4.7 Reservas e retenção de lucro
A sociedade anônima, ao deliberar em Assembléia Geral sobre a proposta
dos órgãos de administração para a destinação do lucro líquido auferido durante o
exercício social, deverá observar certas disposições legais e estatutárias que irão
estabelecer uma destinação obrigatória de parte desses lucros. Conforme Fábio
Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 348), “os resultados sociais podem ser classificados em
resultados de destinação forçada ou de destinação livre”.
A parcela dos lucros destinada à constituição de reservas ou ao
pagamento de dividendos obrigatórios integra o primeiro grupo da classificação
apresentada pelo citado jurista, isto é, faz parte dos resultados de destinação
forçada. Por sua vez, havendo saldo remanescente após a destinação forçada dos
lucros sociais, a companhia será livre para realizar sua destinação, podendo ampliar
os dividendos distribuídos aos acionistas, reforçar ou constituir as reservas, ou ainda
aumentar o capital social.
65
O presente item desta dissertação de mestrado tem por escopo o estudo
das reservas lucros que poderão ser constituídas tanto mediante o destaque de
determinadas parcelas do lucro líquido auferido pela companhia, nas condições
determinadas pela lei, ou pelo estatuto social - resultado de destinação forçada,
como também por deliberação da assembléia geral - resultado de destinação livre.
Trata-se, portanto, de valores positivos retidos pela companhia para o
atendimento de certos requisitos ou circunstâncias especiais, tornando-se assim
indisponíveis, pelo menos temporariamente, para efeito de distribuição de
dividendos. Com exceção da reserva legal (artigo 193 da Lei nº 6.404/76), que não
pode ser distribuída aos acionistas, uma vez que a própria lei lhe define as
destinações possíveis, as demais reservas de lucros podem ser revertidas, isto é,
podem retomar a sua primitiva condição de partes integrantes do lucro líquido da
companhia
e,
assim,
serem
partilhadas
entre
os
acionistas
(TEIXEIRA;
GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 567).
Ressalta-se, entretanto, que os acionistas não tem qualquer direito sobre
as reservas, senão em caso de distribuição. Isso porque, conforme Fran Martins
(1978, v. 2, t. 2, p. 685), “o titular das reservas é a companhia, sendo a posição dos
acionistas em relação às reservas idêntica à que têm em relação aos demais
haveres da sociedade”.
A constituição de uma reserva de lucro não implica na vinculação de bens
integrantes do ativo da companhia, já que este representa, indistintamente, capital,
reservas e créditos de terceiros e somente em casos especiais tais bens deverão ser
vinculados. Nesse sentido, Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro
(1979, v. 2, p. 569) esclarecem que:
66
não estabeleceu a lei, como princípio, a separação de bens do ativo
para representar os valores consignados como reservas, muito
embora a legislação especial possa exigir, de certas sociedades,
atuando em setores específicos, que invistam importâncias
equivalentes às suas reservas, em determinadas espécies de bens.
No patrimônio líquido da companhia poderão existir valores positivos
derivados, não do lucro social realizado, mas de outras fontes ou circunstâncias.
Tais valores configuram as reservas de capital (item 1.5.3 infra) e as reservas de
reavaliação (item 1.5.4 infra) que serão oportunamente estudas.
As reservas de lucro podem ser classificadas em 05 (cinco) categorias, a
saber: (a) reserva legal (artigo 193 da Lei nº 6.404/76); (b) reservas estatutárias
(artigo 194 da Lei nº 6.404/76); (c) reserva para contingências (artigo 195 da Lei nº
6.404/76); (d) retenção de lucros (artigo 196 da Lei nº 6.404/76); e (e) reservas de
lucros a realizar (artigo 197 da Lei nº 6.404/76).
1.4.8 Reserva legal
A reserva legal é reserva de lucro, de caráter obrigatório, cuja finalidade
legalmente prevista é assegurar a integridade do capital social. Nos termos do artigo
193, §2º da Lei nº 6.404/76, a reserva legal somente poderá ser utilizada para
compensar prejuízos ou aumentar o capital.
Nos termos do artigo 193 da Lei nº 6.404/76, do lucro líquido do exercício,
5% (cinco por cento) serão aplicados, antes de qualquer outra destinação, na
constituição da reserva legal, que não excederá de 20% (vinte por cento) do capital
social. Assim, os administradores da companhia deverão, ao elaborar a proposta de
destinação dos resultados do exercício, considerar a apropriação do referido
percentual na conta de reserva de lucro legal.
67
A Lei 6.404/76 estabeleceu expressamente um limite à constituição da
reserva legal, de tal sorte que, atingidos os 20% (vinte por cento) do capital social,
não poderá mais a companhia prosseguir deduzindo os 5% (cinco por cento) do
lucro líquido de cada exercício. Nota-se que a companhia ao infringir o limite
legalmente estabelecido poderá estar prejudicando o direito aos dividendos
obrigatórios devidos aos seus acionistas. Nessa hipótese, afirmam Egberto Lacerda
Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 572), “poderão os acionistas
impugnar a dedução que passa a prejudicar-lhe o montante a que têm direito como
dividendo obrigatório, nos termos do artigo 202”.
O revogado artigo 130 do Decreto Lei 2627/45 diversamente dispunha
sobre esse tema, estabelecendo que a dedução do lucro líquido para a constituição
da reserva legal deixaria de ser obrigatória quando seu fundo atingisse 20% (vinte
por cento) do capital social. Ora, deixar de ser obrigatória é diferente de não poder
exceder a determinado montante.
Observa-se ainda que a companhia poderá deixar de constituir a reserva
legal no exercício em que o saldo dessa reserva, acrescido dos montantes das
reservas de capital de que trata §1º do artigo 182, exceder de 30% (trinta por cento)
do capital social (artigo 193, §1º da Lei nº 6.404/76). Segundo Egberto Lacerda
Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 573), “não se tem aqui, como
no “caput” do artigo 193, limitação de observância imperativa, mas mera faculdade”.
Em outras palavras, se a soma do saldo da reserva legal e das reservas de capital
revelar-se superior a 30% (trinta por cento) do capital social, pode a sociedade
continuar a deduzir 5% (cinco por cento) do lucro líquido do exercício, até que a
reserva atinja a 20% (vinte por cento) do capital social. Enquanto não atingido esse
68
último percentual, a dedução será válida, mesmo que o saldo da reserva supere
30% (trinta por cento) do capital social.
A reserva legal, dentro do limite legalmente previsto, deverá ser
constituída ainda que em prejuízo da distribuição dos dividendos obrigatórios,
conforme disposto no artigo 198 da Lei nº 6.404/76.
Ao contrário das demais reservas de lucro, a reserva legal não pode ser
revertida, isto é, não pode retomar a sua primitiva condição de parte integrante do
lucro líquido da companhia e, assim, ser partilhada entre os acionistas. Isso porque a
reserva legal tem por finalidade assegurar a integridade do capital social (artigo 193,
§2º da Lei nº 6.404/76), devendo dar maior solidez ao patrimônio líquido da
companhia. Portanto, a reserva legal só pode ser utilizada para aumentar o capital
social, ou compensar prejuízos do exercício, desde que já absorvidos os lucros
acumulados e as reservas de lucros (artigo 192, § único da Lei nº 6.404/76).
1.4.9 Reservas estatutárias
O estatuto social poderá prever a constituição de reservas desde que,
para cada uma: a) indique de modo preciso e completo a sua finalidade; b) fixe os
critérios para determinar a parcela anual dos lucros líquidos que serão destinados à
sua constituição; e c) estabeleça o limite máximo da reserva.
Os estatutos sociais poderão prever a criação de determinada reserva
destinada ao resgate ou amortização de ações, bem como ao resgate de partes
beneficiárias (item 1.4.5 supra) ou ainda que permita a conversão de partes
beneficiárias em ações.
69
Nos termos do artigo 198 da Lei 6.404/76, a destinação dos lucros para
constituição de reservas estatutárias não poderá ser aprovada em prejuízo da
distribuição dos dividendos obrigatórios. Para Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre
Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 575), “os fundos que a sociedade pode valer-se
para a alimentação de reservas criadas pelos estatutos, serão apenas os que
remanescerem após o cálculo dos dividendos obrigatórios”. Neste mesmo sentido,
Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 748) entende que:
o valor do dividendo obrigatório será determinado antes da
apropriação de lucros para formar as reservas estatutárias, sendo
expressamente vedada a destinação de lucros para a constituição
de reserva estatutária em prejuízo do dividendo obrigatório (artigo
198).
Outro aspecto a ser considerado é que as companhias, muitas vezes,
criam em seus estatutos reservas cujas finalidades são as mesmas de outras
reservas de lucro já previstas pela Lei nº 6.404/76. Nesta hipótese, havendo mais de
uma reserva com a mesma finalidade, deverá prevalecer tão somente aquela cuja
finalidade seja tratada pela Lei das Sociedades por Ações. Assim, devem ser
registradas como reservas estatutárias somente aquelas definidas pelo estatuto
social e cuja finalidade já não tenha sido atribuída pela Lei nº 6.404/76 à outra
reserva de lucros (IUDÍCIBUS; MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 265).
Ressalta-se, por fim, que o saldo das reservas estatutárias, acrescido ao
valor da reserva legal (artigo 193 da Lei nº 6.404/76) e dos lucros retidos (artigo 196
da Lei nº 6.404/76), não poderá ultrapassar o capital social, conforme disposto no
artigo 199 da Lei nº 6.404/76.
1.5 Reserva para contingências
70
A assembléia geral poderá, por proposta dos órgãos da administração,
destinar parte do lucro líquido à formação de reserva com a finalidade de
compensar, em exercício futuro, a diminuição do lucro decorrente de perda julgada
provável, cujo valor possa ser estimado (artigo 195 da Lei nº 6.404/76). A proposta
dos órgãos de administração deverá indicar a causa da perda prevista e justificar,
com as razões de prudência que a recomendem, a constituição da reserva (artigo
195, § 1º da Lei nº 6.404/76).
As reservas para contingências a que se refere o artigo 195 da Lei nº
6.404/76 são reservas de lucro, com caráter facultativo. Não se constituem por
previsão estatutária, mas por decisão assemblear, em razão de proposta
fundamentada apresentada pelos órgãos da administração da companhia.
Diversamente das reservas estatutárias e dos lucros retidos, as reservas
para contingências poderão ser constituídas mesmo em prejuízo da distribuição dos
dividendos obrigatórios (artigo 198 da Lei nº 6.404/76). Ademais, ao contrário das
reservas de capital, estatutárias e de lucros retidos, o saldo das reservas para
contingências não está sujeito à limitação de que trata o artigo 199 da Lei nº
6.404/76.
Nota-se, entretanto, que a reserva para contingências não deve ser
utilizada para bloquear sistematicamente a distribuição dos lucros líquidos do
exercício aos acionistas da companhia. Na constituição dessa reserva, é necessário
que se levem em conta apenas as perdas efetivamente julgadas prováveis, com a
identificação da respectiva causa e com as justificações necessárias. Os excessos
verificados, longe de representarem cautelas, podem corresponder a abusos de
poder por parte dos controladores, em detrimento das expectativas e dos interesses
da minoria acionária (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 577).
71
Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 749), “os fundamentos da
proposta deverão ser objetivamente expostos, de modo a afastar qualquer decisão
subjetiva, baseada apenas em receios não fundados em fatos comprováveis, ou em
simples opiniões”. Os casos mais comuns de perdas prováveis decorrem de ações
judiciais. Nesses casos, prossegue o citado jurista, “a proposta de constituição de
reserva para contingências deveria vir acompanhada de parecer de jurista
especialista na matéria, que não fosse empregado da companhia”.
Em razão da confidencialidade das informações que possam constar da
proposta da administração, a companhia poderá lavrar e publicar a ata da
assembléia que aprovar a mencionada proposta em forma de sumário dos fatos
ocorridos, com a transcrição apenas das deliberações tomadas, nos termos do artigo
130, §1º da Lei nº 6.404/76.
A reserva será revertida no exercício em que ocorrer a perda que
justificou a sua constituição (artigo 195, §2º da Lei nº 6.404/76), isto é, verificando-se
a perda prevista pelos órgãos de administração da companhia, o prejuízo dela
decorrente será absorvido pelos recursos destinados à constituição da reserva para
contingências.
Por outro lado, caso deixem de existir as razões que justificaram a
constituição da reserva para contingências, os recursos nela existentes deverão ser
revertidos, cabendo à sociedade decidir sobre a destinação dos mesmos (COELHO,
2002, v. 2, p. 350). Neste sentido, esclarece Fran Martins (1978, v. 2, t. 2, p. 699)
que “não mais existindo os motivos que determinaram a cautela de constituir a
reserva, esta será revertida, isto é, considerada disponível como lucro a ser
distribuído ou incorporado ao capital”.
72
1.5.1 Retenção de lucros
A assembléia geral poderá, por proposta dos órgãos da administração,
deliberar reter parcela do lucro líquido do exercício prevista em orçamento de capital
por ela previamente aprovado (artigo 196 da Lei nº 6.404/76).
O autofinanciamento das empresas, mediante a reaplicação de seus
resultados positivos torna-se, a bem dizer, excepcional, no regime vigente e somente
se fará por referência a um orçamento de capital previamente aprovado pelos
acionistas. Nota-se, desde logo, que os fundos retidos pela sociedade com tal
propósito não se intitulam propriamente reservas. A lei criou a respeito figura nova,
denominada
retenção
de
lucros,
disciplinada
no
artigo
196
(TEIXEIRA;
GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 578).
Observa-se que a retenção dos lucros somente será válida quando
destinada a atender orçamento de capital previamente aprovado pela assembléia
geral. O orçamento de capital com a justificativa da retenção de lucros proposta
deverá compreender todas as fontes de recursos e aplicações de capital, fixo e
circulante, e poderá ter a duração de até cinco exercícios, salvo no caso de
execução, por prazo maior, de projeto de investimento (artigo 196, §1º da Lei nº
6.404/76). O orçamento poderá ser aprovado pela assembléia geral ordinária que
deliberar sobre o balanço do exercício e revisado anualmente, quando tiver duração
superior a um exercício social (artigo 196, §2º da Lei nº 6.404/76)20.
Conforme Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979,
v. 2, p. 579), “não define a lei o que seja orçamento de capital, mas é certo que se
20
Trata-se de uma inovação introduzida pela Lei 10.303, de 2001, cuja principal finalidade foi
assegurar que a companhia não retenha de maneira indevida valores que poderiam ser distribuídos
aos acionistas. Assim, conforme Modesto Carvalhosa, (2003, v. 3, p. 764), “com a revisão periódica
do orçamento de capital, pode-se detectar a eventual existência de sobras orçamentárias, as quais,
não constituindo mais fundamento para retenção do lucro, devem ser distribuídas aos acionistas”.
73
constitui ele de previsão de gastos e receitas para novos empreendimentos da
companhia, da ampliação ou modernização dos existentes”. Neste sentido, para
Fran Martins (1978, v. 2, t. 2, p.705):
o orçamento de investimento ou de capital, referido no artigo 196 da
Lei nº 6.404/76, é a demonstração contábil de previsão da
necessidade de recursos para a compra de equipamentos ou para a
aplicação de capital, em razão do qual se propõe a retenção dos
lucros.
Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 752):
o orçamento de capital, nos termos da lei, deverá compreender os
recursos econômico-financeiros previstos para serem realizados
pela companhia na aquisição, formação e construção de ativos
imobilizados ou diferidos e em investimentos que contribuirão para a
melhoria da gestão empresarial da sociedade.
Esse orçamento deverá ser elaborado com toda a fundamentação
econômico-financeira possível, com o objetivo de demonstrar inequivocamente que
os recursos correspondentes à parcela de lucro retida serão, de fato, aplicados como
previstos no orçamento de capital.
Observa-se que a retenção de lucros não poderá prejudicar a constituição
da reserva legal (artigo 193 da Lei nº 6.404/76), sendo ainda vedada a aprovação da
retenção de lucros em prejuízo da distribuição do dividendo obrigatório, conforme
artigo 198 da Lei nº 6.404/76, razão pela qual somente poderá ser apropriado o
saldo remanescente após a dedução do montante necessário para o pagamento
desses dividendos.
Segundo Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p.761), apurado o lucro líquido,
será constituída a reserva legal e, se for o caso, as reservas para contingências e de
lucros a realizar, observadas as reversões previstas no artigo 202. Do saldo
remanescente será deduzida a parcela necessária à distribuição do dividendo
74
obrigatório, depois da qual poderá ser constituída a reserva estatutária e
determinada a retenção de lucros.
1.5.2 Reserva de lucros a realizar
No exercício em que o montante do dividendo obrigatório, calculado nos
termos do estatuto ou do artigo 202 da Lei nº 6.404/76, ultrapassar a parcela
realizada do lucro líquido do exercício, a assembléia poderá, por proposta dos
órgãos da administração, destinar o excesso à constituição de reserva de lucros a
realizar.
Nos termos do artigo 197, § 1º da Lei nº 6.404/76, considera-se realizada
a parcela do lucro líquido do exercício que exceder da soma dos seguintes valores:
(i) o resultado líquido positivo da equivalência patrimonial (artigo 248 da Lei nº
6.404/76); e (ii) o lucro, ganho ou rendimento em operações cujo prazo de realização
financeira ocorra após o término do exercício seguinte.
Fabio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 350) esclarece que a reserva de lucros
a realizar está relacionada ao regime de competência para a escrituração mercantil,
de adoção obrigatória pelas sociedades anônimas (artigo 177 da Lei 6.404/76).
Segundo o citado jurista, há duas formas de se apropriarem, contabilmente, as
mutações patrimoniais do empresário: a) o regime de caixa (ou de gestão) em que
as mutações ao tempo em que o recurso entra na posse do empresário, ou dela sai;
e b) o regime de competência em a apropriação se realiza quando do surgimento do
direito do empresário ao recurso, ou do dever de o entregar.
No regime de competência, cuja adoção é obrigatória para as sociedades
anônimas, poderão ser apurados ao término do exercício social, resultados positivos
75
que não representem ingressos efetivos de numerário no patrimônio social da
companhia. A indisponibilidade dos lucros a realizar, que justifica e recomenda a
constituição da reserva de lucros a realizar, resulta da própria natureza desses
resultados, os quais, embora computados no exercício, somente se tornarão
passíveis de efetiva distribuição aos acionistas a partir do momento de sua
concretização, ou, em outras palavras, a partir de sua realização futura (TEIXEIRA;
GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 580). Neste sentido, Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p.
757) esclarece que a reserva de lucros a realizar foi o recurso contábil que permitiu
ao legislador fixar o dividendo obrigatório como percentagem do lucro do exercício,
sem risco de criar problemas financeiros para a sociedade, num sistema que
consagra o regime de competência como regra geral.
Ressalta-se que somente poderão ser destinados à reserva de lucros a
realizar os valores correspondentes ao montante do dividendo obrigatório que
exceder a parcela realizada do lucro líquido do exercício. Assim, somente se o
montante dos dividendos obrigatórios, calculado conforme o percentual fixado no
estatuto social ou, sendo este omisso, de acordo com o estabelecido em lei, for
superior à parcela realizada de lucros, poder-se-á constituir reserva de lucros a
realizar, reduzindo assim o montante do dividendo obrigatório a ser pago aos
acionistas.
A reserva de lucros a realizar somente poderá ser utilizada para
pagamento do dividendo obrigatório e, para efeito do inciso III do artigo 202, serão
considerados como integrantes da reserva os lucros a realizar de cada exercício que
forem os primeiros a serem realizados em dinheiro.
Por fim, valiosa observação faz Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 351) no
sentido de que a reserva de lucros a realizar deve ser descontada do valor do
76
patrimônio líquido da companhia, no cálculo do reembolso, para que o acionista em
retirada não se beneficie indevidamente da perspectiva de rentabilidade da empresa,
haja vista ser o recesso uma hipótese de desinvestimento.
1.5.3 Reserva de capital
As reservas de capital são constituídas com valores recebidos pela
companhia e que não transitam pelo resultado como receitas, por se referirem a
valores destinados ao reforço de seu capital. As reservas de capital serão
compostas pelos ágios recebidos dos subscritores de ações, inclusive nos casos de
conversão em ações de debêntures ou partes beneficiárias; pelo produto da
alienação de partes beneficiárias e bônus de subscrição; pelo prêmio recebido na
emissão de debêntures; e pelas doações e subvenções para investimento (artigo
182, §1º da Lei nº 6.404/76).
Nos termos da Instrução CVM nº 319, de 1999, também será considerada
uma reserva de capital a reserva especial de ágio na incorporação. Trata-se de
reserva de capital contabilizada na conta do patrimônio líquido da incorporadora e
constituída como contrapartida do montante do ágio resultante da aquisição do
controle da companhia aberta que incorporar sua controladora.
A reserva de capital somente poderá ter destinação entre aquelas
hipóteses previstas no artigo 200 da Lei nº 6.404/76, a saber: (i) absorção de
prejuízos que ultrapassarem os lucros acumulados e as reservas de lucros (artigo
189, parágrafo único); (ii) resgate, reembolso ou compra de ações; (iii) resgate de
partes beneficiárias; (iv) incorporação ao capital; e (v) pagamento de dividendos a
ações preferenciais, quando essa vantagem lhe for assegurada.
77
Nota-se que, ao contrário das reservas de lucro, o saldo das reservas de
capital podem atingir qualquer montante, não se sujeitando a nenhum limite legal ou
estatutário.
1.5.4 Reserva de reavaliação
As reservas de reavaliação correspondem a contrapartidas de aumentos
de valor atribuídos a elementos do ativo em virtude de novas avaliações com base
em laudo nos termos do artigo 8º, aprovado pela Assembléia Geral (artigo 182, § 3º
da Lei nº 6.404/76). Conforme Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares
Guerreiro (1979, v. 2, p. 571), as reservas de reavaliação “são verdadeiros ganhos
de capital ainda não realizados, decorrentes de novas avaliações de elementos do
ativo”.
As reservas de reavaliação devem estar segregadas em duas contas, a
saber: (i) reavaliação de ativos próprios; e (ii) reavaliação de ativos de coligadas e
controladas avaliadas ao método de equivalência patrimonial. Na primeira conta,
estão classificadas as reavaliações feitas pela companhia de seus próprios bens,
pela parcela da nova avaliação ao preço de mercado que exceder o valor líquido
contábil anterior desses bens. Já na segunda conta, estão registradas as
contrapartidas relativas aos débitos feitos na conta de investimento em coligadas e
controladas avaliados pelo método de equivalência patrimonial, quando tais débitos
forem oriundos de reavaliações feitas pelas coligadas e controladas (IUDÍCIBUS;
MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 264).
78
Observa-se que, tal como as reservas de capital, as reservas de
reavaliação também não estão abrangidas pela limitação quantitativa a que se refere
o artigo 199 da Lei nº 6.404/76.
Encerrado o estudo das reservas de lucro que acarretam de certo modo
no aumento do patrimônio líquido da companhia e, conseqüentemente, em um
acréscimo no valor patrimonial das ações detidas pelos acionistas da companhia,
cumpre analisar agora os dividendos, principal instrumento de participação dos
acionistas nos lucros sociais.
1.5.5 Dividendos
Pode-se assim conceituar dividendo como a parcela dos lucros auferidos
pela companhia distribuíveis aos acionistas, em conformidade com a classe, espécie
e quantidade de ações que titularizam. Nesse sentido, Fábio Konder Comparato
(1981, p. 151) esclarece que “o dividendo, como a própria forma gerundiva indica, é
o lucro que deva ser dividido, isto é, repartido entre os acionistas”. Para Modesto
Carvalhosa (2003, v. 3, p. 777), “dividendo é a parcela do lucro relativa a cada ação”.
Entretanto, nem todo dividendo distribuído aos acionistas corresponde à
parcela dos lucros sociais. Trata-se da hipótese de pagamento de dividendos aos
titulares de ações preferências mediante a utilização de recursos constantes da
conta de reserva de capital da companhia (item 1.5.3 supra). Estabelece o artigo 201
da LSA que a companhia somente poderá pagar dividendos à conta de lucro líquido
do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de
capital, nos casos das ações preferenciais de que trata o §6º do artigo 17.
79
Nota-se que as distribuições de dividendos obedecem ao regime de
acumulação de resultados, que é critério legítimo para a distribuição ou não de
dividendos. Se há prejuízos acumulados anteriormente ao exercício próspero, não
pode haver distribuição de dividendos se esses prejuízos superam ou se equivalem
aos lucros auferidos. Todavia, se há lucros acumulados anteriormente ao exercício
em que se apurou prejuízo, pode haver distribuição de dividendos se os lucros
acumulados
em
exercícios
anteriores
superarem
prejuízos
verificados
(CARVALHOSA, 2003, v. 3, p.774).
Colocada a questão dos dividendos, voltaremos ao seu estudo no
próximo capítulo quando será abordado de maneira detalhada o direito de
participação dos acionistas nos lucros sociais.
80
CAPÍTULO 2 - DIREITO DE PARTICIPAR NOS LUCROS SOCIAIS E AS
RELAÇÕES DE PODER NA SOCIEDADE ANÔNIMA
2.1 As Relações de poder21 nas sociedades anônimas
A despeito das diversas teorias22 que buscam explicar a natureza jurídica
dos atos constitutivos das sociedades empresárias23, é indiscutível que elas
resultam da união de esforços de pessoas que, muito embora possam ter as mais
diversas pretensões ao se associarem para a constituição da sociedade, buscam
através dela atingir o mesmo fim comum que consiste no lucro auferido pela pessoa
jurídica com a exploração da atividade que constituí o seu objeto social.
As pretensões diversas que os acionistas possuem ao se associarem, faz
com que se forme no interior da companhia dois grandes grupos de acionistas que
são, de um lado, os controladores ou empreendedores, responsáveis em definir as
diretrizes da sociedade, tendo nítido interesse na exploração da atividade econômica
pela companhia; e, de outro, os investidores ou minoritários, que encontram na
sociedade uma oportunidade de investimento, suprindo a companhia de boa parte
21
Para Max Weber, o conceito de poder perpassa todos os níveis da sociedade, não se limitando ao
seu sentido estritamente político nem econômico, mas à “possibilidade de um homem ou de um grupo
de homens realizar sua própria vontade numa ação comunal, mesmo contra a resistência de outros
que participem da ação”. (Weber, 74, p. 61).
22
Considerando não ser o escopo dessa dissertação de mestrado, cumpre apenas observar que
diversas teorias foram desenvolvidas nos séculos passados para explicar a natureza jurídica do ato
constitutivo das sociedades, dentre as quais, destacam-se as Teorias Anticontratualistas do ato
coletivo e do ato complexo, sustentadas, principalmente, por Lehmann, Alfredo Rocco e Francesco
Messineo; a Teoria do Ato Corporativo, defendida por Von Gierke; a Teoria da Instituição,
desenvolvida por Maurice Hauriou e, notadamente, utilizada pelo legislador brasileiro quando da
elaboração da Lei das Sociedades por Ações; e as Teorias Contratualistas do contrato bilateral e do
contrato plurilateral, tendo essa última como principal defensor o professor Túlio Ascarelli questão de
extrema relevância para o estudo do direito societário (REQUIÃO, 1971, v.1, p. 339; VERÇOSA,
2006, v. 2, p. 55).
23
Conforme Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 332), adotou-se, em nossa legislação, de forma
decisiva e franca para as sociedades anônimas a corrente institucionalista que se manifesta pela
superposição do interesse público sobre o interesse societário, atribuindo-se aos controladores a
missão de perseguir preferentemente os objetivos que beneficiem a comunidade e o próprio Estado.
81
do capital que necessita para a consecução de seu objeto social. Note-se que os
acionistas investidores das companhias de capital aberto poderão ser ainda
divididos em rendeiros e especuladores, conforme o prazo de retorno que buscam
no investimento realizado.
Dividem-se os acionistas, em virtude da estrutura estabelecida pela Lei
6.404/76, em controladores, rendeiros e especuladores. Aos controladores, também
chamados de empreendedores, cabe exercer a estratégia de poder, sem
necessidade de aporte substancial de investimento no capital da companhia. Já aos
acionistas rendeiros, em regra, preferencialistas, cumpre suprir a sociedade anônima
de capital próprio, encontrando nas ações uma alternativa de investimento com
perspectivas de retorno a longo prazo. Por fim, aos especuladores atribui-se o papel
de proporcionar aos rendeiros a necessária liquidez às ações, nas companhias
abertas, uma vez que atentos às cotações das bolsas, buscam maximizar ganhos
imediatos, procurando alternativas de liquidez e segurança para os seus
investimentos (CARVALHOSA, 2003, v. 2, p. 479; COELHO 2002, v. 2, p. 273). No
entanto, por mais diversa que seja a motivação pessoal de cada acionista ao se
associar, a consecução pela companhia de seu objeto social, propiciando o seu
crescimento e desenvolvimento, é o elo de ligação de todos esses interesses.
