MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2ª PROMOTORIA CÍVEL Exmo. Juiz de Direito da __ Vara Cível (Fazenda Pública) da Comarca de Boa Vista/RR. O RORAIMA, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE por seus Promotores de Justiça que esta subscrevem, comparece à presença de Vossa Excelência para, com base nas inclusas peças de informação, propor a presente AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em desfavor de: IRADILSON SAMPAIO DE SOUZA, brasileiro, natural de São José do Egito/PE, filho de Alice Sampaio de Souza, portador da CI n° 25.703 e CPF n° 05260531272, exercendo, atualmente, o cargo de Prefeito do Município de Boa Vista, podendo ser localizado na sede da Prefeitura Municipal, sito à Av. Gal. Penha Brasil, bairro São Francisco, nesta Capital; CARLOS OLÍMPIO MELO DA SILVA, brasileiro, solteiro, portador da C.I. nº 60.190 SSP/RR e CPF nº 225.592.722-53, domiciliado na Rua Lírio dos Vales, 213 – bairro Aparecida, nesta Capital; 1 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2ª PROMOTORIA CÍVEL ERASMO SABINO DE OLIVEIRA, brasileiro, casado, portador da C.I. Nº 34.719 SSP/RR e CPF nº 143.860.384-34, domiciliado na Av. Glaycon de Paiva, 197 Centro, nesta Capital; pelas razões de fato e de direito a seguir articuladas: I – DOS FATOS: Em 09 de agosto de 2006, restou publicado no Diário Oficial do Município de Boa Vista o Decreto 190/E, que declarou de interesse social, para fins de desapropriação, a área de terra denominada Morada do Sol (parte) e os lotes de terra urbanos localizados no loteamento Cidade Satélite “Núcleo I, Fase I”, bairro Cidade Satélite, na cidade de Boa Vista. No mesmo dia, também foi publicado o Decreto 191/E, que desapropriou as referidas áreas de terra, dispondo o art. 1º: Ficam desapropriados a área de terra de 16,9509ha., denominada Morada do Sol (parte) e os lotes de terra urbanos, localizados no Loteamento Cidade Satélite, Núcleo I, Fase I, bairro Cidade Satélite, nesta cidade, declarados de interesse social através do Decreto nº 190/E, de 02 de agosto de 2006, de propriedade de Carlos Olímpio Melo da Silva, brasileiro, solteiro, funcionário público federal, portador da identidade nº 60190 SSP/RR e CIC 225.592.722-53, residente e domiciliado nesta cidade. As referidas áreas foram avaliadas em R$499.533,17 (quatrocentos e noventa e nove mil quinhentos e trinta e três reais e dezessete centavos), sendo R$370.377,17 (trezentos e setenta mil, trezentos e setenta e sete reais e dezessete centavos) referentes à Fazenda Morada do Sol (parte) e R$129.156,00 (cento e vinte e nove mil, cento e cinquenta e seis reais) referentes a lotes urbanos no mesmo bairro. 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2ª PROMOTORIA CÍVEL Ocorre, que em abril de 2011, havendo a necessidade de regularizar os documentos para se firmar um contrato de repasse com o Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, para a construção de obras de saneamento no local desapropriado anteriormente, verificou-se que a propriedade de parte da área expropriada não poderia ser transferida para o Município de Boa Vista/RR, por não pertencer ao Sr. Carlos Olímpio Melo da Silva, pessoa que recebeu os recursos da Prefeitura de Boa Vista. Verificou-se então que a área desapropriada, denominada Morada do Sol, era em verdade propriedade da União, e o Sr. Carlos Olímpio Melo da Silva detinha apenas a posse precária do imóvel, como se afere do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural, cuja validade expirou em 17.08.2003. Consta, ainda, que a área em referência foi doada ao Estado de Roraima, como se depreende da Certidão expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis, verbis: Certifico, a requerimento da parte interessada que, revendo os livros de registros desta Seventia, desde a sua instalação até a presente data, deles, verificou-se não constar qualquer registro ou desmembramento em nome de CARLOS OLÍMPIO MELO DA SILVA, com referência ao lote de terras rural denominado “FAZENDA MORADA DO SOL”, com área de 16,0000ha, Gleba Cauamé, Município de Boa Vista. Costa, entretanto, que a área física correspondente ao referido imóvel, faz parte de uma área maior registrada em nome do ESTADO DE RORAIMA, conforme Título de Doação nº 01/2009, expedido pelo INCRA, em 22.05.2009, que lhe fez a UNIÃO FEDERAL, através do INCRA, registrado na Matrícula nº 43725, do Livro 2/Registro Geral, desta Serventia. (original sem grifo) Em investigação interna conduzida por Comissão da própria Prefeitura de Boa Vista, o Sr. Erasmo Sabino de Oliveira afirmou: 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2ª PROMOTORIA CÍVEL QUE: esclareceu que foi procurado pela PMBV para saber se tinha terrenos baratos para a construção de casas populares. QUE: O Prefeito