FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA DE ECONOMIA DE EMPRESAS DE SÃO PAULO
CURSO DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO
URSULA DIAS PERES
ARRANJO INSTITUCIONAL DO FINANCIAMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL
NO BRASIL:
Considerações sobre os municípios brasileiros e estudo de caso do município de
São Paulo no período de 1997 a 2006.
SÃO PAULO
2007
URSULA DIAS PERES
ARRANJO INSTITUCIONAL DO FINANCIAMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL
NO BRASIL:
Considerações sobre os municípios brasileiros e estudo de caso do município de
São Paulo no período de 1997 a 2006.
Tese apresentada à Escola de Economia de
Empresas de São Paulo da Fundação
Getúlio Vargas, como requisito para a
obtenção do título de Doutora em Economia
de Empresas.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Gonçalves
Fernandes da Silva
SÃO PAULO
2007
Peres, Ursula Dias.
Arranjo Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental no
Brasil: Considerações sobre os municípios brasileiros e estudo de caso
do município de São Paulo no período de 1997 a 2006. / Ursula Dias
Peres. - 2007.
298 f.
Orientador: Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
Tese (doutorado) - Escola de Administração de Empresas de São
Paulo.
1. Educação - Financiamento. 2. Política e educação - Brasil. 3.
Educação - Custos. 4. Ensino fundamental. I. Silva, Marcos Fernandes
Gonçalves da. II. Tese (doutorado) - Escola de Administração de
Empresas de São Paulo. III. Título.
CDU 37.014.5(81)
URSULA DIAS PERES
ARRANJO INSTITUCIONAL DO FINANCIAMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL
NO BRASIL:
Considerações sobre os municípios brasileiros e estudo de caso do município
de São Paulo no período de 1997 a 2006.
Tese apresentada à Escola de Economia de
Empresas de São Paulo da Fundação
Getúlio Vargas, como requisito para a
obtenção do título de Doutora em Economia
de Empresas.
Data de aprovação:
_____________
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Marcos Gonçalves Fernandes da
Silva
FGV-EESP
Profa. Dra Marta Arretche
USP-FFLCH
Prof. Dr. Arthur Barrionuevo
FGV-EASP
Prof. Dr. Paulo Roberto Arvate
FGV-EESP
Prof. Dr. Renaldo Antonio Gonçalves
PUC-SP
DEDICATÓRIA
Ao Cassio, pelo amor e companheirismo,
À pequena Laura, por me ensinar a importância da vida,
E aos meus pais, Creusa (em memória) e José, por me ensinarem a importância da
Educação.
AGRADECIMENTOS
Gostaria inicialmente de agradecer às organizações que me possibilitaram o apoio
financeiro e institucional necessário à realização desta tese, assim agradeço à
Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV) e à Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Agradeço também ao meu orientador prof. Marcos Fernandes, ao prof. Ramón
Fernández, além dos outros professores da EESP, pelos ensinamentos ao longo do
programa de doutorado.
Aos professores e amigos Francisco Vignoli, Clovis Bueno e Fernando Garcia
agradeço especialmente pela paciência em ler meu texto e pelas importantes
observações feitas. Aos amigos Paulo Fiorilo e Selma Rocha, agradeço as
indicações de leitura e as importantes considerações para o desenvolvimento da
tese.
Não posso deixar também de agradecer a amiga Luciane Alves pelo apoio durante
toda a empreitada da tese e principalmente pela revisão do texto. Aos amigos
Roberto Garibe, Marcos Barreto e Luís Fernando Massonetto por todas as
discussões sobre as implicações políticas do orçamento da educação. Às amigas
Lígia, Cristiane e Maria Gabriela agradeço pela importante ajuda com os dados da
tese. À Vera Lion, Cenise Vicente e equipe do Programa Banco na Escola, ao Sérgio
Sampaio, Eduardo Marques, Rafael Oliva, Ivan Prado, Marcos Antônio Cintra,
Renato Cymbalista e Renata Milanesi agradeço por indiretamente terem me apoiado
nesta empreitada.
Aos secretário(a)s municipais, vereadores e às assessorias técnicas entrevistadas
agradeço as informações e dados concedidos. Aos pais, mães, diretores,
professores e alunos das oficinas de discussão do orçamento da educação
agradeço sua participação e debates.
Agradeço também à minha família, irmãos e cunhados, e especialmente à Sil, por
toda sua ajuda e ao meu pai por todo empenho em me estimular a estudar e a fazer
o doutorado.
À minha pequena Laura por toda alegria que trouxe em sua chegada que
compensou o esforço e a dedicação para a elaboração desta tese.
E finalmente ao meu querido companheiro Cassio, por todo seu carinho,
companheirismo, paciência e pela ajuda providencial com a finalização do texto.
RESUMO
O ambiente institucional do financiamento do ensino fundamental no Brasil sofreu
diversas modificações nas últimas décadas, principalmente nos anos 1990. Com o
objetivo de aliar a priorização do ensino fundamental à descentralização das
políticas públicas de educação para o nível municipal, o governo federal promoveu
uma reforma profunda nas normas legais para a execução dessas políticas, inclusive
através de emendas constitucionais, que passaram a constituir importantes regras
para o financiamento do ensino.
Uma das principais alterações foi a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef,
destinado ao financiamento do ensino fundamental no Brasil.
Apesar das reformas ocorridas, a situação do ensino fundamental no Brasil é ainda
bastante precária. Esta não condiz com as necessidades de sua população, e nem
com as possibilidades econômicas do Estado brasileiro.
Do ponto de vista analítico, com base no referencial teórico da Nova Economia
Institucional, a criação da vinculação de verbas para a política educacional é
considerada a principal regra de financiamento do ensino fundamental e serviu à
redução de vários custos de transação. Esses custos estão relacionados à
descontinuidade de ações e ao comportamento oportunista dos atores envolvidos no
cenário das políticas públicas. Dentre esses atores estão os representantes do poder
público, executivo e legislativo, a burocracia estatal e a sociedade civil.
Esta tese busca avaliar se o conjunto de estratégias de financiamento do ensino
criado a partir das vinculações orçamentárias de receitas, em especial para o ensino
fundamental, é condição suficiente para a obtenção de eficiência na condução das
políticas de educação, ou se há outros elementos, ligados ou não a essa estratégia,
que contribuem para a manutenção de ineficiências.
O enfoque teórico utilizado na tese é o da Nova Economia Institucional, baseado,
principalmente, nos trabalhos de North (1988 e 1990), Williamson (1985) e Miller
(1992). Esse referencial teórico fundamenta-se no papel central das instituições na
avaliação de problemas sócio-econômicos.
Dessa maneira, a primeira parte da tese é dedicada à descrição dos elementos
centrais dessa teoria, como, por exemplo, os conceitos de regras formais e
informais, custos de transação e estruturas de governança. Com base nessa
estruturação inicial é construído o modelo teórico utilizado na tese que pode ser
entendido como uma adaptação da abordagem da Nova Economia Institucional para
organizações do setor público. Esse modelo leva em consideração elementos e
características importantes das instituições, atores e estruturas de governança,
fundamentais na análise das organizações públicas.
A partir desse modelo teórico é realizada uma análise pormenorizada do arranjo
institucional desenvolvido para o financiamento do ensino fundamental nos
municípios brasileiros, abrangendo o ambiente institucional, isto é, as regras do jogo,
assim como o comportamento dos agentes frente a essas regras. Como forma de
testar empiricamente os pressupostos teóricos utilizados na tese, é também
realizado um estudo de caso para o Município de São Paulo.
Esta tese busca contribuir com as discussões acerca das mudanças necessárias na
construção das políticas de educação no Brasil, chamando atenção para a
importância da adequação institucional entre as regras formais estabelecidas para
as políticas e as características, valores e capacitação dos atores envolvidos na
implantação dessas regras.
A própria teoria institucional antecipa que a não consideração desses fatores implica
a possibilidade de ocorrência de custos de transação associados aos custos de
controle dos gestores públicos e ao comportamento oportunista dos agentes no
cenário das políticas públicas. Com isso, mesmo existindo recursos vinculados não
estará garantida uma condução eficiente das políticas públicas de ensino.
Palavras-chave: financiamento público da educação, processo orçamentário,
educação, custos de transação, estrutura de governança.
ABSTRACT
The institutional environment of elementary education funding in Brazil suffered
several modifications in the last decades, mainly during the 1990's. In order to join
the prioritization of elementary education to the decentralization of educational public
policies – leading it to local level – the federal government promoted a deep reform in
the legal framework, even through constitutional amendments that became important
rules for education funding. One of the major changes was the creation of the
“Elementary Education Development and Maintenance and Teachers Valorization
Fund” (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério – FUNDEF) destined to the financing of elementary
education in Brazil.
Despite these reforms, the situation of elementary education in Brazil is still
extremely precarious: neither does it fulfills the needs of its people, nor is compatible
with Brazilian State economical capacities.
From the analytical standpoint, with basis on the "New Institutional Economy"
theoretical reference, the creation of earmarked revenues for education policies is
considered the main financing rule for elementary education, and served to reduce
several transaction costs. These costs are associated to the discontinuity of actions
and to the opportunistic behavior of the players involved in the public policies’
scenario. Among these players are representatives of the executive, legislative and
public powers, state bureaucracy and civil society.
This thesis seeks to evaluate if this set of education financing strategies - created by
earmarked revenues mainly for elementary education - is sufficient condition to
achieve the efficiency required to carry out those education policies, or if other
effects, linked to the strategy or not, contribute to the maintenance of inefficiencies.
This thesis uses as theoretical reference the "New Institutional Economy", which is
mainly based in the works by North (1988 and 1990), Williamson (1985) and Miller
(1992). This reference focuses on the central role of institutions in the evaluation of
social-economical problems.
Thus, the first session of the thesis aims at describing the core elements of this
theory, such as the concepts of formal and informal rules, transaction costs and
governance structures.
Based on this initial structure, the theoretical model used in the thesis is built and can
be considered as an adaptation of the New Institution Economy approach for
organizations in the public sector. This model takes into consideration important
elements and characteristics of institutions, players and governance structures that
should be accounted for when analyzing public organizations.
Under the light of this theoretical model, the institutional array developed for
elementary education financing in Brazilian cities is analyzed into further detail;
comprehending the institutional scenario, that is, the rules of the game, and the
behavior of the players face to these rules. In order to empirically test the theoretical
assumptions of this thesis, a case study is carried out in the city of São Paulo.