Ocorre que, em momentos de crise, as diferenças entre os interesses
particulares dos grupos de acionistas podem se aflorar. O acionista controlador pode
passar a aumentar as reservas de lucro visando garantir uma maior estabilidade
econômico-financeira
para
companhia.
Assim,
ao
reter
lucros
de
modo
desnecessário não remunera o acionista investidor como poderia. Por sua vez, o
acionista investidor passa a buscar maior ingerência na administração da
companhia, visando até mesmo, em certas situações, tomar o poder de controle
82
para si. Ora, em tais situações, é evidente a tensão que passa a existir entre esses
dois grupos, desequilibrando assim as relações de poder internas da companhia.
As relações de poder entre os acionistas representam, conforme Fábio
Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 274), “um importantíssimo tema da tecnologia jurídica
societária, na medida em que a equilibrada composição dos interesses em confronto
é condição para a companhia continuar contando com os recursos de todos os seus
integrantes”. Neste sentido, exemplifica o citado jurista:
se o controlador restringir ao mínimo os dividendos distribuídos, a
sociedade poderá ter dificuldades de colocar novas ações no
mercado. Por sua vez, se os acionistas minoritários, desconsiderando
a natureza institucional das companhias, não forem discretos na
defesa de seus interesses, poderão prejudicar os negócios sociais.
A Lei 6.404, de 1976, fundamenta-se, no que tange à estrutura de poder e
às relações entre acionistas e a companhia, na figura do acionista controlador, a
quem dá uma série de prerrogativas de mando que são auto-homologadas pela
assembléia geral, que, em última instância, delibera conforme a decisão tomada
pelos próprios controladores. Todavia, para contrabalançar essa forma oligárquica
de poder na companhia, a lei de 6.404/76 outorga aos minoritários uma série de
direitos específicos, como direitos de informação e de fiscalização (artigos 105, 133,
141, 157 e 161), bem como de ação em face dos administradores (artigo 159, § 4º) e
dos próprios controladores da companhia (artigo 117) (CARVALHOSA, 2003, v. 2, p.
473). Ademais, como instrumento para estabilizar as relações de poder internas da
companhia, a Lei da Sociedades por Ações irá assegurar a todos os acionistas da
companhia certos direitos essenciais (artigo 109) que não poderão ser deles
suprimidos, seja por previsão estatutária, seja por deliberação assemblear.
É neste contexto que se insere o direito de participação nos lucros sociais.
Trata-se de um direito essencial assegurado a todo o acionista, fundamental para a
83
estabilização das relações de poder internas da companhia, uma vez que impede
ou, ao menos limita, a tomada de decisões pelo acionista controlador que venham a
privar os demais acionistas de exercer um direito legítimo assegurado a quem
contribuiu para a consecução do objeto social e tem como principal, senão única
expectativa, um retorno satisfatório ao capital investido na companhia.
2.1.1 O princípio da maioria nas deliberações sociais
O adequado estudo do direito de participação nos lucros sociais
pressupõe uma prévia análise dos direitos essenciais dos acionistas. Todavia, essa
análise deve ser realizada dentro do contexto em que se insere o tema, ou seja,
como um instrumento de equilíbrio entre as relações de poder travadas internamente
na Assembléia Geral da companhia entre acionista controlador e minoria acionária.
A Assembléia Geral é órgão deliberativo supremo da companhia,
competente para decidir sobre qualquer matéria de interesse da sociedade. É nela
que os acionistas irão se encontrar para discutir assuntos de interesse social,
decidindo sobre os mesmos, conforme o princípio majoritário de votos reconhecido,
tanto pelo revogado Decreto Lei 2.627, de 1940, como pela Lei 6.404, de 1976,
atualmente vigente em nosso ordenamento jurídico. Nos termos do artigo 129 da Lei
6.404/76, que textualmente reproduziu o revogado artigo 94 do Decreto Lei
2.627/40, as deliberações da assembléia geral, ressalvadas as exceções previstas
em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando, para
tanto, os votos em branco.
O princípio majoritário nas deliberações sociais tomadas em assembléia
geral consiste na prevalência da decisão tomada pelos acionistas detentores da
84
maior quantidade de ações com direito de voto presente ao conclave e que, assim,
representam a vontade social. Nota-se que esse princípio é essencial na tomada das
deliberações sociais, pois dificilmente seriam obtidos a uniformidade e o consenso
de todos os acionistas no modo de pensar sobre determinada matéria posta em
votação em assembléia geral. Portanto, conforme Modesto Carvalhosa (2003, v. 2,
p. 738):
trata-se de princípio de ordem pública inderrogável pelo estatuto
social ou pela assembléia geral, não podendo, por exemplo, o
estatuto social instituir que caberá a determinada minoria na
assembléia estabelecer a vontade social, ou, contrariamente, que
certos assuntos, além daqueles prescritos em lei, somente poderão
ser deliberados pelo voto unânime dos acionistas presentes.
O princípio majoritário ou da maioria acionária não está relacionado ao
número de sócios, tampouco à participação no capital social, mas sim limitado às
ações representativas do capital social que confiram ao seu titular, de modo
permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e seja
efetivamente exercido para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento
dos órgãos da companhia. Portanto, trata-se da maioria do capital votante, que
poderá estar concentrada nas mãos de um só acionista ou de um pequeno grupo de
acionistas, capaz de impor a sua vontade aos demais acionistas, influindo assim na
vontade social e, conseqüentemente, na condução dos negócios da companhia.
Neste sentido, para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 275):
quando se fala em maioria ou minoria, no contexto das relações
entre acionistas, as expressões não dizem respeito à maior ou
menor participação no capital social, mas, sim, à maior ou menor
influência na condução dos negócios sociais.
Observa-se, assim, que a principal diferença entre esses dois grupos de
acionistas não reside apenas na maior ou menos quantidade de ações
85
representativas do capital social da companhia, mas sim no próprio animus do
acionista em ter ou não maior ingerência na direção dos negócios sociais.
A diversidade entre a maioria e a minoria acionária resulta das intenções
dos prestadores de capital, distinguindo-se assim aqueles que visam a comandar e
dirigir a empresa, orientando-a para fins pré-ordenados segundo um planejamento
próprio, daqueles que, confiando no empreendimento, nele realizam investimentos,
animados pela expectativa de um retorno satisfatório ao capital por eles aportado na
companhia. Ambos correm os riscos da empresa, contribuem com os recursos e
bens de que ela necessita e partilham seus resultados. Entretanto, assumem
posição jurídico-econômica diversa, no contexto da operação social, que exige como
condição de eficiência e continuidade, um comando unificado que somente se atinge
mediante a atuação concreta do princípio majoritário. A atuação desse princípio
evidencia a existência de um poder de controle que se coloca como pressuposto
indispensável da atividade corrente da sociedade e como condição especial para
que ela atinja suas finalidades, pode definição, lucrativas (TEIXEIRA; GUERREIRO
1979, v.1, p.292).
É neste contexto que surge a definição de poder de controle, sempre feita
em função da assembléia geral, pois é ela o órgão primário da sociedade anônima,
que investe todos os demais órgãos e constitui a última instância decisória
(COMPARATO, 2005, p. 51).
2.1.2 Considerações sobre o acionista controlador e o poder de controle
A dissociação entre o capital necessário para a exploração da atividade
empresarial pela companhia e o seu controle manifestado internamente pelas
86
deliberações tomadas em assembléia geral, é um fenômeno cada vez mais evidente
nas sociedades anônimas em nosso dia-a-dia. Neste sentido, para Fábio Konder
Comparato (2005, p. 51), “um dos fenômenos básicos da sociedade anônima
moderna é a possibilidade de dissociação entre a propriedade acionária e o poder
de comando empresarial”.
A dissociação entre a propriedade acionária e o poder de comando
empresarial foi largamente demonstrada, pela primeira vez, na célebre pesquisa dos
economistas Adolf A. Berle Jr. e Gardiner Means, elaborada com base em dados
estatísticos de 1929, tendo como objetivo de estudar as mudanças, então em curso,
na propriedade das grandes companhias norte-americanas. Segundo Adolf A. Berle
Jr. e Gardiner Means (1988, p. 85), o controle interno de uma companhia pode ser
classificado em cinco espécies, a saber: a) controle totalitário, modalidade em que a
titularidade da quase totalidade das ações emitidas pela companhia encontra-se
concentrada nas mãos de um único acionista; b) controle majoritário, modalidade em
que o poder de controle é exercido por quem é titular de mais da metade das ações
com direito a voto; c) controle obtido mediante expedientes legais (through a legal
device), modalidade que recebeu severas críticas e acabou não sendo reconhecida
por grande parte de nossos doutrinadores24 como uma modalidade própria de poder
de controle; d) controle minoritário, modalidade em que o acionista, muito embora
24
Conforme Fábio Konder Comparato (2005, p. 64):
muito discutível é essa espécie de controle na classificação de Berle e
Means: aquele que se exerce mediante um expediente ou artifício legal.
Dos exemplos assinalados pelos prestigiosos autores – o controle piramidal
ou em cadeia num grupo societário, a existência de ações sem direito de
voto, a emissão de ações com voto limitado e o voting trust – somente o
último poderia, a rigor, ser distinguido das demais espécies de controle,
pela própria peculiaridade do trust de dissociar direitos de vários titulares
sobre uma mesma coisa. O trustee não pode ser assimilado a um
proprietário (owner), e nesse sentido exerce o controle sem propriedade,
mas, fundado, de qualquer modo, em direito próprio. A originalidade do
instituto não permite a generalização dessa espécie particular de controle
aos demais sistemas jurídicos.
87
seja titular de menos da metade das ações com direito a voto, dirige os negócios
sociais e elege a maioria dos administradores; e e) controle gerencial (management
control), modalidade em que o controle não está mais associado à participação
acionária, mas sim às prerrogativas dos administradores que, em razão do alto grau
de dispersão das ações emitidas pela companhia, assumem o controle empresarial
(COMPARATO, 2005, p. 51; COELHO, 2002, v. 2, p.279).
A Lei 6.404/76 introduziu em nosso ordenamento jurídico a figura do
acionista controlador. Trata-se, nos termos do artigo 116 da citada lei, de toda
pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou
sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de
modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o
poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente
seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da
companhia.
Portanto, o acionista para deter o poder de controle interno da companhia
deverá titularizar ações que lhe confiram, de modo permanente, a maioria dos votos
nas deliberações assembleares e o poder de eleger a maioria dos administradores
da companhia, usando assim efetivamente esse poder para dirigir os negócios
sociais. Neste sentido, para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 486), “controlar uma
companhia é o poder de impor a vontade nos atos sociais e, via de conseqüência,
de dirigir o processo empresarial, que é o seu objeto”.
A Lei 6.404, de 1976, ao estabelecer o requisito de permanência no poder
decisório nas deliberações da assembléia geral, afastou do conceito de controle o
voto decisivo que seja meramente eventual e episódico. A interpretação do conceito
de permanência não acarreta grandes controvérsias quando o poder de controle é
88
exercido por acionista detentor da maioria absoluta das ações votantes da
companhia. Todavia, nas hipóteses em que o controle passa a ser exercido por
acionistas que não detenham a maioria das ações representativas do capital votante
da companhia, exige-se uma interpretação administrativa e jurisprudencial para a
sua caracterização. Assim, o Conselho Monetário Nacional, através do item IV da
Resolução 401, de 1976, estabeleceu que na companhia cujo controle é exercido
por pessoa, ou grupo de pessoas que não seja titular de ações que assegurem a
maioria absoluta dos votos do capital social, considera-se acionista controlador, a
pessoa ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de acionistas, ou sob controle
comum, que seja titular de ações que assegurem a maioria absoluta dos votos dos
acionistas presentes nas três últimas assembléias gerias da companhia25. Esse é o
entendimento da grande maioria de nossos doutrinadores, como Fábio Ulhoa Coelho
(2002, v. 2, p. 280), Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 489), Egberto Lacerta
Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 1, p. 296)
Observa-se, assim, que o conceito de acionista controlador adotado pela
Lei 6.404, de 1976, abrange todas as modalidades de controle apresentadas por
Adolf A. Berle Jr. e Gardiner Means. Isso significa que o direito societário brasileiro
encontra-se preparado, no plano normativo, para acolher as evoluções no mercado
de capitais, decorrentes de maior dispersão de ações e de eventual mudança no
perfil do poder de controle totalitário que predomina atualmente na economia
brasileira (COELHO, 2002, v. 2, p. 279). Isso porque, diversamente do que ocorre
nos Estados Unidos, no Brasil é extrema a concentração acionária.
25
Nota-se que a citada Resolução nº 401, de 1976, tinha por objeto regulamentar a alienação do
poder de controle das companhias abertas, a que se deveria proceder, mediante oferta pública para
aquisição de ações, com prévia autorização da CVM, conforme dispunha o artigo 254 da Lei
6.404/76. Ocorre que, com a revogação do citado artigo pela Lei 9.457, de 05 de maio de 1997, a
norma infralegal que o disciplinava perdeu a eficácia. No entanto, como bem observa Fábio Ulhoa
Coelho (2002, v. 2, p. 279), o critério para a caracterização do conceito de permanência continua
pertinente.
89
Neste sentido, como bem observa Calixto Salomão Filho, na atualização
da obra O Poder de Controle na Sociedade Anônima, de Fábio Konder Comparato,
de acordo com dados constantes no White Paper on Corporate Governance in Latin
América, emitido pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE), em 2003, mais da metade das ações das 459 companhias de
capital aberto pesquisadas estão em mãos de um único acionista, sendo que 65%
das ações estão detidas pelos três maiores acionistas. Como indicado no estudo,
prossegue Calixto Salomão Filho, esses números certamente subestimam a real
concentração acionária existente no Brasil. Primeiro porque as companhias da
amostra tendem a ser menos concentradas que as companhias menores e segundo
porque muitas vezes os três maiores acionistas pertencem ao mesmo grupo
econômico (COMPARATO, 2005, p. 75).
Independentemente da modalidade de controle exercida internamente na
companhia, o acionista controlador deverá utilizar o seu poder com o escopo de
fazer com que a sociedade exerça o seu objeto social, atuando de forma a respeitar
e atender aos interesses dos demais acionistas, empregados e da comunidade em
que a companhia atua. Portanto, se por um lado, o poder de controle atribui ao
acionista o domínio absoluto da companhia, por outro lado, exige do acionista
controlador uma atuação voltada para a realização dos objetivos da companhia,
respondendo assim aos acionistas e empregados da companhia, bem como perante
o Estado e a coletividade em geral.
Neste sentido, para José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 337/338):
o acionista controlador deve conduzir-se de acordo com os padrões
éticos e jurídicos que informam a atividade empresarial,
desenvolvendo toda a sua ação no sentido de servir à sociedade e
promover os interesses dos acionistas em geral, dos empregados e
da comunidade em que atua a empresa.
90
É nesse contexto, em que se busca harmonizar os interesses da
companhia aos interesses de seus acionistas, prestadores de capital e participantes
da vida social, e da própria comunidade, que o poder de controle deve ser exercido,
sem desvios e sem abusos, sem favorecimento indevido de terceiros e sem implicar
no enriquecimento unilateral e exclusivo dos próprios controladores. Para tanto, o
artigo 117 da Lei 6.404, de 1976, estabelece que o acionista controlador responderá
pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder, passando a
descrever de modo não exaustivo26 certos atos que irão caracterizar o exercício
abusivo do poder de controle.
Ressalta-se que os prejudicados devem ser indenizados não apenas nas
situações descritas no § 1º do artigo 117, mas também sempre que se configurar o
exercício abusivo do poder de controle, caracterizado sempre que o acionista
controlador exercer o seu poder contrariamente ao interesse da companhia, dos
demais acionistas ou da coletividade, seja por lhes cercear o exercício de seus
direitos, seja por objetivar, com o abuso, o enriquecimento ilícito ou vantagem sem
justa causa. Nesses casos, o titular da indenização é sempre aquele que suportou o
dano efetivo patrimonialmente ressarcível, decorrente de ato abusivo praticado pelo
controlador da companhia. Logo, pode se enquadrar nessa situação, tanto a
companhia, como os seus acionistas minoritários, empregados e a própria
comunidade.
26
Como bem observa Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 503), a orientação da lei de 1976 foi
sempre a de adotar padrões amplos (standards), permitindo ao juiz e às autoridades administrativas
(CVM) incluir, nas enunciações que a lei traz, os atos lesivos efetivamente praticados pelos
controladores. Portanto, conclui o citado jurista, cabe à Comissão de Valores Mobiliários, no âmbito
de suas atribuições regulamentares, permanentemente apontar os atos, práticas e condutas dos
controladores que se capitulam nas modalidades enunciadas na lei, desde que se enquadre nos
standarts contidos no § 1º do artigo 117 da Lei 6.404/76.
91
O fato de existir uma coibição à prática de atos abusivos por parte do
acionista controlador, não significa que, inexistindo abuso, cuja prova muitas vezes é
de extrema complexidade e subjetividade, toda e qualquer decisão tomada pelo
acionista controlador prevalecerá em detrimento da minoria acionária.
Para resguardar os acionistas em geral contra a atuação dos
controladores, a Lei 6.404, de 1976, prevê que certos direitos deverão ser
considerados essenciais aos acionistas (item 1.4 infra), como, por exemplo, o direito
de participar dos lucros sociais, que jamais poderá ser suprimido do acionista, seja
por previsão estatutária, seja por deliberação assemblear. A citada lei também cria
certos instrumentos e mecanismos que garantem aos acionistas minoritários o direito
de atuar ou, ao menos, de fiscalizar de maneira mais próxima a gestão da
companhia.
2.1.3 Considerações sobre os instrumentos de proteção da minoria acionária
Na sistemática da Lei 6.404, de 1976, tal no Decreto Lei 2.627/40, os
direitos dos acionistas perante a companhia podem ser agrupados em certas
categorias, distinguindo-se uma das outras, sobretudo, por dois aspectos
fundamentais, a saber: a) sua origem; e b) a possibilidade de modificação e renúncia
do direito (TEIXEIRA, GUERREIRO 1979, v. 1, p. 278). A primeira categoria é a dos
direitos individuais que têm origem na lei e são comuns a todos os acionistas da
companhia, independentemente do número de ações que possuam. Os direitos
individuais são imutáveis e não podem ser derrogados nem pelo estatuto social, nem
por decisão da assembléia geral, não se admitindo também a sua renúncia pelos
acionistas da companhia. Dentro desta categoria se encontram os direitos essenciais
92
e os direitos da minoria, sendo esses últimos considerados uma categoria própria
para alguns doutrinadores, como Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 335), para
quem, ao contrário dos direitos individuais, “os direitos da minoria pressupõem a
titularidade de um número mínimo de ações e que o acionista não seja controlador,
nem faça parte do grupo controlador da companhia”. Todavia, tal como os direitos
individuais, os direitos da minoria têm origem na lei e não podem ser derrogados
nem pelo estatuto social, nem por decisão da assembléia geral, não se admitindo
também a sua renúncia pelos acionistas da companhia. A segunda categoria é a dos
direitos sociais ou coletivos que têm origem nos estatutos da companhia, podendo
ser modificados, mediante reforma estatutária realizada por deliberação assemblear,
submetendo-se, assim, ao princípio majoritário e, conseqüentemente, a vontade dos
acionistas controladores da companhia.
Os direitos individuais surgem como valoroso instrumento na proteção da
minoria acionária, estabilizando as relações de poder internas na companhia, uma
vez que a decisão majoritária do acionista controlador não prevalecerá quando
contrária às prerrogativas individuais dos demais acionistas. Trata-se de limite
imposto ao poder de controle, não eliminável pelo estatuto social, nem por
deliberação da assembléia geral. Portanto, ainda que prevaleça o princípio da
maioria na sociedade anônima, esse não será absoluto, uma vez que não poderá
modificar as regras que protejam os direitos individuais dos acionistas da
companhia.
Os direitos essenciais dos acionistas, considerados direitos individuais a
eles assegurados pela Lei 6.404/76, são, conseqüentemente, inderrogáveis,
irrenunciáveis, indisponíveis e imutáveis. São inderrogáveis, pois o acionista jamais
poderá ter um direito essencial suprimido, seja por deliberação da assembléia geral,
93
seja por previsão estatutária. Não poderá o acionista, por sua vez, dispor e renunciar
os direitos essenciais declarados por lei, podendo, todavia, deixar de exercê-lo em
determinadas situações. Por fim, os direitos essenciais são imutáveis, não podendo
ser modificados por deliberação da assembléia geral, ou pelo estatuto social.
No que tange à renúncia, valorosa distinção faz Modesto Carvalhosa
(2003, v. 2, p. 337) entre ela e o não exercício do direito, cuja confusão é encontrada
freqüentemente na interpretação da matéria. Para o citado jurista, “não pode o
acionista, com efeito, dispor e renunciar em abstrato e a priori os direitos essenciais
declarados na lei”. Pode, entretanto, deixar, em determinados momentos, de
concretamente exercê-los, como é o caso, do direito de preferência. O fato de não
haver o exercício da prerrogativa, conclui Modesto Carvalhosa, “não implica renúncia
ou disposição, nem pode ser entendido como um consentimento tácito à derrogação
do direito, que permanecerá sempre intangível”. Nota-se, entretanto, que certos
direitos essenciais são de caráter passivo, como, por exemplo, o direito de participar
dos lucros sociais e o de participar do acervo líquido da companhia em caso de
dissolução. Portanto, o exercício desses direitos independem da própria vontade dos
acionistas, razão pela qual, além de irrenunciáveis e indisponíveis, são
automaticamente atribuíveis ao acionista, não havendo como deixar de exercê-los
(CARVALHOSA, 2003, v. 2, p. 338).
Antes da analise mais detalhada dos direitos essenciais previstos no
artigo 109 da Lei 6.404/76, cumpre-nos observar que existem outros direitos
individuais de caráter intangível, inderrogável, imutável, indisponível e irrenunciável.
Esses direitos individuais encontram-se previstos em artigos esparsos na citada Lei
6.404/76, a saber: a) o direito do acionista poder negociar livremente suas ações,
não podendo as eventuais limitações estatutárias da companhia fechada impedi-lo
94
de exercer esse direito (artigo 36); b) o direito de convocar a assembléia geral
quando os administradores retardarem por mais de sessenta dias a convocação
prevista em lei ou no estatuto social (artigo 123, § único, “b”); c) o direito de
participar das assembléias e nelas discutir os assuntos da pauta (artigo 125); d) o
direito de exigir a autenticação de cópia ou exemplar das propostas, proposições,
protestos e declarações de voto oferecidos em assembléia geral cuja ata seja
lavrada de forma sumária (artigo 130, §1º, “b”); e) o direito de requerer a redução a
escrito, autenticada pela mesa da assembléia e fornecida por cópia ao solicitante,
dos esclarecimentos prestados pelos administradores de companhia aberta, ao
firmar o termo de posse, sobre o número de ações, bônus de subscrição, opções de
compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de emissão da companhia e
de sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular (artigo 157, §2º);
f) direito de propor ação de responsabilidade contra administradores, por
substituição processual da companhia (artigo 159, §3º); e g) direito de propor ação
de anulação dos atos constitutivos da companhia (artigo 206, inciso II, “a”).
Os acionistas minoritários também terão assegurados certos direitos que,
muito embora tenham também sua origem na lei e sejam inderrogáveis, imutáveis,
irrenunciáveis e indisponíveis, exigem, ao contrário dos direitos individuais, a
titularidade de um número mínimo de ações e que o acionista não seja controlador,
nem faça parte do grupo controlador da companhia. Trata-se dos direitos dos
acionistas minoritários, que juntamente com os direitos individuais, constituem
valoroso instrumento de proteção dos interesses desse grupo de acionistas. São
eles: a) para os acionistas titulares de ações representativas de, no mínimo, 0,5% do
capital social, o direito de requerer aos administradores a relação de endereços dos
acionistas, para os fins previstos no §1º do artigo 126 da Lei 6.404/76; b) para os
95
acionistas titulares de 5%, no mínimo, do capital social, o direito de requerer em
juízo a exibição integral dos livros da companhia (artigo 105 da Lei 6.404/76); o
direito de convocar assembléia geral, quando os administradores não atenderem, no
prazo de 08 dias, a pedido de convocação de assembléia devidamente
fundamentado, com a indicação das matérias a serem tratadas (artigo 123, §único,
“c” da Lei 6.404/76); o direito de solicitar, por escrito, à companhia de capital fechado
que sua convocação para a assembléia geral se dê por carta ou telegrama (artigo
124, §3º da Lei 6.404/76); o direito de solicitar à companhia que lhe remeta cópia
dos documentos que se acham à disposição dos acionistas, na sede social,
pertinentes à realização da assembléia geral ordinária (artigo 133, §2º da Lei
6.404/76); o direito de solicitar aos administradores de companhia de capital aberto
que revelem à assembléia geral ordinária as opções de compra de ações que
tiverem contratado ou exercido e o número dos valores mobiliários de emissão da
companhia ou de sociedades controladas, ou do mesmo grupo, que tiverem
adquirido ou alienado, diretamente, ou através de outras pessoas no exercício
anterior, bem como os benefícios ou vantagens, indiretas ou complementares, que
tenham recebido ou estejam recebendo da companhia e de sociedades coligadas,
controladas ou do mesmo grupo (artigo 157, §1º da Lei 6.404/76); e o direito de
propor ação de responsabilidade contra os administradores, se a assembléia geral
deliberar a não propositura da ação (artigo 159, §4º da Lei 6.404/76); c) para os
acionistas titulares de 5%, no mínimo, das ações com direito a voto, ou 5%, no
mínimo, das ações sem direito a voto, o direito de convocar assembléia geral,
quando os administradores não atenderem, no prazo de 08 dias, a pedido de
convocação de assembléia para instalação de conselho fiscal (artigo 123, §único, “d”
da Lei 6.404/76); d) para os acionistas titulares de 5%, no mínimo, das ações sem
96
direito a voto, o direito de requerer a instalação do Conselho Fiscal (artigo 161, §2º
da Lei 6.404/76); e) para os acionistas titulares de 10%, no mínimo, das ações com
direito a voto, o direito de requerer a adoção do processo de voto múltiplo para a
eleição dos membros do conselho de administração (artigo 141 da Lei 6.404/76); o
direito de requerer a instalação do Conselho Fiscal (artigo 161, §2º da Lei 6.404/76)
e eleger, em votação em separado, um membro e respectivo suplente desse órgão
de fiscalização (artigo 161, §4º da Lei 6.404/76).
Considerando o escopo dessa dissertação de mestrado, não iremos nos
aprofundar na análise dos instrumentos de proteção da minoria acionária, ou seja,
dos direitos das minorias, acima apresentados, limitando o nosso estudo ao direito
de participar dos lucros sociais, um dos direitos essenciais previstos no artigo 109 da
Lei 6.404/76, que constitui mecanismo fundamental para a estabilização das
relações de poder internas na companhia.
2.2 Os direitos essenciais como instrumento de estabilização das relações de poder
O adequado estudo do direito de participar dos lucros sociais, requer a
prévia análise do contexto em que esse direito individual, essencial e imutável se
insere em nosso ordenamento jurídico. Trata-se, juntamente ao demais direitos
essenciais previstos no artigo 109 da Lei 6.404/76, de importante instrumento que
visa a garantir a estabilização nas relações de poder internas à companhia, razão
pela qual não poderá ser suprimido do acionista, seja por previsão estatutária, seja
por deliberação da assembléia geral.
Observa-se que os direitos essenciais consistem em direito individual de
todo acionista e não apenas dos acionistas minoritários que não integram o bloco de
97
controle da companhia. Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 289)
ensina que:
não se devem considerar os direitos essenciais apenas pela
perspectiva da tutela dos minoritários, porque eles, em certo sentido,
também asseguram a conservação do poder de controle, como no
caso do direito de preferência na subscrição de novas ações.
Além do direito de participar dos lucros sociais que, considerando o
escopo dessa dissertação de mestrado, será estudado em separado e de forma
mais aprofundada posteriormente (2.3 infra), o artigo 109 da Lei 6.404/76 apresenta
os seguintes direitos como sendo essenciais: a) direito de participar do acervo da
companhia em caso de liquidação (inciso II); b) direito de fiscalizar os atos de gestão
praticados pelos administradores da companhia, nos termos da lei (inciso III); c)
direito de preferência na subscrição de novas ações, de bônus de subscrição e de
outros valores mobiliários conversíveis em ações (inciso IV); e d) o direito de retirarse da companhia, nas hipóteses previstas em lei (inciso V).
2.2.1 Direito de participar do acervo líquido
Nos termos do artigo 109, inciso II da Lei 6.404, de 15 de dezembro de
1976, é direito essencial do acionista participar do acervo da companhia, em caso de
liquidação. Observa-se, portanto, que o direito de participação no acervo da
companhia somente ocorre quando de sua liquidação, que é uma das etapas do
processo de dissolução da pessoa jurídica. Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho
(2002, v. 2, p. 291) afirma que é pressuposto para o exercício desse direito essencial
a dissolução da sociedade anônima.