de Boa Vista, a Secretária de Gestão Participativa, Mira Cunha, o Secretário Municipal de Obras, Nélio Borges. […] QUE: Nessa época a empresa Potiguar só possuía uma área remanescente do bairro Cidade Satélite que atendia a necessidade do Projeto, por não ser titulado, o preço vendido foi irrisório […] QUE: A empresa recebeu cinquenta por cento da venda das terras. QUE: Toda a área negociada foi vendida ao município com água, luz e asfalto, porém somente os 44 lotes eram titulados, enquanto a área de 16,9509 estava em processo de titulação junto ao INCRA […] QUE: O senhor Carlos Olímpio sabia que estava vendendo uma área sem título definitivo. QUE: A PMBV aceitou a compra mesmo sem o documento de titulação das terras. (original sem grifo) Ora, o Prefeito de Boa Vista negociou pessoalmente com o intermediador, Sr. Erasmo, a Fazenda Morada do Sol, onde foi informado que a mesma não era titulada, razão pela qual – segundo o Sr. Erasmo, estava sendo vendida por um preço diferenciado. O vendedor, Sr. Carlos Olímpio, da mesma forma, tinha total conhecimento que não era proprietário da Fazenda Morada do Sol, mas tão somente posseiro precário – por meio de um Certificado de Cadastro de Imóvel Rural expirado em 17.08.2003, que não lhe dava o direito de transferir ou vendê-la, sobretudo ao poder público. Dessa forma, depreende-se que o Prefeito de Boa Vista de forma intencional determinou a instauração de procedimento no órgão interno e mesmo sabendo que a Fazenda Morada do Sol não era regularizada, ou seja, titulada em nome do Sr. Carlos Olímpio, expediu decreto expropriatório autorizando que o mesmo recebesse o valor de R$370.377,17 (trezentos e setenta mil, trezentos e setenta e sete reais e dezessete centavos) dos cofres públicos municipais, bem como o Sr. Erasmo Sabino, na qualidade de conhecido Corretor de Imóveis de Boa Vista/RR, conhecedor dos requisitos legais para transferência de imóveis, não só 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2ª PROMOTORIA CÍVEL intermediou a negociação entre a Prefeitura e o Sr. Carlos Olímpio, como recebeu como honorários a metade da importância acima citada. II – DO DIREITO A Constituição Federal de 1988 deu particular atenção à Administração Pública. Os contínuos danos praticados, durante décadas, contra o patrimônio público, assim como a irresponsabilidade tida por seus agentes, quando investidos em cargos públicos, levou o constituinte a erigir um conjunto de princípios tendentes a veicular diretivas comportamentais, as quais vieram a delinear, e consequentemente corrigir, qualquer ato incompatível do agente publico, para com o ideal público. Assim, estabeleceu-se que "a Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade ...". (grifo nosso). Ou seja, tais princípios, constituem postulados fundamentais, os quais, inspiram e norteiam todo o modo de agir da Administração Pública. Dentre estes cânones pré normativos 1, chamamos a atenção quanto ao relativo a moralidade. Seu precípuo objetivo consiste em estabelecer uma fronteira ética à conduta manifestada pelo agente administrativo no exercício de sua atividade, guiando-o pelos preceitos da honestidade, justiça e legalidade. Assevera Hely Lopes Meirelles 2 a respeito do principio da moralidade: 1 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Ed. Lúmen Júris, 2003. 2 MEIRELHES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, 1999 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2ª PROMOTORIA CÍVEL (...) o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. (...) Por outro lado, é importante ressaltar que a responsabilidade civil decorrente dos danos ao erário é solidária. Todo aquele que concorre ao dano tem responsabilidade solidária pelos causados ao patrimônio público. Assim já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, verbis: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 8.429/92. ATO DE IMPROBIDADE. REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DOSIMETRIA DA PENA. CABIMENTO. 1. Os atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito (art. 9º) normalmente sujeitam o agente a todas as sanções previstas no art. 12, I, pois referidos atos sempre são dolosos e ferem o interesse público, ocupando o mais alto 'degrau' da escala de reprovabilidade. Todos são prejudicados, até mesmo os agentes do ato ímprobo, porque, quer queiram ou não, estão inseridos na sociedade que não respeitam. 2. Na reparação de danos prevista no inciso I do art. 12 da Lei n.8.429/92, deverá o julgador considerar o dano ao erário público, e não apenas o efetivo ganho ilícito auferido pelo agente do ato ímprobo, porque referida norma busca punir o agente não só pelo proveito econômico obtido ilicitamente, mas pela prática da conduta dolosa, perpetrada em ferimento ao dever de probidade. 