The present thesis aims at contributing to the discussions on the necessary changes
on education policies, with special emphasis in the institutional adequacy between
the formal rules established to the policies and the characteristics, values and skills
of the players involved in the implementation of these rules.
The very institutional theory anticipates that the disregard of these factors implies the
possibility of occurring transaction costs associated to public manager control costs
and to the opportunistic behavior of the players involved in the public policies’
scenario. Therefore, even in the existence of earmarked revenues, the efficient
conduction of public education policies will not be guarantied.
Key-words: public education funding, budgetary process, education, transaction
costs, governance structures.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadros, Figuras, Gráficos e Tabelas
Quadro 1 - Ambiente Institucional
38
Quadro 2 – Estruturas de Governança
47
Quadro 3 - Custos de Transação e Estrutura de Governança no Setor Público
62
Quadro 4 – Regras do financiamento do Ensino Fundamental nos municípios:
receitas
105
Quadro 5 – PPA – Educação - 2002/2005
229
Quadro 6 – PPA – Ensino Fundamental – 2006/2009
231
Figura 1 – Fluxo do Orçamento Programa
67
Figura 2 – Fluxograma do Processo Orçamentário Municipal
79
Tabela 1 - Carga tributária global e Divisão Federativa - 1960/2005
82
Tabela 2 - Valores mínimos anuais por aluno da complementação da União ao
Fundef e a base legal - de 1997 a 2005
92
Tabela 3 - Receita Real Média de Impostos Próprios e Transferências
Municípios Brasileiros por Estado (1998 - 2005)
107
Tabela 4 - Evolução das Receitas Adicionais do Fundef - Acréscimo e Redução
entre Estados e Municípios - 1998/2005.
109
Tabela 5 - Despesa Real Média com Ensino Fundamental dos Municípios
Brasileiros por Estado – (1998-2005)
110
Tabela 6 - Comparativo das Matrículas do Ensino Fundamental por UF, Região
e Esfera Governamental - 1997/2005.
113
Tabela 7 -Taxa de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais de idade, por
grandes regiões - 1995/2005.
117
Tabela 8 - Número Médio de Anos de Estudo das Pessoas de 10 anos ou mais
de Idade 1999/2004 – Brasil.
118
Tabela 9 – Tempo médio de anos de estudo para conclusão do Ensino
Fundamental no Brasil e Regiões – 1995-2004
118
Tabela 10 – Taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono nas Redes
Municipais de Ensino Fundamental no Brasil e Regiões - 1999-2004
119
Tabela 11 - Taxa de Escolarização Bruta e Líquida - Série Ensino Fundamental
no Brasil e Regiões - 1980/2000
120
Tabela 12 - Faixas de remuneração dos DME
138
Tabela 13 - Mecanismos de seleção de diretor das escolas municipais, por UF e
Região
140
Tabela 14 - Situação dos professores da rede municipal por UF e região
Tabela 15 – Vereadores eleitos por partido no Brasil – 1996, 2000 e 2004.
141
147
Tabela 16 - Valores mínimos anuais por aluno da complementação da União ao
Fundef em valores nominais e reais
188
Tabela 17 - Taxa de Participação nas Matrículas de Ensino Fundamental por
Rede de Ensino no Município de São Paulo – 1996/2005
205
Tabela 18 - Evolução do Número de Matrículas de Ensino Fundamental Regular
na Rede Municipal de São Paulo – 1993/2005
205
Tabela 19 - Recursos Adicionais do Fundef - Município de São Paulo 1998/2006
207
Tabela 20 - Evolução das Receitas de Impostos e Transferências destinadas à
Educação no Município de São Paulo - 1997/2006
213
Tabela 21A - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino no Município de São Paulo - 1997/2006 (Conceito LDB)
214
Tabela 21B - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino no Município de São Paulo - 1997/2006 (Conceito Educação Inclusiva)
215
Tabela 22 - Receitas do Fundef – Município de São Paulo – 2006
216
Tabela 23 – Despesa com a Subfunção Ensino Fundamental e Custo Aluno/Ano
– Município de São Paulo - 1997/2006.
217
Tabela 24 - Número de Funcionários – Docentes e Não-Docentes da Secretaria
Municipal de Educação - Prefeitura do Município de São Paulo – 1996/2004
218
Tabela 25 - Evolução da Média do Número de Alunos por classe no Ensino
Fundamental Regular – Rede Municipal de São Paulo – 1993/2004
220
Tabela 26 - Evolução da Taxa de Alunos Aprovados, Reprovados e Abandonos
no Ensino Fundamental – Rede Municipal de São Paulo – 1993/2004
221
Tabela 27 - Desempenho dos alunos na Prova Brasil 2005 - Brasil e Município
de São Paulo
223
Tabela 28 - Evolução da Aplicação de Outras Receitas da Educação (FNDE e
QESE) no Município de São Paulo – 1999/2006
226
Tabela 29 - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental no Município de São Paulo - 1999/2006
227
Tabela 30 – Percentual de Remanejamento Orçamentário – Prefeitura do
Município de São Paulo – 2006.
237
Tabela 31 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da
PMSP – Detalhamento dos Programas - 2006.
237
Tabela 32 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da
PMSP – Detalhamento dos Projetos – 2006.
238
Tabela 33 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da
PMSP – Detalhamento das Atividades – 2006.
239
Tabela 34 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da
PMSP – Detalhamento dos Elementos de Despesa – 2006.
240
Tabela 35 – Vereadores por Partido ou Coligação - Câmara Municipal de São
Paulo – Eleição de 1996
260
Tabela36 – Vereadores por partido - Câmara Municipal de São Paulo – Eleição
de 2000.
262
Tabela 37 – Vereadores por Partido - Câmara Municipal de São Paulo – Eleição
de 2004.
263
Gráfico 1 – Taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono nas Redes
Municipais – Brasil e regiões – 2004.
119
Gráfico 2 – Média em Língua Portuguesa da 4ª série do ensino fundamental Brasil e rede municipal – 1995/2003.
124
Gráfico 3 – Média em Língua Portuguesa da 8ª série do ensino fundamental Brasil e rede municipal – 1995/2003.
124
Gráfico 4 – Média em Matemática da 4ª série do ensino fundamental - Brasil e
rede municipal – 1995/2003.
125
Gráfico 5 – Média em Matemática da 8ª série do ensino fundamental - Brasil e
rede municipal – 1995/2003.
126
Gráfico 6 - Evolução do Número de Matrículas na Rede Municipal de São Paulo
- Ensino Fundamental Regular – 1993/2005
206
Gráfico 7 - Evolução da Quantidade de EMEI e EMEF em atividade – Rede
Municipal de São Paulo – 1993/2004
219
Gráfico 8 - Taxa de Alunos Aprovados, Reprovados e Afastados por Abandono
no Ensino Fundamental no município de São Paulo – 1993/2004
222
Gráfico 9 - Rigidez Orçamentária no município de São Paulo - 2006/2007
245
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APEOESP
Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo
APM
Associação de Pais e Mestres
CAE
Conselho de Alimentação Escolar
CEB
Câmara de Educação Básica
CEPAL
Comissão Econômica para América Latina e o Caribe
CEU
Centro Educacional Unificado
CF
Constituição Federal
CGU
Controladoria Geral da União
CLT
Consolidação das Leis Trabalhistas
CMEs
Conselhos Municipais de Educação
CNE
Conselho Nacional de Educação
CONAE
Coordenação dos Núcleos de Ação Educativa
DCT
Disposições Constitucionais Transitórias
DEAs
Despesas de Exercícios Anteriores
DIFIN
Diretoria Financeira do FNDE
DME
Dirigentes Municipais de Educação
EC
Emenda Constitucional
EJA
Educação de Jovens e Adultos
EMEF
Escola Municipal de Ensino Fundamental
FNDE
Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino
FPE
Fundo de Participação dos Estados
FPM
Fundo de Participação dos Municípios
FUNDEB
Fundo de Manutenção e Valorização do Ensino Básico
FUNDEF
Fundo de Manutenção e Valorização do Magistério
GDE
Gratificação de Desenvolvimento Educacional
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
INEP
Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa
IPI
Imposto sobre Produtos Industrializados
IPIEXP
Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações
IPVA
Imposto sobre Veículos Automotores
LDB
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDO
Leis de Diretrizes Orçamentárias
LOA
Lei Orçamentária Anual
LOM
Lei Orgânica Municipal
LRF
Lei de Responsabilidade Fiscal
MEC
Ministério da Educação
MF
Ministério da Fazenda
MP
Ministério Público
OCDE
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OP
PDDE
Orçamento Programa
Programa de Complementação ao Atendimento Educacional
Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência
Programa Dinheiro Direto na Escola
PIB
Produto Interno Bruto
PISA
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
PME
Plano Municipal de Educação
PNAD
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAE
Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNATE
Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar
PNE
Plano Nacional de Educação
PPA
Planos Plurianuais de Ação
PPBS
Planning and Programming Budget System
QESE
Quota Estadual do Salário Educação
RCL
Receita Corrente Líquida
SAEB
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SEF MEC
Secretaria de Ensino Fundamental do MEC
SFCI
SME
Secretaria Federal de Controle Interno
Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São
Paulo
Secretaria Municipal de Educação
STN
Secretaria do Tesouro Nacional
TCU
Tribunal de Contas da União
UF
Unidade da Federação
UNDIME
União dos Dirigentes Municipais de Educação
UNESCO
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
PAED
SINPEEM
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 18
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional ....................................................................... 28
1.1 Ambiente institucional............................................................................................. 30
1.1.1 Regras formais .................................................................................................. 35
1.1.2 Regras informais ............................................................................................... 37
1.2 Análise microinstitucional - economia dos custos de transação......................... 38
1.2.1 Pressupostos comportamentais ...................................................................... 39
1.2.2 Custos de transação ......................................................................................... 40
1.3 Estruturas de governança, coordenação e eficiência. .......................................... 42
1.4 Custos de transação e estruturas de governança no setor público .................... 47
1.4.1 Atores................................................................................................................. 47
1.4.2 Custos de transação ......................................................................................... 49
1.4.3 Características especiais das estruturas de governança no setor público .. 52
1.4.4 Oportunismo político e a vinculação orçamentária no setor público ........... 59
Capítulo 2 – O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental...... 64
2.1 Regras do jogo na programação dos gastos públicos: processo orçamentário 65
2.1.1 Processo orçamentário no Brasil .................................................................... 65
2.2 Regras do jogo no financiamento do Ensino Fundamental.................................. 79
2.2.1 Constituição de 1988 ........................................................................................ 79
2.2.2 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB ................................. 84
2.2.3 Emenda Constitucional 14/96........................................................................... 88
2.2.4 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério – Fundef ......................................................................... 90
2.2.5 Salário-educação............................................................................................. 101
2.2.6 Outras receitas ................................................................................................ 103
2.2.7 Quadro resumo do financiamento do ensino fundamental.......................... 105
2.3 Impacto da mudança de regras da educação ...................................................... 106
2.3.1 Reflexo nas finanças públicas municipais .................................................... 106
2.3.2 Evolução dos indicadores de fluxo e acesso................................................ 111
2.3.3 Indicadores de qualidade do ensino.............................................................. 121
2.3.4 Comparações internacionais.......................................................................... 126
2.3.5 Avaliando os resultados ................................................................................. 127