98
O direito de participação no acervo da companhia é um direito
condicional, uma vez que não se efetivará senão quando verificada a sua condição,
qual seja, a liquidação da companhia. Nota-se, entretanto, que mesmo nesta
hipótese, o acionista poderá não participar do acervo da companhia, caso não seja
apurado saldo residual após o pagamento dos credores da sociedade e dos titulares
de partes beneficiárias. Neste sentido, Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 350)
ensina que para esse direito individual se tornar certo, há necessidade da
instauração do estado de liquidação da companhia e apuração de saldo patrimonial
positivo final atribuível aos acionistas.
Uma vez realizado o pagamento dos credores da companhia, poderá o
liquidante dividir o patrimônio líquido remanescente entre os acionistas. Para tanto,
será pago a cada ação o valor patrimonial correspondente que, segundo Fábio
Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 291), resulta da divisão do dinheiro em caixa,
decorrente da realização do ativo e satisfação do passivo, pelo número de ações
emitidas pela companhia, independentemente de espécie ou classe.
Cumpre ressaltar, no entanto, que a referida fórmula geral para a
participação igualitária dos acionistas no acervo líquido da companhia não é
absoluta, podendo ser excetuada em duas hipóteses: a) previsão estatutária de
vantagem conferida às ações preferenciais no momento da partilha (artigo 17, inciso
II da Lei 6.404/76); b) atribuição de bens aos sócios (artigo 215, § 1º da Lei
6.404/76).
Em relação à primeira hipótese, a companhia, ao emitir ações
preferenciais, pode atribuir a elas a vantagem de assegurar ao seu titular prioridade
no reembolso do capital no momento da partilha, possibilitando a esse
preferencialista, por igual quantidade de ações, receber quantia superior àquela
99
paga ao titular de ações ordinárias. Assim, se determinada companhia estabelece
em seu estatuto social que a ação preferencial atribuirá ao seu titular, na hipótese de
liquidação da companhia, o direito de receber reembolso 5% superior ao valor pago
ao titular de ação ordinária, a observância dessa disposição acarretará na
desproporção entre o patrimônio líquido e o número de ações emitidas.
Quanto à segunda hipótese, observa-se que, nos termos do mencionado
artigo 215, § 1º da Lei 6.404/76, a assembléia geral da companhia liquidanda poderá
aprovar a partilha pela atribuição de bens aos sócios, desde que tal matéria seja
aprovada por acionistas titulares de 90% das ações emitidas pela companhia e não
haja prejuízo aos acionistas minoritários. Assim, ao invés de vender os bens
integrantes do ativo da companhia, estes são transferidos aos acionistas pelo valor
contábil ou por aquele fixado na referida assembléia.
2.2.2 Direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais
O acionista não poderá ser privado, nem pelo estatuto social, nem pela
assembléia geral, do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, na forma
prevista na Lei 6.404/76. Trata-se de direito extremamente relevante para a proteção
dos interesses do acionista, permitindo-lhe acompanhar o desenrolar das atividades
empresariais, através dos instrumentos legalmente previstos.
Ressalta-se, entretanto, que o direito de fiscalização nas sociedades
anônimas não possui a mesma amplitude do revogado artigo 290 do Código
Comercial, que, em linhas gerais, assegurava aos sócios de associações mercantis
o direito de examinar todos os livros, documentos, escrituração, correspondências e
caixa da sociedade, sempre que assim o requeresse.
100
O direito de fiscalização nas sociedades anônimas não é irrestrito, uma
vez que a Lei das Sociedades Anônimas determina os instrumentos a serem
utilizados pelos acionistas para o exercício desse direito essencial. Logo, conforme
Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 292):
o acionista não pode, a pretexto de exercer seu direito essencial de
fiscalização, pretender assistir às reuniões de diretoria, ser
informado das balizas das negociações em que está envolvida a
sociedade, inspecionar o estabelecimento empresarial, fazer o
controle físico do estoque, ou outras ações que, mesmo reputadas
relevantes por ele, não estão especificadamente mencionadas na lei
como instrumento ao seu alcance.
O direito de fiscalização pode ser exercido diretamente pelo acionista,
através do acesso aos livros societários (artigo 105 da Lei 6.404/76), ou da
participação em assembléias gerais e, nelas, discutindo as matérias postas em
votação, tais como o relatório da administração sobre os negócios sociais, a
prestação de contas dos administradores, as demonstrações financeiras do exercício
(artigos 132, inciso I e 133 da Lei 6.404/76), como também indiretamente, através do
conselho fiscal (artigo 161 da Lei 6.404/76) e da auditoria independente, obrigatória
nas companhias abertas (artigo 177, §3º da Lei 6.404/76).
O acesso aos livros societários é um instrumento de fiscalização posto a
disposição de acionista, ou de grupo de acionistas, que será ordenada judicialmente
quando forem atendidas as seguintes condições: a) ser o acionista ou o grupo de
acionistas titular de, pelo menos, 5% (cinco por cento) do capital social; e b) serem
apontados atos violadores da lei ou do estatuto, ou ser manifestada suspeita de
graves irregularidades praticadas por qualquer órgão da companhia. Para Fábio
Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 294), “esse instrumento de exercício do direito de
fiscalização é bastante improfícuo, porque raramente a escrituração da companhia
dará ensejo à produção de prova inequívoca de violação à lei ou estatuto, ou de
101
grave irregularidade”. A fiscalização direta dos administradores também poderá ser
realizada através da verificação do relatório da administração sobre os negócios
sociais, bem como da análise das demonstrações financeiras que deverão ser
postos à disposição dos acionistas, até um mês antes da data marcada para a
realização da assembléia geral ordinária (artigo 133 da Lei 6.404/76), ocasião em
que todos acionistas, independentemente da espécie ou classe de ação de que seja
titular, poderão discutir as matérias postas em votação, tais como os referidos
documentos elaborados pelos administradores da companhia (artigo 125, parágrafo
único da Lei 6.404/76). Ressalta-se que, nos termos do artigo 134, §3º da LeI
6.404/76, somente a aprovação, sem reserva, pelos acionistas titulares de ações
com direito a voto, das demonstrações financeiras e das contas, exonera de
responsabilidade os administradores da companhia.
Quanto à fiscalização indireta dos atos de gestão dos negócios sociais, o
principal instrumento posto à disposição dos acionistas é o Conselho Fiscal, órgão
de assessoramento da assembléia geral na fiscalização dos atos praticados pelos
administradores da companhia. Conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.228), o
conselho fiscal é órgão de assessoramento da assembléia geral, na apreciação das
contas dos administradores e na votação das demonstrações financeiras da
sociedade anônima, sendo de existência obrigatória, mas de funcionamento
facultativo27.
Assim, uma vez em funcionamento, o conselho fiscal torna-se relevante
instrumento de fiscalização dos atos de gestão dos negócios da companhia, pois a
27
Na hipótese do conselho fiscal não estar em funcionamento, acionista ou grupo de acionistas titular
de, no mínimo, 5% do capital votante ou, pelo menos, 5% do capital não votante, poderá convocar
assembléia geral para a sua instalação, se os administradores não atenderem, no prazo de 08 dias, a
pedido para a convocação da assembléia geral. Ademais, o conselho fiscal poderá ser instalado em
qualquer assembléia geral, a pedido de acionistas que representem, no mínimo, 10% das ações
votantes, ou, pelo menos, 5% das ações não votantes.
102
esse órgão compete: a) fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos
administradores e verificar o cumprimento de seus deveres legais (artigo 163, inciso
I da Lei 6.404/76); b) opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo
constar do se parecer as informações complementares que julgar necessárias ou
úteis à deliberação da assembléia geral (artigo 163, inciso II da Lei 6.404/76); c)
opinar sobre as propostas dos órgãos da administração, a serem submetidos à
assembléia geral, relativas a modificação do capital social, emissão de debêntures
ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos de capital,
distribuição de dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão (artigo 163,
inciso III da Lei 6.404/76); d) denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos
de administração e, se estes não tomarem as providências necessárias para a
proteção dos interesses da companhia, à assembléia geral, os erros, fraudes, ou
crimes que descobrirem, e sugerir providencias úteis à companhia (artigo 163, inciso
IV da Lei 6.404/76); e e) analisar o balancete e demais demonstrações financeiras
da companhia, cabendo aos órgãos de administração colocar à disposição dos
membros do conselho fiscal, dentro do prazo legal, cópias das atas de suas
reuniões, balancetes e demais demonstrações financeiras e, quando houver, dos
relatórios de execução de orçamentos da companhia, prestando, ainda, sempre que
solicitados pelos conselheiros fiscais, todas as informações e esclarecimentos
solicitados (artigo 163, inciso VI, §1º e §2º da Lei 6.404/76).
Outro instrumento de fiscalização indireta dos atos de gestão dos
negócios sociais é a auditoria independente, obrigatória para as companhias
abertas, nos termos do artigo 177, §3º da Lei 6.404/76. Conforme Fábio Ulhoa
Coelho (2002, v. 2, p. 294):
103
a auditoria independente consiste num conjunto de procedimentos
de verificação da regularidade da escrituração mercantil e das
demonstrações contábeis da sociedade anônima, e é procedida por
empresas especializadas, que devem ser registradas na Comissão
de Valores Mobiliários, para prestarem serviços a companhias
abertas.
Após a análise dos principais instrumentos postos à disposição dos
acionistas para a fiscalização dos administradores das sociedades anônimas, é
relevante ressaltar que o direito essencial de fiscalização pressupõe o conhecimento
exato dos negócios da sociedade e dos atos praticados pelos administradores. Por
isso, torna-se impossível imaginar o exercício do direito de fiscalização dissociado
do direito à informação, que apesar de não ter sido expressamente previsto no artigo
109 da Lei 6.404/76, como sendo um direito essencial, deve ser considerado como
tal, dada a sua importância. Neste sentido, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2,
p. 206), “o direito à informação é indissociável do direito de fiscalização e, assim,
embora não relacionado especificamente na lei, deve ser tido como essencial, no
sentido de que não pode ser suprimido nem pelo estatuto, nem pela assembléia”.
Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 352), os direitos de informação,
de fiscalização e de inspeção, e correspondentes direitos de ação, exercidos pelos
acionistas individualmente ou na qualidade de minoritários, fundam-se no princípio
da verificação da legalidade e da legitimidade (abuso e desvio de poder) dos atos
praticados pelos órgãos da companhia e pelos controladores, podendo, qualquer
cerceamento ou impedimento ao exercício desses direitos, ser objeto de medida
judicial ou arbitral de anulação do ato ilegal praticado, e de reparação por perdas e
danos cabíveis.
104
2.2.3 Direito de preferência
É direito essencial de qualquer acionista a preferência para a subscrição
de ações, de partes beneficiárias conversíveis em ações, de debêntures
conversíveis em ações e de bônus de subscrição, observado o disposto nos artigos
171 e 172 da Lei 6.404/76 (artigo 109, inciso IV da Lei 6.404/76). Trata-se de um
direito essencial, na medida em que tem por finalidade assegurar a manutenção da
relação de poder estabelecida entre os acionistas nos aumentos de capital social,
beneficiando tanto o acionista controlador, como o acionista minoritário.
Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 353), a conservação do
percentual do capital que os acionistas inicialmente subscreveram na companhia
não tem apenas sentido patrimonial, pois também repercute nos direitos de natureza
pessoal do acionista, notadamente porque a lei exige porcentagem mínima de ações
para o exercício de determinados direitos. O acionista minoritário que possui ações
representativas de, pelo menos, 10% (dez por cento) do capital votante tem, por
exemplo, o direito de requerer a adoção do processo de voto múltiplo na eleição dos
membros do conselho de administração (artigo 141, “caput” da Lei 6.404/76), bem
como solicitar a instalação do conselho fiscal (artigo 161, §2º da Lei 6.404/76) (item
1.1.1.2 supra). Logo, se fosse aprovado o aumento de capital social da companhia e
não fosse assegurado ao acionista o direito de preferência de subscrição de novas
ações, na mesma proporção daquelas por ele detidas, esse acionista poderia perder
o seu direito de requerer a adoção do processo de voto múltiplo e de solicitar a
instalação do conselho fiscal.
É importante ressaltar, conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2,
p. 297), que a definição da preferência como direito essencial atende à condição
105
jurídica de preservação das posições acionárias, mas, para que realmente não
ocorra nenhuma variação nas relações de poder, o minoritário deve dispor do
dinheiro necessário à integralização do montante por ele subscrito. Assim, para
evitar a indevida utilização do aumento de capital, como forma de isolar minorias, a
lei considera ato abusivo de poder a emissão de valores mobiliários que não tenham
por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários
(artigo 117, §1º, alínea “c”).
Conforme Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 559), o exercício do direito
de preferência é oneroso, facultativo, renunciável e cedível. A renúncia, entretanto,
somente pode ser eficaz, quando exercida em cada caso, ou seja, após a
deliberação do aumento. Isso porque, conforme já analisado no item 1.1.1.2 supra, a
renúncia universal, ou a priori, de um direito essencial é nula. A renúncia deverá ser
específica para cada aumento deliberado, podendo ser dada tacitamente,
evidenciada pelo não exercício da prerrogativa, ou de maneira expressa.
Em regra, assegura-se ao acionista, na proporção das ações de que é
titular, em cada classe, direito de preferência na subscrição de ações da mesma
classe, ou de partes beneficiárias conversíveis em ações, de debêntures
conversíveis em ações, ou ainda de bônus de subscrição (BATALHA, 1977, v. 2, p.
544).
No entanto, pode ocorrer de existirem ações de diversas espécies e
classes em uma mesma companhia. Nessa hipótese, observa-se as seguintes
regras: a) no caso de aumento de capital, na mesma proporção, do número de
ações de todas as espécies e classes existentes, cada acionista exercerá o direito
de preferência sobre ações idênticas às de que for possuidor (artigo 171, § 1º, alínea
“a” da Lei 6.404/76); b) se as ações emitidas forem de espécie e classes existentes,
106
mas importarem alteração das respectivas proporções no capital social, a
preferência será exercida sobre ações de espécies e classes idênticas às de que os
acionistas forem possuidores, somente se estendendo às demais se aquelas forem
insuficientes para lhes assegurar, no capital aumentado, a mesma proporção que
tinham no capital antes do aumento (artigo 171, § 1º, alínea “b” da Lei 6.404/76); ou
c) se houver emissão de ações de espécie ou classe diversa das existentes, cada
acionista exercerá a preferência, na proporção do número de ações que possuir,
sobre ações de todas as espécies e classes do aumento (artigo 171, § 1º, alínea “c”
da Lei 6.404/76).
O prazo de decadência para o exercício do direito de preferência deverá
ser fixado no estatuto social ou, sendo esse omisso, pela assembléia geral ou pelo
conselho de administração, quando a este competir deliberar sobre o aumento, e
não poderá ser inferior a 30 (trinta) dias (artigo 171, §4º da Lei 6.404/76). Ressaltase que, nos casos de usufruto ou de fideicomisso, o direito de preferência poderá ser
exercido pelo usufrutuário ou fideicomissário, quando não o for pelo acionista até 10
(dez) dias antes da decadência (artigo 171, §5º da Lei 6.404/76).
Conforme José Edwaldo Tavares Borba (2001, p. 427), “durante o prazo
para o exercício do direito de preferência, poderão os acionistas subscrever
diretamente as ações ou ceder os seus direitos a terceiro28”. Uma vez exaurido o
prazo para o exercício do direito de preferência sem que o mesmo tenha sido
exercido pelo acionista ou, conforme o caso, pelo usufrutuário, fideicomissário ou
cessionário, a companhia deverá ratear as ações não subscritas entre os acionistas
28
Em relação à cessão do direito de preferência, ensina Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 357)
tratar-se de direito individual do acionista, que não pode ser impedido pelo estatuto ou pela
assembléia geral. Entretanto, pondera o citado jurista, se, na companhia fechada, o estatuto adotar
pacto parassocial limitando a circulação as ações nominativas (artigo 36 da Lei 6.404/76), há
necessidade de conciliar o direito de cessão da preferência com as restrições estatutárias, não
afetando as ações cujos titulares não tenha expressamente concordado com esse pacto parassocial
estatutário ex vi do parágrafo único do artigo 36 da Lei 6.404/76.
107
que haviam solicitado, oportunamente, reserva de sobras (artigo 171, § 7º, alínea “b”
e § 8º da Lei 6.404/76). Note-se que, sendo a companhia aberta, terá ela ainda
como alternativa mandar vender em bolsa as sobras (artigo 171, § 7º, alínea “b” da
Lei 6.404/76); no entanto, sendo ela fechada, restando ainda saldo de ações não
subscritas mesmo após o atendimento aos pedidos de reserva de sobras, a
companhia estará liberada para oferecer as ações à subscrição de terceiros
(COELHO, 2002, v. 2, p.298).
Embora seja um direito essencial, a preferência na subscrição de ações,
bônus de subscrição e outros valores mobiliários conversíveis em ações poderá ser
excluída pelo estatuto social de companhia aberta, com capital autorizado, quando
esses valores mobiliários forem emitidos para venda em Bolsa de Valores ou
subscrição pública, ou ainda para permuta em oferta pública de aquisição de poder
de controle (artigo 172 da Lei.404/76). Note-se que somente as companhias abertas
que adotarem o regime de capital autorizado poderão excluir estatutariamente o
direito de preferência. Para tanto, é imprescindível que a colocação dos valores
mobiliários seja feita em bolsa ou por subscrição pública, ou então sejam tais valores
objeto de permuta por ações, em oferta pública de aquisição de controle
(CARVALHOSA, 2003, v. 2, p.355).
Em relação à exclusão do direito de preferência para a subscrição de
ações, a Lei das Sociedades Anônimas estabelece ainda que, tanto o estatuto social
da companhia de capital aberto, como o da companhia de capital fechado, poderá
prevê-la, nos termos de lei especial sobre incentivos fiscais.
108
Em regra, esclarece Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 582),
tais ações são emitidas sem direito de voto, e a exclusão do direito
de preferência, na espécie, é coerente com o sistema de captação e
distribuição de tais ações, que atende mais ao desenvolvimento
econômico regional do que propriamente aos objetivos específicos
de cada empresa.
Outra hipótese de exclusão do direito de preferência para a subscrição de
ações, verifica-se quando esses valores mobiliários forem emitidos para o
atendimento de opção de compra de ações, outorgada geralmente em benefício de
administradores da companhia, no limite do capital autorizado e atendido o Plano de
Concessão aprovado por Assembléia Geral (artigo 168, § 3º e artigo 171 § 3º da Lei
6.404/76).
Cumpre-se ressaltar que as mencionadas hipóteses de exclusão do
direito de preferência não constituem ofensa ao disposto no “caput” do artigo 109 da
Lei 6.404/76. Isso porque não se trata de exclusão estabelecida pelo estatuto ou
pela assembléia geral per se, mas de exceção admitida pela própria legislação
vigente, ou seja, a direito de preferência não fica ao arbítrio decisório das maiorias,
que não podem ignorá-lo, limitá-lo ou elidi-lo sob nenhum pretexto, a não ser quando
os próprios textos legais o permitam (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 1, p. 285).
2.2.4 Direito de recesso
Nos termos do artigo 109, inciso V da Lei 6.404/76, nem o estatuto social
nem a assembléia geral poderá privar o acionista do direito de retirar-se da
companhia nos casos previstos na referida lei. Trata-se do direito de retirada,
também chamado de direito de recesso ou dissidência.
109
Na sociedade anônima, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 301),
“o direito de retirada decorre da dissidência do acionista quanto à deliberação
adotada pela assembléia na apreciação de determinadas matérias, especificamente
definidas na lei”. Segundo Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p.357), o direito de
recesso tem seu fundamento no interesse individual do acionista que resolve não
permanecer vinculado a uma companhia cujas transformações institucionais
operadas por decisão coletiva não logram alcançar a sua concordância. Trata-se,
portanto, de um remédio à regra geral da decisão majoritária, no tocante às
modificações institucionais da companhia.
Neste sentido, Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro
(1979, v. 1, p. 285) entendem que o recesso constitui instrumento destinado a
equilibrar as conveniências das minorias dissidentes e o interesse geral da
companhia, constituindo fórmula capaz de harmonizar os direitos dos vencidos com
o princípio majoritário, que forçosamente há de governar os destinos da sociedade
anônima.
Deste modo, através do direito de recesso, a Lei das Sociedades
Anônimas estabiliza as relações de poder entre os acionistas controlador e
minoritário. Isso porque se, por um lado, permite ao acionista controlador promover
alterações que modifiquem sensivelmente a estrutura da companhia, tais como, a
redução do dividendo mínimo obrigatório (artigo 136, inciso III da Lei 6.404/76), ou a
alteração do objeto social (artigo 136, inciso VI da Lei 6.404/76); por outro lado,
assegura ao acionista contrário a essas modificações um outro instrumento de
desligamento da companhia que não seja a alienação de participação societária.
Neste sentido, afirma Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 358) que o
recesso possibilita ao acionista o direito de liquidar a sua participação na companhia
110
sem precisar procurar um eventual comprador de suas ações no mercado acionário,
se companhia aberta, ou diretamente entre particulares, se fechada.
Para a correta compreensão do tema, cumpre-nos verificar, antes de uma
análise mais detalhada sobre cada uma das hipóteses de recesso, alguns aspectos
significativos relacionados aos meios que o acionista possui para desligar-se de uma
companhia.
Conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 299), o acionista pode
desligar-se da companhia, por vontade própria, através da alienação de sua
participação societária, ou por meio do exercício do direito de retirada. Esses meios
apresentam diferenças significativas quanto à natureza do ato e à estrutura da
relação jurídica correspondente. Em relação à natureza do ato, enquanto a
alienação da participação societária é um acordo, onde as partes compõem seus
interesses livremente, o exercício do direito de retirada é uma declaração unilateral
de vontade imposta à companhia pelo acionista dissidente, não havendo qualquer
negociação, na medida em que a sociedade submete-se à vontade do acionista
dissidente. Já em relação à estrutura do ato, nota-se que, enquanto na alienação da
participação societária, a companhia não é parte do negócio, uma vez que lhe é, em
regra, vedado negociar com as próprias ações (artigo 30 da Lei 6.404/76), no
exercício do direito de retirada são partes o acionista dissidente e a companhia a
qual é imposta o dever de reembolsá-lo.
Dessas diferenças derivam relevantes conseqüências acerca do valor a
ser pago ao acionista interessado em desligar-se da companhia, a saber: a) na
alienação da participação societária, o valor pago pelo adquirente das ações ao
acionista alienante é o de negociação; b) na retirada, o valor pago pela companhia
ao acionista dissidente é o patrimonial.
111
Posto isso, observa-se que o direito de recesso, uma vez exercido pelo
acionista dissidente, representa para a companhia um desinvestimento, podendo,
muitas vezes, colocar em risco a própria exploração da atividade empresarial. Dessa
forma, as causas que autorizam o exercício desse direito devem ser taxativas,
revestindo-se do caráter de numerus clausus a enumeração das hipóteses que dão
ensejo a esse direito e não se permitindo a extensão do recesso a circunstâncias
outras, não incluídas no mencionado elenco (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 1, p.
286).
A Lei 6.404, de 1976, prevê exaustivamente as hipóteses em que os
acionistas dissidentes de deliberação assemblear podem exercer o seu direito de
retirada. Logo, o direito de recesso não é gerado pela divergência do acionista em
relação à aprovação de qualquer matéria. Ao contrário, conforme Fábio Ulhoa
Coelho (2002, v. 2, p. 300), “somente nas hipóteses específica e expressamente
contempladas na lei a discordância do acionista em relação ao deliberado pela
maioria votante gera o direito de retirada”.
As causas que dão ensejo ao exercício do direito de retirada por parte do
acionista dissidente de deliberação assemblear estão previstas nos artigos 137, 221,
223, 236, parágrafo único e 252 da Lei 6.404/76.
2.2.4.1 Hipóteses de recesso previstas no artigo 137 da Lei 6.404/76
Nos termos do “caput” do artigo 137 da Lei 6.404/76, a aprovação das
seguintes matérias dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia: a)
criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais
existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferências
112
(artigo 136, inciso I da Lei 6.404/76); b) alteração nas preferências, vantagens e
condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações
preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida (artigo 136, inciso II da Lei
6.404/76); c) redução do dividendo obrigatório (artigo 136, inciso III da Lei 6.404/76);
d) fusão da companhia ou sua incorporação em outra (artigo 136, inciso IV da Lei
6.404/76); e) participação em grupo de sociedades (artigo 136, inciso V da Lei
6.404/76); f) mudança do objeto da companhia (artigo 136, inciso V da Lei 6.404/76);
e g) cisão da companhia (artigo 136, inciso VI da Lei 6.404/76). Apresentada
sucintamente as hipóteses previstas no artigo 137 da Lei 6.404/76, cumpre-se agora
analisá-las de maneira mais detalhada.
A primeira hipótese de recesso prevista no artigo 137, “caput” da Lei
6.404/76 consiste na criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações
preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações
preferências, salvo se já previsto ou autorizado no estatuto (artigo 136, inciso I da
Lei 6.404/76). Observa-se, entretanto, que, para o exercício do direito de recesso, é
imprescindível ao acionista contrário à aprovação dessa matéria, ser titular de ações
de espécie ou classe prejudicadas com tal deliberação (artigo 137, inciso I da Lei
6.404/76).
Conforme Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p.847), possuem o direito de
recesso tanto os titulares de ações preferenciais como os titulares de ações
ordinárias, desde que seu prejuízo, em virtude da deliberação, possa ser
evidenciado. A propósito, prossegue o citado jurista, deve-se entender amplamente
o termo “prejuízo”, ou seja, no sentido de diminuição de direitos patrimoniais que
determinada espécie ou classe de ações venha a sofrer em decorrência da
deliberação da assembléia geral. Assim, quando a companhia resolve emitir uma
113
nova espécie de ação, criando, por exemplo, ações preferenciais (artigo 136, inciso
I) visando captar recursos, os acionistas titulares de ações ordinárias têm os seus
interesses prejudicados, na medida em que a vantagem pecuniária a ser conferida
aos titulares dessa nova espécie de ações consumirá recursos que seriam, de outro
modo, destinados ao pagamento de dividendos dos titulares de ações ordinárias
(COELHO, 2002, v. 2, p. 301). Nota-se, entretanto, que havendo previsão estatutária
para a criação ou para aumento de classe de ações preferenciais, a lei presume que
os acionistas, ao aderirem ao estatuto social, já sabiam dessa possibilidade, razão
pela qual o direito de retirada não terá cabimento nessa hipótese.
A segunda hipótese de recesso prevista no citado artigo 137, consiste na
alteração das preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de
uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais
favorecida (artigo 136, inciso II da Lei 6.404/76).
O estatuto social da companhia declarará as vantagens ou preferências
atribuídas às ações preferenciais, bem como poderá prever as condições de resgate
ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais (artigo 19 da Lei
6.404/76). Assim, sempre que, por deliberação da assembléia geral, a maioria dos
acionistas aprovarem alterar esses dispositivos estatutários, poderá o acionista
dissidente prejudicado com essa deliberação retirar-se da sociedade. Evidentemente
que a modificação nas preferências ou vantagens, ou ainda nas condições de
resgate ou amortização de uma ou mais classes dessas ações irá interferir, ou nos
direitos patrimoniais dos acionistas titulares destas ações ou, então, nos interesses
dos titulares de ações ordinárias (CARVALHOSA, 2003, v. 2, p. 854). No entanto,
em qualquer hipótese, o acionista deve demonstrar que a deliberação da assembléia
geral causou-lhe redução das perspectivas de retorno do investimento; esse efeito,
114
conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 301), é condição para o exercício do
direito de retirada.
A redução do dividendo obrigatório (artigo 136, inciso III da Lei 6.404/76)
é outra hipótese de recesso prevista no artigo 137, “caput” da Lei 6.404/76. É
evidente que essa decisão, uma vez aprovada na assembléia geral, causará
prejuízos a todos os acionistas da companhia, independentemente da espécie ou
classe de ação que titularizem. Logo, uma vez contrário à aprovação dessa matéria,
o acionista dissidente poderá retirar-se da companhia. Cumpre-se observar que,
para o exercício do direito de recesso com fundamento na redução do dividendo
obrigatório, o acionista dissidente sequer necessita demonstrar à companhia a
redução das perspectivas de retorno de seus investimentos (COELHO, 2002, v. 2, p.
302).
