COHEN,David Artigo 208 - O LÍDER QUE SERVE COHEN,David.O NOVO LÍDER - Que tipo de liderança vai criar a empresa do futuro.EXAME; A empresa do novo milênio. Jan 2000. RESUMO:" Líderes do futuro deverão ter as qualidades dos líderes de sempre: um olho para a mudança e uma mão firme para dar a visão e a segurança de que a mudança pode ser administrada, uma voz que articula a vontade do grupo e a molda para fins construtivos e uma habilidade para inspirar pela força da personalidade. Mas o líder do passado costumava erguer barreiras. Agora o líder tem de destruir essas barreiras e construir pontes." PALAVRAS-CHAVE: Liderança O LÍDER QUE SERVE Quem vai conseguir comandar a empresa nessa época tão cheia de mudanças? Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. É ele quem me carrega, como nem fosse levar. (Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, Timoneiro). O mundo dos negócios é instável, a maior riqueza das empresas do futuro é um bem intangível (o conhecimento), a economia está se globalizando, as relações de negócios e trabalho são marcadas pela flexibilidade, o ritmo das inovações desafia as mais brilhantes estratégias e a sociedade exige mais das empresas. Nesse quadro, quem será capaz de dirigir uma companhia? Que qualidades deverá ter o líder de empresas do século 21? Como descobri-lo, como formá-lo? Antes de pensar nessas questões, convém perguntar se devemos mesmo nos preocupar com elas. Será que o líder do futuro será de alguma forma diferente do líder do passado? Ou mais: haverá um líder do futuro? Em 1993, a empresa de poupança e empréstimos Leeds, quinta maior do ramo imobiliário britânico, ficou sem executivo-chefe. A situação se prolongou por 18 meses. Para tomar as decisões estratégicas da empresa, os diretores financeiro, comercial e de sistemas passaram a trabalhar em conjunto com um comitê de dez gerentes e um presidente que só estava disponível duas vezes por semana. Sem poder central claro, a Leeds aumentou seus lucros em 22% em 1993 e em 37% no primeiro trimestre de 1994. No livro Feitas para Durar, James Collins e Jerry Porras desfazem o mito de que as empresas visionárias precisam de grandes líderes carismáticos. "Numa das conclusões mais fascinantes e importantes das nossas pesquisas, descobrimos que criar e erguer uma empresa visionária não requer uma grande idéia nem um grande líder carismático", dizem os autores. Para confirmar sua tese, Porras e Collins citam exemplos de executivos de grande sucesso com perfis totalmente diferentes do estereótipo do líder visionário. William McKnight, um quase desconhecido, dirigiu durante 52 anos a 3M, que se tornou famosa e admirada entre empresários de todo o mundo. Masaru Ibuka, da Sony, tinha a reputação de ser reservado, solícito e introspectivo. Bill Allen, o diretor executivo mais importante da história da Boeing, era um advogado pragmático, afável e tímido. Já Harry Cohn, da Columbia Pictures, tinha a imagem de tirano, mantinha um chicote perto da mesa e às vezes file:///D|/Apostilas%20no%20site_HPG/crd2000_hpg/textos/artigo208.htm[15/12/2013 23:48:27] COHEN,David dava uma chicotada na madeira para enfatizar seu ponto de vista. (Um comentário maldoso sobre ele é que as 1 300 pessoas que compareceram ao seu enterro não foram lá para se despedir, mas sim para se certificar de que ele estava morto.) Mesmo o líder empresarial mais celebrado de hoje, Jack Welch, serve de contra-exemplo do chefe salvador: Welch cresceu na GE, e é um produto dela tanto quanto ela é um produto dele. O antecessor direto de Welch, Reginald Jones, aposentou-se como o líder de negócios mais admirado dos Estados Unidos, segundo Robert Slater, no livro The New GE (A Nova GE). "Ter um executivo do nível de Welch é impressionante", dizem Collins e Porras. "Ter executivos-chefes do nível de Welch durante um século, todos treinados internamente - bem, esse é um dos principais motivos pelos quais a GE é uma empresa vitoriosa." Como se vê, o surgimento de um líder carismático não é uma condição imprescindível para a construção de uma empresa de sucesso. Mas o questionamento da liderança não pára por aí. A própria palavra "chefe" mudou completamente de sentido nos últimos tempos. Como afirma Jay A. Conger, presidente do Instituto de Liderança da Universidade do Sul da Califórnia (USC), ela não mais significa realização