Capítulo 3 - Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios........................................................................................................................ 132
3.1 Estrutura de governança do ensino fundamental nos municípios: os atores... 132
3.1.1. Poder Executivo ............................................................................................. 132
3.1.2 Dirigentes municipais e burocracia da educação......................................... 136
3.1.3 Poder Legislativo ............................................................................................ 144
3.1.4 Sociedade civil ................................................................................................ 149
3.2 Características das organizações do ensino fundamental no município .......... 155
3.2.1 Multiplicidade de principais............................................................................ 156
3.2.2 Multiplicidade de tarefas e de objetivos ........................................................ 157
3.2.3 Complexidade na motivação dos agentes..................................................... 158
3.2.4 Reduzida competitividade .............................................................................. 160
3.3 Custos de transação, controle externo e eficiência do sistema de ensino ....... 160
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental ................. 164
4.1 As disjunções do processo orçamentário na formulação e implementação de
políticas públicas......................................................................................................... 165
4.1.1 Falhas do processo orçamentário ................................................................. 165
4.1.2 Limites do modelo de orçamento-programa ................................................. 177
4.2 As falhas na concepção da reforma do ensino fundamental.............................. 183
4.2.1 O Fundef e as relações entre os níveis de ensino ........................................ 184
4.2.2 O impacto sobre a mobilidade das matrículas nas esferas de governo ..... 185
4.2.3 O impacto nas relações federativas............................................................... 188
4.3 As disjunções da estrutura federativa no Brasil e seu impacto no arranjo
institucional do ensino ................................................................................................ 190
4.3.1 Estrutura federativa no Brasil ........................................................................ 190
4.3.2 Federalismo e arranjo institucional do ensino no Brasil.............................. 197
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação
no período de 1997-2006 ................................................................................................. 203
5.1 Ambiente institucional do ensino fundamental no município de São Paulo ..... 203
5.1.1 O impacto da reforma federal do ensino fundamental ................................. 204
5.1.2 As alterações na legislação municipal .......................................................... 208
5.1.3 Receitas e gastos com ensino fundamental e indicadores de ensino no
período de 1997 a 2006 ............................................................................................ 212
5.1.4 Falhas nas regras formais do financiamento do ensino no município de São
Paulo ......................................................................................................................... 223
5.2 Estrutura de governança e custos de transação no financiamento do Ensino
Fundamental no município de São Paulo .................................................................. 242
5.2.1 Atores............................................................................................................... 242
5.2.2 Características ................................................................................................ 264
5.2.3 Custos de transação ....................................................................................... 267
5.3 Conclusão .............................................................................................................. 269
Considerações Finais...................................................................................................... 273
Referências Bibliográficas .............................................................................................. 282
Introdução
18
INTRODUÇÃO
“Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva
em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os
de caráter econômico lhes podem disputar a primazia nos
planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica
do sistema cultural de um país depende de suas condições
econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas
ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e
o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que
são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma
sociedade”. (MANIFESTO, 1932, p.1)
Era esse o início do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” em 1932. Um
grupo de intelectuais e educadores que se organiza para redigir um documento que
se tornaria histórico na luta pela priorização do ensino no Brasil. De acordo com os
participantes do grupo, após mais de 40 anos da proclamação da República
continuava a existir na educação pública uma total dissociação entre sua evolução e
a do investimento econômico, o que lhes parecia totalmente descabido e desprovido
de uma estratégia nacional de crescimento para o país.
Segundo o que clamavam os manifestantes, a educação no Brasil deveria ser
eminentemente pública, gratuita, de qualidade e universal. A mesma evolução que
se percebia na economia e na sociedade deveria ser refletida na educação pública,
o que implicava, na sua opinião, a necessidade de uma reestruturação das
instituições ultrapassadas. Era o momento de trabalhar por meio de planos políticosociais, as questões escolares que até então estavam restritas ao terreno
administrativo.
Dessa maneira, o Manifesto culminava com a necessidade de desenvolvimento de
um Plano Nacional de Educação que deveria definir os princípios e diretrizes da
educação no país. Esse plano buscaria combinar as tarefas do Estado de forma que
fosse possível um arranjo entre as ações do governo central, bem como as dos
estados em seus territórios, de maneira coerente e harmoniosa, visto que em sua
visão a descentralização coordenada das ações era uma necessidade brasileira.
Introdução
19
Apesar de ter sido escrito há 75 anos, é possível perceber que o “Manifesto dos
Pioneiros da Educação” mantém sua atualidade quando vemos que, no início deste
ano de 2007, o governo federal resolveu apresentar à sociedade brasileira o Plano
de Desenvolvimento da Educação (PDE), cujo objetivo básico é promover, em todas
as esferas administrativas, um esforço por uma educação pública universal e de
qualidade1.
É bem verdade que nesse ínterim, entre o Manifesto de 32 e o novo PDE, muitas
alterações ocorreram com a educação no Brasil, em termos de estruturas legais e
institucionais. Segundo Piletti e Piletti (2002), após as discussões da década de
1930, no período de 1946 até 1964, com o fim do Estado Novo, é adotada uma nova
Constituição que determinaria a obrigatoriedade do ensino primário, dando
competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional,
inclusive estabelecendo que a educação seria um direito de todos, conforme o
requerido no Manifesto dos anos 30.
Esse período foi muito fértil em termos de Educação, havendo a criação do
Ministério da Educação e Cultura (MEC) e, em 1962, são criados o Plano Nacional
de Educação e o Plano Nacional de Alfabetização, este último baseado no Método
Paulo Freire.
A ditadura militar, contudo, aborta várias dessas iniciativas, taxadas de subversivas
pelos líderes golpistas. Nesse período, em 1971, é estabelecida a Lei 4.024, Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cuja principal característica era a
preocupação com a formação educacional profissionalizante, preocupação essa,
condizente com o espírito da época de formar contingentes de pessoas para um
parque industrial crescente (PILETTI e PILETTI, 2002).
Com a reabertura democrática, há uma ebulição dos desejos e necessidades
reprimidos durante anos de ditadura na área social e principalmente na educação.
Recomeça a discussão sobre a necessidade de um novo Plano Nacional de
Educação e uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
1 Conforme informações obtidas no http://portal.mec.gov.br, em 20/03/2007.
Introdução
20
Em 1986, um primeiro passo dessa reestruturação é dado com a aprovação da Lei
Calmon, que fixou recursos obrigatórios para o investimento em educação pelas três
esferas de governo. Mais tarde, em 1988, a nova Constituição reforça essa
determinação ao estabelecer a vinculação constitucional da educação, dividindo
responsabilidades para os ensinos fundamental, médio e superior, entre União,
estados e municípios, passando os últimos a serem unidades federativas
autônomas. A partir da Constituição de 1988 e nos anos mais recentes, várias
políticas
educacionais
foram
criadas,
partindo-se
de
um
princípio
de
descentralização do ensino básico (CASTRO, 2001).
Segundo Vasconcellos (2004), o Estado brasileiro vem desde então ampliando sua
responsabilidade relativa à educação, por meio do aumento da vinculação de
recursos para a área e da elevação do número de anos de estudo obrigatório,
tornando a despesa com ensino prioridade de todas as esferas de governo. Exemplo
disso foi a revisão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em
1996, após vários anos em tramitação legislativa, e o Fundo para Manutenção e
Valorização do Magistério e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef),
criado no mesmo ano e cuja intenção principal era a melhoria e a municipalização do
ensino fundamental.
Porém, mesmo com todas as reformas por que passou a educação nos períodos
citados, a situação do ensino no Brasil é ainda bastante precária, não condizente
com as necessidades de sua população e nem com as possibilidades econômicas
do Estado brasileiro. Apesar do clamor do Manifesto de 32, a educação pública
brasileira não conseguiu avançar no intuito de tornar-se universal e de qualidade.
Devemos reconhecer que houve avanço no que diz respeito às taxas de acesso à
escolarização e incremento na média de anos de estudo da população brasileira2.
Apesar disso, a maior parte das crianças e jovens inseridos na escola pública
apresenta, ao final dos ciclos fundamental e médio, dificuldades básicas de leitura,
soma e subtração, conforme apontam as análises do Sistema de Avaliação do
Ensino Básico (Saeb) , no período de 1995 a 2003, e da Prova Brasil, realizada em
2005 pelo MEC. As dificuldades de aprendizagem levam as crianças brasileiras a ter
Introdução
21
restrito seu horizonte de possibilidades pessoais, de crescimento intelectual e
profissional, além do grande prejuízo causado à construção de uma nação justa e
igualitária.
Em meio às preocupações a respeito do desenvolvimento e implantação de políticas
públicas na área da educação, a discussão sobre o modelo de financiamento dessas
políticas é crucial, visto que a estrutura jurídico-normativa e financeira pode acelerar,
ou não, a solução dos graves problemas da educação no país (CASTRO, 2001).
Dentre os vários níveis de ensino que compõem a educação, é particularmente
importante o estudo do financiamento do ensino fundamental, em função de dois
motivos principais.
Em primeiro lugar, porque o ciclo fundamental é considerado no Brasil obrigatório e
a qualidade de seu ensino e aprendizagem será determinante para a continuidade
da vida escolar dos alunos nos demais ciclos, bem como terá reflexos na vida
profissional e pessoal dos estudantes.
A segunda razão está ligada ao fato de que a Constituição Federal de 1988 reforçou
a importância desse nível de ensino, em especial nos municípios, ao garantir seu
financiamento por meio da manutenção de regras de vinculação orçamentária.
O ambiente institucional do financiamento do ensino fundamental brasileiro sofreu
diversas modificações nas últimas décadas, principalmente nos anos 1990. Com o
objetivo de aliar a descentralização das políticas públicas de educação para os
municípios e priorizar o ensino fundamental, o governo federal promoveu uma
reforma profunda das normas legais para a execução dessas políticas, inclusive por
meio de emendas constitucionais, que passaram a constituir importantes regras de
financiamento do ensino. Uma das principais alterações ocorridas foi a criação do
Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério - Fundef,
destinado ao financiamento do ensino fundamental no Brasil.