São também hipóteses de recesso previstas no “caput” do artigo 137 da
Lei 6.404/76, a fusão da companhia, a sua incorporação por outra sociedade (artigo
136, inciso IV da Lei 6.404/76), ou ainda a sua participação em grupo de
sociedades29 (artigo 136, inciso V da Lei 6.404/76). Logo, sendo aprovada pela
assembléia geral qualquer uma dessas matérias, o acionista dissidente terá o direito
de retirar-se da sociedade, exceto se a companhia for de capital aberto e as suas
ações tiverem liquidez e dispersão no mercado de capitais. A lei obsta a retirada do
titular de ações que possua as seguintes características: a) liquidez, ou seja, quando
a cotação da espécie ou classe de ações do acionista dissidente integre índice geral
representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado
de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior (artigo 137, inciso II, alínea “a” da Lei
6.404/76); e b) dispersão, isto é, quando menos da metade da espécie ou classe das
29
Grupo de sociedades constitui uma técnica de concentração empresarial mediante a qual duas ou
mais sociedades, sendo uma dominante e as demais dominadas, unem-se sob uma mesma direção
para alcançar objetivos comuns (CARVALHOSA, 2003, v. 2, p. 887).
115
ações do acionista dissidente forem de titularidade do acionista controlador (artigo
137, inciso II, alínea “b” da Lei 6.404/76).
Neste sentido, afirma Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 879) que
somente poderá ser negado o direito de recesso, ex vi do novo inciso II do artigo
137, se em determinada espécie ou classe de ação, se verificar conjuntamente a
ocorrência da liquidez e dispersão. Assim, prossegue o citado jurista, determinadas
ações de uma mesma companhia podem conferir o direito de recesso e outras não:
por exemplo, na companhia X, se as ações preferenciais classe A apresentam
dispersão e liquidez, pode a companhia legitimamente negar o direito de recesso; se
as ações ordinárias e preferenciais classe B apresentam somente liquidez, mas não
dispersão, os seus titulares têm o direito de recesso.
Observa-se que, sendo a companhia de capital fechado, ou mesmo de
capital aberto, mas não tendo suas ações liquidez ou dispersão, o acionista
dissidente terá sempre o direito de retirar-se da companhia, na hipótese de
aprovação das referidas matérias constantes do artigo 136, incisos IV e V da Lei
6.404/76.
Outra hipótese de recesso prevista no “caput” do artigo 137 é a mudança
do objeto da companhia (artigo 136, inciso VI da Lei 6.404/76). Conforme Modesto
Carvalhosa (2003, v. 2, p. 855), o objeto social representa o limite da atividade
societária, que não poderá ultrapassar os seus precisos termos. A definição precisa
e completa do objeto social importa a limitação da área de discricionariedade dos
administradores e acionistas controladores. Logo, conclui o citado jurista:
o objeto social define a espécie de empresa que será desenvolvida
pela companhia, ou seja, a atividade econômica em razão da qual
se constitui a sociedade e em torno da qual a vida societária realizase e se desenvolve.
116
A definição do objeto social é de extrema relevância para o sucesso ou
fracasso de uma companhia, na medida em que é através de sua exploração que a
sociedade irá buscar a sua finalidade última, qual seja, a geração de lucros e,
conseqüentemente, dividendos para os seus acionistas. Por isso, a aprovação pela
assembléia geral da alteração do objeto social gera ao acionista dissidente,
independentemente da demonstração de prejuízo, o direito de retirar-se da
companhia.
Entretanto, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 302), não haverá
direito de recesso na hipótese de mudanças realizadas no objeto social para a
adequação da sociedade anônima às
novas
condições
de
concorrência,
principalmente as relacionadas à evolução tecnológica ou hábitos de consumo,
desde que não comprometam o objeto essencial previsto no estatuto.
A última hipótese de recesso prevista no artigo 137, acima mencionada, é
a cisão da companhia (artigo 136, inciso IX da Lei 6.404/76). Entretanto, a cisão
somente enseja o direito de recesso ao acionista da companhia cindida e dissidente
da deliberação assemblear quando, da operação resultar: a) mudança do objeto
social (artigo 137, inciso III, alínea “a” da Lei 6.404/76); b) redução do dividendo
obrigatório (artigo 137, inciso III, alínea “b” da Lei 6.404/76); ou c) participação em
grupo de sociedades (artigo 137, inciso III, alínea “c” da Lei 6.404/76)30.
Analisadas as hipóteses de recesso previstas no artigo 137 da Lei
6.404/76, cumpre-se verificar agora os outros artigos da referida lei que também
prevêem ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia.
30
Ressalte-se que, conforme observa Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 302), deve-se considerar, a
partir de interpretação sistemática e teleológica da lei, que, na cisão de que resulte a participação em
grupo de sociedade não integrado pela companhia cindida, o acionista dissidente não terá direito de
recesso, quando as ações que passar a titularizar forem facilmente negociáveis no mercado por
apresentarem dispersão e liquidez (artigo 137, inciso II da Lei 6.404/76).
117
2.2.4.2 Outras hipóteses de recesso previstas na Lei 6.404/76
O artigo 221 da Lei 6.404/76 prevê a possibilidade do exercício do direito
de recesso na hipótese da transformação da sociedade anônima em outro tipo
societário. Na verdade, em regra, a companhia somente poderá ser transformada
em outro tipo societário se houver o consentimento unânime de todos os acionistas.
Neste sentido, segundo Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 303), “a lei condiciona a
operação de transformação à concordância de todos os acionistas, de modo que,
em princípio não há lugar para divergência”. Entretanto, havendo previsão
estatutária que autorize essa operação, a unanimidade não será necessária, tendo,
portanto, o sócio contrário à transformação da companhia o direito de dela se retirar.
Outra hipótese de recesso poderá ser verificada nas operações
societárias de incorporação, fusão e cisão que acarretem no fechamento do capital
de companhia aberta, conforme disposto no artigo 223, §4º da Lei 6.404/76. Assim,
ocorrendo qualquer uma dessas operações societárias envolvendo companhia
aberta, as sociedades que a sucederem serão necessariamente de capital aberto,
devendo, para tanto, obter o respectivo registro e, se for o caso, promover a
admissão de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo
de 120 (cento e vinte) dias, contado da data da assembléia geral que aprovou a
operação (artigo 223, §3º da Lei 6.404/76). Caso a sociedade não obtenha seu
registro junto à Comissão de Valores Mobiliários e, conseqüentemente, não tenha
suas ações admitidas à negociação no mercado, os acionistas poderão retirar-se da
companhia, através do exercício do direito de recesso.
A transferência do controle acionário para o poder público é outra
hipótese que dá aos acionistas da companhia o direito de recesso (artigo 236,
118
parágrafo único da Lei 6.404/76). Ademais, para Fábio Ulhoa Coelho, essa é a única
hipótese legal de recesso não relacionada à divergência do acionista quanto à
deliberação assemblear, mas sim à mudança da condição da companhia. Assim, se
pessoa jurídica de direito público adquirir, por desapropriação, o controle de
companhia, que não esteja sob o controle, direto ou indireto, de outra pessoa
jurídica de direito público, os acionistas dessa companhia terão direito de retirada a
ser exercido no prazo máximo de 60 dias, contado da data de publicação da primeira
ata da assembléia geral, realizada após a aquisição do controle.
A última hipótese de recesso prevista na Lei das Sociedades Anônimas é
a da incorporação de ações (artigo 252 da Lei 6.404/76). Trata-se da operação pela
qual uma sociedade anônima se torna subsidiária integral31 de outra. Conforme
Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 303), a incorporação de ações viabiliza-se pelo
aumento do capital social da incorporada, com emissão de novas ações, que serão
subscritas em nome dos acionistas da futura subsidiária (a sociedade cujas ações
são incorporadas), ao mesmo tempo em que se transfere à sociedade incorporadora
toda a participação societária representativa do capital social desta última. Uma vez
aprovada a operação de incorporação de ações, tanto os acionistas dissidentes da
companhia incorporadora, como os da companhia cujas ações houverem sido
incorporadas (subsidiária integral), poderão exercer o direito de retirada, desde que
as ações da sociedade incorporadora não possuam boa liquidez ou dispersão (artigo
252, §1º e §2º da Lei 6.404/76).
Neste sentido, afirma José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 380) que, na
incorporação de ações, o direito de retirada somente terá cabimento às companhias
fechadas e às companhias abertas que não figurem em “índices de futuros”
31
Pode-se conceituar subsidiária integral como sendo a companhia que tenha como acionista único
acionista sociedade brasileira (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 723)
119
(liquidez), ou que não mantenham em circulação no mercado, no mínimo, metade
das ações emitidas (dispersão).
2.2.4.3 Valor do reembolso
Nos termos do artigo 45 da Lei 6.404/76, o reembolso é a operação pela
qual, nos casos previstos em lei, a companhia paga aos acionistas dissidentes da
assembléia geral o valor de suas ações ou, no dizer de Modesto Carvalhosa (2002,
v. 1, p. 435), “é a operação através da qual, nos casos previstos em lei, a companhia
é obrigada a pagar aos acionistas dissidentes o valor de suas ações”. Apesar do
conceito de reembolso ser aparentemente claro, a definição de seu valor não o é,
razão pela qual muita há controvérsia em nossa doutrina quanto ao valor a ser pago
pelas ações do acionista dissidente de deliberação assemblear que enseje o
exercício do direito de recesso.
A lei estabelece que o estatuto da companhia poderá estabelecer normas
para a determinação do valor do reembolso, que, entretanto, somente poderá ser
inferior ao valor de patrimônio líquido constante do último balanço aprovado pela
assembléia geral, se estipulado com base no valor econômico da companhia, a ser
apurado em avaliação (artigo 45, §1º da Lei 6.404/76). Trata-se de inovação
introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei 9.457/97, no sentido de
possibilitar o pagamento de valor inferior ao patrimonial, através da fixação do valor
econômico pelo estatuto social, como critério para determinação do valor de
reembolso das ações do acionista dissidente. A adoção do critério do valor
econômico para pagamento aos acionistas dissidentes seria, em princípio,
plenamente possível.
120
Para Francisco Müssnich (2002, p. 288), a adoção de tal critério nada
mais é do que a permissão para que a companhia pague ao acionista, em caso de
retirada, o seu verdadeiro valor, apurado por uma empresa especializada ou por três
peritos, podendo ser utilizado ainda que o valor econômico da ação resulte inferior
ao valor patrimonial. Aliás, para o citado jurista, esse critério é o mais adequado por
ser absolutamente costumeiro, já que no momento de se adquirir ações de uma
companhia, o critério patrimonial jamais é utilizado.
Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 432) entende que, não havendo
expressa previsão estatutária que adote o valor econômico, prevalece a regra geral
que determina dever o cálculo do reembolso ter por base o patrimônio líquido da
companhia. No entanto, uma vez adotado o critério do valor econômico, este
prevalecerá sempre, independentemente de ser, a cada passo, superior ou inferior
àquele outro critério.
Ainda pela possibilidade da utilização do valor econômico como critério
para o cálculo do reembolso, Nelson Eizirik (1997, p. 78) entende que a redação
dada ao §1º do artigo 45 da Lei 6.404/76, permitiu ao estatuto da companhia
estipular o preço de reembolso com base no valor econômico, que corresponde à
perspectiva de rentabilidade da companhia, ou seja, ao seu fluxo de caixa
descontado, nos próximos anos.
Observa-se que o valor econômico está diretamente ligado às
perspectivas de rentabilidade da companhia. Logo, ao se adquirir ou alienar ações
de determinada companhia, as partes envolvidas no negócio irão considerar,
indubitavelmente, na fixação do preço dessas ações, a rentabilidade da companhia
nos próximos anos. Isso porque a operação de operação de compra e venda de
ações representa para as partes envolvidas um investimento, tanto para o
121
adquirente que espera, através da aquisição das ações, um retorno superior a outras
opções que encontra no mercado, como para o alienante que projeta nas
perspectivas de rentabilidade da companhia o retorno provável sobre o capital
investido para fixação do preço de suas ações.
Situação diversa se verifica no exercício do direito de recesso pelo
acionista dissidente. Isso porque, no direito de recesso, ao contrário da alienação de
ações, não existe negociação entre as partes. Pelo contrário, sendo o recesso um
direito do acionista dissidente de determinadas deliberações aprovadas em
assembléia geral, o dever de pagar o valor de reembolso de suas ações se verificará
pela simples declaração unilateral de vontade do acionista.
Conforme mencionado (item 1.1.2.4 supra), o direito de recesso, uma vez
exercido
pelo
acionista
dissidente,
representa
para
a
companhia
um
desinvestimento, podendo, muitas vezes, colocar em risco a própria exploração da
atividade empresarial. Logo, no cálculo do reembolso, não podem ser incluídas as
perspectivas
de
rentabilidade
da
companhia,
porque
estas
decorrem
do
investimento, e a retirada é o inverso, ou seja, um desinvestimento. Como o
reembolso importa redução do patrimônio da sociedade anônima, a retirada altera as
suas perspectivas de rentabilidade, e pode, até mesmo, comprometê-las. Deste
modo, compartilhamos com Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 306) o entendimento
de que o valor de é sempre o patrimonial, descontando-se a reserva de lucros a
realizar.
122
2.3 O direito de participar nos lucros como um direito essencial
2.3.1 Considerações sobre a natureza do direito
O revogado artigo 288 do Código Comercial de 185032, já estabelecia ser
nula a sociedade ou companhia que tivesse qualquer dos sócios excluído do direito
de participar dos lucros sociais. Nessa mesma linha, o artigo 109, inciso I da Lei
6.404/76, repetindo o revogado artigo 78, alínea “a” do Decreto 2.627/40, estabelece
expressamente que “nem os estatutos sociais, nem a assembléia geral poderão
privar qualquer acionista do direito de participar dos lucros sociais”.
O direito de participar dos lucros sociais decorre da própria natureza das
sociedades anônimas que, nos termos do artigo 2º da Lei 6.404/76, poderá ter como
objeto qualquer atividade com fim lucrativo33. Portanto, ao subscrever ou adquirir
ações de uma sociedade anônima, espera o acionista participar dos ganhos
decorrentes da exploração da empresa pela companhia. Segundo Fran Martins
(1984, p. 223), “a sociedade anônima é uma instituição que reúne capitais com a
finalidade de obter ganhos nas suas atividades sociais, destinando-se esses ganhos,
na sua fase final, aos que contribuíram ou participaram do capital social”.
É neste contexto que se insere o direito do acionista de participar dos
lucros sociais, considerado pelo nosso ordenamento jurídico um direito essencial
que jamais poderá ser suprimido do acionista, seja por previsão estatutária, seja por
deliberação assemblear. Trata-se, portanto, de um direito essencial assegurado a
todos os acionistas da companhia, respeitados os diferentes regimes de distribuição
32 Os artigos 1º a 456 do Código Comercial foram revogados pela Lei 10.406/02 – Código Civil.
33 Para Modesto Carvalhosa, o expresso fim lucrativo da companhia (art. 2º) dá ao acionista o
reconhecido direito de participar dos lucros sociais (art. 109). À obrigação da companhia de perseguir
um fim lucrativo corresponde o direito do acionista aos lucros da empresa (2003, v. 3, p. 796).
123
de dividendos previstos no estatuto para cada espécie ou classe de ações. Neste
sentido, como bem observa Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 328), “cada acionista
irá participar dos lucros sociais de acordo com a espécie, classe e quantidade de
ações que titulariza”.
O direito de participar dos lucros sociais, como um direito essencial, é
considerado uma prerrogativa individual comum a todos os acionistas da companhia,
independentemente da espécie ou do número de ações que possuam (itens 1.3 e 2
supra). Trata-se, portanto, de um direito que tem sua origem na lei, imutável,
inderrogável, irrenunciável e indisponível. É um direito imutável e inderrogável, pois
o acionista jamais poderá ter o seu direito de participar dos lucros sociais modificado
ou suprimido, seja por deliberação da assembléia geral, seja por disposição
estatutária. É ainda um direito irrenunciável e indisponível, pois, sendo uma matéria
de ordem pública, não poderá o acionista dele abrir mão.
Observa-se, todavia, que o direito de participar dos lucros sociais não se
confunde com o seu exercício, que depende de um fato jurídico que pode não
ocorrer em determinadas épocas, qual seja, a apuração regular e, portanto, real de
um lucro societário. Assim, há que distinguir o direito de participar dos lucros sociais,
que é permanente e certo, do seu exercício cuja pretensão se estabelece a cada
exercício social. A despeito de seu exercício depender, em cada período, da
apuração de lucros pela companhia, o direito de participação nos lucros sociais não
pode ser considerado um direito condicional ou eventual, pois não se extingue pela
não apuração de lucros em determinado exercício, permanecendo intangível e
podendo ser exercido em exercícios seguintes quando o lucro for verificado pela
companhia. Neste sentido, para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 343),
”inexistindo lucro líquido, não haverá pretensão ao seu exercício suspenso naquele
124
período, permanecendo, no entanto, íntegro esse direito quanto aos resultados
positivos da companhia que vierem a ocorrer nos anos seguintes”.
Portanto, o direito de participar dos lucros sociais é um direito
permanente, adquirido por todo aquele que se torna acionista da companhia, seja
através da subscrição de ações realizado junto à sociedade anônima, seja pela
aquisição de ações junto a quem já é acionista da companhia. Todavia, o exercício
desse direito se subordina a um pressuposto de ordem fática, qual seja, a apuração
de lucros pela companhia.
2.3.2 Suspensão do direito de participar nos lucros sociais
O direito de participar dos lucros sociais, como analisado nos itens 1.3. e
3.1 supra, é um direito essencial assegurado a todos os acionistas da companhia,
respeitados os diferentes regimes de distribuição de dividendos previstos no estatuto
para cada espécie ou classe de ações. Trata-se, portanto, de uma prerrogativa
individual comum a todos os acionistas da companhia, que jamais poderá ser deles
suprimido, seja por deliberação assemblear. Trata-se, portanto, de um direito que
tem sua origem na lei, imutável, inderrogável, irrenunciável e indisponível.
No entanto, não podemos deixar de analisar essa questão sob o enfoque
do acionista remisso, constituído em mora, de pleno direito, por não cumprir com a
sua obrigação de contribuir para a formação do capital social nas condições
previstas no estatuto social ou no boletim de subscrição. Sendo o acionista remisso,
poderá a companhia promover ação de execução para cobrar as importâncias
devidas (artigo 107, inciso I da Lei 6.404/76); ou determinar a venda das ações por
ele subscritas em bolsa de valores, por conta e risco do acionista (artigo 107, inciso
125
II da Lei 6.404/76); ou ainda, não logrando êxito nas duas primeiras alternativas,
declarar as ações caducas, desde que possua lucros ou reservas, exceto a reserva
legal, equivalentes ao montante devido pelo acionista remisso(artigo 107, § 4º da Lei
6.404/76). Observa-se que com a declaração da caducidade das ações, ocorre a
reversão, em favor da sociedade, das eventuais entradas que o acionista remisso
tenha realizado, tornando-se a própria companhia emissora titular dessas ações que
serão mantidas em tesouraria, para posterior alienação (artigo 30, §1º, alínea “b”).
Todavia, caso a companhia não tenha lucros ou reservas suficientes para
integralizar as ações do acionista remisso, terá o prazo de 01 ano para declará-las
caídas em comisso, mediante deliberação assemblear que deverá aprovar a
conseqüente redução do capital social mediante o cancelamento das ações não
integralizadas.
Uma vez colocada a questão, cumpre-nos analisar a possibilidade da
suspensão dos direitos essenciais do acionista remisso, sobretudo, o de participar
nos lucros sociais, considerando o disposto no artigo 120 da Lei 6.404/76, que
permite à assembléia geral suspender o exercício dos direitos do acionista que
deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto social. Ressalta-se que
a lei permite a suspensão do exercício dos direitos do acionista que deixar de
cumprir qualquer obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto social, não se limitando
apenas à hipótese do acionista remisso. Todavia, considerando a relevância dessa
obrigação, tomaremos ela como exemplo para a análise da questão.
Para Modesto Carvalhosa a suspensão imposta pela assembléia geral
poderá atingir todos os direitos assegurados ao acionista pela lei ou pelo estatuto,
inclusive os direitos essenciais previstos no artigo 109 da Lei 6.404/76 e os próprios
dos minoritários. Todavia, observa o citado jurista que a assembléia geral deverá
126
declarar quais os direitos terão o seu exercício suspenso, não podendo fazê-lo
genericamente. Para Modesto Carvalhosa, certos direitos não poderão ser
suspensos, como o direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais e o de utilizar
os meios, processos ou ações que a lei confere aos acionistas para assegurar os
seus direitos (2003, v. 2, p. 580).
Trajano de Miranda Valverde (1953, v. 2, p.75), ao comentar o artigo 85
do Decreto Lei 2.425, de 1940, também entende que a pena de suspensão poderá
abranger o exercício de todos os direitos que a lei ou os estatutos outorgam ao
acionista, inclusive o exercício dos direitos essenciais. No entanto, o citado tratadista
não entende que a suspensão deva ser específica, tal como Modesto Carvalhosa,
podendo a assembléia declarar a suspensão do exercício de todos os direitos, ou
somente de alguns deles, como o de voto e o de receber dividendos. José Edwaldo
Tavares Borba (2004, p. 322), após classificar os direitos dos acionistas como
modificáveis e essenciais, conclui que a suspensão abrangerá não apenas os
direitos modificáveis, como igualmente os essenciais, pois suspender não significa
privar, tanto que o acionista, uma vez cumprida a obrigação, recupera, como efeitos
ex tunc, os direitos que estavam suspensos.
Por sua vez, Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 290), apoiado em Fran
Martins (1978, v. 2, t. 1, p. 134), não compartilha com o entendimento dos citados
juristas no que tange à possibilidade da suspensão do exercício dos direitos
essenciais, na medida em que esses direitos são instrumentos para a estabilização
das relações de poder no interior da sociedade anônima, não se incluindo entre
aqueles suscetíveis de suspensão.
Os direitos essenciais são evidentemente instrumentos indispensáveis à
estabilização das relações de poder internas à companhia (Capítulo 2, itens 1.3 e 2),
127
não sendo admitido que os acionistas possam ter esses direitos suprimidos, seja por
previsão estatutária, seja por deliberação assemblear. Todavia, o artigo 120 da Lei
6.404/76 não prevê a possibilidade de supressão dos direitos essenciais, mas sim a
suspensão temporária do exercício dos mesmos, cessando tão logo cumprida a
obrigação.
Ora, o direito essencial de participar dos lucros sociais, tema desta
dissertação de mestrado, não pode ser suprimido do acionista. Trata-se de direito
irrevogável, imutável, infungível e inderrogável, não se limitando apenas aos
dividendos por distribuir, mas incluindo também a participação do acionista em todos
os benefícios econômicos gerados pelos lucros auferidos pela companhia, ainda que
não distribuídos (item 1.5.3 infra). Negar ao acionista esse direito seria atribuir ao
acionista controlador uma prerrogativa que poderia desestabilizar definitivamente as
relações de poder internas na sociedade anônima. Todavia, não é isso que propõe o
artigo 120 da Lei 6.404/76. Busca-se através do citado dispositivo legal suspender
temporariamente o exercício do direito, que não se confunde com o próprio direito34.
Note-se que, em relação ao direito essencial de participar nos lucros
sociais, o que se permite, nos termos do artigo 120 da Lei 6.404/76, é suspender o
exercício do direito expectado de participar dos lucros sociais, ou seja, o direito ao
recebimento dos dividendos distribuídos pela companhia (Capítulo 3, item 3.3.1).
Ainda assim, ressalta-se tratar de suspensão e não supressão do direito expectado.
Portanto, uma vez cumprida a obrigação pelo acionista remisso, ele recupera os
direitos que estavam suspensos, com efeitos ex tunc, devendo receber da
companhia os dividendos até então distribuídos, mas que foram retidos pela
sociedade em razão da mora do acionista remisso.
34
Neste sentido, mesmo para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 580), a lei prevê a suspensão do
exercício do direito do acionista e não a suspensão de determinados direitos ligados à ação.
128
Vale ressaltar que a suspensão deve abranger todos os acionistas em
idênticas condições. Não pode ser discriminatória, alcançando determinados
acionistas inadimplentes e excluindo, por conseguinte, os demais que se encontram
na mesma situação irregular. Se isso ocorrer, a suspensão será nula por representar
típico abuso de direito e de poder dos acionistas que assim deliberaram, conforme
lições de Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p.582).
2.3.3 Direito de participar nos lucros sociais e direito do acionista ao dividendo
Os lucros sociais, conforme apresentado no Capítulo 1, item 1.4.1 supra,
não são, em regra, totalmente distribuídos aos acionistas, pois parcela desses lucros
deve ser retida em reservas obrigatórias por lei ou pelo estatuto, ou ainda distribuída
prioritariamente aos titulares de participações estatutárias. Neste sentido, Fábio
Konder Comparato (1981, p. 151) classifica os lucros sociais como: a) distribuíveis,
tais como os dividendos e as participações estatutárias dos debenturistas,
empregados, administradores e titulares de partes beneficiárias; e b) não
distribuíveis, quando objetivam o reforço do patrimônio líquido da companhia, tais
como as reserva de lucros.
Observa-se, portanto, que nem todo lucro auferido pela companhia é
distribuído aos acionistas para pagamento de dividendos. Surge, então, importante
discussão em nossa doutrina sobre eventual diferença existente entre o direito ao
lucro e o direito ao dividendo. Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 347), muito
embora existam autores que vejam nessas prerrogativas certas diferenças, sendo
para eles o direito de participar dos lucros uma declaração programática de um
princípio abstrato e o direito ao dividendo uma feição mais concreta e definida do
129
direito de participar dos lucros, não se pode encontrar a apontada diversidade entre
uma e outra prerrogativa, sendo ambas equivalentes. Isso porque, explica o citado
jurista, “dividendo é a parte dos lucros líquidos fracionada de maneira uniforme entre
todas as ações, distribuído aos acionistas, conforme a parcela que cada um possui
no capital social”.
No mesmo sentido, também contrário à distinção entre o direito de
participação nos lucros sociais e o direito ao dividendo, está o professor Barros
Leães (1969, p. 309) que, em brilhante monografia sobre a matéria, se opõe a essa
distinção afirmando que:
cogitar um direito ao lucro diverso do direito ao dividendo já nos
parece exagerado (e mesmo nocivo), pois o que a lei do anonimato
assegura de maneira taxativa é o direito de qualquer acionista de
participar dos lucros sociais, vale dizer, o direito do acionista ao
dividendo. Pois se dá o nome de dividendo à parte dos lucros
líquidos, partilhada aos acionistas sobre cada uma das ações de
que é proprietário.
Logo, conclui o citado jurista, “absurdo fora falar em direito ao lucro
distinto do direito ao dividendo, pois o que existe é direito ao lucro por dividir, ou
direito ao dividendo por deliberar, contraposto ao conceito de direito ao dividendo
deliberado”.
É evidente que o dividendo pressupõe a existência de lucro, uma vez que
o conceito de dividendo está diretamente ligado à parcela do lucro líquido auferido
pela companhia que é distribuído aos seus acionistas. Todavia, reduzir o direito de
participar dos lucros sociais ao direito de dividendo, seria negar ao acionista o direito
de participar dos lucros não distribuídos pela companhia. Ora, ao reter parcela dos
lucros auferidos na companhia, seja através da constituição ou do aumento das
reservas de lucros, seja pela incorporação dos lucros auferidos ao capital social, ou
ainda pela sua utilização na absorção de prejuízos, ocorre um evidente aumento no
130
valor do patrimônio líquido da sociedade anônima e, conseqüentemente, um
aumento no valor patrimonial das ações detidas por cada um dos acionistas da
companhia. A participação nesses lucros não distribuídos que, tal como os
dividendos distribuídos, também traz benefício econômico aos acionistas, é direito
essencial que não se limita ao direito ao dividendo, mas o abrange e o engloba.
Neste sentido, Fábio Konder Comparato (1981, p.152) afirma que:
o acionista não tem apenas um direito ao dividendo, mas também
um direito aos lucros sociais, de modo geral”. Vale dizer, prossegue
o citado jurista, que “o texto legal consagrou, elipticamente, um
direito do acionista de participar dos lucros sociais, segundo as
diferentes formas que essa participação assume, na lei.
De fato, a participação do acionista no lucro da sociedade não se realiza,
apenas, sob a forma de percepção de dividendo, mas de outras maneiras, segundo
a sistemática legal de destinação dos lucros (Capítulo 1, item 1.2. supra). Conforme
lições de Fábio Konder Comparato (1981, p.152):
o direito genérico do acionista consiste em não ser privado do
benefício econômico gerado pela apuração de lucros no patrimônio
social. Tal benefício econômico, no patrimônio individual dos
acionistas, traduz-se, também, pelo aumento do valor patrimonial
das ações de que são titulares, ainda que não aumentado o capital
social com a conseqüente distribuição gratuita de ações, que a
prática anglo-saxônica denomina, sugestivamente, stock dividends.
Inegável, portanto, que o direito de participar dos lucros sociais não se
limita aos dividendos, incluindo também a participação do acionista em todos os
benefícios econômicos gerados pelos lucros auferidos pela companhia, ainda que
não distribuídos. Ao serem retidos os lucros sociais, seja para a constituição ou
aumento das reservas de lucros, seja para a incorporação dos lucros auferidos ao
capital social, ocorre um evidente aumento no patrimônio da companhia que se
reflete no valor patrimonial das ações detidas por cada um dos acionistas.