e autoridade. Agora a palavra simboliza distância dos outros, dureza irracional e outras conotações não muito atraentes. Conger conta um encontro com um executivo-chefe de uma empresa, da geração do pós-guerra. Depois de almoçar, o executivo pulou para o banco da frente do carro, para estar "lado a lado" com o motorista. Talvez o processo de diluição da imagem da chefia não seja tão explícito para todos, mas é interessante observar que as organizações estão substituindo o título de gerente pelo de líder de equipe, coordenador do processo, facilitador etc. Isso significa que não haverá mais líderes? Não. Significa que o estilo antigo de liderança se desgastou. Atingiu seus sucessos e esbarrou em seus obstáculos. Pelas peculiaridades da economia moderna e pelas necessidades da empresa do futuro (a virtualidade, a flexibilidade, a rapidez, a inovação, a consciência, o funcionamento em rede, a emoção), a liderança salvadora, quase religiosa, tem poucas chances de sobreviver. Mas isso não quer dizer que não haverá mais líderes. O consultor americano Glenn Jones, presidente da Jones Education Networks, afirma que não é preciso liderança para seguir um plano estratégico aprovado. Basta uma gerência vigorosa e disciplina. "Precisamos de liderança é para alimentar as tropas e dar esperanças quando o desenvolvimento do produto fracassa, quando a resposta do mercado é um traço de audiência ou quando um contrato acaba de ser passado para a concorrência pela terceira vez seguida. Quando a liderança emerge nessas situações, ela se torna parte do DNA da empresa", diz Jones. Definida assim, a liderança está longe de não ser mais necessária, pois no mundo de hoje estão ficando raros os planos estratégicos capazes de sobreviver muito tempo à realidade instável. NÃO HÁ LÍDER NO VÁCUO Liderança parece ser mais necessária quanto mais instável for a situação. De fato, se tudo permanece do jeito que tem sido sempre, o papel de cada um é determinado pela tradição, pelo costume. É quase automático associarmos o surgimento de um líder a situações de emergência ou a momentos de decisão. Mas o líder não pode ser simplesmente alguém que "dê esperanças à tropa". Líder não é chefe de torcida, nem propagandista de causas inglórias. Toda empresa precisa de liderança, sim, mas para que serve esse líder? Segundo Edgar H. Schein, professor de gestão da Sloan School, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), o papel da liderança depende da situação particular, da tarefa e das características dos subordinados. "Nós tendemos a tratar a liderança como um vácuo, em vez de especificar a relação do líder com a organização, num dado período", diz Schein. O que ele quer dizer é que não faz sentido traçar o perfil do líder, se não se levar em conta a organização que vai ser liderada. Não existe a figura do líder ideal, aplicável a qualquer caso. É fácil perceber isso: afinal, quantas características em comum tinham Jesus Cristo e Átila, o Huno? Cristóvão Colombo e Martin Luther King? Albert Einstein e Indira Gandhi? Como diz o guru da administração Peter Drucker: a única definição de líder é alguém que tem seguidores. Ora, se não existe líder ideal, estamos perdendo tempo aqui, não é mesmo? De certo modo, sim. Cada empresa terá de encontrar sua própria fórmula de liderança, adequada à sua cultura, ao seu negócio, ao seu mercado. Mas, assim como a nova economia dita algumas tendências para as organizações - e as que se adaptarem melhor terão mais sucesso -, também os líderes mais aptos a lidar com essas file:///D|/Apostilas%20no%20site_HPG/crd2000_hpg/textos/artigo208.htm[15/12/2013 23:48:27] COHEN,David tendências farão um trabalho melhor. O líder do futuro, assim como o líder do passado, será simplesmente aquele que tiver seguidores. Mas algumas linhas gerais podem ser traçadas para indicar os líderes com maiores probabilidades de tornar suas empresas bem-sucedidas. Um exemplo: se as empresas precisam incentivar a inovação, crucial na nova economia, o fato de um líder saber tudo o que está acontecendo na empresa pode ser um mau sinal, em vez de uma qualidade positiva. "Às vezes damos tanta ênfase ao papel do líder de criar visão e valores que ignoramos sua função primordial de criar sistemas que apóiem e guiem a liberdade dentro da organização", diz o consultor de gestão americano Gifford Pinchot. Outro