Do ponto de vista analítico, com base no referencial teórico da Nova Economia
Institucional, a vinculação de verbas para a política educacional é considerada a
2 Estas questões serão tratadas no capítulo 2 desta tese.
Introdução
22
principal regra de financiamento do ensino fundamental e serviu à redução de vários
custos de transação relacionados à descontinuidade de ações e ao comportamento
oportunista dos atores envolvidos no cenário das políticas públicas. Dentre tais
atores, estão os representantes do poder público, executivo e legislativo, a
burocracia estatal e a sociedade civil.
Esta tese busca avaliar se o conjunto dessas estratégias de financiamento é
condição suficiente para a obtenção de eficiência na condução das políticas de
educação, ou se há outros elementos, ligados ou não a essa estratégia, que
contribuem para a manutenção de ineficiências.
O estudo do financiamento do ensino fundamental no Brasil implica a compreensão
de regras de finanças públicas, como as estabelecidas pela Constituição Federal por
um lado e, por outro, também pressupõe que se avalie de que maneira essas regras
são determinantes ou não do comportamento dos atores envolvidos em sua
implantação.
O conjunto das regras formais do financiamento do ensino fundamental, que são as
leis e regras constitucionais, compõe um arcabouço institucional importante para as
políticas públicas de educação. Esse arcabouço, juntamente com as regras informais
que derivam dos valores e comportamento reativo dos agentes frente às regras
formalmente constituídas, determina o ambiente institucional das políticas públicas
do ensino fundamental (NORTH, 1990).
Dessa forma, neste estudo será realizada uma análise pormenorizada do arranjo
institucional desenvolvido para o financiamento do ensino fundamental que abrange
o ambiente institucional, isto é, as regras do jogo, assim como o comportamento dos
agentes frente a essas regras.
O estudo do arranjo institucional do financiamento do ensino fundamental será
realizado a partir do enfoque teórico da Nova Economia Institucional. Esse
referencial está focado no papel central das instituições na avaliação de problemas
sócio-econômicos. Dessa maneira, o primeiro capítulo desta tese dedica-se a
Introdução
23
descrever elementos centrais da referida teoria, como a compreensão das
instituições em dois níveis: macro e microinstitucional.
Principalmente a partir dos trabalhos de North (1988 e 1990), Williamson (1985) e
Miller (1992), será apresentada a abordagem teórica nos níveis macro e
microinstitucional. Buscaremos ressaltar para o primeiro nível a importância das
regras do jogo, formais e informais, na construção das instituições. Para o segundo,
o intuito será o de descrever elementos característicos das estruturas de
governança, constituídas para coordenar o comportamento dos agentes a partir das
regras do jogo, com propósito de reduzir os custos de transação existentes nos
ambientes econômico, institucional e social das organizações.
Feita essa estruturação inicial, buscaremos construir o modelo teórico utilizado na
tese que, por sua vez, pode ser considerado uma adaptação da abordagem da Nova
Economia Institucional para organizações do setor público. Para isso, serão
utilizados, fundamentalmente, os trabalhos de Dixit (2002), Frant (1996) e Horn
(1995), que trazem elementos e características importantes das instituições, dos
atores e das estruturas de governança, de modo a serem considerados na análise
das organizações públicas.
Esse modelo será utilizado na avaliação de elementos comprobatórios da seguinte
hipótese: a vinculação orçamentária de receitas para o financiamento do ensino
fundamental público não é suficiente para garantir a eficiência na condução dessa
política pública, uma vez que existem falhas nesse arranjo institucional, tanto nas
regras do jogo, quanto no comportamento dos agentes, que dificultam a busca de
resultados eficientes nesse nível de ensino.
Nesta tese pretende-se avaliar as conseqüências do arranjo institucional do
financiamento do ensino fundamental adotado a partir de 1996 para as redes de
ensino dos municípios brasileiros. Dessa forma, foram levantados dados referentes a
receitas e despesas municipais com ensino, bem como indicadores de ensino no
período avaliado.
Introdução
24
Com referência aos dados de finanças públicas, as fontes utilizadas são os bancos
de dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), isto é, o Ipeadata, assim como as informações relativas
às receitas do Fundef, disponibilizadas pela Secretaria de Ensino Fundamental
(SEF)3 do MEC.
Os indicadores de ensino utilizados foram obtidos por meio do banco de dados da
educação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), o EDUDATA BRASIL, da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/IBGE), e dos
dados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb).
Foram também realizadas entrevistas com ex-secretários de educação e finanças,
bem como ex-vereadores municipais de quatro municípios dos estados do Rio de
Janeiro e São Paulo.
Além da análise global dos municípios brasileiros, a análise empírica do modelo
teórico construído na tese contou ainda com a realização do estudo de caso do
município de São Paulo, abrangendo o período de 1997 a 2006.
A realização desse estudo de caso teve o objetivo de verificar, a partir da
experiência concreta do município paulistano, quais são as falhas existentes no
arranjo institucional do financiamento de ensino fundamental público. O caso de São
Paulo foi escolhido por duas razões. Em primeiro lugar, está o fato de ser o
município com maior orçamento dentre os municípios brasileiros, o que garante a
existência de receitas próprias destinadas ao ensino, para além das transferências
federais e estaduais. Em outras palavras, o estágio atual da qualidade do ensino
fundamental de um município que dispõe de condições reais – e vultosas – de
recursos financeiros poderia servir como exemplo dos benefícios trazidos pela
vinculação orçamentária à educação. A garantia de recursos para a educação no
município de São Paulo poderia ser vista como o exemplo máximo da eficácia de
uma regra formal que se fundamenta no repasse financeiro obrigatório. Por essa
razão, o estudo sobre a cidade de São Paulo traz elementos importantes para
3 Atual SEB – Secretaria de Ensino Básico do MEC.
Introdução
25
verificar empiricamente a análise realizada em um primeiro momento para todo o
país. Uma segunda razão para abordar o caso paulistano é a maior disponibilidade e
possibilidade de acesso aos dados necessários ao estudo.
Para o desenvolvimento desta tese, foram levantados dados de finanças públicas do
município
por
meio
das
publicações
oficiais
de
Balanços
e
Balancetes
Orçamentários, bem como Demonstrativos de Aplicação de Recursos da Educação,
publicados no Diário Oficial do Município. Além desses, foram também utilizadas
informações e indicadores referentes ao ensino fundamental municipal disponíveis
no banco de dados da Secretaria Municipal de Educação.
Finalmente, foram realizadas entrevistas com ex-secretários e assessores das
secretarias municipais de educação, finanças e gestão pública; vereadores e
técnicos da assessoria parlamentar e assessoria de finanças e orçamento da
Câmara Municipal de São Paulo, além de técnicos da assessoria geral de orçamento
do município.
O período de análise desta tese abrange as mudanças empreendidas na reforma do
ensino fundamental de 1996, a partir da Emenda Constitucional 14/96, e da
implantação do Fundef até o ano de 2006. Dessa forma, não está em foco a
compreensão do arranjo institucional antes da vigência dessas modificações
constitucionais, bem como não serão analisadas as mudanças trazidas pelo novo
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação (Fundeb) e nem aquelas propostas no Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE).
Também não se pretende com esta tese a discussão sobre a qualidade do ensino e
aprendizagem, no que diz respeito a métodos pedagógicos, currículos básicos,
formação de docentes, nível de escolaridade dos pais e mães, e outras questões
ligadas a causas e soluções da questão. A qualidade do ensino será tratada apenas
de forma indireta, a partir dos resultados dos sistemas federais de avaliação, na
medida em que esta é um importante indicador de desempenho das políticas
públicas.
Introdução
26
Esta tese está estruturada em cinco capítulos, além desta introdução e das
considerações finais sobre o estudo. O capítulo 1 apresentará o modelo teórico a ser
utilizado na tese, que é baseado na abordagem da Nova Economia Institucional.
Nesse capítulo serão mencionados alguns conceitos básicos desse referencial
teórico, como as regras do jogo, custos de transação e estruturas de governança. A
partir desses conceitos será desenvolvida a adaptação da teoria para o setor
público, com especial ênfase na análise de seus atores, custos de transação e
outras particularidades relevantes para a definição de sua estrutura de governança.
Como forma de equacionar parte dos custos de transação presente no setor público,
especialmente o oportunismo político, no final do capítulo descreve-se e analisa-se a
racionalidade por trás das estratégias de vinculação orçamentária, como a utilizada
para a educação no Brasil.
No capítulo 2 haverá uma descrição das regras formais existentes para o
financiamento de políticas públicas no Brasil, especialmente às referentes ao ensino
fundamental. Dessa forma, o capítulo apresenta inicialmente as regras concernentes
ao planejamento e à orçamentação de receitas e despesas públicas, em seguida
são definidas as regras do financiamento do ensino fundamental público no Brasil,
com foco nas mudanças realizadas a partir da Emenda Constitucional 14/96. O final
do capítulo será dedicado à análise dos reflexos das regras formais do
financiamento do ensino municipal nas finanças públicas municipais e nos
indicadores do ensino público.
A
estrutura
de
governança
existente
nos
municípios
brasileiros
para
o
gerenciamento das receitas e despesas referentes ao financiamento das políticas
públicas de ensino será analisada no capítulo 3. Nesse sentido, serão avaliadas as
motivações e características dos principais atores envolvidos nessa estrutura de
governança, bem como as regras informais adotadas por estes na condução das
políticas públicas de ensino. Essa análise buscará compreender até que ponto esses
atores reúnem as condições necessárias para a implementação das regras formais
adotadas para o financiamento do ensino fundamental.
O capítulo 4 será dedicado a analisar as razões que levam à ausência de aderência
das regras formais frente à estrutura de governança constituída nos municípios.
Introdução
27
Essa ausência estabelece o que denominaremos de falhas institucionais, as quais
serão avaliadas sob três aspectos: i) as falhas existentes no processo de
planejamento e orçamentação no Brasil, ii) os problemas na concepção da reforma
do ensino fundamental e iii) as falhas geradas a partir do modelo federativo
brasileiro.