131
O valor patrimonial das ações é de extrema relevância para diversas
operações realizadas pela companhia. Assim, seja na partilha do acervo líquido da
companhia em caso de dissolução, seja na amortização de ações, o montante a ser
pago aos acionistas35 será calculado com base no valor patrimonial das ações
emitidas pela companhia. O mesmo se verifica, com maior ou menor intensidade,
quando o acionista se retira da companhia, seja pelo exercício do direito de recesso
(item 2.2.4 supra), seja pela alienação de sua participação societária a terceiro.
Assim, exercendo o direito de recesso, o valor de reembolso de suas ações será
calculado, em regra, com base no valor patrimonial de suas ações apurado no último
balanço aprovado, ou em balanço especialmente levantado (item 2.2.4.3 supra). Por
sua vez, sendo alienada as ações a terceiro, muito embora o valor atribuído à ação
seja o de negociação, isto é, aquele em que as partes estão dispostas a pagar e
receber para a realização do negócio, o valor patrimonial também terá a sua
importância, mesmo não sendo o fator decisivo.
Observa-se em todas essas situações a relevância do valor patrimonial
das ações e, conseqüentemente, o benefício econômico gerado ao acionista em lhe
reconhecer o direito de participar dos lucros sociais ainda que não distribuídos e
retidos em reserva de lucros ou incorporados ao capital social da companhia.
Portanto, pode-se afirmar, conforme Fábio Konder Comparto (1981,
p.153), que o acionista tem, genericamente, um direito aos lucros sociais,
consistente em ver rigorosamente observadas as normas legais de apuração e
destinação dos lucros sociais. Além disso, prossegue o citado jurista, tem o
acionista, também, um direito ao dividendo; não só à distribuição de parte do lucro
(dividendo obrigatório), como igualmente ao pagamento do dividendo declarado.
35
Nos termos do artigo 44 da Lei 6.404, de 1976, a amortização de ações é a operação pela qual se
antecipa ao cionista, no todo ou em parte, o quanto ele receberia caso a sociedade fosse dissolvida.
132
Analisada a natureza jurídica do direito essencial de participar dos lucros
sociais e sua amplitude, não se limitando aos dividendos, mas compreendendo
também os lucros não distribuídos, passemos ao estudo mais detalhado do direito
dos acionistas aos lucros distribuídos, ou seja, do direito ao dividendo.
133
CAPÍTULO 3 - DIREITO DO ACIONISTA AOS DIVIDENDOS
3.1 Natureza jurídica dos dividendos
Como já apresentado, o dividendo nada mais é do que a parcela dos
lucros sociais auferidos pela companhia que deva ser distribuído aos acionistas, em
conformidade com a classe, espécie e quantidade de ações que titularizam (Capítulo
1, item 1.2.4 supra). Portanto, o direito do acionista ao dividendo nada mais é do que
um dos reflexos decorrente do direito essencial de participar nos lucros sociais
assegurado a todo acionista, nos termos do artigo 109 da Lei 6.404/76 (Capítulo 2,
item 1.1.3 supra).
No entanto, o direito ao dividendo deve ser analisado não apenas como
um direito à distribuição de parte do lucro social, isto é, um direito ao dividendo por
deliberar, mas também um direito ao pagamento do dividendo declarado que
constituí, consoante entendimento harmônico em nossa doutrina, num verdadeiro
direito de crédito, decorrente da decisão tomada pelo órgão de administração e pela
assembléia geral em distribuir aos acionistas parcela dos lucros sociais auferidos
pela companhia.
O direito ao dividendo por deliberar é, portanto, aquele que para muitos
autores, como Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 347), deve ser tomado como
sinônimo de direito de participar dos lucros sociais. Ora, não podemos limitar o
direito essencial do acionista de participar nos lucros sociais ao direito ao dividendo
por deliberar, sendo aquele muito mais amplo que este, pois abrange também os
benefícios econômicos gerados aos acionistas pelos lucros não distribuídos e retidos
na companhia (Capítulo 2, item 1.1.3.3).
134
Como um dos reflexos do direito de participar dos lucros sociais, o direito
ao dividendo por deliberar encontra seu fundamento na própria natureza das
sociedades anônimas que, tendo por objeto qualquer atividade com fim lucrativo,
está obrigada a distribuir parte dos lucros auferidos aos seus membros, quais sejam,
os acionistas da companhia. Para tanto, a Lei 6.404, de 1976 assegura a todo o
acionista o direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a
parcela dos lucros estabelecida no estatuto social ou, se este for omisso, a
importância determinada de acordo com as regras constantes no inciso I do artigo
202 da citada lei.
Neste sentido, afirma Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 343) que, sendo
o fim indeclinável da companhia proporcionar lucros, surge para ela à obrigação de
distribuir parte desses lucros aos seus acionistas (artigos 17 e 202 da Lei 6.404, de
1976). Logo, mesmo na vigência do Decreto 2.627, de 1940, em que não havia
qualquer previsão acerca do dividendo obrigatório, vigorando a inteira liberdade na
regulação da matéria, Trajano de Miranda Valverde (1953, v. 2, p. 379) chegou a
sustentar que, no silêncio dos estatutos, o acionista teria o direito de exigir a
repartição total dos lucros auferidos pela companhia, não sendo admitida qualquer
decisão assemblear que viesse reformar os estatutos sociais com a finalidade de
relegar para o termo de expiração da companhia a divisão dos lucros auferidos.
Muito antes da Lei 6.404, de 1976, assegurar aos acionistas o dividendo
mínimo obrigatório, e do próprio Decreto Lei 2.627, de 1940, estabelecer como
direito essencial do acionista a participação nos lucros sociais, o Tribunal de
Michigan, nos Estados Unidos, em 1919, julgou ação proposta pelos irmãos Dodge
em face da companhia de que eram acionistas minoritários, a Ford Motor Company,
tornando-se o litígio um caso de referência no estudo da distribuição de lucros
135
sociais e abuso do poder de controle. Conforme síntese realizada por Fábio Ulhoa
Coelho (2002, v. 2, p. 328) sobre a decisão da Corte de Michigan:
a política da Ford consistia na distribuição, entre os acionistas, de
dividendos regulares na ordem de 1,2 milhões de dólares, e de
“dividendos especiais” de 10 milhões de dólares por ano. O
controlador da companhia, Henry Ford, contudo, deliberou não
pagar essa última parcela num exercício em que a contabilidade
registrava o resultado positivo de 60 milhões de dólares e lucros
acumulados de 112 milhões. Questionada em juízo, a sociedade se
defendeu alegando a necessidade de construir uma nova fábrica, e
a vontade de não a custear com os frutos de futuras vendas, porque
considerava ser seu dever reduzir os preços dos automóveis. A
Corte rejeitou a defesa, fundada no argumento de que o objetivo
principal das empresas é a geração de lucros para os seus sócios e
o poder discricionário da administração deve ser exercido com vistas
à realização desse objetivo36. Determinou, então, a declaração de
dividendos.
Do dever da companhia, inerente à sua própria natureza, em distribuir aos
acionistas parte dos lucros por ela auferidos, surge nitidamente o conflito de
interesses entre os acionistas controladores, que procuram reter na companhia a
maior parte dos lucros líquidos, constituindo ou ampliando suas reservas, e as
minorias acionárias que buscam maximizar a sua participação nos lucros
distribuídos. Daí a relevância dos direitos individuais assegurados pela Lei 6.404/76,
tais como o direito essencial do acionista de participar dos lucros sociais (artigo 109,
I) e o direito a um dividendo mínimo obrigatório (artigo 202), instrumentos
indispensáveis para o equilíbrio e para a estabilização das relações de poderes
internas à companhia (Capítulo 2, item 1.1.1.2 supra).
O direito ao dividendo por deliberar é, portanto, um direito individual do
acionista, irrenunciável e indisponível, criado por lei e que não pode ser derrogado
36
Conforme reprodução do texto original realizado por Willian L. Cary (1969, p. 1583):
A business corporation is organized and carried on primarity for the profit of
the stockholders. The powers of the directors is to be exercised in the
choice of means to attain that end and does not extend to a change in the
end itself, to the reduction of profits or to the nondistribution of profits
among stockholders in order to devote them to other purposes.
136
ou modificado, seja por previsão estatutária, seja por deliberação assemblear. Tratase de uma prerrogativa individual do acionista, decorrente da própria natureza
contratual da companhia, que antecede e não se confunde com o direito de crédito
que advém da decisão do órgão de administração e da assembléia geral.
Conforme lições de Barros Leães (1969, p. 312), em Do Direito do
Acionista ao Dividendo, elaborada durante a vigência do Decreto Lei 2.627, de 1940:
o direito do acionista ao dividendo é direito expectativo (“spes
debitum ire”): em havendo lucro, fixando pelo balanço do exercício,
e determinado a assembléia geral o “quantum” e a maneira de sua
distribuição (caso os estatutos já não o tenham feito), deixa de haver
direito expectativo para nascer o direito expectado ao dividendo.
A classificação do direito do acionista ao dividendo apresentada por
Barros Leães encontra seu fundamento nas lições de Pontes de Miranda (1970, v. 5,
p. 281) para quem:
o direito expectativo é um direito a adquirir direito cuja aquisição
depende de elemento em que não entra a vontade do titular. Assim,
o titular do direito expectativo é pré-titular do direito expectado. A
segurança em que o fato se dê apenas torna mais provável a
aquisição do direito expectado. São, portanto, direitos expectativos
os direitos a direitos (futuros) para cujo nascimento falte elemento
do suporte fático (os chamados “créditos futuros”), que são, em
verdade, direitos expectados, porque antes deles estão direitos a
suportes fáticos completos e é a eles, e não a esses, que falta algo
para que nasçam.
Para Pontes de Miranda (1970, v. 5, p. 439):
o direito ao dividendo é direito expectativo (...). Se há lucros que
tenham de ser distribuídos aos acionistas, deixou de haver direito
expectativo, há (nasceu) o direito expectado. Se os lucros só se hão
de distribuir como dividendos se a assembléia geral ordinária o
determinar, a vontade coletiva é (outro) elemento para que nasça o
direito expectado (...).
137
Portanto, o direito do acionista aos dividendos por deliberar seria,
consoante lições dos ilustres juristas acima citados, um direito expectativo. Por sua
vez, sendo apurado lucro pela companhia e deliberado a sua distribuição, nasce
para os acionistas o direito expectado, que consiste no recebimento dos dividendos
distribuídos. Uma vez apurados os lucros pela companhia e aprovada a sua
distribuição aos acionistas, de acordo com a espécie, classe e quantidade de ações
que titularizam, surgirá para eles um direito de crédito contra a companhia. O direito
ao pagamento dos dividendos deliberados constitui, segundo Barros Leães (1969, p.
312), em um verdadeiro direito expectado que, ao contrário do direito ao dividendo
por deliberar (direito expectativo), poderá o acionista dele dispor e, até mesmo,
renunciar.
3.2 Titularidade do direito aos dividendos
O direito do acionista ao dividendo, como um dos reflexos do direito
genérico do acionista de participar nos lucros sociais, surge no momento em que ele
adquire a condição de sócio da companhia, seja através da subscrição de ações
emitidas pela sociedade anônima, seja pela aquisição de ações titularizadas por
outro acionista.
Todavia, a questão da titularidade do direito aos dividendos deve ser
analisada sobre dois aspectos distintos. O primeiro deles é o da titularidade primária
(item 2.1. infra), em que o próprio acionista proprietário da ação será o titular do
direito ao dividendo. O segundo aspecto é o da titularidade derivada (item 3.2.2.
infra), como no caso do usufruto, em que o titular do direito ao dividendo será o
usufrutuário.
138
3.2.1 Titularidade Originária: ações ordinárias, preferenciais e de fruição
Em regra, o direito de participar dos lucros auferidos por uma sociedade
anônima está ligado à condição de sócio da companhia, adquirida por aquele que
titularizar ações que representem parcela de seu capital social. A ação confere ao
seu titular, conforme Barros Leães (1969, p. 315), “o “status socci”, de onde deriva
uma série de direitos e obrigações, dentre os quais se alinha o direito ao dividendo”.
A ação é, portanto, a espécie de valor mobiliário, emitida por companhias
de capital aberto e fechado, com ou sem valor nominal fixado no estatuto social,
representativo de uma parcela do capital social da sociedade anônima emissora,
que confere ao seu titular direitos de sócio da companhia, sendo o de participar dos
dividendos distribuídos um desses direitos. As ações, conforme a natureza dos
direitos ou vantagens que confiram a seus titulares, são classificadas quanto a sua
espécie em ordinárias, preferenciais ou de fruição.
A ação da espécie ordinária é a que confere ao seu titular os direitos de
um sócio comum, ou seja, não possui nenhuma vantagem, nem se sujeita a
qualquer tipo de restrição, relativamente aos direitos que normalmente são
atribuídos aos sócios de uma sociedade (COELHO, 2002, v. 2, p. 98). Neste sentido,
para Barros Leães (1969, p. 315), “as ações ordinárias são aquelas que incorporam
os direitos e obrigações inerentes à qualidade de sócio em sua plenitude,
desprovidas de quaisquer restrições e não estando dotadas de quaisquer
privilégios”. Portanto, os titulares dessa espécie de ação jamais poderão ser
privados, seja pelo estatuto social, seja pela assembléia geral, de participar dos
139
lucros distribuídos, observada a igualdade de tratamento para todos os acionistas
dessa mesma categoria.
O titular do direito ao dividendo é, pois, o proprietário da ação ordinária.
Ocorre que, se a ação pertencer a mais de uma pessoa, os direitos por ela
conferidos serão exercidos pelo representante do condomínio, uma vez que, nos
termos do artigo 28 da Lei 6.404/76, a ação é indivisível em relação à companhia.
Conforme Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 282), no caso da ação pertencer a
diversas pessoas, todos os co-proprietários são titulares da ação, mas a legitimidade
para o exercício dos respectivos direitos só caberá àquele que estiver legitimado,
qual seja, o representante do condomínio. Observa-se que, conforme o citado
doutrinador, o representante pode ser condômino ou terceiro, isto é, o representante
não precisa ser acionista, desde que preencha os requisitos de mandato societário,
previstos no artigo 126 da Lei 6.404/76.
Por sua vez, a ação da espécie preferencial é a que atribui ao seu titular
vantagens ou restrições em relação aos direitos comuns conferidos aos demais
acionistas da companhia, conforme estabelecido no estatuto social. Em regra, as
vantagens conferidas ao titular de uma ação preferencial são de natureza
pecuniária, como, por exemplo, a prioridade na distribuição de dividendos, fixo ou
mínimo, a prioridade no reembolso do capital, com ou sem prêmio, dentre outras
preferências ou vantagens que deverão estar previstas no estatuto social (artigo 17
da Lei 6.404/76). As ações preferências também poderão conferir vantagens de
natureza política, como o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais
membros dos órgãos de administração (artigo 18 da Lei 6.404/76), ou ainda, o
direito de votar, em assembléia especial, determinadas matérias que impliquem em
modificação do estatuto social (artigo 18, §único da Lei 6.404/76). Considerando o
140
escopo dessa dissertação de mestrado, a análise das vantagens ou preferências
atribuídas às ações preferenciais será limitada à situação privilegiada que poderá ser
atribuída aos seus titulares na distribuição dos lucros auferidos pela companhia.
Trata-se dos dividendos preferenciais ou prioritários, do qual são modalidades o
dividendo fixo, o dividendo mínimo e o dividendo diferencial (item 3.3 infra).
O dividendo fixo é modalidade de dividendo prioritário que assegura ao
titular de ação preferencial uma remuneração certa e determinada, não participando,
após o pagamento do valor fixado, de eventual saldo remanescente dos lucros
auferidos pela companhia. Assim, sendo atribuídas aos acionistas da companhia
ações preferenciais que lhes garantam um dividendo prioritário fixo, caso a
companhia, em determinado exercício, delibere distribuir parte dos lucros sociais aos
seus acionistas, deverá, prioritariamente, atribuir aos titulares dessas ações
preferenciais, o dividendo fixo a eles devido, conforme estabelecido no estatuto
social. Após o pagamento desses acionistas, havendo saldo remanescente a
distribuir, a companhia procederá ao pagamento dos acionistas titulares de ações
ordinárias. Se, todavia, após realizado o pagamento dos acionistas ordinarialistas,
ainda houver lucros por distribuir, somente esses últimos poderão participar do
rateio, uma vez que, os titulares de ações preferenciais, após o pagamento do valor
fixado, não participam em mais nada.
O dividendo mínimo, por sua vez, é a modalidade de dividendo prioritário
que assegura ao titular da ação preferencial uma remuneração mínima,
determinada, em regra, pelo estatuto social, garantindo-lhe, ainda, o direito de
participar, após o pagamento dos acionistas titulares de ações ordinárias, da
distribuição de eventual saldo remanescente a ser distribuído pela companhia. Deste
modo, sendo atribuídas aos acionistas da companhia ações preferenciais que lhes
141
garantam um dividendo prioritário mínimo, caso a sociedade, em determinado
exercício, delibere distribuir parte dos lucros sociais aos seus acionistas, deverá,
prioritariamente, atribuir aos titulares dessas ações preferenciais, o dividendo
mínimo a eles devido. Após o pagamento desses acionistas, caso ainda haja lucros
por distribuir, a companhia procederá ao pagamento dos acionistas titulares de
ações ordinárias. Depois de realizado o pagamento desses acionistas, havendo
ainda lucros a distribuir, eles serão repartidos igualmente entre todos. Portanto, ao
contrário dos dividendos prioritários fixos, os dividendos prioritários mínimos jamais
poderão ser inferiores aos dividendos atribuídos às ações ordinárias.
A última modalidade de dividendo prioritário é a do dividendo diferencial
que assegura ao titular da ação preferencial uma remuneração superior àquela
distribuída aos acionistas titulares de ações ordinárias, conforme percentual
diferencial estabelecido por lei ou pelo estatuto social. A Lei 9.457, de 1997, havia
realizado importante alteração no artigo 17 da Lei 6.404/76, ao estabelecer que não
sendo fixada no estatuto social nenhuma vantagem ao acionista preferencialista, ou
não sendo a vantagem estabelecida a garantia de um dividendo fixo ou mínimo,
então, a companhia deveria pagar aos titulares de ações preferenciais montante,
pelo menos, 10% superior ao dividendos atribuído aos titulares de ações ordinárias.
Desta forma, a reforma realizada em 1997, ao introduzir em nosso ordenamento
jurídico o dividendo diferencial como vantagem mínima a ser atribuída aos
preferencialistas, pôs fim à distorção até então verificada nas ações preferenciais
que, ao serem emitidas, poderiam não conferir qualquer vantagem ao seu titular.
Ocorre que, em 2001, com a nova reforma da Lei 6.404/76 realizada pela Lei
10.303, a redação do artigo 17 foi novamente alterada, sendo dele excluída a figura
do dividendo diferencial para as companhias que não tenham as suas ações
142
admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários. Portanto, passou a ser
admitida novamente a possibilidade de emissão de ações preferenciais nas
companhias de capital fechado que não confiram qualquer vantagem ao seu titular.
Observa-se, entretanto, que sendo a companhia de capital aberto,
independentemente do direito de receber ou não o valor de reembolso do capital,
com ou sem prêmio, as ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição ao
exercício deste direito, somente serão admitidas à negociação no mercado de
valores mobiliários, se a elas for atribuída uma das seguintes preferências ou
vantagens: a) garantia de distribuição prioritária de dividendos obrigatórios de, pelo
menos, 25% do lucro líquido ajustado, correspondente a, no mínimo, 3% do
patrimônio líquido da ação; b) dividendo diferencial de, pelo menos, 10% acima do
pago às ações ordinárias; ou c) direito à saída conjunta, nos termos do artigo 254-A
da LSA, acrescido do direito a dividendo, pelo menos, igual ao das ordinárias (item
3.3.2.5 infra).
Observa-se ainda que, se assim previsto no estatuto social, o dividendo
prioritário poderá ser cumulativo, ou seja, quando não pago em determinado
exercício, acrescer-se-á ao dividendo correspondente ao exercício seguinte, e assim
por diante, até o pagamento do total acumulado.
Nas ações preferenciais, o titular do direito ao dividendo será, tal como
ocorre nas ações ordinárias, o proprietário da ação e, caso a ação pertença a mais
de uma pessoa, os direitos por ela conferidos serão exercidos pelo representante do
condomínio.
A última espécie de ação a ser analisada é a de fruição, atribuída ao
acionista cuja ação ordinária ou preferencial foi integralmente amortizada. A
143
amortização consiste na antecipação aos acionistas, sem redução do capital social,
do valor que eles poderiam receber na hipótese de liquidação da companhia.
As ações integralmente amortizadas poderão, então, ser substituídas por
ações de fruição, com as restrições fixadas pelo estatuto ou pela assembléia geral
que deliberar a amortização. Observa-se que as restrições aos direitos dos
acionistas titulares de ações de fruição são definidas pelo estatuto social da
companhia, ou pela assembléia geral que deliberar a amortização.
Para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 106), há, contudo, três hipóteses
de limitação dos direitos societários dos acionistas com ações de fruição que não
dependem de previsão estatutária ou deliberação assemblear, ou seja, restrições
que alcançam todos os acionistas com ações integralmente amortizadas. A primeira
hipótese consiste no direito do acionista em participar do acervo líquido da
companhia, em caso de liquidação. Isso porque os titulares de ações amortizadas já
participaram, por antecipação, do acervo líquido da companhia. Portanto, eles só
poderão concorrer ao acervo líquido depois de assegurado aos titulares de ações
não amortizadas valor igual ao da amortização, corrigido monetariamente. A
segunda hipótese consiste na compensação do valor de reembolso das ações, na
hipótese do exercício do direito de recesso (item 2.2.4 supra). Caso o acionista
dissidente exerça o seu direito de recesso, deve-se abater do valor de reembolso o
montante que lhe foi antecipado na amortização de suas ações, devidamente
atualizado. Trata-se, segundo o citado jurista de uma aplicação analógica ao
disposto no artigo 44, §5º da Lei 6.404/76. A terceira e última hipótese de limitação
aos direitos do acionista titular de ações de fruição que independe de previsão
estatutária ou deliberação assemblear é o direito ao recebimento de juros sobre o
capital próprio (item 3.3.3.1 infra). Conforme o citado jurista, os juros remuneram a
144
indisponibilidade do dinheiro, ou seja, retribuem o acionista pelo emprego na
sociedade de numerário que possuía, não havendo sentido pagá-los aos que
tiveram suas ações amortizadas, pois a amortização restabelece a disponibilidade
desse numerário em mãos do acionista titular das ações de fruição.
A Lei 6.404, de 1976, não repetiu o preceito contido no artigo 18 do
Decreto Lei 2.627, de 1940, que reconheci às ações de fruição os direitos essenciais
dos acionistas. Todavia, considerando que os direitos essenciais jamais poderão ser
suprimidos dos acionistas, seja por previsão estatutária, seja por deliberação
assemblear, compartilhamos com Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p.426) o
entendimento de que:
está implícito na lei vigente que esses direitos não podem ser
suprimidos por alteração estatutária decorrente da amoritização nem
pela norma estatutária que previamente estabeleceu os critérios
para a amortização de ações e respectiva criação de ações de
fruição.
Neste mesmo sentido, Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 107), ao
comentar as hipóteses de limitação de direitos relacionadas às ações de fruição,
acima mencionadas, esclarece que:
a compensação do valor atualizado da amortização, tanto na
participação no acervo social em caso de liquidação como no
cálculo do reembolso, não importa a subtração de direito essencial,
por disposição estatutária ou deliberação da assembléia geral, que,
por certo, se encontra vedado na lei (artigo 109 da Lei 6.404/76).
É também este o entendimento de José Edwaldo Tavares Borba (2004,
p.229), para quem:
145
as ações inteiramente amortizadas poderão ser substituídas pelas
chamadas ações de fruição, as quais, ressalvadas as restrições
estatutárias, terão todos os direitos atinentes às ações de que
derivaram. As restrições a serem importas pelo estatuto não
poderão afetar os chamados direitos essenciais dos acionistas.
Portanto, conclui-se que o acionista detentor das ações de fruição
continua tendo assegurado o direito de participar dos lucros sociais, sendo a
distribuição de dividendos uma das formas de participar dos lucros distribuídos,
igualmente a ele assegurada pelo nosso ordenamento jurídico. Neste sentido,
Barros Leães (1969, p. 325), ao dissertar, na vigência do Decreto Lei 2.627/40,
sobre o direito do acionista ao dividendo, afirma que “o portador de ação de fruição
permanece o acionista titular de um intangível direito ao dividendo”.
3.2.2 Titularidade Derivada: usufruto, fideicomisso, caução e penhor
O acionista, proprietário da ação, é titular de um direito complexo
composto por um feixe de direitos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar,
dispor e reivindicar a coisa (artigo 1.228 do Código Civil). Ressalvada a faculdade de
dispor do bem, as demais prerrogativas poderão ser desmembradas do direito de
propriedade, atribuindo os poderes de usar e gozar da coisa a quem não seja
proprietário. É por essa razão que as ações emitidas pelas sociedades anônimas
poderão ser objeto das mais variadas operações, nas quais o direito de propriedade
se fragmenta, distribuindo as diversas prerrogativas dele decorrentes entre titulares
distintos. Surge então a necessidade de analisarmos nessas hipóteses a quem
incumbe a titularidade do direito aos dividendos.
146
3.2.2.1 Penhor e caução de ações
As ações emitidas por uma companhia podem ser objeto de penhor ou
caução para garantir obrigação assumida por acionista junto a terceiro, mediante
averbação do respectivo instrumento no livro de registro de ações nominativas
arquivado na sede social, ou sendo as ações escriturais, através da averbação do
respectivo instrumento nos livros da instituição financeira responsável pela custódia
das ações emitidas pela companhia (artigo 39 da Lei 6.404/76). Observa-se que a
averbação do penhor ou caução é formalidade indispensável para à constituição da
garantia e não apenas para a sua eficácia perante à companhia.
O penhor e a caução são expressões equivalentes que representam a
mesma garantia real. Conforme Trajano de Miranda Valverde (1953, v. 1, p. 202), a
disjuntiva “ou” empregada, tanto pelo decreto lei de 1940, como pela lei 1976, ao se
referir aos institutos do “penhor” e da “caução”, estabelece uma ligação de
comparação ou escolha entre eles, resultante da diversidade de nomes que as leis
dão à mesma garantia real.
Por se tratar de um bem incorpóreo37, no penhor de ações nominativas, a
tradição do bem é substituída pela averbação do ato de constituição da garantia no
livro de registro de ações nominativas; já no penhor de ações escriturais, a tradição
do bem é substituída pela averbação dos instrumentos de penhor nos livros da
instituição financeira responsável pela custódia das ações, passando a constar no
extrato da conta de depósito fornecida ao acionista. Em ambos os casos, o acionista
não necessita da concordância da companhia emissora, nem dos demais acionistas.
37
Conforme Silvio de Salvo Venosa (2006, v. 5, p. 545), “o penhor sobre ações de sociedade
anônima classifica-se como caução de direito incorpóreo em geral e não de título de crédito, pois a
ação não o é, mas sim mera fração do capital social”.
147
Neste sentido, para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 134):
a garantia real sobre a ação nominativa apenas está validamente
constituída se a companhia averba o ato no livro de registro de
ações nominativas; e sobre a ação escritural, se a instituição
financeira depositária faz a mesma averbação nos seus
assentamentos”. Sem essa formalidade, conclui o citado jurista, “a
ação não está caucionada ou empenhada, ou seja, não se constitui
o direito real de garantia sobre ela.
Também para Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p.368):
sem a averbação no livro próprio ou o lançamento pela instituição
custodiante, o penhor não tem validade, nem mesmo entre as
partes. O documento pelo qual se celebrou o penhor presta-se, tão
somente, a legitimar o pedido de averbação ou lançamento”.
Portanto, conclui o citado jurista com base no entendimento de
Trajano Miranda Valverde (1953, 1:203), “a averbação no livro
próprio ou lançamento constitui ato necessário para o
reconhecimento do penhor de ações, tanto entre as próprias partes,
como perante terceiros.
O penhor sobre a ação não transfere ao credor pignoratício o direito de
voto e demais direitos decorrentes da condição de acionista da companhia,
permanecendo com o devedor pignoratício as prerrogativas de uso, gozo e
disposição decorrentes do direito de propriedade. No entanto, é licito estabelecer, no
instrumento de penhor, que o exercício de certos direitos, como o de voto nas
deliberações assembleares, deverão ser exercidos pelo acionista devedor, mediante
prévio consentimento do credor pignoratício.