exemplo: numa empresa conectada, inserida na economia em rede, o papel da liderança será organizar projetos seqüenciais e sincronizados de vários tamanhos e profundidades, com várias combinações de pessoas, dependendo das tarefas, desafios e oportunidades da área e dos parceiros num dado momento. Um terceiro exemplo: se a empresa do futuro tem de ser adaptável a novas situações, seu líder deve ser capaz de promover a mudança. Isso é quase como liderar sem liderar, porque levar a cabo um grande projeto de mudança é uma tarefa que não pode ter passos determinados. É, num certo sentido, deixar-se levar pelo mar. O processo exige improvisação por muitas pessoas, em vários pontos. "O paradoxo de liderar a mudança é que a tarefa do líder pode ser menos dramática, mas é certamente mais difícil em insights e sutileza", diz o consultor de estratégia J. B. Kassarjian, do Instituto Internacional de Desenvolvimento de Gestão (IMD, com sede em Lausanne, na Suíça). Maneiras de servir Um bom líder deve tirar o melhor proveito de seus funcionários. Eis algumas características de liderança que ajudam a desenvolver pessoas dentro da empresa, segundo as consultoras de carreiras americanas Caela Farren e Beverly L. Kaye. Você se encaixa em algum tipo? • facilitador: ajuda as pessoas a identificar seus valores e interesses, cria um ambiente propício à discussão, ajuda as pessoas a compreender o que querem de suas carreiras • avaliador: diz como a pessoa está indo, esclarece os padrões e expectativas pelas quais ela será julgada, sugere ações específicas para melhorar o desempenho • vidente: dá informações sobre a organização, a profissão, a indústria, ajuda as pessoas a encontrar fontes adicionais de informação, aponta tendências, comunica a direção estratégica da companhia • conselheiro: ajuda as pessoas a identificar metas de carreira, relaciona metas potenciais às exigências do negócio e aos interesses da empresa, aponta fontes de apoio e obstáculos • possibilitador: ajuda a desenvolver planos de ação, facilita contatos com gente de outras áreas, conecta pessoas com os recursos de que precisam para se desenvolver PUXAR O TAPETE DO CHEFE O asteca Montezuma, imperador do México no começo do século 16, nunca punha os pés no chão. Quando ia a algum lugar, nobres o carregavam nos ombros e, quando parava, eles lhe estendiam tapetes para que não tocasse o solo. Dentro do seu palácio, o rei da antiga Pérsia também só andava em tapetes, nos quais ninguém mais tinha o direito de pisar. O rei meda Deioces, que inaugurou o império medo-persa, não admitia súditos na sua presença. Todas as consultas a ele eram feitas por meio de mensageiros. Segundo o historiador grego Heródoto, Deioces criou esse cerimonial para dar a impressão de que era de uma natureza diferente da daqueles que não podiam vê-lo. É claro que esses são exemplos extremos. Não há líderes assim nas empresas. Mas há muitos que, guardadas as proporções, seguem esses parâmetros. Gostam de se ver como seres especiais, de natureza diferente da daqueles a quem lideram. Os tapetes nos quais eles andam têm de ser puxados. A lógica de frisar as diferenças entre chefe e subordinados está ultrapassada, diz Rosabeth Moss Kanter, professora de gestão da Harvard Business School. Segundo ela, líderes do futuro deverão ter as qualidades dos líderes de sempre: um olho para a mudança e uma mão firme para dar a visão e a segurança de que a mudança pode ser administrada, uma voz que articula a vontade do grupo e a molda para fins construtivos e uma habilidade para inspirar pela força da personalidade. "Mas o líder do passado costumava erguer barreiras. Agora o líder tem de destruir essas barreiras e construir pontes." Numa empresa ideal, repleta de gente talentosa, tudo se passa como se as pessoas tivessem todas as mesmas armas. Com armas, o jogo da dominação fica mais sujeito ao acaso e a liderança tem que ser file:///D|/Apostilas%20no%20site_HPG/crd2000_hpg/textos/artigo208.htm[15/12/2013 23:48:27] COHEN,David exercida mais pela persuasão do que pela coerção. O povo !kung, da África do Sul, tem um ditado propício para discussões políticas: "Nenhum de nós é maior que os outros. Somos todos homens e podemos brigar. Eu vou buscar minhas flechas". É por isso que a Constituição dos Estados Unidos permite a posse de armas. Elas são consideradas