O capítulo 5 buscará, com base na análise macro e microinstitucional apresentada
nos capítulos anteriores, avaliar aspectos do arranjo institucional do financiamento
do ensino fundamental em São Paulo que corroborem a hipótese principal desta
tese. Nessa análise serão então considerados os reflexos das mudanças
constitucionais realizadas a partir de 1996 para o município de São Paulo. A partir
desse marco serão avaliadas as políticas públicas de ensino fundamental
empreendidas nas três gestões eleitas desde então.
Nas considerações finais, buscaremos apresentar os principais argumentos e dados
empíricos levantados durante o desenvolvimento da tese que justificam por que o
arranjo institucional de financiamento do ensino fundamental baseado na vinculação
orçamentária de receitas não é suficiente para garantir a eficiência dessas políticas
públicas.
Esta tese pretende contribuir com as discussões acerca das mudanças necessárias
na construção das políticas de educação no Brasil, chamando a atenção para a
importância da adequação institucional entre as regras formais estabelecidas para
as políticas e as características, valores e capacitação dos atores envolvidos na
implantação dessas regras.
A própria teoria institucional antecipa que a não consideração de tais fatores implica
a possibilidade de ocorrência de custos de transação associados aos custos de
controle dos gestores públicos e ao comportamento oportunista dos agentes no
cenário das políticas públicas. Com isso, mesmo existindo recursos vinculados, não
estará garantida uma condução eficiente das políticas públicas de ensino.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
28
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
Este estudo tem como foco o financiamento do ensino fundamental público, gerido
pelos municípios, no Brasil, à luz do arranjo institucional concebido a partir da
Constituição de 19884. Para o desenvolvimento desta tese, buscou-se identificar na
literatura econômica o referencial teórico mais adequado à análise das questões
relativas ao financiamento do ensino público.
Para a exata compreensão do assunto, é importante tanto a identificação dos atores
responsáveis pelo financiamento do ensino e a forma como estes interagem com os
agentes públicos e privados envolvidos no processo, quanto a investigação das
regras gerais que regem as despesas e as receitas ligadas ao ensino público
fundamental. Dessa forma, faz-se necessária uma investigação microanalítica do
problema, o que ajudará a entender a lógica dos agentes organizacionais,
apontando-se os sistemas de incentivos existentes e as estruturas de governança
construídas por tais agentes. Além disso, devem-se conhecer quais as instituições
de estado que determinam o espaço de atuação do financiamento do ensino
fundamental e quais as interações de agentes econômicos, sociais e políticos, nas
esferas pública e privada, que interferem nesse processo.
Sendo indispensável tanto o entendimento da lógica do funcionamento das
organizações, isto é, suas estruturas de governança, como também a identificação
das macroinstituições - o ambiente institucional no qual está inserida a questão do
gasto com ensino fundamental -, optou-se pela utilização do arcabouço teórico neoinstitucionalista.
O neo-institucionalismo é uma corrente de pensamento que tem se fortalecido nos
últimos anos dentro das ciências sociais, principalmente na economia e na ciência
política. Apesar de apresentar várias ramificações teóricas, todas enfocam o papel
central das instituições na avaliação de problemas socioeconômicos.
4 A Constituição de 1988 representa um importante marco para o financiamento da educação pública, pois a partir desta é fortalecido o processo de
municipalização do ensino fundamental no Brasil, o que gera um aumento substancial de recursos para os municípios, já que ocorrem transferências
intergovernamentais vinculadas, a maioria, à educação. Essa questão será tratada em detalhe no capítulo 2.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
29
Esta tese orienta-se, justamente, a partir de uma dessas ramificações, qual seja a da
abordagem da Nova Economia Institucional que, assim como apresentado por
Azevedo (2000), analisa o papel das instituições em dois níveis. O primeiro,
contempla as macroinstituições, isto é, aquelas que estabelecem as bases para as
interações entre os seres humanos; e o segundo, trabalha as microinstituições, que
regulam as transações específicas.
Ambos os campos partem de uma base referencial comum - o estudo realizado por
Coase (1937) – e a seguir se estruturam de forma distinta. No tocante à análise
macroinstitucional, tem-se principalmente o enfoque de Douglas North; já quanto às
microinstituições, destaca-se o trabalho de Oliver Williamson (AZEVEDO, 2000).
Na área econômica, Douglas North representa um dos principais teóricos da
abordagem institucional. As relações humanas, para ele, são muito mais complexas
do que a resultante da ação de indivíduos racionais, na busca da maximização de
seu bem-estar. O autor defende que o comportamento humano vai além do
imaginável na visão neoclássica e que o peso das instituições, entendidas como as
“regras do jogo”, independe de sua eficiência econômica e tem grande relevância no
cálculo da incerteza e custos de transação (NORTH, 1990).
Para North (1990), são essas regras que estruturam as relações individuais e entre
grupos, ao colocarem limites e incentivos às trocas. Elas são responsáveis pela
forma e pelo caminho traçado para o crescimento ou não de uma sociedade,
apresentando-se, por vezes, como facilitadoras ou obstáculos a mudanças de
paradigmas. Acima de tudo, as instituições podem reduzir as incertezas da vida
cotidiana.
Corroborando essa visão, Gary Miller (1992) relata em Managerial Dilemmas que, ao
contrário do previsto na teoria neoclássica, o comportamento maximizador, que
busca sempre o resultado mais eficiente, não é automático na firma e na economia
como um todo. Isso dependerá, como colocado por North (1990), do ambiente
institucional. Em situações complexas com alta interdependência individual, a
importância das instituições é enorme, pois possibilitam aos indivíduos a projeção do
comportamento de outros e, a partir disso, facilitam uma tomada de decisão em
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
30
ambiente de informação assimétrica. Assim, é fundamental entender como as
instituições moldam e condicionam as escolhas individuais (North, 1988).
Já segundo Williamson (1985), os custos de transação formam um conceito-chave
na teoria da Nova Economia Institucional, pois estão presentes na obtenção de
informações, na medição da qualidade das mercadorias, na negociação de
contratos, enfim, em toda a transação econômica. Por ser o mercado um ambiente
de competição imperfeita, ressalta-se a importância do referido conceito e das
estruturas de governança que são construídas com o intuito de reduzir tais custos.
A partir principalmente dessas duas visões, este capítulo será destinado a uma
apresentação do referencial teórico utilizado pela Nova Economia Institucional. Em
primeiro lugar serão analisados aspectos da abordagem macroinstitucional como
regras formais e informais que compõem o ambiente institucional; em seguida, serão
avaliadas características da abordagem microinstitucional. Nesse sentido, os custos
de transação, bem como os sistemas de incentivos e as estruturas de governança,
criadas para o controle desses custos, serão objeto de estudo.
Além disso,
será traçado um modelo analítico que permita entender como os
conceitos de custos de transação e as estruturas de governança podem ser
aplicados ao setor público, com o escopo de construir a lógica dos arranjos
institucionais e as estruturas de governança existentes nas organizações estatais. A
partir desse modelo, será realizada a pesquisa acerca do arranjo institucional do
financiamento do ensino fundamental público no Brasil, nos últimos anos.
1.1 Ambiente institucional
Segundo Azevedo (2000), o estudo do ambiente institucional é indispensável para a
compreensão do desempenho das organizações, sejam estas privadas ou públicas,
destacando-se o papel das macroinstituições, nas quais ocorre a inter-relação entre
membros da mesma sociedade. Nessa avaliação, é importante a compreensão do
papel do Estado, visto que, conforme pontuado por Bresser (1995, p. 6):
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
31
“o Estado é a estrutura organizacional e política, fruto de um contrato
social ou de um pacto político, que garante legitimidade ao governo.
Em outras palavras, (...) o Estado é o aparato organizacional e legal
que garante a propriedade e os contratos.”
Há três teorias básicas que explicam o surgimento do Estado, segundo Bresser
(2004). A primeira, é a histórica; cuja origem está ligada a Aristóteles, mas tem como
representantes, Vico, Hegel e Marx. A segunda, é a normativa; representada por
Maquiavel, Montesquieu e Madison. A terceira, é a contratualista de Hobbes,
desenvolvida também por Locke, Rousseau e Kant, e mais recentemente revisitada
pelos novos institucionalistas como Olson (1999) (BRESSER, 2004).
De acordo com a primeira teoria, o Estado é criado para atender às necessidades
dadas pela evolução do modelo econômico pré-capitalista, no qual um grupo
dominante se apropria do excedente econômico, ou seja, a chamada acumulação
primitiva de capital, que possibilitaria, por seu turno, a produção. Essa apropriação
de alguma forma valeu-se do uso da força, dada a associação do grupo dominante
com senhores de guerra, os quais futuramente tornar-se-iam senhores feudais e
monarcas. No entanto, segundo a teoria normativa, a preocupação volta-se ao
“dever ser” em vez da explicação do surgimento do Estado. Assim, procura-se
descrever as características que justificam e orientam a existência e a presença do
Estado. Por fim, a visão contratualista parte do pacto voluntário entre os indivíduos
que cedem sua liberdade em troca de proteção e ordem providas pelo Estado - aqui
representado por um grupo detentor de força. Na visão de Olson (1999), esse
contrato inicial pode ser, na verdade, forçado pelo grupo ou pelo indivíduo detentor
de força – bandido itinerante – que primeiro reprime e assusta para depois vender a
proteção5 (BRESSER, 2004).
Bresser (2004) discorda da visão de Olson (1999) na medida em que o monarca ou
o chefe do Estado parece ser movido simplesmente pelo auto-interesse: sua
preocupação com o bem-estar e com o desenvolvimento da sociedade dá-se apenas
5 Olson (1999) argumenta que a criação do Estado parte do auto-interesse dos governantes, metaforicamente apresentados como “bandidos”, em controlar
a sociedade para seu ganho pessoal. Assim, o bandido se aproveita da riqueza da sociedade para crescer com ela, roubando-a. Enquanto itinerante, ele
não se preocupa com o bem-estar visto ser movido pela intenção de seu próprio enriquecimento. Porém, com a evolução da sociedade, ele percebe que
,
pode, ao invés de roubar sempre em um novo território, estabelecer uma faixa determinada de roubo em uma comunidade, permitindo que esta cresça sem,
contudo, livrar-se dele, assim, torna-se estacionário. Isso ocorre pois ficar e enriquecer à custa do crescimento econômico é muito mais interessante que se
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
32
se for beneficiado individualmente. Para o autor, há outras motivações que regem os
chefes de Estado e esclarecê-las ajudaria a explicar o desenvolvimento das
instituições e das nações de formas diferenciadas entre os países.
De toda maneira, qualquer das visões entende o surgimento do Estado como uma
forma de normatizar as relações dos indivíduos com a sociedade e com o mercado,
que iniciava também sua formação. Desde então, o Estado tem evoluído e alterado
sua relação e intervenção na economia e na sociedade.