Neste sentido, Modesto Carvalhosa afirma que o penhor sobre a ação
não transfere, em princípio, ao credor pignoratício o direito de voto, nem o de
receber dividendos e demais vantagens patrimoniais ou pessoais decorrentes da
qualidade de sócio, presumindo-se que tais prerrogativas serão exercidas pelo
devedor, titular da ação empenhada. No entanto, o exercício de um ou mais direitos
pode ser convencionalmente transferido ao credor pignoratício (artigo 113).
148
Efetivamente o artigo 113 da Lei 6.404, de 1976, estabelece que o penhor
da ação não impede o acionista de exercer o direito de voto, sendo lícito, todavia,
estabelecer, no contrato, que o acionista não poderá, sem consentimento do credor
pignoratício, votar em certas deliberações. Ressalta-se que, em se tratando do
direito de voto, o seu exercício se dará necessariamente pelo devedor pignoratício,
acionista da companhia, não podendo o seu exercício ser transferido ao credor
pignoratício. Isso porque o direito de voto é de natureza pessoal, não patrimonial,
que só poderá ser exercido por quem seja acionista da companhia. Todavia, em se
tratando de direitos de natureza patrimonial, poderá o acionista, no exercício de suas
prerrogativas de proprietário da ação gravada com o ônus real, transferir ao credor
pignoratício certos direitos dela decorrentes, tais como, o direito aos dividendos por
deliberar. Para tanto, as respectivas cláusulas de transferência de direitos deverão
constar da averbação no livro próprio, ou dos lançamentos junto à instituição
financeira custodiante. Neste sentido, conforme Barros Leães (1969, p. 334):
ao contrário do direito a voto, que, por ser um direito não patrimonial,
só ao acionista cumpre exercer, nada impede que o acionista atribua o
exercício do direito ao dividendo ao credor pignoratício, podendo
inclusive transmitir ao caucionário a totalidade ou parte dos dividendos
produzidos pelas ações durante a vigência da operação.
Cumpre ressaltar ainda que, sendo convencionado a transferência de
certos direitos de natureza patrimonial ao credor pignoratício, esse deverá empregar
toda a diligência na preservação de tais direitos, devolvendo ao devedor, uma vez
paga a dívida, todos os frutos daí decorrentes, notadamente os dividendos e
bonificações recebidos (Carvalhosa 2002, v. 1, p. 371).
Portanto, a titularidade do direito aos dividendos de ações empenhadas
ou caucionadas é, em regra do acionista da companhia, o devedor pignoratício. No
entanto, se assim estabelecido no instrumento de penhor, certos direitos poderão ser
149
transferidos ao credor pignoratício que deverá, uma vez extinto o penhor pelo
pagamento da dívida, devolver ao devedor todos os frutos deles decorrentes, tais
como eventuais dividendos distribuídos pela companhia.
Uma vez extinto o penhor pelo pagamento da dívida, o credor deverá
assinar termo declaratório da quitação que deverá ser averbado no livro de registro
de ações nominativas arquivado na sede social, ou sendo as ações escriturais, nos
livros da instituição financeira responsável pela custódia das ações emitidas pela
companhia.
3.2.2.2 Usufruto e fideicomisso de ações
O usufruto é o direito real temporário de desfrutar um bem alheio como se
fora próprio, sem alterar, contudo, sua substância. Esse direito é exercido na coisa
alheia, de modo que o titular, chamado de usufrutuário, não tem sua propriedade
que pertence a outra pessoa, o chamado nu-proprietário (GOMES, 2000, p. 295). No
usufruto, as prerrogativas de uso e gozo da coisa, decorrentes do direito de
propriedade, são transferidos ao usufrutuário, remanescendo ao nu-proprietário a
prerrogativa de dispor da coisa.
O acionista poderá constituir usufruto38 sobre as ações nominativas de
que é proprietário, mediante a averbação do respectivo instrumento no livro de
registro de ações nominativas da companhia. Por sua vez, sendo as ações
escriturais, deverá proceder à averbação do usufruto nos livros da instituição
financeira responsável pela custódia das ações, que o anotará no extrato da conta
38
O aumento do capital social mediante capitalização de lucros ou de reservas importará alteração do
valor nominal das ações ou distribuição de novas ações, correspondentes ao aumento, entre os
acionistas, na proporção do número de ações que possuírem, hipótese em que, salvo cláusula em
contrário, o usufruto constituído sobre determinadas ações se estenderá às novas ações que delas se
derivarem (artigo 169, §2º da Lei 6.404/76).
150
de depósito fornecido ao acionista. Portanto, conforme Modesto Carvalhosa (2002,
v. 1, p. 374), para a eficácia do usufruto perante a companhia e terceiros não basta a
celebração entre as partes do instrumento para a constituição de direitos e gravames
sobre as ações, sendo também indispensável a sua averbação nos livros próprios de
registro da companhia emissora ou da instituição financeira contratada para tais
serviços. Se não for efetuada a competente averbação, conclui o citado jurista,
“consideram-se as ações livres e desembaraçadas”.
Neste sentido, segundo Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.134) “a
averbação nos livros da sociedade emissora (para ações nominativas) ou nos
assentamentos da instituição depositária (para as escriturais) não é requisito de
existência do ato, mas de sua eficácia perante a sociedade anônima emissora”.
Deste modo, se é instituído usufruto sobre ações de uma determinada companhia,
mas o ato não é averbado nos termos do artigo 40 da Lei 6.404/76, a sociedade não
pagará os dividendos diretamente ao usufrutuário, mas sim ao acionista, nuproprietário. Este, entretanto, ressalva Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 135), tem o
dever de repassar os dividendos recebidos ao beneficiário do usufruto,
independentemente da averbação, “porque a formalidade não é elemento
constitutivo do ônus ou requisito de sua validade; é, unicamente, condição de
eficácia em relação à companhia”.
Em relação ao direito ao dividendo, objeto de estudo desta dissertação de
mestrado, entende-se que, estando as ações gravadas com usufruto, a titularidade
do direito aos dividendos passa a ser do usufrutuário. Neste sentido, para Barros
Leães (1969, p. 330), “no usufruto de ações cabe ao usufrutuário a titularidade do
dividendo, em razão de ser este o fruto da coisa usufruída”. Para tanto, estabelece
expressamente o artigo 205 da Lei 6.404/76 que a companhia pagará o dividendo de
151
ações nominativas à pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver
inscrita como proprietária ou usufrutuária da ação.
Note-se ainda que, conforme Silvio de Salvo Venosa (2006, v. 5, p. 476),
“a nua-propriedade não fica fora do comércio”. Pode ser alienada, gravada, sem que
com isso se altere o direito do usufrutuário. Assim, ainda que se alienem as ações
gravadas, o direito ao dividendo continuará com o usufrutuário, estando os
sucessivos adquirentes da nua-propriedade obrigados a permitir o gozo da coisa por
parte do titular do usufruto.
Outro ônus que poderá gravar as ações emitidas pela companhia é o
fideicomisso que resulta, conforme Orlando Gomes (2000, p. 295), de uma
disposição pela qual alguém, o chamado fideicomitente, institui herdeiros ou
legatários, impondo a um deles, o fiduciário, a obrigação de, sob termo ou condição,
transmitir ao outro, chamado de fideicomissário, a herança ou o legado. Portanto, no
fideicomisso existe disposição testamentária complexa, por meio da qual o testado
institui alguém, o fiduciário, por certo tempo ou sob certa condição, seu herdeiro ou
legatário, o qual recebe bens em propriedade resolúvel, para que, com o implemento
da condição ou advento do termo, os transfira ao outro nomeado sucessivo, o
fideicomissário. Tanto o fiduciário como o fideicomissário recebem os bens
diretamente do fideicomitente, que poderá ser, conforme Silvio de Salvo Venosa
(2006, v. 5, p. 464), “o testador, se especificamente decorrente de ato de última
vontade; o doador, se por ato entre vivos; ou ainda o alienante de forma geral”.
Note-se que no fideicomisso de ações, tal como no usufruto, a averbação
do respectivo instrumento nos livros da sociedade emissora, em se tratando de
ações nominativas, ou nos assentamentos da instituição depositária, sendo as ações
escriturais, é requisito para a eficácia do ato perante a sociedade anônima emissora.
152
Ao contrário do usufruto, no fideicomisso, fiduciário e fideicomissário
recebem a propriedade das ações do fideicomitente de forma integral, porém
sucessiva, ou seja, o fiduciário recebe a propriedade das ações e até o implemento
da condição ou advento do termo, poderá exercer todas as prerrogativas
decorrentes do direito de propriedade (uso, gozo e disposição); verificada a
condição, a propriedade, com todos os direitos que a compõem, é transferida ao
fideicomissário. Durante o fideicomisso, o direito de preferência para subscrição de
ações39 poderá ser exercido pelo fiduciário, que, em assim procedendo, pagará o
preço de emissão e receberá ações que se integrarão, livres de quaisquer ônus, ao
seu patrimônio. No entanto, não exercido o direito de preferência em até 10 dias
antes do término do prazo, poderá o fideicomissário subscrevê-las para si, nos
termos do artigo 171, §5º da Lei 6.404/76.
Em relação ao exercício do direito aos dividendos, a titularidade será do
fiduciário, enquanto não verificada a condição que põe termo final ao seu direito
sobre as ações, ocasião em que a propriedade passará ao fideicomitente, que se
tornará o novo proprietário das ações e, conseqüentemente, do direito aos
dividendos que vierem a ser auferidos pela companhia. Neste sentido, para José
Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 256):
enquanto não ocorrida a substituição, o fiduciário exercerá o voto,
receberá dividendos, que serão seus definitivamente, e auferirá
bonificações, que se integrarão no lote de ações para futura
transferência ao fideicomissário.
39
Assim como no usufruto, o fideicomisso constituído sobre determinadas ações se estenderá às
novas ações que delas se derivarem, salvo cláusula contratual em contrário, na hipótese de ser
deliberado o aumento do capital social mediante capitalização de lucros ou de reservas com a
distribuição de novas ações entre os acionistas, na proporção do número de ações que possuírem
(artigo 169, §2º da Lei 6.404/76).
153
3.2.2.3 Alienação fiduciária em garantia e outros ônus e gravames
A alienação fiduciária em garantia é o negócio em que o devedor,
chamado de fiduciante, aliena em garantia determinado bem de sua propriedade ao
fiduciário, que se obriga a lhe restituir a coisa quando verificada a condição
estabelecida no contrato. O devedor fiduciário permanece na posse do bem,
mantendo-se no exercício dos direitos que dela decorrem.
Neste sentido, o artigo 113 da Lei 6.404/76 estabelece que o direito de
voto não é transferido ao credor fiduciante, podendo ser exercido tão somente pelo
devedor fiduciário, nos termos do contrato. Para José Edwaldo Tavares Borba (2004,
257), o mesmo se dá em relação aos demais direitos, como a percepção aos
dividendos e a preferência para a subscrição que, por força da posse direta das
ações, também permanecem com o devedor fiduciário.
Em relação ao direito aos dividendos, Modesto Carvalhosa (2002, v. 1,
p.377) também entende que, na alienação fiduciária em garantia, salvo convenção
em contrário, receberá o dividendo o devedor fiduciário. Do mesmo entendimento
compartilham Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 1,
p.249), “para quem ao acionista devedor cabe o direito ao dividendo, não se
despojando de seu status socii em virtude de alienação”.
Registra-se que para a eficácia perante a companhia e terceiros da
alienação fiduciária em garantia, bem como quaisquer outras cláusulas ou ônus que
gravem a ação, é indispensável a averbação dos respectivos instrumentos nos livros
da sociedade emissora, em se tratando de ações nominativas, ou nos
assentamentos da instituição depositária, sendo as ações escriturais.
154
3.3 Modalidades de dividendos
Após o estudo realizado sobre a natureza jurídica do direito ao dividendo
(item 1 supra), bem como sobre a sua titularidade (item 2 supra), é relevante para a
adequada compreensão do tema dessa dissertação de mestrado, a análise das
modalidades de dividendos previstas pela Lei 6.404, de 1976, a saber: a) os
dividendos obrigatórios (artigo 202 da Lei 6.404/76); e b) os dividendos
preferenciais, também chamados de prioritários, cumulativos ou não (artigo 17 e 203
da Lei 6.404/76). Trata-se de verdadeiras prerrogativas individuais asseguradas pela
lei aos acionistas que representam valorosos instrumentos na estabilização das
relações de poder internas à companhia (Capítulo 2, item 2.1.1).
3.3.1 Dividendos Obrigatórios
O Decreto Lei 2.627, de 1940, não previa a distribuição de dividendos
obrigatórios aos acionistas das companhias. Estabelecia tão somente em seu artigo
131 que “se os estatutos não fixarem o dividendo que deve ser distribuído pelos
acionistas ou a maneira de se distribuírem os lucros líquidos, a Assembléia Geral,
por proposta da Diretoria e ouvido o Conselho Fiscal, determinará o respectivo
montante”. A ocorrência de lucros, de per si, embora criasse a expectativa do
dividendo, não era suficiente para determinar, na vigência do revogado Decreto Lei,
sua necessária distribuição. Isso porque, sendo omisso o estatuto social, a atribuição
de deliberar sobre a partilha ou não dos lucros do exercício era de competência
exclusiva da Assembléia Geral, não havendo nenhum dispositivo legal que a
obrigasse a distribuir qualquer dividendo aos acionistas da companhia.
155
Observa-se, entretanto, que a interpretação do mencionado artigo 131
devia ser realizada de forma sistemática com o disposto no artigo 78 do Decreto Lei
2.627/40, que consagrava como essencial o direito dos acionistas em participar dos
lucros sociais, sendo vedado aos estatutos sociais e às assembléias gerais privá-los
do direito de participar dos lucros sociais e, conseqüentemente, dos dividendos por
deliberar. Assim, mesmo na omissão do estatuto social, a assembléia geral não
podia negar-se a distribuir dividendos aos acionistas, uma vez verificados os lucros
líquidos do exercício social auferidos pela companhia. Trajano de Miranda Valverde
(1953, v. 2, p. 379), ao comentar o revogado artigo 131 do referido Decreto Lei,
afirma que “no silêncio dos estatutos, vige a regra de que todos os lucros do
exercício, anualmente apurados, devem ser divididos pelos acionistas”.
Embora Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 786) entenda ser ortodoxo o
mencionado posicionamento de Miranda Valverde, fruto da escola liberal presente
num período em que ainda não havia surgido a demanda insaciável de capitais
decorrente da economia de escala, afirma ter prevalecido em nosso ordenamento
jurídico, durante a vigência do Decreto Lei 2.627/40, o costume de que, havendo
lucro, deveria a companhia distribuí-lo aos acionistas da companhia, observado o
quantum fixado pela Assembléia Geral, quando omisso o estatuto social.
Contudo, observa-se que, durante a vigência do Decreto 2.627/40, não
havia qualquer limite à discricionariedade dos acionistas majoritários quanto à
fixação do quantum a ser distribuído a título de dividendos aos acionistas da
companhia. Dessa forma, os acionistas minoritários encontravam-se completamente
submetidos à vontade discricionária dos acionistas majoritários, no tocante à parcela
dos lucros passível de distribuição como dividendo. Para remediar essa situação,
tornando praticamente automática a distribuição de pelo menos parte do lucro, a Lei
156
6.404/76 introduziu o regime dos dividendos obrigatórios em nosso ordenamento
jurídico, deixando de ser atribuição da assembléia geral a fixação do quantum a ser
distribuído aos acionistas.
No entanto, a fixação da obrigatoriedade de pagamento de um dividendo
mínimo aos acionistas foi objeto de amplos debates ao longo da aprovação do
projeto que resultou na Lei 6.404, de 1976. Esclarece André Martins de Andrade
(1982, p. 63), ao analisar os debates que precederam à promulgação da atual lei
societária, que, inicialmente, o anteprojeto de reforma da lei das sociedades
anônimas buscava no dividendo obrigatório um instrumento capaz de restaurar a
ação como título de renda variável, propiciando o desenvolvimento de um mercado
primário como fonte de recursos de risco para a capitalização da atividade privada.
Assim, tanto no primeiro, como no segundo texto do ante-projeto, o dividendo
obrigatório assegurava ao acionista o direito de receber, no mínimo, metade do lucro
líquido do exercício, deduzido da importância necessária à formação de reservas
para atender a obrigações contingentes. Todavia, inúmeras foram as críticas
realizadas acerca da nova sistemática legal, chegando muitos a identificar no
dividendo obrigatório uma tutela propiciadora de uma ditadura da minoria, com
negativas repercussões bolsísticas. Para Waldirio Bulgarelli (1978, v. 4, p. 63), “o
que realmente despertou alarme e desconfianças, provocando críticas, foi a
obrigatoriedade contida no texto dos anteprojetos iniciais, de distribuição de metade
dos lucros”. Temia-se, segundo o citado professor, o enfraquecimento da empresa,
julgando-se excessiva a proteção dispensada ao acionista, sobretudo, minoritário.
Em conseqüência da oposição suscitada pela proposta do novo regime
legal de distribuição dos lucros, o terceiro texto do anteprojeto apresentou uma
solução intermediária, finalmente adotada pela Lei 6.404/76. A tentativa de buscar
157
uma posição intermediária entre os debates travados à época, pode ser observada
na exposição justificativa apresentada pelos os autores do anteprojeto da Lei nº
6.404, de 1976, para quem, se por um lado, a idéia da obrigatoriedade legal de
dividendo mínimo decorre da necessidade de restaurar a ação como título de renda
variável, através da qual o acionista participa dos lucros na companhia, não é, por
outro lado, possível generalizar preceitos e estendê-los a companhias com
estruturas diversas de capitalização, de nível de rentabilidade, e de estágio de
desenvolvimento. Por essa razão, justificam os autores do citado anteprojeto, o
projeto fugiu de posições radicais, procurando medida justa para o dividendo
obrigatório, protegendo o acionista até o limite em que, no seu próprio interesse, e
de toda a comunidade, seja compatível com a necessidade de preservar a
sobrevivência da empresa. O projeto deixa ao estatuto da companhia margem para
fixar a política de dividendos que melhor se ajuste às suas peculiaridades, desde
que o faça de modo preciso, pois sendo omisso o estatuto social sobre a matéria,
prevalecerá a regra legal supletiva da obrigatoriedade de distribuição de metade do
lucro líquido, com os ajustes previstos no artigo 203 da Lei 6.404/76.
Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 795), a Lei 6.404/76, ao
introduzir em nosso ordenamento jurídico a figura dos dividendos obrigatórios,
adotou o sistema dos mandatory dividends do direito norte-americano, com algumas
adaptações ao nosso modelo jurídico. De fato, os tribunais norte-americados têm,
desde o início do século passado, analisado casos relacionados ao pagamento de
dividendos aos acionistas e, a partir desses casos, vêm desenvolvendo os conceitos
de mandatory dividends e discretionary dividends40. De fato, um desses casos, já
40
Nos Estados Unidos, na maior parte dos casos, é da competência do Conselho de Administração
(board) a distribuição dos dividendos. Na prática, os acionistas recebem dividendos quando e como
declarado pelo board (discretionary dividends) ou, eventualmente, nos termos previstos no estatuto
158
comentado no início deste capítulo (item 3.1 supra), foi a demanda promovida pelos
irmãos Dodge contra a Ford Motor Company, julgada em 1919, pela Corte de
Michigan, nos Estados Unidos.
Entretanto, para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 330), os dividendos
obrigatórios introduzidos em nosso ordenamento jurídico pela Lei 6.404/76 e os
mandatory dividends do direito norte-americano são institutos jurídicos distintos. Isso
porque, enquanto no Brasil a competência para declarar os dividendos é da
assembléia geral ordinária (arts. 122, III e 132, II da LSA), cabendo aos órgãos da
administração apresentar apenas uma proposta, nos Estados Unidos, ao revés, o
assunto é da competência do board of directors, pois se considera a destinação do
lucro social um tema de natureza administrativa, servindo os mandatory dividends
como instrumento de coibição de abusos na gestão da companhia. Observa-se
assim que, ao contrário dos mandatory dividends, o objetivo dos dividendos
obrigatórios é tutelar os minoritários, impedindo que o controlador retenha, na
sociedade, a totalidade dos lucros sociais. Neste sentido, Rubens Requião (1977, v.
2, p. 208) ao tratar dos dividendos obrigatórios, também afirma não existir nenhum
precedente no direito comparado sobre esse instituto de caráter compulsório.
Deste modo, como instrumento estabilizador das relações de poder entre
acionistas controlador e minoritário, o dividendo obrigatório é assegurado a todos os
acionistas da companhia que têm direito de receber, em cada exercício, a parcela
dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância
determinada de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 202, incisos I, II e III
da Lei 6.404/76, ou seja, 50% (cinqüenta por cento) do lucro líquido do exercício que
poderá ser reduzido pelos seguintes valores: a) importância destinada à constituição
(mandatory dividends), sendo o board, em ambos os casos, órgão competente para declarar os
dividendos (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 793).
159
da reserva legal (art. 193) e reserva para contingências (art. 195); e b) lucros a
realizar transferidos para a respectiva reserva (art. 197); ou acrescido dos valores
decorrentes: a) da reversão dos lucros destinados à formação da reserva para
contingências (art. 195, §2º); e b) da realização dos lucros registrados na reserva de
lucros a realizar (art. 197, §2º).
O estatuto poderá estabelecer o dividendo obrigatório como porcentagem
do lucro ou do capital social, ou ainda fixar critérios para determiná-lo, desde que
sejam esses critérios regulados com precisão e não sujeitem os acionistas
minoritários ao arbítrio dos órgãos da administração (artigo 202, §1º da Lei
6.404/76). Ressalta-se que sendo o estatuto social claro, preciso e minucioso na
fixação do dividendo obrigatório prevalece o que a respeito dispuser, pouco
importando se o percentual atribuído for pequeno. Conforme Fran Martins (1978, v.
2, t. 2, p.733), a fixação do dividendo mínimo poderá ser realizada em percentual
sobre o lucro ou sobre o capital social, admitida a adoção de outro critério, desde
que seja estabelecido com precisão no estatuto, sem possibilidade de interferência
da administração ou da decisão assemblear na sua determinação. Conclui o citado
jurista que “não impõe a lei um critério específico na fixação do dividendo mínimo”.
Nota-se que a liberdade atribuída à companhia para fixar os critérios de
determinação do dividendo obrigatório no estatuto social, não retira a principal
função deste direito que é a de servir como instrumento para tutela dos interesses da
minoria acionária frente a eventuais abusos por parte do acionista controlador. Isso
porque, ao ingressar na companhia, aportando os recursos de que ela necessita
para sua capitalização, o acionista sabe de antemão o valor mínimo que lhe será
obrigatoriamente pago a título de dividendo, ou porque os critérios para sua
determinação estão estabelecidos no estatuto social, ou porque, sendo omisso o
160
estatuto, a lei obriga a companhia a pagar ao acionista metade do lucro líquido do
exercício ajustado de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 202, incisos I,
II e III da Lei 6.404/76, acima expostos. Portanto, os acionistas minoritários não
estão mais sujeitos à decisão arbitrária do acionista controlador a quem cabia, em
última análise, durante a vigência do Decreto Lei 2.627/40, fixar o quantum a ser
distribuído a título de dividendos na assembléia geral da companhia. Observa-se
que mesmo na hipótese do estatuto social ser omisso e assembléia geral deliberar
alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá
ser inferior a 25% do lucro líquido do exercício ajustado, conforme os critérios
estabelecidos no artigo 202, inciso I da Lei 6.404/76.
Neste sentido, para Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares
Guerreiro (1979, v. 2, p. 593), havendo previsão no estatuto social dos critérios para
a fixação dos dividendos obrigatórios, “os interessados na subscrição ou aquisição
de suas ações estarão prevenidos de antemão sobre a remuneração mínima devida
ao investimento acionário”. Ao subscrevem ou adquirem as ações de emissão da
companhia, deve-se presumir que esses acionistas concordaram com os níveis
remuneratórios fixados no estatuto social. Por sua vez, sendo o estatuto social
omisso, metade do lucro líquido ajustado do exercício deve ser distribuído aos
acionistas como dividendo obrigatório. Trata-se de providência tomada pela lei que
se destina, basicamente, à proteção das minorias, à medida que reduz
consideravelmente a discricionariedade e o verdadeiro arbítrio das maiorias
controladoras. A omissão do estatuto é, entretanto, sanável pela Assembléia Geral
que pode alterá-lo para introduzir normas sobre o dividendo obrigatório. Com essa
providência, fica a sociedade desobrigada de distribuir anualmente metade do lucro
161
líquido ajustado do exercício, mas, em tal hipótese, o dividendo obrigatório não
poderá ser inferior a 25% do lucro líquido ajustado.
Observa-se ainda que, caso o acionista ingresse na companhia cujo
estatuto social fixe os critérios para a determinação do dividendo obrigatório e,
posteriormente, a assembléia geral aprove a modificação do estatuto para a redução
do percentual fixado, é assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da
companhia, exercendo o seu direito de recesso, nos termos do artigo 137, caput, da
Lei 6.404/76 (Capítulo 2, item 2.2.4 supra). Neste sentido, para Fran Martins (1978,
v. 2, t. 2, p. 734), muito embora possa a assembléia geral reformar o estatuto social
(artigo 122 da Lei 6.404/76), a deliberação que resulte na alteração do dividendo
obrigatório exige quorum qualificado correspondente a metade das ações com
direito a voto (artigo 136, inciso IV da Lei 6.404/76), e sua aprovação dá ao acionista
dissidente o direito de retirada, com o reembolso do valor de suas ações (artigo 137
da Lei 6.404/76).
A assembléia geral pode, desde que não haja oposição de qualquer
acionista presente, deliberar a distribuição de dividendos inferior ao obrigatório, ou a
retenção de todo o lucro líquido, nas seguintes sociedades: a) companhias abertas
exclusivamente para a captação de recursos por debêntures não conversíveis em
ações (artigo 202, §3º, inciso I da Lei 6.404/76); ou b) companhias fechadas, exceto
nas controladas por companhias abertas que não se enquadrem na condição
prevista no inciso I (artigo 202, §3º, inciso II da Lei 6.404/76). Trata-se de exceção à
regra do dividendo obrigatório, uma vez que a assembléia geral poderá deliberar o
pagamento de dividendo em montante inferior ao obrigatório, ou mesmo a retenção
de todo o lucro do exercício. Para tanto, é necessário que não haja oposição de
qualquer acionista presente. Nota-se que a lei não exige o consentimento de todos
162
os acionistas da sociedade, mas apenas daqueles presentes à assembléia, sejam
eles detentores de ações com direito de voto ou não.
Essa faculdade é atribuída apenas às companhias abertas que abriram
seu capital exclusivamente para a captação de recursos por meio de emissão de
debêntures não conversíveis em ações; e às companhias fechadas, desde que não
controladas por companhias abertas cujas ações ou valores mobiliários conversíveis
em ações estejam negociados no mercado.
Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 799):
a competência da assembléia geral das companhias fechadas de
deliberar, por unanimidade e sem oposição, a não distribuição
parcial ou total do dividendo obrigatório não se inclui entre os seus
poderes discricionários.
Ao fazê-lo, a assembléia estará retirando um direito contratual do
acionista, razão pela qual a companhia não poderá legitimamente deliberar a não
distribuição parcial ou total dos dividendos obrigatórios sem que haja, para tanto,
motivo relevante. Na visão do citado jurista, esse motivo não poderá ser outro senão
a da situação financeira desfavorável da companhia que somente poderá ser
desconsiderado, na hipótese de todos os acionistas, com e sem direito a voto,
estarem presentes à assembléia e por unanimidade concordarem com a não
distribuição.
Nos termos do artigo 202, §4º da LSA, o dividendo não será obrigatório no
exercício social em que os órgãos da administração informarem à assembléia geral
ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da companhia. O Conselho
Fiscal, se em funcionamento, deverá dar parecer sobre essa informação e, na
companhia aberta, seus administradores encaminharão à Comissão de Valores
163
Mobiliários, dentro de 5 dias da realização da assembléia, exposição justificativa da
informação transmitida à assembléia.
Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 797) entende que tanto nas
companhias abertas como nas fechadas, a lei atribui competência aos órgãos da
administração para decidir pela não distribuição de dividendos obrigatórios,
simplesmente informando à assembléia geral da incompatibilidade da situação
financeira com tal distribuição. Se isso ocorrer, não tem a assembléia competência
para
deliberar
em
contrário.
Cabe-lhe
apenas
homologar
a
decisão
da
administração. Por outro lado, não se opondo os administradores à distribuição de
dividendos, cabe à assembléia geral tão somente declarar a distribuição dos
dividendos obrigatórios, aplicando o percentual estabelecido no próprio estatuto ou
supletivamente na lei. Do ato declaratório da assembléia a respeito do dividendo
obrigatório decorre direito constituído de crédito do acionista.