instrumentos de equalização de poder entre os cidadãos. (Ainda que a prática comprove que uma população armada é um péssimo negócio para a segurança, é a essa simbologia que se agarra o lobby da indústria de armas de fogo americana.) Na nossa analogia corporativa, as armas são a inteligência, tornada o principal valor na nova economia. Todos a têm (embora alguns possam usá-la melhor do que outros), e isso implica que a dominação seja exercida pela persuasão. Liderança baseada na habilidade nem é privilégio da raça humana. Entre os chimpanzés, o líder do grupo não é necessariamente o mais forte, é quase sempre o que melhor sabe manipular as alianças sociais. DE BOAS INTENÇÕES... Mas ninguém quer uma empresa de chimpanzés, não é? Um dos maiores perigos de traçar um perfil do líder corporativo é justamente fixar-se nas habilidades da manipulação. Grande parte do discurso sobre liderança prioriza a forma sobre o conteúdo e o estilo sobre a substância. "A maioria dos ensinamentos sobre como liderar enfatiza a manipulação, as táticas de intimidação, a retórica vazia, a geração de imagens", diz a americana Diana Chapman Walsh, presidente da escola de artes Wellesley College. É como se os liderados fossem peças a ser movidas pelo encantamento de frases mágicas, máquinas a ser postas em funcionamento pelo aperto dos botões certos, animais a realizar truques com o incentivo de recompensas. Isso dá certo, mas tem limites muito claros. Os resultados, em geral, são apenas os imaginados pelo chefe. Com esse tipo de liderança, dificilmente haverá surpresas - e surpresas são uma das matérias-primas da inovação. Segundo Dave Ulrich, professor de administração da Escola de Negócios da Universidade de Michigan, apontado pela revista Business Week como o maior educador sobre recursos humanos nos Estados Unidos, os líderes do futuro serão conhecidos mais pelo que entregam do que pelo que dizem, mais pelo que moldam do que pelo que controlam, mais pelas intenções que criam do que pelos resultados. Um minuto: a medição de intenções vale mais do que a medição de resultados? Não é exagero? Everaldo Santos, que deixou a presidência da Alcan no ano passado, acha que não. Medir ações e resultados é medir o passado. As intenções de hoje podem dizer como a empresa vai estar no futuro. "Quem não começar a avaliar a visão que inspira as ações vai ficar para trás. O problema é que ainda não temos instrumentos para fazer esse tipo de avaliação", diz Santos. Segundo ele, o método antigo de premiar produtividade, eficiência, preço médio, número de clientes, já não basta. "É preciso medir a interação entre visão e ação, almejando o desenvolvimento sustentado. A Alcan está começando esse processo, tentando medir os fatores críticos de criação de valor. O maior desafio do gerente é diagnosticar o que cria valor no longo prazo." Que tipo de líder é esse cujas preocupações se deslocam dos resultados para as intenções? Então não é certo que de boas intenções o inferno está cheio? Sim, é certo. Mas esta já não é a distinção entre ter ou não ter um líder. É a distinção entre ter um bom ou um mau líder. PRÊMIO PARA A INTELIGÊNCIA Se há uma característica imprescindível nos líderes, ela é simplesmente essa: a inteligência. Como diz Rosabeth Moss Kanter, da Harvard Business School: "A função intelectual dos líderes tem sido freqüentemente negligenciada nas discussões sobre liderança. Carisma, força de personalidade, habilidades interpessoais têm sido mais faladas que o poder do cérebro requerido de líderes para pensar nos problemas e achar novas soluções. Tentar liderar um mundo em mudança põe um prêmio na inteligência: imaginar possibilidades fora das categorias convencionais, vislumbrar ações que cruzem as fronteiras tradicionais, fazer novas conexões e inventar novas combinações". Numa economia em que o principal produto é o conhecimento, o ideal é que a liderança seja uma espécie de destaque entre pares. Essa situação faz com que o novo executivo - e não apenas o líder tenha necessidade de um novo leque de qualidades. Entre essas qualidades, o guru da administração C. K. Prahalad, professor da Universidade de Michigan, destaca: • pensamento sistêmico - a capacidade de considerar as várias áreas da empresa e suas relações umas com as outras • competência intercultural - a capacidade de compreender diferenças