O Estado moderno tem em sua base uma variedade de instituições, além de
políticas econômicas desenvolvidas segundo a estrutura econômica e social, as
quais refletem valores e crenças prevalentes no sistema cultural. Esses sistemas
são complexos e sua legitimidade se dá por meio da forma de tomada de decisão
política e principalmente de sua adaptação à estrutura e à cultura social (BRESSER,
2004).
Com suas atribuições majoradas, o que implicou no direcionamento de suas ações
para além da defesa e da segurança
6
, o Estado hoje intervém na parte
administrativa, nas questões macroeconômicas e em políticas de bem-estar social.
Sob a perspectiva de evolução e crescimento do setor público nos últimos séculos, é
importante, contudo, retomar as principais funções do Estado. Na visão de Musgrave
(1974), as funções clássicas do Estado seriam: a alocação de recursos, a
distribuição de renda e a manutenção da estabilidade econômica.
A função alocativa visa assegurar que a utilização de recursos na economia se dê
de forma eficiente, quando o mecanismo de preços do mercado não for capaz de
fazê-lo satisfatoriamente. No caso da função distributiva, a intervenção do governo
busca maior justiça na distribuição de renda, a qual não é garantida pelo mero ajuste
alocativo do mercado. Por último, a função de manutenção da estabilidade
econômica tem por objetivo controlar e manter o nível da demanda agregada, de
forma a adequar inflação e emprego. (REZENDE, 2001 e STIGLITZ, 1988).
deslocar sempre. Nessa visão, assim formaram-se os Estados: a partir de indivíduos e de grupos de repressão que se mantiveram por meio da extorsão de
riqueza compensada com a proteção; como uma máfia que, quando se estabelece, não deixa mais ninguém roubar naquele território.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
33
Essas três funções determinam a base da atuação do Estado na economia, o que
pode se dar de formas diferentes, com diversas combinações. A atuação do Estado
para buscar crescimento, estabilidade econômica e distribuição de renda pode
ocorrer por meio da intervenção direta ou indireta, por exemplo. Contudo, deve-se
ter a determinação dos objetivos que se pretende atingir e os instrumentos que
deverão ser usados para isso; pois sem que haja planejamento e controle da ação, é
possível que um objetivo entre em conflito com outro, como nos casos clássicos de
busca por crescimento econômico e estabilidade, ou crescimento econômico e
distribuição de renda. A coordenação da ação do Estado deve também se preocupar
com a articulação administrativa e institucional dos objetivos a atingir, pois muitas
vezes a intervenção depende do trabalho coordenado de diversos órgãos e esferas
de governo que, se superpostos, podem contribuir ou obstar o alcance de uma meta.
(REZENDE, 2001)
As instituições desempenham um papel fundamental na busca pelo cumprimento
das funções do Estado, como a garantia do desenvolvimento e do crescimento
econômico, porque sustentam e apóiam, ou não, as estratégias e as políticas
nacionais de desenvolvimento capitaneadas em primeiro plano pelo Estado,
entendido por Bresser (2004) como agente fundamental da ação coletiva. Assim,
essas teriam um peso grande ao contrabalançar o auto-interesse do chefe do
executivo, ou do bandido estacionário, segundo a metáfora de Olson (1999) já
referida.
É relevante diferenciar as instituições das organizações. Estas são agrupamentos de
indivíduos que compartilham dos mesmos objetivos e são criadas em função das
instituições e com vistas a influenciá-las. Já aquelas são indispensáveis para se
entender a forma de operacionalização do Estado, pois influenciam a sociedade e a
economia e podem provocar ou reduzir custos de transação e de produção
(BRESSER, 2004)
Nesse sentido, as instituições determinam as relações entre Estado e sociedade, e,
para compreender como isso acontece, é preciso que se esclareça, antes, o
6 As visões histórica e contratualista entendem que a defesa e a segurança são as primeiras preocupações do Estado, no cumprimento de sua função de
proteção dos indivíduos de uma sociedade. Com o tempo, a necessidade de estruturação do Estado leva ao surgimento de outras funções (BRESSER, 2004
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
34
funcionamento das primeiras, na medida em que podem ser determinantes do
desenvolvimento ou do fracasso econômico, por exemplo.
Uma das principais contribuições de North (1990) na economia institucional foi a
descrição do conceito de path dependence, isto é, a idéia de que muitas sociedades
dependem das relações estabelecidas com instituições, por vezes ineficientes, o que
não se consegue mudar em função destas estarem de tal forma arraigadas na
cultura e na estrutura econômica e social, impedindo a construção de novos
caminhos. Todavia, pode-se perguntar se, numa realidade em que há uma busca
constante pela eficiência e pela maximização de ganhos, de lucro e de bem-estar,
faria sentido a existência de tais instituições?
De acordo com o autor, muitas vezes os agentes econômicos e sociais percebem a
necessidade de se alterar essa forma de transacionar. Porém, a informação é
imperfeita e assimétrica e, dado o costume na construção de determinado caminho,
coloca-se um obstáculo enorme à mudança. Além disso, sob o ponto de vista da
instituição, há muitos atores, grupos de interesse 7 e organizações que vivem em
função da ineficiência e, portanto, maximizam suas operações sob esse formato,
impedindo que outros grupos atingidos diretamente modifiquem o percurso.
Bresser (2004) acrescenta a essa análise o fato de que por refletirem valores e
crenças presentes na sociedade, as instituições são complexos sistemas legitimados
por sua adaptação às estruturas sociais e culturais. Dessa forma, na maioria das
vezes, uma renovação no modo de transacionar não é algo banal. A imposição de
qualquer mudança não compactuada ou a importação de novas regras tendem a
fracassar caso não sejam compreendidas no seio da sociedade a que se destinam.
A busca pela eficiência institucional pode ser um processo lento e difícil.
Conforme mencionado, essas instituições nem sempre têm a eficiência esperada em
um modelo de competição perfeita. Isso ocorre porque não são necessariamente
a e REZENDE, 2001).
7 Segundo OLSON (1999), um grupo de interesse é formado por um conjunto de indivíduos ou de empresas que tenha interesses em comum e se reunem
com o intuito de pressionar o governo a trabalhar na direção de seus objetivos. A formação e permanência de tais grupos de interesse não se explicam,
contudo, pelos objetivos comuns de seus membros, mas pela capacidade destes em exercerem a coerção e conseguirem incentivos seletivos para ação
individual.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
35
criadas para serem-no, mas sim para servirem a interesses de grupos que têm poder
de barganha para estabelecer as regras do jogo (NORTH, 1990). Se não houvesse
custo de transação, esse poder de barganha de nada serviria. Contudo, como se
sabe, existem falhas de mercado e informações imperfeitas que permitem a essas
instituições permanecerem ineficientes e a alguns grupos monopolizarem ganhos.
Partindo-se, então, do pressuposto de que as instituições são vitais para a
compreensão da eficiência das políticas públicas, serão destacados, neste estudo,
dois aspectos macroinstitucionais de grande relevância para o entendimento do
ambiente institucional: as regras formalmente constituídas e as restrições informais.
1.1.1 Regras formais
As regras formalmente constituídas são a parte mais evidente das macroinstituições,
tais como a Constituição e as legislações complementares que existem para o
funcionamento dos mais diversos setores da economia e da sociedade. No caso da
educação, são exemplos de regras formais: a vinculação de impostos à área,
prevista pela Constituição de 1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef). Estas últimas foram constituídas
como base das regras formais do ensino fundamental no Brasil, entre meados da
década de 1990 até 2006, e serão analisadas, em detalhe, no capítulo 2.
A definição de regra formal é bastante evidente, contudo, segundo Azevedo (2000),
a maior contribuição da nova economia institucional está em, para além de
demonstrar a importância da regra institucional formal, avaliar o modo como os
agentes relacionam-se a partir desta e os conflitos gerados com outras regras
formais ou informais.
A credibilidade de uma regra, se colocada em risco, pode comprometer todo o
ambiente institucional no qual está inserida. Nesse sentido, é de grande importância
avaliar a previsibilidade e a funcionalidade da regra. A partir da observação da
instância tomadora de decisão sobre a escolha de determinada regra, é possível
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
36
avaliar sua adequação ao ambiente e eventual sujeição à ação de grupos de
interesses (CLUNE, 1987).
Para Azevedo (2000), se uma regra específica contrariar algum grupo de interesse
ou mesmo dificultar a ação da burocracia estatal, encarregada de sua
implementação e execução, é possível que venha a ser alterada ou nunca seja de
fato cumprida, o que leva a descrença em sua potencial indução de investimentos e
coloca em dúvida sua eficiência. Assim, na prática, o resultado da regra será a
geração de mais incerteza, comprometendo todo o ambiente institucional, além do
desenvolvimento econômico e social desejado.
Desse modo, a escolha da regra formal é extremamente importante, apesar de,
segundo Clune (1987), ser subjetiva. O autor afirma que as decisões sobre as
políticas públicas e a determinação de suas regras, cujo intuito é alcançar resultados
substantivos, de ordenamento econômico e social, sempre envolvem uma escolha
do tomador de decisões. Por exemplo, a definição de que o governo federal atuará
supletivamente no ensino fundamental, uma vez que a responsabilidade por este
será dos municípios brasileiros, é uma escolha institucional, determinada pela
Constituição.
A escolha da instituição por um tomador de decisão é essencial na decisão política,
pois a capacidade de se atingir objetivos é duramente pautada pelas características
das instituições disponíveis. Nesse sentido, em um processo de escolha, dois
aspectos gerais das instituições são relevantes: a concordância nos objetivos
substantivos e a capacidade de alcançá-los (CLUNE, 1987).
A primeira característica é fundamental, pois do contrário é difícil ter o suporte
necessário à implementação da política. Portanto, quando da decisão pela
municipalização do ensino fundamental, houve uma redistribuição tributária aos
municípios, definida pela Constituição de 1988, senão seria pouco provável sua
aceitação. Mesmo assim, apenas após a adoção de uma nova regra formal, o
Fundef, é que a municipalização desse nível de ensino passa a se concretizar de
fato (MELCHIOR, 1997). O apoio à regra não garante, contudo, a capacidade de
implementá-la.
Este
segundo
aspecto
pode
ser
extremamente
complexo,
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
37
dependendo da política pública, e pode pôr em questão a credibilidade da regra,
levando às conseqüências previstas por Azevedo (2000).