Ressalta-se, entretanto, não parecer ser este o posicionamento mais
adequado, pois, conforme já mencionado, a Lei 6.404/76 atribuiu competência à
assembléia geral de acionistas e, não aos órgãos de administração da companhia,
para declarar dividendos (LSA arts. 122, III e 132, II). Ademais, não ser obrigatório o
dividendo no exercício social em que os órgãos da administração informarem à
assembléia geral ser ele incompatível com a situação financeira da companhia, não
significa estar a assembléia proibida de declará-los. Assim, o artigo 202, §4º da Lei
6.404/76 cria apenas uma faculdade que poderá ou não ser exercida a critério da
assembléia geral de acionistas. Para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 330), “a
assembléia geral, mesmo diante da informação, pode entender em sentido contrário
e declarar os dividendos no percentual obrigatório”.
164
Neste mesmo sentido, Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares
Guerreiro (1979, v. 2, p. 598) afirmam que, conquanto o §4º do art. 202 declare que,
na espécie, apenas deva haver uma informação à Assembléia, esta tem a
inafastável prerrogativa de contrariar o ponto de vista da administração, decidindo
pela distribuição de dividendos. Realmente, nos termos do artigo 132, inciso II da Lei
6.404/76, a Assembléia Geral Ordinária é competente para deliberar sobre a
destinação do lucro líquido do exercício e, conseqüentemente, sobre a distribuição
de dividendos. Daí ter a Assembléia Geral poderes para alterar e não apenas para
homologar a decisão da administração da companhia, prevalecendo sua deliberação
sobre a do board.
Nota-se ainda que, em relação às companhias abertas, caberá à
Comissão de Valores Mobiliários examinar as razões do não-pagamento do
dividendo, podendo impor aos administradores as penalidades cabíveis (art. 11 da
Lei 6.385/76), faltando-lhe, entretanto, o poder de compelir a sociedade à
distribuição do dividendo obrigatório.
Nos termos do artigo 202, §5º da Lei 6.404/76, os lucros que deixarem de
ser distribuídos em razão da informação prestada pelos órgãos da administração à
assembléia geral de acionistas, nos termos do artigo 202, §4º da Lei 6.404/76, serão
registrados como reserva especial e, se não absorvidos por prejuízos em exercícios
subseqüentes, deverão ser pagos como dividendos assim que o permitir a situação
financeira da companhia.
165
Em consonância ao entendimento da Comissão de Valores Mobiliários41,
a Lei 10.303, de 31 de outubro de 2001, acrescentou o §6º ao artigo 202 da Lei
6.404/76, estabelecendo que deverá ser distribuído aos acionistas como dividendo,
o lucro não destinado à constituição das reservas previstas nos artigos 193 a 197 da
Lei 6.404/76. Esse novo dispositivo legal tem por objetivo impedir a reiterada prática
por parte das companhias de reter lucros injustificadamente, sob a conta usualmente
denominada “lucros acumulados”.
Os lucros acumulados consistem na sobra do lucro líquido do exercício
não distribuído aos acionistas, nem destinado à constituição de reservas de lucros.
No entendimento de Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 774):
essas sobras visam a regularizar a taxa dos dividendos dos anos a
seguir; em princípio, não se transformam em capital nem são
aplicáveis na consecução do objetivo social da empresa,
permanecendo como resultados não empregados.
Como se verifica, trata-se de norma que visa a reforçar o direito do
acionista de receber dividendos, uma vez que toda e qualquer retenção de lucros
terá de ser adequadamente justificada na assembléia geral ordinária. Em vista disso,
as companhias que não pretendam ver-se obrigadas a distribuir integralmente os
lucros auferidos ao longo do exercício, o que, em muitos casos, pode levar a sua
descapitalização, em detrimento dos próprios minoritários, terão de criar, em seus
estatutos, reservas de lucros, na forma prevista no artigo 194 da Lei 6.404/76, bem
41
A Comissão de Valores Mobiliários entendia que, dada a omissão da lei societária sobre a conta
“lucros acumulados”, a parcela do lucro do exercício que excedesse ao dividendo obrigatório e não
pudesse ser enquadrada em nenhuma das reservas de lucro previstas nos artigos 193 a 197 da Lei
6.404/76, fosse distribuída aos acionistas a título de dividendos. Entretanto, conforme observa
Modesto Carvalhosa, grande número de companhias distribuía aos acionistas apenas o dividendo
obrigatório, ainda que as reservas previstas na lei de 1976 e no estatuto social não absorvessem todo
o montante do lucro do exercício, retendo o excesso na referida conta “lucros acumulados” (2003, v.
3, p. 790).
166
como elaborar, com mais regularidade, orçamentos de capital que possibilitem a
retenção de lucros (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 790).
Excetua-se a regra desse dispositivo legal, os lucros não distribuídos em
razão de deliberação unânime dos acionistas presentes à assembléia geral, nos
termos do artigo 202, §3º da Lei 6.404/76. Nessa hipótese, os lucros líquidos não
distribuídos deverão ser capitalizados como “lucros acumulados”.
3.3.2 Dividendo preferencial
As ações preferenciais, como já analisado no item 3.2.1 supra, são
aquelas que atribuem aos seus titulares vantagens ou restrições, conforme
estabelecido no estatuto social, em relação aos direitos comuns conferidos aos
demais acionistas da companhia. Muito embora as ações preferenciais também
possam conferir vantagens de natureza política, como, por exemplo, o direito de
eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de
administração (artigo 18 da Lei 6.404/76), em regra, essa espécie de ação confere
ao seu titular vantagens de natureza patrimonial. Neste contexto, em que são
conferidas aos acionistas preferencialistas certas vantagens pecuniárias em relação
aos demais acionistas da companhia, se inserem os dividendos preferenciais,
também chamados de prioritários.
O dividendo preferencial é, portanto, o dispositivo estatutário que delimita
a vantagem atribuída particularmente a uma ou mais classes de ações preferenciais
no exercício do direito de participação nos lucros da sociedade (COELHO, 2002, v.
2, p. 331). O dividendo preferencial, ou prioritário, possui 03 (três) modalidades com
características próprias, a saber: a) o dividendo fixo, cumulativo ou não (itens 3.2.1 e
167
3.2.4); b) o dividendo mínimo, cumulativo ou não (itens 3.2.2 e 3.2.4); e c) o
dividendo diferencial (item 3.3.2.3).
A prioridade na distribuição de dividendo fixo ou mínimo, ou seja, a
vantagem dos dividendos preferenciais (ou prioritários), não pode ser confundida
com os dividendos obrigatórios. Conforme analisado no item 3.3.1 supra, o dividendo
obrigatório é um direito individual assegurado a todos os acionistas da companhia
que têm o direito de receber, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida
no estatuto ou, se este for omisso, metade do lucro líquido ajustado conforme
estabelecidos no artigo 202, incisos I, II e III da Lei 6.404/76, Trata-se, portanto, de
um valoroso instrumento estabilizador das relações de poder entre acionistas
controlador e minoritário. O dividendo preferencial, por sua vez, é um direito social,
também chamado de coletivo, que tem origem nos estatutos da companhia,
podendo ser modificado, mediante reforma estatutária realizada por deliberação
assemblear, submetendo-se, assim, ao princípio majoritário e, conseqüentemente, a
vontade dos acionistas controladores da companhia (Capítulo 2, item 2.1.3 supra).
Trata-se, como mencionado, de dispositivo estatutário que delimita uma das
inúmeras vantagens que poderão ser conferidas aos titulares de ações preferenciais
emitidas pela companhia, podendo, inclusive, não existir. Segundo Fábio Ulhoa
Coelho (2002, v. 2, p. 332),
se a cláusula estatutária delimitadora dos direitos conferidos pelas
ações preferenciais aos seus titulares refere-se à garantia de
“dividendos mínimos obrigatórios”, a única interpretação admissível é a
de que o estatuto, a rigor, não prevê nenhuma vantagem econômica
particular a essa espécie de ação.
A possibilidade do estatuto social não conferir nenhuma vantagem
patrimonial ao acionista titular de ações preferenciais é tema de grande relevância
no estudo da matéria. Isso porque, até 1997, os estatutos sociais das companhias,
168
em regra, não estabeleciam qualquer vantagem aos titulares dessa espécie de ação
ou, quando muito, fixavam uma simples prioridade no tempo de pagamento dos
dividendos, em decorrência de uma interpretação inadequada da expressão
“prioridade na distribuição de dividendos” contida na lei de 1976. Todavia, com a
reforma realizada pela Lei 9.457, de 1997, foram introduzidas no texto legal
importantes inovações, sobretudo, a figura do dividendo diferencial, através do qual,
sendo omisso o estatuto social quanto à vantagem conferida às ações preferenciais,
ou não sendo a vantagem prevista pelo estatuto a garantia de um dividendo
prioritário fixo ou mínimo, a companhia deveria pagar aos preferencialistas dividendo
superior àquele atribuído aos titulares de ações ordinárias em, no mínimo, 10% (dez
porcento).
Conforme Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 194):
a redação dada ao artigo 17 da Lei 9.457, de 1997, trouxe inovações
moralizadoras da distorcida prática fundada na ambígua redação
contida no diploma de 1976, quando falava em “prioridade na
distribuição de dividendos.
Essa redação, prossegue o citado jurista, “é que deu vazão à insidiosa
interpretação de que prioridade se referia ao tempo de pagamento e não ao valor do
dividendo, para, assim, suprimir o voto dos preferencialistas, sem lhes atribuir
qualquer vantagem econômica”.
Ocorre que, em 2001, a Lei 10.303 alterou novamente o regime de
vantagens e preferências conferidas aos titulares de ações preferenciais, mantendo
os dividendos diferenciais apenas como uma de três vantagens possíveis que
deverão ser atribuídas pelas companhias que pretendam ter as suas ações
preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, admitidas à negociação no
mercado de valores mobiliários. Para as demais ações preferenciais, cabe ao
169
estatuto social fixar suas vantagens ou preferências que, nos termos do artigo 17 da
Lei 6.404/76, podem consistir em: a) prioridade na distribuição de dividendos, fixo ou
mínimo; b) prioridade no reembolso do capital, com ou sem prêmio; ou c) prioridade
no reembolso do capital, cumulado com a prioridade no recebimento de dividendos.
Observa-se que a nova redação dada ao artigo 17 da Lei 6.404/76 não assegura
mais a esses acionistas preferencialistas o dividendo diferencial na hipótese do
estatuto social da companhia não lhes conferir nenhuma vantagem ou preferência.
Trata-se, portanto, de questão a ser resolvida pelas próprias forças do
mercado, pois, muito embora a lei não assegure mais ao acionista preferencialista o
direito de dividendos diferenciais, se determinada sociedade anônima busca atrair
investidores capazes de lhe propiciar o autofinanciamento de sua atividade, é
evidente que, negando a eles vantagens mínimas ofertadas por outras companhias
em condições similares, a sociedade anônima não conseguirá tornar a sua ação um
título suficientemente atrativo e, conseqüentemente, não será capaz de despertar o
interesse desses investidores. Neste sentido, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v.
2, p. 102), a vantagem estatutária do dividendo preferencial fixo, mínimo ou
diferencial é elemento de concorrência entre as empresas atrás do capital disponível
no mercado.
Ressalta-se, entretanto, ser diverso o entendimento de nossa doutrina,
sobretudo, quando a ação preferencial suprimir de seu titular o direito de voto.
Segundo Nelson Eizirik (1997, p. 41), para que o estatuto suprima legitimamente o
direito de voto do acionista preferencialista, deve declarar expressamente quais as
vantagens patrimoniais reais que lhes são em contrapartida outorgadas, uma vez
que a inexistência de vantagens patrimoniais efetivas colocaria o titular da ação
preferencial, particularmente de companhia fechada, em situação de total
170
dependência do acionista controlador: sem voto; sem vantagem patrimonial; e sem
possibilidade de alienar suas ações, pela inexistência de liquidez, provida pelo
mercado de capitais. Portanto, conclui Nelson Eizirik (1997, p. 43):
o estatuto social não pode privar as ações preferenciais do direito de
voto sem que lhe haja uma adequada compensação pecuniária que
as torne mais atrativas, quanto às vantagens patrimoniais, do que as
ações ordinárias, enquanto alternativa de investimento.
Compartilha do mesmo entendimento Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p.
217), segundo o qual “ao suprimir o direito de voto, único direito que lhes pode ser
negado, o estatuto deverá estabelecer uma vantagem patrimonial correlativa para os
titulares de ações preferenciais”. Assim, conclui o citado jurista, “a ausência do
direito de voto é compensada, necessariamente, por um benefício de ordem
econômica” (Carvalhosa, 2002, v. 1, p. 218).
Uma vez prevista a vantagem de dividendos prioritários aos acionistas
titulares de ações preferenciais, o disposto nos artigos 194 a 197, e 202, não poderá
prejudicar o direito dos preferencialistas de receber os dividendos fixos ou mínimos a
que tenham prioridade, inclusive os atrasados, se cumulativos (artigo 203 da Lei
6.404/76). Portanto, a companhia não poderá, enquanto não pagos os dividendos
prioritários fixados pelo estatuto social, destinar parcela dos lucros sociais para a
constituição ou aumento de reservas de lucro (itens 2.3.1.2, 2.3.1.3 e 2.3.1.5 supra),
exceto a reserva legal (item 1.4.8 supra), tampouco reter parcela do lucro líquido do
exercício, objetivando suprir recursos orçamentários de investimento previamente
aprovados pela assembléia geral (item 2.3.1.4). Observa-se, ainda, que enquanto
não pagos os preferencialistas, os titulares de ações ordinárias não poderão
participar da distribuição de qualquer quantia a título de dividendos.
171
O estatuto social poderá prever que as ações preferenciais com prioridade
na distribuição de dividendo cumulativo, fixo ou mínimo, possam recebê-lo à conta
das reservas de capital no exercício em que o lucro for insuficiente. No entanto, para
que haja essa distribuição excepcional, o estatuto social deverá conferir
expressamente a essas ações preferenciais o direito de receber dividendos à conta
das reservas de capital, bem como os lucros auferidos no exercício deverão ser
insuficientes para o pagamento desses dividendos. Se não forem observados esses
dois requisitos, a distribuição de dividendos por conta da reserva de capital à referida
classe de preferenciais será ilegal.
3.3.2.1 Dividendo preferencial fixo
O dividendo fixo é modalidade de dividendo preferencial que assegura ao
titular de ação preferencial uma remuneração certa e determinada. Para tanto, o
dividendo fixo não deve ser previsto em percentual incidente sobre o lucro líquido da
companhia, haja vista que este é aleatório, variável, circunstância incompatível com
o seu conceito.
Neste sentido, para Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 198), o dividendo
fixo deve ter como base um valor certo em reais por ação preferencial, ou um
determinado percentual sobre o valor nominal da ação preferencial, ou ainda, caso
as ações não tenham valor nominal, sobre o próprio capital social correspondente à
classe de ações preferenciais em questão. Do mesmo entendimento compartilha
José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 223), para quem:
o dividendo fixo, devidamente quantificado nos estatutos sociais,
constitui-se: a) de uma importância certa em reais por ação; b) de
um percentual sobre o valor nominal, patrimonial, ou de referência
da ação.
172
Vale ressaltar, entretanto, não ser esse entendimento unânime em nossa
doutrina. Para alguns juristas, o dividendo fixo poderia ser fixado com base em um
percentual sobre o lucro líquido do exercício, variando assim de ano para ano.
Assim, para Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 1, p.
194):
os estatutos devem prever o privilégio pecuniário, a título de
dividendo fixo, quer determinando um percentual sobre o valor
nominal das ações, sobre o lucro ou sobre o capital social, quer
prefixando uma importância determinada em moeda corrente.
Neste sentido, Fran Martins (1978, v. 2, t. 2, p. 738) também afirma que
“dividendo fixo é aquele estabelecido sob uma forma de percentagem sobre o valor
do lucro líquido, do capital social, ou em valor determinado em dinheiro”. Ora, como
já mencionado, não nos parece ser o mais adequado fixar o percentual sobre o qual
serão calculados os dividendos fixos em evento futuro e aleatório, como a apuração
dos lucros sociais. Isso porque os dividendos fixos se assemelham a um juro préfixado que é assegurado aos acionistas sobre o capital por eles investido
(CARVALHOSA; EIZIRIK, 2002, p. 88).
A companhia não poderá atribuir qualquer dividendo aos acionistas
ordinarialistas enquanto não atender, por completo, o direito dos titulares de ações
preferenciais que gozem dessa vantagem. Afirma Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.
334) que “a companhia não pode atribuir nem um centavo aos acionistas com ação
ordinária enquanto não atender, por completo, o direito dos titulares de ações
preferenciais”.
Os dividendos fixos, ao contrário dos dividendos mínimos (item 3.3.2.2
infra), não participam dos lucros remanescentes, ou seja, se o lucro líquido do
173
exercício bastar para o pagamento dos preferencialistas e ordinarialistas e ainda
remanescer lucro a ser partilhado, os titulares de ações preferências que
apresentem a vantagem do dividendo fixo não participaram desse rateio, sendo
esses lucros remanescentes distribuídos aos demais acionistas (artigo 17, §3º da Lei
6.404/76). Isto quer dizer que, segundo Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 198):
uma vez calculados os dividendos fixos atribuídos às ações preferenciais de
uma determinada classe, o saldo remanescente dos lucros será integralmente
distribuído às ações preferenciais de outras classes eventualmente existentes
e às ações ordinárias.
Observa-se ainda que o estatuto social da companhia poderá excluir ou
restringir o direito dos titulares de ações preferenciais com dividendo fixo de
participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou
lucros (artigo 17, §5º da Lei 6.404/76). Portanto, esses acionistas estarão sujeitos a
uma diluição legalmente permitida de suas participações, se assim estiver
expressamente previsto no estatuto social.
3.3.2.2 Dividendo preferencial mínimo
O dividendo mínimo, tal como o dividendo fixo, é modalidade de dividendo
preferencial que tem o direito de receber prioritariamente uma parcela do lucro
líquido da companhia, conforme determinado no estatuto social. Diferenciam-se,
entretanto, as duas espécies pois, enquanto os dividendos mínimos jamais poderão
ser inferiores aos dividendos atribuídos às ações ordinárias, os dividendos fixos,
como já apresentado, poderão não participar dos lucros remanescentes, limitando-se
ao valor ou percentual fixado no estatuto. Uma vez pagos aos acionistas titulares de
ações preferenciais e ordinárias os dividendos a eles devidos, a sociedade poderá,
174
com o objetivo de fortalecer a sua ação como alternativa de investimento, ampliar a
participação dos acionistas em seus lucros para além dos dividendos obrigatórios,
distribuindo dividendos superiores, desde que iguais para cada ação (COELHO,
2002, v. 2, p. 336).
Neste sentido, conforme lições de Modesto Carvalhosa (2002, v. 1,
p.198), as ações preferenciais com dividendo mínimo, tal como as ações
preferenciais com dividendo fixo, têm o direito de receber prioritariamente uma
parcela do lucro, conforme determinado no estatuto social. Portanto, ambas têm a
garantia de que somente depois de lhes serem assegurados os dividendos
prioritários, mínimos ou fixos, é que eventual saldo remanescente será destinado ao
pagamento dos dividendos das ações ordinárias. Todavia, dividendos mínimos e
fixos não se confundem, pois sendo pagos os acionistas ordinarialistas e, ainda
havendo saldo de lucro a distribuir, somente aqueles acionistas preferencialistas que
tiverem como vantagem o recebimento de dividendos mínimos poderão participar do
rateio do saldo com os acionistas titulares de ações ordinárias. É o que estabelece o
artigo 17, §4º da Lei 6.404/76.
Conforme estabelecido no estatuto social, o dividendo mínimo poderá, tal
como o dividendo fixo, consistir em uma importância certa em reais por ação, ou em
um percentual sobre o valor nominal da ação ou, inexistindo valor nominal, em um
percentual sobre a parcela do capital que correspondente às ações preferenciais em
questão. Todavia, por não se assemelharem a um juro pré-fixado, tal como ocorre
com os dividendos fixos (item 3.3.2.1 supra), os dividendos mínimos poderão atribuir
ao titular da ação preferencial uma remuneração mínima fixada com base em um
percentual calculado sobre os lucros sociais.
175
3.3.2.3 Dividendo preferencial diferencial
Como já estudado (item 3.3.1 supra), o dividendo diferencial, modalidade
de dividendo prioritário introduzido em nosso ordenamento jurídico com a reforma
realizada pela Lei 9.457/97, passou a assegurar uma vantagem efetiva aos titulares
de ações preferenciais sem direito de voto ou com direito de voto restrito. Essa
vantagem consistia em atribuir um dividendo diferencial de, no mínimo, dez por
cento superior àquele atribuído às ações ordinárias, sempre que omisso o estatuto
social quanto à vantagem conferida às ações preferenciais, ou sempre que a
vantagem prevista pelo estatuto não fosse a garantia de um dividendo prioritário fixo
ou mínimo.
Ocorre que, com a nova reforma realizada pela Lei 10.303, de 2001,
alterou-se novamente o regime de vantagens e preferências conferidas aos titulares
de ações preferenciais, mantendo os dividendos diferenciais apenas como uma de
três vantagens possíveis que deverão ser atribuídas pelas companhias que
pretendam ter as suas ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito,
admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários (item 3.3.2.5 infra).
3.3.2.4 Dividendo cumulativo e não cumulativo
Os dividendos preferenciais poderão ser cumulativos ou não. No primeiro
caso, para Fabio Ulhoa Coelho, a cumulatividade assegura ao acionista titular de
ações preferenciais o recebimento, em exercício, ou exercícios futuros, do valor
176
eventualmente não pago pela companhia, por não dispor de meios (resultados ou
eventualmente, reserva de capital) para honrar o compromisso dos dividendos
prioritários. A não cumulatividade, por sua vez, é o inverso: se a companhia não
paga o dividendo preferencial em determinado exercício, o preferencialista não terá
direito ao seu recebimento nos próximos (2002, v. 2, p. 336).
A cumulatividade tem que ser expressamente prevista no estatuto, pois,
na sua omissão, vigorará a regra da não cumulatividade, ou seja, se a companhia
em um determinado exercício, não pagar os dividendos preferenciais aos acionistas
titulares dessa vantagem, esses não terão direito de recebê-los nos próximos
exercícios.
Nos termos do artigo 111, §1º da LSA, os titulares de ações preferenciais
sem direito a voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo
previsto no estatuto, não superior a 03 (três) exercícios consecutivos, deixar de
pagar dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o
pagamento, inclusive dos atrasados, se forem cumulativos.
O estatuto social da companhia deve, portanto, estabelecer o prazo em
que os titulares de ações preferenciais sem direito de voto, ou com direito de voto
restrito, adquirirão esse direito por ausência no pagamento de dividendos. Sendo o
estatuto omisso, o acionista adquire o direito de voto de imediato, ou seja, a partir do
primeiro exercício social em que não lhe for pago os dividendos devidos. Neste
sentido, para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 414):
o prazo de três anos aventado no diploma legal é o máximo que o
estatuto poderá estabelecer para a aquisição do direito. Se não o
fizer nesse prazo ou em menor, entende-se que se adquire o direito
de voto a partir do seu fato gerador, no próprio exercício em que se
verificou.
177
Observa-se que o exercício do direito de voto por ausência no pagamento
de dividendos preferenciais, fixos ou mínimos, será temporário, pois uma vez
realizado o pagamento dos dividendos devidos, cessará o direito de voto conferido
aos respectivos acionistas. No entanto, para a adequada compreensão desta
questão passa a ser indispensável a verificação da cumulatividade ou não dos
dividendos preferenciais. Isso porque, sendo os dividendos cumulativos em razão de
expressa previsão estatutária, o direito de voto apenas cessará após o integral
pagamento das importâncias em atraso. Por sua vez, sendo os dividendos
preferenciais, fixos ou mínimos, não cumulativos, o direito de voto cessará com o
pagamento da importância devida no respectivo exercício.
Como bem observa Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.103), se a
preferência conferida ao acionista não é o direito a dividendo mínimo ou fixo, mas
alguma outra vantagem, como, por exemplo, prioridade na amortização ou
reembolso de ações, tratamento privilegiado na partilha, dentre outras, não existe na
lei nenhuma previsão expressa de aquisição de direito de voto.
3.3.2.5 Dividendo preferencial no Mercado de Valores Mobiliários
A Lei 10.303, de 31 de outubro de 2001, deu nova redação ao §1º do
artigo 17 da Lei 6.404/76, criando um tratamento diferenciado para as ações
preferenciais sem direito a voto, ou com restrição ao exercício deste direito,
admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários. Trata-se da
obrigatoriedade de serem conferidas a elas certas preferências ou vantagens
mínimas estabelecidas pelo estatuto social da companhia emissora, a fim de que
possam ser admitidas à negociação no mercado de capitais.
178
Para tanto, nos termos do artigo 17, §1º da Lei 6.404/76, essas ações
preferenciais deverão conferir aos seus titulares, independentemente do direito de
receber ou não o valor de reembolso do capital com ou sem prêmio, pelo menos
uma das seguintes preferências ou vantagens: a) garantia de distribuição de
dividendos obrigatórios de, no mínimo, 25% do lucro líquido ajustado, sendo
assegurado ao seu titular um dividendo mínimo correspondente a 3% do patrimônio
líquido da ação; b) dividendo diferencial de, pelo menos, 10% acima do pago às
ações ordinárias; ou c) direito à saída conjunta, nos termos do artigo 254-A da Lei
6.404/76, acrescido do direito a dividendo, pelo menos, igual ao das ordinárias.
Ressalte-se que tais exigências são apenas para a negociação de ações
preferenciais que não confiram ao seu titular o direito de voto, ou atribuam alguma
restrição ao exercício deste direito. Conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.
340), se a ação preferencial emitida pela sociedade anônima de capital aberto
confere o direito de voto ao seu titular, nenhuma restrição será exigida para a sua
admissão à negociação no mercado de valores mobiliários.
Observa-se que as exigências de vantagens mínimas previstas no citado
artigo 17, §1º da Lei 6.404/76, se aplicam apenas às companhias que desejam ter as
suas ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, admitidas à
negociação no mercado de valores mobiliários, não abrangendo assim toda e
qualquer espécie de companhia aberta. Conforme observa Modesto Carvalhosa
(2002, v. 1, p. 200):
no caso de companhia que seja aberta apenas em razão de
emissão pública de debêntures, por exemplo (novo §3º do art. 4º)
não será obrigatória a observância de privilégios mínimos para as
ações preferenciais sem voto estabelecidos pelo § 1º do novo art.
17, já que estas não são negociadas no MVM.
179
Por sua vez, caso a companhia que deseje ter as suas ações
preferenciais sem direito de voto, ou com voto restrito, admitidas à negociação no
mercado de valores mobiliários, deverá estabelecer em seu estatuto social uma das
vantagens previstas no citado artigo 17, §1º da Lei 6.404/76. Note-se que as
companhias também poderão atribuir outras vantagens adicionais a essas ações
preferenciais sem direito de voto, ou com voto restrito, desde que especificadas com
precisão e minúcia pelo estatuto social, tornando assim as ações de sua emissão
mais atrativas junto aos investidores que buscam, no mercado de valores
mobiliários, opções para aplicar seus recursos financeiros.
3.3.3 Dividendos intermediários e intercalares
Os dividendos intermediários são aqueles pagos pela companhia ao longo
do exercício social por conta de lucros acumulados ou reservas de lucros apurados
em exercícios anteriores, constantes do último balanço anual ou semestral já
aprovado pela assembléia geral. Os dividendos intermediários só poderão ser
distribuídos se houver expressa previsão estatutária que autorize os órgãos de
administração da companhia a declará-los (artigo 204, §2º da Lei 6.404/76).
Os dividendos intercalares, por sua vez, são aqueles pagos pela
companhia com base em balanços levantados ao longo do exercício social sem que
tenha
ocorrido
ainda
a
aprovação
das
demonstrações
financeiras
e,
conseqüentemente, do respectivo balanço pela assembléia geral. Portanto, a
distribuição de dividendos intercalares será lícita se resultar de lucros apurados em
balanço do exercício, regularmente levantado, independentemente da aprovação
das respectivas demonstrações financeiras pelos acionistas em assembléia geral.
180
Observa-se ainda que os dividendos intercalares, tal como os dividendos
intermediários, só poderão ser distribuídos se houver expressa previsão estatutária
que autorize os órgãos de administração da companhia a declará-los.
Neste sentido, afirma Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 810) que tanto
para os dividendos intercalares como para os intermediários, deve haver previsão
estatutária, sendo a distribuição de competência dos órgãos de administração da
companhia. Todavia, observa o citado jurista, para a distribuição dos dividendos
intercalares, não será necessária a previa aprovação do respectivo balanço pela
assembléia geral, enquanto que para a distribuição dos dividendos intermediários,
essa aprovação prévia é exigida.