file:///D|/Apostilas%20no%20site_HPG/crd2000_hpg/textos/artigo208.htm[15/12/2013 23:48:27] COHEN,David • treinamento contínuo e extensivo • padrões pessoais e de comportamento (já vamos chegar a esse ponto) Há uma corrente forte de estudiosos da liderança que prioriza o aspecto agregador do líder. John B. McCoy, presidente do Banc One (a quinta maior holding de bancos dos Estados Unidos, com bens de mais de 250 bilhões de dólares), diz que não tem nenhum conhecimento sobre como gerir os vários bancos que ele lidera. Seu papel é ver os números de desempenho, ouvir os pedidos de ajuda dos associados e ter certeza de que aqueles que precisam são postos em contato com aqueles que podem ajudar. "Meu papel principal é o de chefe de pessoal. Se eu conseguir ter as pessoas certas nos lugares certos, isso é tudo que eu tenho de fazer." Não há nada contra a ênfase nesse papel agregador do líder. Esta é mesmo a sua principal função, dando um sentido para a organização e dirigindo-a para obter resultados. Mas falar dessa função como se fosse a coisa mais natural do mundo mascara o espetacular trabalho que está por trás da sua aparente simplicidade. Para conseguir colocar as pessoas certas nos lugares certos, não dá para contar só com a sorte. É preciso ter competência. O mito, alimentado até por alguns líderes, de que o papel da chefia é desvinculado do saber necessário à produção, pode prejudicar a empresa. O especialista em liderança tecnológica Derek Abell, professor do IMD, afirma que na formação de líderes tem-se assumido o processo de desespecialização. Ao contrário, afirma Abell, para a liderança de uma empresa tecnológica deve-se promover a especialização, combinada com as competências mais gerais de liderança. Em suma: o líder tem de entender do negócio, até mesmo para poder dar autonomia aos seus subordinados. UMA ESPÉCIE DE HERÓI É claro que não é só a inteligência que faz um grande líder. "A verdadeira liderança requer das pessoas que assumam riscos consideráveis e façam coisas que os outros não estão dispostos a fazer", afirma o consultor americano John W. Work, diretor da Work Associates. Para ele, a liderança deve ser analisada em relação à imagem do herói: "Heróis incorporam os valores mais fundamentais e duradouros de uma sociedade. Quando eles são relegados a papéis menores, ou desaparecem, substitutos têm de ser criados. Os líderes são esses substitutos". Por que heróis? Porque, além da inteligência, do poder e do carisma, o líder deve ter um desejo e assumir um compromisso maior com a organização. Um líder é aquele que tem garra para ir mais longe, para fazer o que os outros não estão dispostos a fazer. Em duas palavras, é aquele que se oferece para um sacrifício maior e para uma responsabilidade maior. Não se trata de um heroísmo de filmes de caubói. "O que conta não é o valor dos atos heróicos, mas a coragem de fazer e dizer o que se acredita ser verdadeiro, mais do que conveniente, familiar ou popular; a coragem de agir sobre a visão que se tem da organização", afirmam Joseph Badaracco e Richard Ellsworth, autores do livro Leadership and the Quest for Integrity (Liderança e a Missão da Integridade). Essa disposição cria a base da liderança, porque é reconhecida pelos outros. Mais do que qualquer manipulação, é essa força interior que faz o líder. Daí ser tão importante a sua personalidade. "As menores facetas de comportamento do líder são notadas pelos que estão à sua volta, mesmo que não conscientemente, e refletidas para toda a organização por aqueles que influencia", afirma o psicólogo e consultor americano Nathaniel Branden. "Se um líder trata sócios, subordinados, clientes e fornecedores com respeito, isso tende a se propagar para a cultura da empresa. Por isso, se um líder quiser criar uma organização com alta auto-estima e alto desempenho, o primeiro passo é trabalhar a si mesmo." (Daí a necessidade dos padrões pessoais e de comportamento, destacada mais acima). Como os heróis de qualquer mitologia, a luta pessoal do líder tem de reverter em resultados para a sociedade. Se não for assim, o indivíduo não se torna herói, mas apenas um neurótico preso em seu conflituoso mundo interior. Baseado em sua longa experiência, Peter Drucker afirma que os líderes eficientes não perguntam "o que eu quero?", mas "o que precisa ser feito?" Ou, como disse o matemático polonês