A capacidade que um nível de governo tem de influenciar outro é algumas vezes
discutida em termos de vantagem comparativa e limitação de ordem política, como a
existência de mandatos e de descontinuidade administrativa. A lógica, ou o método
de escolha institucional, é chamada de vantagem institucional comparativa, cuja
idéia é comparar instituições, ou seja, as regras formais, para definir a mais
adequada, começando por um processo de “desconfiança institucional” (CLUNE,
1987).
A desconfiança institucional é a percepção de que um possível tomador de decisão,
fundamental na execução da regra formal, pode não estar comprometido ou
capacitado para assumi-la; por exemplo, avaliar se os governos municipais estavam
aptos a implementar o Fundef. Mas uma comparação acurada requer ir além da
desconfiança. Partindo do princípio de que nenhum tomador de decisão é perfeito, é
possível que sua desconfiança seja infundada, então esta deve ser pesada frente a
outras avaliações, isto é, a lógica da escolha institucional deve começar pela
desconfiança, porém deve-se seguir até uma avaliação superior (CLUNE, 1987).
A idéia da vantagem comparativa institucional implica também a busca pela
implementação ideal de uma política, ou regra formal. No mundo real, todavia, há
instituições imperfeitas que representam uma escolha menos pior frente à
impossibilidade do ideal. É importante averiguar a leitura que os agentes fazem
dessa escolha.
No processo de definições de regras formais, o tomador de decisão, além dos
indivíduos e das organizações afetados por esse arcabouço institucional deparam-se
com facilidades ou restrições informais que podem ser tão ou mais importantes que
as próprias regras em questão.
1.1.2 Regras informais
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
38
Segundo Azevedo (2000), o comportamento humano está condicionado também por
regras informais, as quais, por serem muitas vezes ocultas, não são facilmente
administradas por ações estratégicas ou políticas públicas. Essas regras repousam
sobre valores culturais, religiosos, familiares, entre outros, e formam um conjunto
institucional de extrema relevância para a condução das relações sociais. Deve-se
ressaltar, contudo, que essas regras ou restrições informais muitas vezes são
criadas independentemente e até em oposição ao desejo social; podem também ter
origem nas brechas de regras formais, as quais facilitam ou dificultam as relações
Características
humanas, reduzindo ou não os custos de transação (NORTH, 1990).
Regras Formais
São as regras do jogo,
estabelecidas por meio da
Constituição Federal, de leis
complementares e de políticas
públicas, que determinam as
transações entre os agentes
interna e externamente às
organizações.
Regras Informais
São valores culturais,
religiosos ou familiares,
códigos de conduta de
classes profissionais, entre
outros, que determinam de
maneira importante o
comportamento dos
indivíduos.
Quadro 1 - Ambiente Institucional
Fonte: Elaboração da autora, a partir de NORTH (1990) e AZEVEDO (2000).
Em suma, o conjunto de regras formais, respaldado no aparelho do Estado, como
colocado por Bresser (2004), e aquelas informais, estruturadas nos sistemas de
valores e na cultura de uma sociedade, constituem o ambiente macroinstitucional.
Este é determinante na relação de firmas e organizações, privadas e públicas,
facilitadoras ou não das transações dos agentes, e também para a criação de
sistemas de incentivos e de estruturas de governança que busquem o melhor
desempenho e eficiência tanto no setor privado quanto no público. Isso revela a
importância do que será avaliado a seguir: a concepção microanalítica da Nova
Economia Institucional.
1.2 Análise microinstitucional - economia dos custos de transação
Nesta análise microinstitucional, o enfoque é o da teoria dos custos de transação,
cuja preocupação é a busca da maximização dos resultados a partir do
comportamento dos indivíduos dentro de uma organização e a forma como estes
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
39
são coordenados, isto é, o estabelecimento de estruturas de governança que
procurem, em última instância, minimizar tais custos.
Dados esses aspectos, é importante pontuar quais os pressupostos da teoria dos
custos de transação, definir seus conceitos elementares e apresentar as possíveis
estruturas de governança que são criadas nesse contexto.
1.2.1 Pressupostos comportamentais
A economia dos custos de transação parte de dois pressupostos básicos: o primeiro,
implica a assunção de que os indivíduos são oportunistas e o segundo, de que sua
racionalidade é limitada.
Williamson (1985) considera que, diferentemente do assumido pelo modelo
neoclássico, a racionalidade dos indivíduos não é completa e maximizadora. Isso se
dá visto que há restrições em sua capacidade cognitiva em processar todas as
informações disponíveis. Essa questão é agravada em um ambiente de incertezas e
de assimetria de informações, o que dificulta aos indivíduos a avaliação e a
compreensão total dos problemas.
Contudo, de acordo com Azevedo (2000), é importante destacar que o conceito de
racionalidade limitada é distinto do conceito de incerteza, pois este decorre da
assimetria de informações. O primeiro é uma característica dos agentes, enquanto o
segundo é uma prerrogativa do ambiente. Mesmo na presença de informações
perfeitas, não é totalmente possível aos indivíduos a dedução de vários problemas
complexos ao mesmo tempo, dado o limite de sua capacidade cognitiva.
Em função dessa limitação da racionalidade, torna-se difícil prever todas as
situações possíveis em uma transação, o que leva à possibilidade de quebra de
compromissos e à necessidade de renegociação constante de contratos, implicando
a importância da construção de estruturas de governança que possam coordenar tal
comportamento.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
40
Já o oportunismo dos indivíduos ocorre a partir do entendimento de que estes têm
interesses próprios e podem, em sua busca, usar todos os artifícios de que dispõem,
inclusive a trapaça, gerando conflitos e custos de transação nas relações
contratuais. O oportunismo é reforçado pela assimetria de informações, ao
possibilitar, por exemplo, que, em determinada negociação, uma das partes tenha
maior informação que a outra; não havendo incentivo para se agir de outra forma,
prevalece esse tipo de comportamento, cujo resultado é uma barganha ineficiente.
(MILLER, 1992).
Assim, segundo Williamson (1994), a partir dos dois pressupostos apresentados,
tem-se que: i) contratos complexos são necessariamente incompletos e ii) o contrato
não garante a confiança entre as partes, pois sempre há o risco do comportamento
oportunista. Logo, é necessária a construção de formas organizacionais, isto é, de
estruturas de governança que possibilitem controlar o problema da racionalidade
limitada, além da criação de salvaguardas ao comportamento oportunista.
(AZEVEDO, 2000 e FAGUNDES, 1998).
1.2.2 Custos de transação
O enfoque da teoria dos custos de transação, conforme mencionado, está na busca
da maximização de resultados eficientes, a partir do comportamento dos indivíduos
dentro de uma organização e da forma como estes são coordenados (AZEVEDO,
2000). Nesse sentido, é importante a compreensão do funcionamento das
organizações e, para isso, a unidade fundamental de análise é a transação, por meio
da qual as pessoas interagem ao procurarem bens e serviços (MILGROM e
ROBERTS, 1992). É necessário entender como se dá a transação e qual o
comportamento dos indivíduos, dado que uma das principais tarefas da organização
econômica é coordenar as ações das pessoas, na tentativa de reduzir os custos de
transação e, assim, promover o equilíbrio econômico desejado.
Essa teoria é construída a partir da assunção de que a economia real opera de
forma diferente da prevista no modelo neoclássico. Segundo o modelo neoclássico
de equilíbrio geral Arrow-Debreu, em um ambiente de competição perfeita, o
equilíbrio (preços, alocação de produção e consumo) permite aos consumidores e
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
41
firmas maximizarem o bem-estar e garante que a quantidade oferecida pelos
vendedores, dado um preço estabelecido, é a mesma que os compradores desejam
adquirir. Dessa forma, maximiza-se o excedente total da economia (MILGROM e
ROBERTS, 1992).
Há, porém, situações em que o mercado não opera em condições de competição
perfeita e, com isso, não é garantido o equilíbrio de Pareto, havendo perda de bemestar: essas situações são chamadas de falhas de mercado (STIGLITZ, 1988). A
partir da análise de Stiglitz (1988), há seis grandes tipos de falhas de mercado, três
deles fundamentais para a compreensão dos custos de transação: o poder de
mercado, as externalidades e a assimetria de informações (MILLER, 1992).
O primeiro tipo de falha de mercado engloba uma dificuldade a ser enfrentada na
economia vis-à-vis a existência de competição imperfeita. Esta se dá quando
algumas firmas detêm poder de mercado sobre outras, formando, no caso extremo,
os chamados monopólios. O poder de mercado, segundo Williamson (1975),
possibilita que, em uma negociação, uma ou ambas as partes estejam vulneráveis a
atitudes oportunistas, visto que há tendência à concentração de informações
privilegiadas.
Outro bloco analisado por Stiglitz (1988) diz respeito às externalidades, isto é, as
ações de indivíduos ou de firmas que geram sobre outros algum efeito indireto não
captado pelo mecanismo de preços do mercado. Externalidades positivas
acontecem quando uma ação individual ou de uma firma gera benefícios para
outros; já a negativa, quando uma ação gera um custo para outros indivíduos ou
agentes (REZENDE, 2001; STIGLITZ, 1988). A externalidade ocorre também em
uma produção de equipe, em que a produtividade de um indivíduo afeta a dos
demais, dificultando o controle da remuneração individual por desempenho e
incentivando o comportamento oportunista.
Além das externalidades, há ainda um último bloco relevante de falhas de mercado,
qual seja a assimetria de informação, que ocorre quando a informação sobre dada
transação é maior para uma das partes envolvidas, tornando difícil estabelecer uma
troca justa na relação contratual. Por sua característica, essa falha está bastante
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
42
relacionada ao poder de mercado: quanto maior o poder, maior a assimetria de
informações (MILLER, 1992; STIGLITZ, 1988).
As circunstâncias discutidas acima indicam um cenário de funcionamento das
organizações em ambiente diverso do da competição perfeita, prevista pelo modelo
de equilíbrio geral neoclássico. Na prática, há falhas de mercado que afetam o
princípio da maximização do valor e geram custos de transação (MILGROM e
ROBERTS, 1992). Desse modo, sempre que houver custos em negociar, monitorar
e coordenar o comportamento dos indivíduos, as transações tornar-se-ão onerosas e
os mercados falharão em alcançar um equilíbrio eficiente (COASE, 1937).
Para Fagundes (1998), os custos de transação correspondem ao dispêndio de
recursos econômicos com a finalidade de planejamento, adaptação e monitoramento
das interações entre os agentes, para que o cumprimento dos termos contratuais
seja satisfatório às partes e compatível com a sua funcionalidade econômica. E, em
razão da existência e da importância desses custos, há a necessidade de
construção de estruturas de governança que permitam lidar com a incerteza e com a
variabilidade de resultados, reduzindo o comportamento oportunista e atenuando os
custos de transação (AZEVEDO, 2000).