A distribuição de dividendos pressupõe, portanto, a existência de lucro
líquido e realizado pela companhia, apurado em balanço anual, semestral, ou ainda
em períodos inferiores, desde que fixados em lei, ou no estatuto social da
companhia. A companhia que, por força de lei ou de disposição estatutária, levantar
balanço semestral
42
, poderá declarar, por deliberação dos órgãos de administração,
se autorizados pelo estatuto, dividendo à conta do lucro apurado nesse balanço,
conforme previsto no artigo 204, caput da Lei 6.404/76. A companhia poderá ainda,
se previsto no estatuto social, levantar balanço e distribuir dividendos em períodos
menores, desde que o total dos dividendos pagos a cada semestre do exercício
social não exceda o montante das reservas de capital de que trata o artigo 182, § 1º
da Lei 6.404/76
42
Muito embora a Lei 6.404/76 adote o regime da anualidade das demonstrações financeiras (artigo
176), existem leis especiais que estabelecem outros prazos para que determinadas companhias
levantem seus balanços patrimoniais. É o caso das instituições financeiras que deverão,
obrigatoriamente, levantar balanços gerais ao término de cada semestre (artigo 31 da Lei 4.595/64).
181
3.3.3.1 Dividendos versus juros sobre o capital
A sociedade anônima poderá, para efeitos da apuração do lucro real,
deduzir os juros pagos ou creditados aos acionistas a título de remuneração sobre o
capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à
variação, pro rata dia, da TJLP - Taxa de Juros a Longo Prazo (artigo 9º da Lei
9.249/95). Nota-se que o efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à
existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros
acumulados e reservas de lucros, em montante igual a, pelo menos, o dobro dos
juros a serem pagos ou creditados. Ademais, o seu recebimento pelo acionista está
sujeito à incidência do imposto sobre a renda na fonte, pela alíquota de 15%.
A questão de maior relevância sobre os juros pagos aos acionistas a título
de remuneração sobre o capital próprio encontra-se, considerando o escopo desta
dissertação de mestrado, na natureza jurídica do instituto que, para alguns juristas,
como Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 215), deve ser considerado uma espécie
de dividendo; já para outros, como Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 342), não tem
a natureza de dividendo.
Para Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 217), “os juros calculados sobre
o capital próprio pagos ou creditados ao acionista constituem inequivocadamente
distribuição de resultado, integrando o valor total pago como dividendos”. Trata-se,
segundo o citado jurista, de uma modalidade de dividendos com duas funções
principais: a) beneficiar as companhias com uma parcela de dividendos dedutível do
Imposto de Renda, no limite anula da Taxa de Juros de Longo Prazo; e b)
compensar a extinção da correção monetária do patrimônio líquido, instituída pela
própria Lei 9.249, de 1995.
182
Diverso é o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 342),
para quem os juros sobre capital próprio não podem ser considerados como espécie
de dividendos. Para o citado jurista, “enquanto aqueles remuneram os acionistas
pela indisponibilidade do dinheiro investido na companhia, esses últimos remuneram
os acionistas pelo sucesso da empresa explorada”.
Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 341) fundamenta a sua posição em
duas razões que evidenciam claramente a diferença existente entre a natureza dos
dividendos e dos juros sobre capital próprio. A primeira razão está relacionada ao
fato de existir previsão na Lei 9.249/95 (artigo 9º, §7º) que autoriza a imputação dos
juros sobre capital próprio aos dividendos obrigatórios, demonstrando assim que o
legislador atribui natureza diversa a esses institutos. Isso porque, esclarece o citado
jurista, “se os juros sobre o capital fossem espécie de dividendos, não haveria
necessidade do dispositivo em questão; eles já estariam, por definição, incluídos
entre os obrigatórios”. A segunda razão está nas diferenças existentes no regime
tributário previsto na mesma lei para esses dois institutos. Enquanto o dividendo é
isento de tributação, nos termos do artigo 10 da Lei 9.249/95, os juros sobre capital
são tributados à alíquota de 15%, conforme artigo 9º, § 2º da Lei 9.249/95.
Considerando o princípio constitucional da isonomia, não é possível considerar juros
sobre capital próprio e dividendos, como sendo pagamentos do mesmo tipo, pois
não se pode tratar de modo diferente, sob o ponto de vista tributário, duas situações
idênticas.
Os argumentos apresentados por Fábio Ulhoa Coelho esclarecem com
propriedade a distinção entre os institutos, ora em análise. Não se pode, portanto,
atribuir aos juros sobre capital próprio a mesma natureza jurídica dos dividendos, já
que ambos possuem finalidades nitidamente distintas. Enquanto o dividendo é
183
resultado da distribuição aos acionistas dos frutos auferidos pela companhia em
razão do sucesso na exploração do empreendimento; os juros sobre o capital próprio
remuneram o investidor pela indisponibilidade dos recursos que foram por eles
aportados na companhia, tendo sido instituídos pela Lei 9.249/95 para compensar a
extinção da correção monetária do patrimônio líquido, como é entendimento do
próprio Modesto Carvalhosa, acima exposto.
Ressalta-se, ainda, que outras diferenças fundamentais existem entre os
dois institutos. Uma delas está na sua própria base de cálculo. Enquanto a base de
cálculo dos juros sobre capital próprio são as contas do patrimônio líquido da
companhia, os dividendos são calculados sobre o lucro líquido do exercício.
Todavia, parece não ser esse o entendimento da Comissão de Valores
Mobiliários que, nos termos da Deliberação CVM nº 207, de 13 de dezembro de
1996, entende ser a remuneração do capital próprio, paga ou creditada aos
acionistas, distribuição de resultado e não despesa, haja vista a interpretação dada
pela referida autarquia ao artigo 9º, § 7º da Lei 9.249, de 1995, que permite a
imputação desses juros ao valor do dividendo obrigatório estabelecido no artigo 202
da Lei 6.404/76. A interpretação dada pela Comissão de Valores Mobiliários parece
ter introduzido uma ambigüidade na definição da natureza dos juros sobre capital
próprio, pois, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, p. 347):
para a lei tributária, eles correspondem a despesa da sociedade
anônima, tendo em vista a dedutibilidade dos juros da base do lucro
real, mas, para a CVM, devem ser entendidos como parte do
resultado.
Ora, ainda que a Comissão de Valores Mobiliários tenha buscado, através
da Deliberação CVM nº 207, suprir certas omissões da Lei 9.249/95, decorrentes da
184
imputação dos juros sobre capital próprio aos dividendos43, não pode adotar
conceitos contrários àqueles estabelecidos na própria lei. Neste sentido, afirma
Fábio Ulhoa Coelho (2002, 2:348) que os atos da Comissão de Valores Mobiliários,
por sua posição na hierarquia de normas, não podem adotar, no tratamento de
matéria alguma, conceito incompatível com o decorrente da lei, sob pena de incorrer
em ilegalidade, com base na qual acionistas de companhia aberta podem questionar
a extensão de parte dos pagamentos realizados em favor de terceiros participantes
do resultado, tais como, empregados, administradores, dentro outros.
Não obstante às ponderações realizadas sobre a divergência conceitual
existente acerca dos juros sobre capital próprio, observa-se que o fato da Comissão
de Valores Mobiliários considerá-los como parte integrante do faturamento da
companhia, não os torna espécie de dividendos. Isso porque, como já analisado ao
longo dessa dissertação de mestrado (Capítulo 1, item 1.4; Capítulo 2, item 2.3),
nem todo o resultado auferido pela sociedade consiste em lucro a ser distribuído
entre os acionistas da companhia, ou seja, dividendos.
Observa-se que a imputação dos juros aos dividendos obrigatórios não
depende de previsão estatutária, uma vez que a lei expressamente a autoriza. No
entanto, a imputação dos juros aos dividendos preferenciais depende de previsão
estatutária, haja vista a lacuna legal sobre essa matéria e mais o fato de ser o
estatuto social da companhia o instrumento próprio para a delimitação da vantagem
do acionista titular de ações preferenciais (COELHO, 2002, v. 2, p. 346).
43
Em razão das omissões da Lei 9.249/95, a Comissão de Valores Mobiliários, no item V da
Deliberação CVM nº 207/96, estabelece que os juros pagos ou creditados somente poderão ser
imputados ao dividendo mínimo, previsto no artigo 202 da Lei 6.404/76, pelo seu valor líquido do
imposto de renda na fonte. Trata-se de preceito fundamental na proteção dos direitos dos acionistas
de companhias abertas ao dividendo mínimo obrigatório.
185
3.4 Considerações sobre a distribuição irregular de dividendos
Os administradores e os membros do Conselho Fiscal são solidariamente
responsáveis pela distribuição ilegal de dividendos aos acionistas. Para Modesto
Carvalhosa, “a irregularidade ocorre quando forem distribuídos dividendos na
ausência de lucros no exercício, ou de lucros acumulados ou de reserva de lucros”.
Entende o citado jurista que “será também irregular a distribuição de dividendos com
base em lucros do exercício quando houver prejuízos anteriormente apurados iguais
ou superiores ao último resultado positivo” (2003, v. 3, p. 778). São ainda
responsáveis os administradores e fiscais se distribuírem dividendos às ações
preferenciais à conta de reserva de capital, havendo lucros suficientes para essa
mesma distribuição.
A responsabilidade dos administradores e fiscais pelo pagamento de
dividendos irregulares ou fictícios é tanto civil quanto criminal. Obrigam-se eles,
solidariamente, a repor à caixa social a importância distribuída. Tal reparação é de
caráter civil. Por outro lado, constitui grave infração penal a distribuição de
dividendos que não correspondam, efetivamente, a um surplus entre o ativo e o
passivo da sociedade. Com efeito, “o Código Penal de 1940 tipifica como fraude o
fato de o diretor ou gerente da sociedade, em falta de balanço, ou em desacordo
com este, ou ainda mediante balanço falso, distribuir lucros ou dividendos fictícios
(art. 177, VI)” (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 585). Trata-se de crime de
ação pública, com prescrição em 08 anos, conforme disposto no artigo 109, inciso IV
do Código Penal.
Pode o administrador vencido ou excluído da decisão colegiada de
distribuir dividendos irregularmente eximir-se da responsabilidade e, portanto, da
186
solidariedade, se comunicar o fato à assembléia geral ou aos demais órgãos da
companhia (art. 158 da Lei 6.404/76). Nesse mesmo sentido, o membro do Conselho
Fiscal que consignar em ata a sua divergência à distribuição ilegal de dividendos,
comunicando-a aos órgãos da administração e à assembléia geral (art. 165 da Lei
6.404/76), também estará eximido da responsabilidade solidária de que trata o §1º
do artigo 201 da Lei 6.404/76 (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 779).
Compete à companhia propor ação de responsabilidade civil, nos termos
do artigo 159 da Lei 6.404/76. Se a companhia não propuser a ação de
responsabilidade civil em face dos administradores no prazo máximo de três meses
da data da assembléia geral que aprovou o ajuizamento da demanda, qualquer
acionista, independentemente de sua participação no capital social, poderá, por
substituição processual, propor a referida ação. Se porventura a assembléia
deliberar pelo não ajuizamento da ação de responsabilidade, os acionistas
detentores de, pelo menos, 5% do capital social terão legitimidade para ajuizá-la.
Nota-se ainda que os acionistas não são obrigados a restituir os
dividendos que em boa-fé tenham recebido. Porém, os acionistas que receberam de
má-fé dividendos ilegalmente distribuídos deverão devolvê-los à companhia. Neles
se incluem tanto os titulares de ações ordinárias como preferenciais. Presume-se a
má-fé quando os dividendos forem distribuídos sem o levantamento do balanço ou
em desacordo com os resultados deste.
O prazo prescricional para propositura da ação em face dos acionistas
que receberam de má-fé dividendos ilegalmente distribuídos é de 03 (três) anos,
prazo esse contado da data de publicação da ata da Assembléia Geral Ordinária do
exercício em que os dividendos tenham sido declarados (art. 287, II, alínea “c” da Lei
6.404/76). Para que se caracterize a má-fé, não será necessário que o acionista
187
tenha direta ou indiretamente concorrido para o ato ilegal de que redundou a sua
apropriação ilegítima de dividendos. Pode ele, por exemplo, estar ausente da
assembléia geral que declarou esses dividendos ou conhecer da ilegalidade após têlos recebido. A omissão pode também caracterizar a má-fé (CARVALHOSA, 2003, v.
3, p. 781).
188
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da análise do direito dos acionistas de participar nos lucros sociais,
realizada ao longo desta dissertação de mestrado, seguem as nossas considerações
finais:
1. O lucro social é o resultado obtido pela sociedade no exercício de sua
atividade empresarial que representa um acréscimo em seu patrimônio. Muito
embora, em teoria, o retorno do investimento feito pelos acionistas somente deva
aparecer em caráter definitivo por ocasião da liquidação da sociedade, considerando
a atual característica das sociedades anônimas que surgem para a exploração de
uma atividade por período indeterminado, a liquidação da companhia se torna
excepcional, exigindo-se assim a fixação do exercício social, ou seja, um lapso
temporal de 12 meses cuja data de término é estabelecida pelo estatuto social da
companhia.
2. Ao término de cada exercício social, caberá aos administradores
elaborar as demonstrações financeiras da companhia que têm a finalidade de
revelar a vida financeira da sociedade no período considerado, retratando os
resultados auferidos ao longo do exercício social e a saúde econômica e patrimonial
da sociedade. Observa-se que bons resultados em determinado exercício não
significam necessariamente bons dividendos. Isso porque o lucro líquido do exercício
a ser destinado pela assembléia geral da companhia, conforme proposta
apresentada pelos órgãos de administração da companhia, será apurado somente
depois de realizada a provisão para o pagamento do imposto de renda e da
contribuição social sobre o lucro líquido, absorvidos os prejuízos acumulados de
189
exercícios anteriores e, havendo ainda saldo remanescente, pagas as participações
dos debenturistas, empregados, administradores e titulares de partes beneficiárias.
Portanto, somente depois de realizadas todas essas deduções é que se
chegará ao lucro líquido do exercício, não sendo, contudo, a companhia inteiramente
livre para decidir sobre a destinação dos lucros líquidos por ela auferidos. Isso
porque parte deles será necessariamente retido na companhia para constituição ou
aumento de reservas, enquanto outra parte deverá ser obrigatoriamente distribuída
aos acionistas, a título de dividendos obrigatórios e prioritários, conforme
disposições legais e estatutárias. Essas regras que delimitam o poder do acionista
controlador em decidir sobre a destinação dos lucros sociais constituem relevantes
instrumentos no equilíbrio das relações existentes entre os diversos grupos de
acionistas que integram à companhia.
3. Como instrumento para estabilizar as relações de poder internas da
companhia, a Lei das Sociedades por Ações irá assegurar a todos os acionistas da
companhia certos direitos essenciais (artigo 109), que não poderão ser deles
suprimidos, seja por previsão estatutária, seja por deliberação assemblear. É neste
contexto que se insere o direito de participação nos lucros sociais. Trata-se de um
direito essencial assegurado a todo o acionista, fundamental para a estabilização
das relações de poder internas da companhia, uma vez que impede ou, ao menos
limita, a tomada de decisões pelo acionista controlador que venham a privar os
demais acionistas de exercer um direito legítimo assegurado a quem contribuiu para
a consecução do objeto social e tem como principal, senão única expectativa, um
retorno satisfatório ao capital investido na companhia.
4. O direito do acionista de participar dos lucros sociais decorre da própria
natureza das sociedades anônimas que poderá ter como objeto qualquer atividade
190
com fim lucrativo. O direito de participar dos lucros sociais, como um direito
essencial, é considerado uma prerrogativa individual comum a todos os acionistas
da companhia, independentemente da espécie ou do número de ações que
possuam. Trata-se, portanto, de um direito que tem sua origem na lei, imutável,
inderrogável, irrenunciável e indisponível. É um direito imutável e inderrogável, pois
o acionista jamais poderá ter o seu direito de participar dos lucros sociais modificado
ou suprimido, seja por deliberação da assembléia geral, seja por disposição
estatutária. É ainda um direito irrenunciável e indisponível, pois, sendo uma matéria
de ordem pública, não poderá o acionista dele abrir mão.
Observa-se, todavia, que o direito de participar dos lucros sociais não se
confunde com o seu exercício, que depende de um fato jurídico que pode não
ocorrer em determinadas épocas, qual seja, a apuração regular e, portanto, real de
um lucro societário. Assim, há que distinguir o direito de participar dos lucros sociais,
que é permanente e certo, do seu exercício cuja pretensão se estabelece a cada
exercício social. A despeito de seu exercício depender, em cada período, da
apuração de lucros pela companhia, o direito de participação nos lucros sociais não
pode ser considerado um direito condicional ou eventual, pois não se extingue pela
não apuração de lucros em determinado exercício, permanecendo intangível e
podendo ser exercido em exercícios seguintes quando o lucro for verificado pela
companhia. Portanto, o direito de participar dos lucros sociais é um direito
permanente, adquirido por todo aquele que se torna acionista da companhia, seja
através da subscrição de ações realizado junto à sociedade anônima, seja pela
aquisição de ações junto a quem já é acionista da companhia. Todavia, o exercício
desse direito se subordina a um pressuposto de ordem fática, qual seja, a apuração
de lucros pela companhia.
191
5. O direito essencial de participar dos lucros sociais não pode ser
suprimido do acionista, seja por previsão estatutária, seja por deliberação
assemblear. Trata-se de direito irrevogável, imutável, infungível e inderrogável, não
se limitando apenas aos dividendos por distribuir, mas incluindo também a
participação do acionista em todos os benefícios econômicos gerados pelos lucros
auferidos pela companhia, ainda que não distribuídos. Negar ao acionista esse
direito seria atribuir ao acionista controlador uma prerrogativa que poderia
desestabilizar definitivamente as relações de poder internas na sociedade anônima.
Todavia não é isso que propõe o artigo 120 da Lei 6.404/76. Busca-se através do
citado dispositivo legal suspender temporariamente o exercício do direito, que não se
confunde com o próprio direito.
Note-se que, em relação ao direito essencial de participar nos lucros
sociais, o que se permite, nos termos do artigo 120 da Lei 6.404/76, é suspender o
exercício do direito expectado de participar dos lucros sociais, ou seja, o direito ao
recebimento dos dividendos distribuídos pela companhia. Ainda assim, ressalta-se
tratar de suspensão e não supressão do direito expectado. Portanto, uma vez
cumprida a obrigação pelo acionista remisso, ele recupera os direitos que estavam
suspensos, com efeitos ex tunc, devendo receber da companhia os dividendos até
então distribuídos, mas que foram retidos pela sociedade em razão da mora do
acionista remisso.
6. Observa-se pelos estudos realizados nesta dissertação de mestrado
que nem todo lucro auferido pela companhia é distribuído aos acionistas para
pagamento de dividendos. Surge, então, importante discussão em nossa doutrina
sobre eventual diferença existente entre o direito ao lucro e o direito ao dividendo.
192
É evidente que o dividendo pressupõe a existência de lucro, uma vez que
o conceito de dividendo está diretamente ligado à parcela do lucro líquido auferido
pela companhia que é distribuído aos seus acionistas. Todavia, reduzir o direito de
participar dos lucros sociais ao direito de dividendo, seria negar ao acionista o direito
de participar dos lucros não distribuídos pela companhia. Ora, ao reter parcela dos
lucros auferidos na companhia, seja através da constituição ou do aumento das
reservas de lucros, seja pela incorporação dos lucros auferidos ao capital social, ou
ainda pela sua utilização na absorção de prejuízos, ocorre um evidente aumento no
valor do patrimônio líquido da sociedade anônima e, conseqüentemente, um
aumento no valor patrimonial das ações detidas por cada um dos acionistas da
companhia. Assim, a participação nesses lucros não distribuídos que, tal como os
dividendos distribuídos, também trazem benefício econômico aos acionistas, é
direito essencial que não se limita ao direito ao dividendo, mas o abrange e o
engloba.
7. O dividendo, em regra geral, nada mais é do que a parcela dos lucros
sociais auferidos pela companhia que deve ser distribuído aos acionistas, em
conformidade com a classe, espécie e quantidade de ações que titularizam.
Portanto, o direito do acionista ao dividendo nada mais é do que um dos reflexos
decorrente do direito essencial de participar nos lucros sociais assegurado a todo
acionista.
No entanto, o direito ao dividendo deve ser analisado não apenas como
um direito à distribuição de parte do lucro social, isto é, um direito ao dividendo por
deliberar, mas também um direito ao pagamento do dividendo declarado que
constituí num verdadeiro direito de crédito. Como um dos reflexos do direito de
participar dos lucros sociais, o direito ao dividendo por deliberar encontra seu
193
fundamento na própria natureza das sociedades anônimas que, tendo por objeto
qualquer atividade com fim lucrativo, está obrigada a distribuir parte dos lucros
auferidos aos seus membros, quais sejam, os acionistas da companhia. Para tanto,
a Lei 6.404, de 1976 assegura a todo o acionista o direito de receber como
dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no
estatuto social ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as
regras constantes no inciso I do artigo 202 da citada lei.
Do dever da companhia, inerente à sua própria natureza em distribuir aos
acionistas parte dos lucros por ela auferidos, surge nitidamente o conflito de
interesses entre os acionistas controladores, que procuram reter na companhia a
maior parte dos lucros líquidos, constituindo ou ampliando suas reservas, e as
minorias acionárias que buscam maximizar a sua participação nos lucros
distribuídos. Daí a relevância dos direitos individuais assegurados pela Lei 6.404/76,
tais como o direito essencial do acionista de participar dos lucros sociais (artigo 109,
I) e o direito a um dividendo mínimo obrigatório (artigo 202), instrumentos
indispensáveis para o equilíbrio e para a estabilização das relações de poderes
internas à companhia.
O direito ao dividendo por deliberar é, portanto, um direito individual do
acionista, irrenunciável e indisponível, criado por lei e que não pode ser derrogado
ou modificado, seja por previsão estatutária, seja por deliberação assemblear. Tratase de uma prerrogativa individual do acionista, decorrente da própria natureza
contratual da companhia, que antecede e não se confunde com o direito de crédito
que advém da decisão do órgão de administração e da assembléia geral.
8. Em regra, o direito de participar dos lucros auferidos por uma
sociedade anônima está ligado à condição de sócio da companhia, adquirida por
194
aquele que titularizar ações que representem parcela de seu capital social. Ainda
que a ação titularizada pelo acionista esteja totalmente amortizada, entende-se que
ele, acionista titular da ação de fruição, continua tendo assegurado o direito de
participar dos lucros sociais, sendo a distribuição de dividendos uma das formas de
participar dos lucros distribuídos.
As ações emitidas por uma companhia podem ser objeto de penhor ou
caução, hipótese em que a titularidade do direito aos dividendos de ações
empenhadas ou caucionadas é, em regra do acionista da companhia, o devedor
pignoratício, salvo se, no instrumento de penhor, forem transferidos certos direitos
ao credor pignoratício que deverá, uma vez extinto o penhor, devolver ao devedor
todos os frutos deles decorrentes, tais como eventuais dividendos distribuídos pela
companhia. O acionista pode ainda constituir usufruto sobre as ações nominativas
de que é proprietário, hipótese em que a titularidade do direito aos dividendos passa
a ser do usufrutuário. Note-se que, tanto no penhor ou caução de ações, como no
usufruto, o respectivo instrumento deverá estar averbado no livro de registro de
ações nominativas para que produza os seus efeitos perante terceiros, inclusive a
companhia. Sendo as ações escriturais, deve-se proceder à averbação do
instrumento nos livros da instituição financeira responsável pela custódia das ações,
que o anotará no extrato da conta de depósito fornecido ao acionista.
No fideicomisso, o direito aos dividendos é do fiduciário, enquanto não
verificada a condição que põe termo final ao seu direito sobre as ações, ocasião em
que a propriedade passará ao fideicomitente, que se tornará o novo titular do direito
aos dividendos que vierem a ser auferidos pela companhia.
195
Na alienação fiduciária em garantia, salvo convenção em contrário,
receberá o dividendo o devedor fiduciário, uma vez que não se despoja de seu
status socii em virtude de alienação.
9. Como instrumento estabilizador das relações de poder entre acionistas
controlador e minoritário, o dividendo obrigatório é assegurado a todos os acionistas
da companhia que têm direito de receber, em cada exercício, a parcela dos lucros
estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de
acordo com os critérios estabelecidos no artigo 202, incisos I, II e III da Lei 6.404/76.
Nota-se que a liberdade atribuída à companhia para fixar os critérios de
determinação do dividendo obrigatório no estatuto social, não retira a principal
função deste direito que é a de servir como instrumento para tutela dos interesses da
minoria acionária frente a eventuais abusos por parte do acionista controlador. Isso
porque, ao ingressar na companhia, aportando os recursos de que ela necessita
para sua capitalização, o acionista sabe de antemão o valor mínimo que lhe será
obrigatoriamente pago a título de dividendo, ou porque os critérios para sua
determinação estão estabelecidos no estatuto social, ou porque, sendo omisso o
estatuto, a lei obriga a companhia a pagar ao acionista metade do lucro líquido do
exercício ajustado. Portanto, os acionistas minoritários não estão mais sujeitos à
decisão arbitrária do acionista controlador a quem cabia, em última análise, durante
a vigência do Decreto Lei 2.627/40, fixar o quantum a ser distribuído a título de
dividendos na assembléia geral da companhia.
10. O dividendo preferencial é o dispositivo estatutário que delimita
vantagem conferida particularmente a uma ou mais classes de ações preferenciais
no exercício do direito de participação nos lucros da sociedade. A prioridade na
distribuição de dividendo fixo ou mínimo, ou seja, a vantagem dos dividendos
196
preferenciais (ou prioritários), não pode ser confundida com os dividendos
obrigatórios. Enquanto o dividendo obrigatório é um direito individual assegurado a
todos os acionistas da companhia que têm o direito de receber, em cada exercício, a
parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, metade do lucro
líquido ajustado conforme estabelecidos no artigo 202, incisos I, II e III da Lei
6.404/76; o dividendo preferencial, por sua vez, é um direito social, também
chamado de coletivo, que tem origem nos estatutos da companhia, podendo ser
modificado, mediante reforma estatutária realizada por deliberação assemblear,
submetendo-se, assim, ao princípio majoritário e, conseqüentemente, a vontade dos
acionistas controladores da companhia.
11. A possibilidade do estatuto social não conferir nenhuma vantagem
patrimonial ao acionista titular de ações preferenciais é tema de grande relevância
no estudo da matéria. Observa-se que a nova redação dada ao artigo 17 da Lei
6.404/76 não assegura mais a esses acionistas preferencialistas o dividendo
diferencial na hipótese do estatuto social da companhia não lhes conferir nenhuma
vantagem ou preferência. Trata-se, portanto, de questão a ser resolvida pelas
próprias forças do mercado, pois, muito embora a lei não assegure mais ao acionista
preferencialista o direito de dividendos diferenciais, se determinada sociedade
anônima busca atrair investidores capazes de lhe propiciar o autofinanciamento de
sua atividade, é evidente que, negando a eles vantagens mínimas ofertadas por
outras companhias em condições similares, a sociedade anônima não conseguirá
tornar a sua ação um título suficientemente atrativo e, conseqüentemente, não será
capaz de despertar o interesse desses investidores.
12. Não se pode confundir dividendos intermediários com dividendos
intercalares, conforme demonstrado ao longo deste trabalho. Os dividendos
197
intermediários são aqueles pagos pela companhia ao longo do exercício social por
conta de lucros acumulados ou reservas de lucros apurados em exercícios
anteriores, constantes do último balanço anual ou semestral já aprovado pela
assembléia geral. Os dividendos intercalares, por sua vez, são aqueles pagos pela
companhia com base em balanços levantados ao longo do exercício social sem que
tenha
ocorrido
ainda
a
aprovação
das
demonstrações
financeiras
e,
conseqüentemente, do respectivo balanço pela assembléia geral. Portanto, a
distribuição de dividendos intercalares será lícita se resultar de lucros apurados em
balanço do exercício, regularmente levantado, independentemente da aprovação
das respectivas demonstrações financeiras pelos acionistas em assembléia geral.
13. A sociedade anônima poderá, para efeitos da apuração do lucro real,
deduzir os juros pagos ou creditados aos acionistas a título de remuneração sobre o
capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à
variação, pro rata dia, da TJLP - Taxa de Juros a Longo Prazo (artigo 9º da Lei
9.249/95). Não se pode, entretanto, atribuir aos juros sobre capital próprio a mesma
natureza jurídica dos dividendos, já que ambos possuem finalidades nitidamente
distintas. Enquanto o dividendo é resultado da distribuição aos acionistas dos frutos
auferidos pela companhia em razão do sucesso na exploração do empreendimento;
os juros sobre o capital próprio remuneram o investidor pela indisponibilidade dos
recursos que foram por eles aportados na companhia, tendo sido instituídos pela Lei
9.249/95 para compensar a extinção da correção monetária do patrimônio líquido.
Em vista do exposto, esperamos ter logrado o nosso intento e, de alguma forma, ter
contribuído para a melhor compreensão das regras que disciplinam o tema desta
dissertação de mestrado, auxiliando assim os operadores do direito a enfrentarem os
198
problemas relacionados às questões decorrentes do direito dos acionistas de
participar nos lucros sociais.
199
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