3. Na hipótese em que sejam vários os agentes, cada um agindo em determinado campo de atuação, mas de cujos 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2ª PROMOTORIA CÍVEL atos resultem o dano à Administração Pública, correta a condenação solidária de todos na restituição do patrimônio público e indenização pelos danos causados. 4. Recursos especiais conhecidos em parte e improvidos.” (STJ, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 15.05.2007 p. 260) (original sem grifo) Saliente-se, ainda, que para os fins de incidência da Lei 8429/92 não há necessidade da pessoa ser agente público para que responda por ato de improbidade administrativo. É o chamado agente público de equiparação aquele se beneficia de um ato de improbidade praticado no âmbito da Administração Pública. Assim se manifesta a doutrina especializada no tema: “coexistem lado a lado, estando sujeitos às sanções previstas na Lei 8429/92, os agentes que exerçam atividade junto à administração direta ou indireta (perspectiva funcional), e aqueles que não possuam qualquer vínculo com o Poder Público, exercendo atividade eminentemente privada junto a entidades que, de qualquer modo, recebam numerário de origem pública (perspectiva patrimonial). Como se vê, trata-se de conceito muito mais amplo que o utilizado pelo art. 327 do Código Penal.” (Garcia, Emerson, Improbidade Administrativa, 3ª Edição, p. 223) Logo, como pode ser verificado, a partir de 1988 o ordenamento jurídico pátrio se reforçou no combate aos desvios/ilicitudes ocorridas no âmbito da Administração Pública, inclusive abrindo a possibilidade de terceiros que não são agentes públicos e se beneficiaram do ato de improbidade também sejam responsabilizados solidariamente por tal ato. No caso em apreço, além das violações dos princípios da Administração Pública, em especial o da moralidade administrativa e legalidade, o 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2ª PROMOTORIA CÍVEL que já seria suficiente para caracterizar o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8429/92, os requeridos concorreram para a prática do ato de improbidade administrativa previsto no artigo 10, I, da Lei 8429/92 que assim dispõe: Art. 10 – Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º da lei, e notadamente: (...) I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; Dessa forma, o ato de improbidade restou praticado por todos os requeridos, vez que concorreram diretamente para que o Município adquirisse por meio da desapropriação um bem imóvel pertence a outro ente público, a União, causando dano atualizado de R$458.260,75 (quatrocentos e cinquenta e oito mil, duzentos e sessenta reais e setenta e cinco centavos) ao já combalido erário municipal. O Sr. Prefeito de Boa Vista, Iradilson Sampaio de Souza, de forma intencional autorizou o pagamento da expropriação de terreno não titulado e os Srs. Erasmo Sabino de Oliveira e Carlos Olímpio Melo da Silva, mesmo sabendo que o imóvel não era propriedade do ultimo, receberam a verba pública e enriqueceram ilicitamente. III – DOS PEDIDOS a) determinar a autuação da presente e ordenar as notificações dos requeridos para, querendo, oferecer manifestação por escrito dentro do prazo de 15 (quinze) dias, antes do recebimento da petição inicial; 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA 2ª PROMOTORIA CÍVEL b) em seguida, receber a petição inicial, citando os requeridos para apresentar contestações, nos termos do art. 17, §9º, da Lei 8429/92; c) a citação do Município de Boa Vista/RR para, querendo, integrar a lide na qualidade de litisconsorte, nos termos do art.17, §3º, da Lei nº 8429/92; d) seja deferida a juntada dos documentos que acompanham a presente inicial, bem como a juntada de outros documentos que se fizerem mister à completa elucidação e demonstração cabal dos fatos nela articulados, além da produção de provas pericial, testemunhal e o depoimento pessoal dos requeridos, caso necessárias; e) seja ao final julgado procedente a demanda para reconhecer a prática de ato de improbidade administrativa, previsto no art. 10, I, da Lei 8429/92, por parte de todos os Requeridos, condenando-os nas iras do art.12, incisos II, da lei 8429/92, mormente ressarcir o erário municipal no valor atualizado de R$458.260,75 (quatrocentos e cinquenta e oito mil, duzentos e sessenta reais e setenta e cinco centavos). f) sejam os Requeridos condenados ao pagamento de custas e demais despesas processuais. Dá-se a causa o valor de R$458.260,75 (quatrocentos e cinquenta e oito mil, duzentos e sessenta reais e setenta e cinco centavos), para efeito do art. 258 do Código de Processo Civil. Boa Vista, 21, de maio de 2012. ISAIAS MONTANARI JUNIOR Promotor de Justiça LUIZ ANTONIO ARAÚJO DE SOUZA Promotor de Justiça 9