FIGUEIREDO DIAS | À CONVERSA 9 Jornal do Centro 05 | Fevereiro | 2010 Semanalmente,“ÀConversa”resultadeumtrabalhoconjuntodoJornaldo Centro e da Rádio Noar. Esta conversa pode ser ouvida na íntegra na Rádio Noar, esta sexta-feira, às 11hoo e às 19h00, e domingo, às 11h00 e ainda em www.jornaldocentro.pt de, passou a tabacaria para o meu pai. E então passou de Tabacaria Figueiredo para Papelaria Dias. Já não tem grandes memórias da papelaria? Claro que sim. Foram os meus anos do liceu. Estive sempre ligado mesmo à própria casa. O meu pai morreu muito cedo. A minha mãe, a dona Berta, pegou naquilo e foi uma heroína. Tinha um espírito sempre em movimento. Nesse tempo, a Rua Direita era um mar de gente. Eu era acordado às nove horas com o som maravilhoso das pessoas a conversarem na rua. Não eram automóveis, nem táxis, nem aviões, eram as pessoas a comunicarem. Hoje, aprecio os esforços que se têm feito para revitalizar o centro histórico. Como centro histórico está muito bem, com vida (pensa), Publicidade o problema ainda não foi resolvido. Muitas pessoas chamamlhe o “pai” do Código Penal Português. Aceita isso? Não. Tenho quatro filhos, chegam-me. Às vezes chamam-me “pai” do Código Penal, às vezes chamam-me “pai” do Código do Processo Penal, há que distinguir, as coisas não são iguais. O Código Penal provém de um projecto do meu saudoso mestre, Eduardo Correia. Se alguém é “pai” do Código Penal é o Eduardo Correia, de 1982. Realmente eu fui encarregado de uma reforma do código de 1982 (presidente de uma comissão) e fez-se então a reforma em 1995, que é o Código Penal que está aí. O Código do Processo Penal é outra coisa. Uma vez mais, fui o presidente da Comissão de Reforma. Em Portugal legisla-se muito? Não é muito, é demais. Usa-se demasiado o Diário da República. Aí, junto às queixas de juízos, de procuradores e de advogados. Uma reforma em cada ano não é suportável e, em matéria penal, é muito complicado. Não é pagar mais IVA, vamos para a prisão. O estado da justiça portuguesa deve-se a essa excessiva legislação? Também se deve a isso. Quando a reforma sucede em catadupa é mais provável o erro. Agora, a crise da justiça que existe, se quiser ser ultrapassada, tem que o ser pela mudança de atitude dos chamados operadores judiciários: os juízes, o Ministério Público, os advogados. Enquanto não houver essa mudança de atitude perante as suas tarefas, não se pode im- por por lei. É uma questão cultural. A sua atitude só pode ser de cooperação na realização da justiça e é isso que existe nos países onde mal se fala de uma crise da justiça. Tem razão o bastonário da Ordem dos Advogados, quando faz críticas aos diversos actores? Desde que também nessa crítica se meta a tal atitude dos advogados. Defende o fim do segredo de justiça? Não. Não tem que se acabar com o segredo de justiça, tem que se controlar, o melhor que se possa, as violações do segredo de justiça. Ganhou no ano passado o Prémio Eduardo Lourenço, atribuído pelo Centro de Estudos Ibéricos. Que trabalho é que tem desenvolvido com os vizinhos espanhóis? Cinquenta por cento do meu sangue é espanhol. O meu avô paterno era das terras de Sayago, um castelhano puro. Veio por aí fora, encantou-se de tal modo com Viseu, que por cá ficou. Tinha uma casa de sementes na Rua Direita. Em casa dele falavase espanhol e eu, até aos oito anos, era bilingue. Sempre tive uma ligação particular sobretudo às terras de Castilla e León. Por outro lado, a Faculdade de Direito de Coimbra tem relações muito estreitas com Santiago de Compostela e não só. Tenho imensas publicações em espanhol, tenho feito conferências, colóquios e efectivamente consegui estabelecer particulares relações entre a minha universidade e a universidade espanhola. Foi fundador do PSD, mem- bro da direcção, deputado… ainda acompanha a vida do partido? Não. Acompanho como cidadão particularmente interessado. Fui um dos fundadores do PPD. Mesmo no tempo da ditadura, a minha formação era uma formação social-democrata do trabalhismo britânico e assim achei que devia dar o meu contributo e dei, nos anos muito difíceis. Quando as coisas começaram a estabilizar, disse: não quero ser um político, quero ser um universitário. Regressei à universidade e por lá fiquei. Mas foram dias fantásticos, esses de 74 a 77. Hoje, não se revê no PSD? Não me revejo no PSD, como não me revejo no PS. É uma atitude de cidadão e não quero tirar daí uma consequência.