Jacob Bronowski: "A personalidade criativa é uma que vê o mundo como apto para mudança e a si mesma como instrumento de mudança... um divino agente de mudança". LÍDER SERVE PARA MUDAR Pelo menos nisso parece que todos os especialistas em liderança concordam: se não for para promover mudanças, ninguém precisa de líder. A sorte dos candidatos a líder é que o mundo de hoje é um caldo de mudanças à espera de acontecer. Só há um problema: ninguém consegue mudar uma organização sozinho. Uma mudança assim dirigida não é mudança, é cumprimento de ordens. A verdadeira mudança file:///D|/Apostilas%20no%20site_HPG/crd2000_hpg/textos/artigo208.htm[15/12/2013 23:48:27] COHEN,David exige participação voluntária, e o papel do líder é como o de catalisador de uma reação química. "Líderes hoje têm de começar a pensar como agentes de mudança. Eles não podem mudar a cultura no sentido de eliminar elementos disfuncionais, mas podem fazê-la evoluir, construindo sobre seus pontos fortes e deixando os pontos fracos atrofiar", diz Edgar Schein, da Sloan School. Ele cita as características requeridas para um promotor de mudanças: • nível de percepção extraordinário, de si e do mundo • motivação, para passar pelas dificuldades do aprendizado • habilidade para envolver outros • disposição para dividir o poder Dividir o poder?!? Segundo Schein, essas características não precisam estar presentes em algumas pessoas o tempo todo, mas vão estar presentes em muitas pessoas durante algum tempo. J. B. Kassarjian, professor de estratégia no IMD, fala de características similares: coragem para ter avaliações realistas sobre o seu próprio padrão de liderança; habilidade para identificar e ouvir rebeldes cultos nas linhas de frente do negócio; talento para combinar esses dados numa história que possa levar as pessoas a agir. Sim, porque no fim das contas o que importa é fazer as pessoas agir. Quando se trata de mudanças, alguns gerentes vão estar prontos para entrar no barco, mas a maioria não vai ser tão entusiasmada por discordar do rumo tomado pela empresa ou por puro medo. Isso significa que uma das tarefas-chave para o gestor é criar um sentido de urgência da mudança, diz o canadense Peter Killing, professor de estratégia do IMD. "Mas é preciso ter uma urgência cuidadosa. A última coisa que você quer é implementar às pressas uma mudança sem sentido." Killing propõe um método. "Não exija. Crie experiências. Dê liberdade aos gerentes que quiserem implementar mudanças. Aos poucos, você vai pondo em contato as experiências que forem dando certo." Só há dois problemas com esse processo, adverte Killing: a) ele é lento, não serve para emergências; b) não é garantido que os gerentes que mais precisam mudar sejam aqueles que abracem a mudança. Se a mudança for urgente, Killing sugere a criação de um ambiente de crise, que force a ação. Pode ser com um anúncio público de novas diretrizes. "Quem resiste à mudança pode achar que tem a última chance de dar seus motivos. Convém ouvi-los, eles podem estar certos." Outra forma de simular uma crise é modificar uma rotina entranhada na organização. Acabar com um período de férias estabelecido, mudar o modo de fazer reuniões, fazer uma reforma no escritório. O recado é: as coisas não vão ser como antes. Uma terceira maneira é matar uma vaca sagrada: vender um negócio que não esteja adequado ao seu projeto de futuro, mandar embora um alto executivo resistente. Criar um choque. EMOÇÃO E PROPÓSITO A mudança não é difícil só para os funcionários ou para a empresa. Toda mudança ameaça o líder. Segundo a consultora de gestão americana Judith M. Bardwick, as pessoas confiam no líder quando ele diz que algo vai acontecer e isso acontece. "Basicamente, confiança é uma questão de previsibilidade. Grandes mudanças, portanto, sempre ameaçam a confiança e, assim, em última análise, a confiança na liderança." Manter o nível de confiança é uma tarefa emocional. A emoção deve estar sempre na pauta de um bom líder, diz Deepak Sethi, responsável pelo desenvolvimento de jovens talentos na AT&T: "Pessoas de baixa auto-estima acham difícil elogiar as realizações de outros. Inveja e ressentimento sempre ficam no caminho. Por outro lado, se um gerente aprende a responder de modo correto - porque a empresa exige e porque faz parte da cultura -, não só a pessoa talentosa vai se sentir melhor, mas o próprio gerente pode crescer em auto-estima, pelo exercício de comportamento racional. A organização do futuro vai ser construída em estima mútua, como pré-condição para a liberação do melhor em cada pessoa". Falando de emoções, sempre acaba aparecendo a pergunta: seria o caso de uma liderança mais feminina? Chris Argyris, professora de educação e comportamento organizacional da Harvard Business School, responde: "Está na moda para as mulheres esposar a teoria de que elas são mais sensíveis, mais alertas para as relações interpessoais e menos competitivas que os homens. Nosso estudo com mais de 7 500 indivíduos mostrou que, para definir suas ações, as mulheres usam os mesmos tipos de controle unilateral e teorias ganha/perde que os homens". Qual é o truque, então, para manter a confiança da tropa, para criar um ambiente propício ao desenvolvimento de talentos? Não há truque. O grande conselho do americano Richard Leider, fundador file:///D|/Apostilas%20no%20site_HPG/crd2000_hpg/textos/artigo208.htm[15/12/2013 23:48:27] COHEN,David do Inventure Group, líder no setor de desenvolvimento de carreiras nos Estados Unidos, é ser verdadeiro: "Liderar com um senso de propósito pessoal claro cria coragem; coragem verdadeira atrai seguidores. A chave para o alto desempenho é a integridade - fazer pequenas coisas com consistência". O INFERNO (E O CÉU) SÃO OS OUTROS Muitas vezes, um chefe tem a clara noção do que precisa ser feito, só não entende por que ninguém se entusiasma como ele, por que ninguém compartilha sua visão. Quando isso acontece, em geral quem não está enxergando direito é ele. Basicamente, não está enxergando que outras pessoas pensam de forma diferente. O ex-executivo da Shell Arie de Geus conta a lição que recebeu de um diretor, no começo da carreira: "Se você quiser ser um líder, tem de entender que um gerente não é Deus. Um gerente não cria pessoas - certamente não à sua própria imagem. Como gerente, você pega as pessoas como elas são e aprende a trabalhar com elas". A prática da liderança tem boa parcela de ensino, esclarecimento e tutelagem. Mas não em mão única. Tanto quanto ensinar, o líder tem de aprender. (No fundo, trata-se do mesmo processo. Em francês, o verbo apprendre significa tanto ensinar quanto aprender. Em inglês, learn e teach têm significados diferentes, mas durante um bom período as duas palavras foram usadas como sinônimos. Shakespeare usou learn no sentido de ensinar, na peça Dois Cavalheiros de Verona. Em hebraico, aprender e ensinar têm a mesma raiz, lamed, conhecimento.) "O líder não só precisa saber aprender, mas também tem de aprender como as outras pessoas aprendem", dizem John Alexander e Meena S. Wilson, vice-presidente e pesquisadora do Centro para Liderança Criativa, uma consultoria americana. Fala-se muito que o líder tem de inspirar as pessoas, mas o contrário é também verdadeiro. Um líder precisa ser inspirado pelos outros. Ele tem de se realizar por meio dos outros, tirar satisfação do sucesso de seus subordinados. Só assim poderá deixar de ser concentrador. Num certo sentido, o líder tem de servir seus subordinados. Edson Vaz Musa, que atua como consultor, gestor ou sócio em mais de 20 empresas médias e grandes, diz que o dirigente deve estar sempre disponível para os subordinados. "O executivo-chefe que está sempre ocupado está fazendo mal à empresa." Especialmente quando o principal produto das empresas é o conhecimento, é preciso estimular os funcionários a sair de baixo das asas do chefe. Na empresa do futuro, os gerentes terão de administrar riscos, não comportamentos. Os funcionários mais valiosos serão os mais criativamente desobedientes. Mesmo para executivos "esclarecidos", ceder o poder é difícil. "Não é que eu não sinta falta do sistema antigo", diz Phil Carroll, executivo-chefe da Shell. "Ser o comandante-em-chefe era divertido." Pode ser divertido, mas uma empresa no mundo instável não pode mais se dar ao luxo de não aproveitar o potencial de seus funcionários. E aproveitar o potencial é permitir que eles se desenvolvam - isso inclui tornar-se líder. É o que afirmam os americanos Ian Sommerville, da Andersen Consulting, e John Edwin Mroz, presidente do instituto EastWest Studies (Estudos Oriente/Ocidente), que presta consultoria a governos europeus: "Se o seu programa de liderança é só para gerentes e executivos, você não está entendendo a mensagem". É POSSÍVEL APRENDER A SER LÍDER? Ora, para que gastar dinheiro em treinamento com pessoas que nunca vão chefiar nenhum departamento? Por uma razão muito simples, diz Robert H. Rosen, presidente da Healthy Companies Institute (Instituto de Companhias Saudáveis, uma organização americana sem fins lucrativos): quando nos tornamos melhores líderes, tornamo-nos também melhores seguidores. Liderar é ter noção de responsabilidade, ter paixão, honrar compromissos e saber tomar decisões. Isso é bom em qualquer nível da empresa. Alguns empresários antigos ainda pensam que não precisam de funcionários com autonomia, pelo menos em cargos mais baixos. Imaginam que isso só vá servir para elevar o custo da folha de pagamentos. Mas, na economia do conhecimento, não há setor que não possa lucrar com um pouco mais de inteligência, e dificilmente haverá investimento mais lucrativo do que aprimorar as qualidades dos seus funcionários. O guru Peter Senge, diretor do Centro de Aprendizado Organizacional da Sloan School, chega a especificar alguns tipos de liderança dentro de uma empresa: • Líderes locais: criam subculturas que podem diferir bastante da cultura principal da empresa. São bons para a companhia, porque em geral é deles que vem a inovação. A independência é sua força e sua file:///D|/Apostilas%20no%20site_HPG/crd2000_hpg/textos/artigo208.htm[15/12/2013 23:48:27] COHEN,David fraqueza. Força, porque permite experiência fora dos limites da cultura da empresa. Fraqueza, porque eles não pensam muito em aprender dentro da organização, tipicamente têm pouca paciência para compartilhar seus resultados e podem desenvolver uma postura "nosso departamento contra o mundo", achando-se incompreendidos pela organização. • Líderes executivos: devem proteger os líderes locais e atuar para juntar gerentes com linhas de pensamento complementares dentro da organização. • Construtores da rede: seu poder vem justamente do fato de não terem poder nenhum. Eles podem se mover pela organização livremente e são vistos como pessoas com credibilidade, conhecimentos e senso de compromisso. Servem como elos de ligação porque ninguém os vê como ameaça. É claro que corremos o risco de esbarrar na hipocrisia. Uma empresa não pode dar o mesmo tipo de recompensa e reconhecimento a todos os funcionários. (Isso se aplica especialmente ao Brasil, um dos países com maior disparidade salarial entre altos executivos e operários.) Chamar todo mundo de líder não é o mesmo que dizer que não há líder nenhum? Sim, é. Essa questão está intimamente ligada a uma outra: é possível aprender a ser líder? A professora Chris Argyris, de Harvard, diz que agir de acordo com um modelo pode ser muito contraproducente. "Se um líder L recebe a avaliação de que é muito controlador, ele pode tentar agir de forma menos autoritária. Mas esse raciocínio exclui as razões pelas quais ele é autoritário. Pode ser porque ele considera seus subordinados fracos, sem iniciativa. Então ele pode mudar seu comportamento sem mudar as crenças que o sustentavam. O que faz esse tipo de mudança? Se L falava muito, agora fala pouco. Se era agressivo, torna-se mais passivo. Os novos comportamentos não representam uma nova teoria, são apenas as características opostas da velha. Por isso, em geral têm curta duração, especialmente quando o indivíduo se sente constrangido ou ameaçado." A única forma de melhorar o relacionamento é abandonar os raciocínios defensivos. Eles levam a estratégias unilaterais, que provocam outras estratégias unilaterais, até criar um diálogo de surdos. O paradoxo da liderança é que o líder eficiente em geral não está tentando ser líder, está apenas se esforçando para expressar suas verdades. É alguém que quer aprender e buscar o autoconhecimento. Se cada funcionário for incentivado a fazer isso, a empresa terá gente muito mais motivada no presente e muito mais possibilidades de escolher o líder ideal para o futuro, no futuro. Na mitologia hassídica (uma seita judaica criada a partir de 1740), o rabino Zusya de Hanipol ensinava: "Na outra vida, ninguém vai me perguntar: 'Por que você não foi mais parecido com Moisés, nosso líder? '. Eles vão me perguntar: 'Por que você não foi mais parecido com Zusya?'" file:///D|/Apostilas%20no%20site_HPG/crd2000_hpg/textos/artigo208.htm[15/12/2013 23:48:27]