1.3 Estruturas de governança, coordenação e eficiência.
A coordenação é uma construção dos agentes econômicos para reduzir os custos de
transação.
Segundo
Williamson
(1985),
os
agentes
criam
determinados
mecanismos, chamados de estrutura de governança, para lidar com os custos de
transação. Não existe a priori uma estrutura de governança superior às demais. O
conceito de eficiência se apóia na adequação da estrutura de governança em
questão às características da transação específica.
A partir dos pressupostos de racionalidade limitada e oportunismo dos agentes, temse que o estabelecimento de contratos para regulamentação das transações é
complexo e incompleto, visto que não é possível prever em um instrumento de
validade jurídica todas as situações possíveis (AZEVEDO, 2000). Contudo, apesar
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
43
de os agentes terem uma limitação em sua racionalidade, é certo que buscam
sempre o resultado mais eficiente em uma transação e, sendo assim, existe o
impulso para a construção de estruturas de governança que possam lidar com a
situação de contratos incompletos e situações imprevistas.
Segundo Fagundes (1998), as estruturas de governança apresentam propriedades
diferenciadas que as fazem mais ou menos aptas a coordenar as transações entre
os agentes, minimizando custos de transação e buscando a eficiência dos
resultados. Essas propriedades referem-se a sistemas de incentivos, controle de
conduta e flexibilidade/adaptabilidade a novas situações. A partir da descrição de
Williamson (1985), pode-se observar basicamente três tipos de estruturas de
governança: a que se dá através do mercado, a estrutura hierárquica e uma forma
híbrida das duas primeiras.
A estrutura de governança de mercado tem um controle menor sobre o
comportamento dos indivíduos e o sistema básico de ajuste é por meio dos
preços/remunerações. A híbrida é a forma de coordenação dos indivíduos por meio
de sistemas de incentivos e contratos que permitam o controle da racionalidade
limitada e do comportamento oportunista. Já a estrutura hierárquica se dá quando há
a internalização total das atividades em uma única organização (WILLIAMSON,
1985). O objetivo das estruturas de governança é sempre minimizar os custos de
transação. Há, porém, dificuldades nesta questão: nem sempre é simples isolar os
custos de transação de outros custos, e a minimização de custos não implica
necessariamente eficiência.
Como antecipado na teoria de Coase (1937), a mudança institucional do mercado
para a hierarquia – partindo dos dois extremos possíveis de estruturas de
governança – tem impacto bastante significativo no comportamento individual. As
instituições simultaneamente determinam as regras do jogo e condicionam as
escolhas individuais sob essas regras. Ao se considerar um ambiente de informação
perfeita, o comportamento dos indivíduos deverá se apresentar como o de agentes
maximizadores de resultados; será diferente, porém, em outros tipos de ambiente
institucional (numa hierarquia, por exemplo). Miller (1992) acredita que, dependendo
do nível de incerteza e de assimetria de informações do ambiente no qual uma
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
44
organização está inserida, a coordenação desta se dará mais em razão do
direcionamento hierárquico do que pelo mecanismo de preços ou por sistemas de
incentivos.
A hierarquia, para o autor, é a autoridade definida de forma incompleta e assimétrica
de um ator para dirigir as atividades de outros. Numa estrutura de governança
hierárquica, os direitos dos empregados são, em geral, vagos e mais ainda suas
responsabilidades. Em troca do salário, ele reconhece o direito do empregador de
definir tarefas, estabelecer padrões de desempenho, determinar condições de
trabalho e ditar códigos de conduta (MILLER, 1992). Numa hierarquia, a informação
é escassa, são necessárias outras habilidades individuais para o relacionamento
interdependente entre os membros da organização e, assim, o comportamento será
distinto do previsto no modelo neoclássico. Em tal tipo de organização, importa a
visão de mundo e as crenças ideológicas dos indivíduos e do líder, em especial; ou
seja, regras informais têm impacto relevante no comportamento dos indivíduos
(NORTH, 1990).
Os tipos de incentivos utilizados para motivar os indivíduos mudam de uma
instituição para outra. Diferentemente do equilíbrio de mercado, na organização
hierárquica, chefes e subordinados podem passar anos construindo uma relação de
troca adaptada às características individuais de ambos, e a remuneração acertada
entre eles pode não se basear em critérios de eficiência e maximização de resultado,
mas sim em projeção social, prestação de serviços e interesses sociais, entre outros
fatores. Segundo North (1988), a motivação dos indivíduos é bem mais complexa do
que a maximização de riquezas; esta pode ser trocada por outros valores, em cuja
escolha há enorme influência das instituições (MILLER, 1992).
Para Miller (1992), as hierarquias, ao contrário dos mercados, institucionalizam
compromissos de longo prazo que possibilitam trocar riqueza por aceitação social e
estima. Na coordenação da hierarquia, o mecanismo de ajuste de preços não é
fundamental. A tomada de decisão de um diretor pode estar respaldada nos
objetivos políticos de um grupo e não necessariamente assegurar a eficiência dos
resultados. Nesse sentido, é importante ressaltar que é complexa a análise de
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
45
eficiência em um ambiente em que a definição das informações, os incentivos, a
coordenação e os direitos de propriedade são dados institucionalmente.
Apesar dessa complexidade e da existência de outros atributos que não são
passíveis de controle racional, as estruturas hierárquicas de governança podem ser
mais vantajosas que as estruturas de mercado ou as híbridas (MILLER, 1992). Isso
ocorre devido à existência de falhas de mercado. Ainda segundo o autor, a
existência de informação assimétrica, de externalidades e de poder de mercado
possibilitam a vantagem comparativa de uma estrutura hierárquica de governança
frente às demais.
Porém, os mesmo fatores que permitem ser vantajosa a construção de estruturas
hierárquicas de governança, entre os quais a informação assimétrica, dificultam o
controle hierárquico. A informação assimétrica ocorre interna e externamente à
organização. Com isso, internamente há também incentivo ao comportamento autointeressado e oportunista, levando provavelmente à persistência de resultados
ineficientes. A hierarquia não permite um perfeito alinhamento do indivíduo com
grupos de interesses.
Na visão de Miller (1992), a hierarquia é uma estrutura eficiente quando é o melhor
que os indivíduos auto-interessados conseguem fazer sobre um arranjo institucional
possível. Para Williamson e Ouchi (1981), não existe um arranjo institucional que
elimine os dilemas sociais, mas há forças que levam os indivíduos a acharem o
melhor arranjo para a minimização de perdas e a maior eficiência possível.
Miller (1992) argumenta que, no caso de uma estrutura de governança hierárquica,
as forças capazes de ajustar o arranjo institucional existente e de minimizar perdas
são externas; isto é, o controle externo da hierarquia fará com que o comportamento
do corpo gerencial seja direcionado à busca de resultados eficientes, mais do que à
satisfação de seus próprios interesses. As forças externas serviriam como um
compromisso para resolver a tensão entre o gerente auto-interessado e a eficiência
organizacional.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
46
Se, por um lado, há o reconhecimento de que a presença de forças competitivas de
mercados conduz a hierarquia para ganhos de eficiência, há, de outro, limitações
lógicas na habilidade hierárquica para realizar esses ganhos por meio da
manipulação de contratos e sistemas de incentivos formais. Não obstante, os
arranjos contratuais e sistemáticos de controle, criados na busca de eficiência, não
eliminam os incentivos para que ao menos um indivíduo continue a ter um
comportamento que leva à ineficiência. Segundo Miller (1992), um esforço
determinado de seguir a análise econômica em suas conclusões leva à confirmação
da persistência da ineficiência organizacional.
Ainda assim, observa-se que as forças de mercado premiam organizações
hierárquicas que conseguem atingir ganhos de eficiência, apesar da existência do
comportamento
auto-interessado.
Segundo
o
autor,
as
organizações
que
aparentemente têm os mesmos tipos de contratos, sistemas de incentivo e
estruturas hierárquicas apresentam, de fato, diferentes performances, em razão de
seus arranjos institucionais, em que a natureza das expectativas e as crenças
individuais, as normas sociais e a liderança constituída desempenham papel
fundamental. Sob esse enfoque, a chave para a compreensão do desempenho
eficiente de algumas hierarquias está muito mais nas diferenças políticas das
organizações do que nas econômicas. Na opinião de Miller (1992), a organização
deve ser encarada como uma arena para a liderança política, ideológica e de
definição de objetivos, e não apenas como a manipulação gerencial de incentivos
econômicos e de estruturas formais.
A partir do exposto, depreende-se que, dependendo do ambiente econômico e
institucional, e da existência de maiores ou menores custos de transação, a estrutura
de governança tenderá a ser mais hierárquica do que contratual ou híbrida. Essa
escolha em si não implica que a organização é eficiente ou não. A eficiência
depende de como as falhas de mercado, isto é, a assimetria de informações, as
externalidades e o poder de mercado, afetam a organização interna e externamente
e de como sistemas de incentivo externos podem controlar o comportamento autointeressado dos agentes.
CARACTERÍSTICAS
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
47
MERCADO
HÍBRIDA
HIERÁRQUICA
Neste tipo de
estrutura de
governança os
incentivos são
fortes e o ajuste
se dá via preços.
Há pouca
necessidade de
controles
administrativos e
os contratos são
cumpridos sem
riscos de
comportamento
oportunista.
Nesta estrutura, os
incentivos são médios, visto
que existem falhas de
mercado que impossibilitam
ajustes autônomos via
preço. É então necessária a
coordenação dos indivíduos
dentro de sistemas de
incentivos e contratos que
coíbam o comportamento
oportunista e possam
reduzir os custos de
transação em ambiente de
informação assimétrica.
Na estrutura hierárquica, os
incentivos são fracos e existe
forte impacto das falhas de
mercado, a ponto de
prejudicar o cumprimento de
contratos sujeitos sempre à
ação oportunista dos
agentes. Nesse ambiente, a
barganha pode ser ineficiente
e há necessidade de
coordenação e de imposição
da autoridade política para a
busca de resultados
eficientes.
Quadro 2 – Estruturas de Governança
Fonte: Elaboração da autora, com base em Williamson (1991) e Miller (1992).
1.4 Custos de transação e estruturas de governança no setor público
Tendo em vista que esta tese trata do arranjo institucional do financiamento do
ensino público fundamental, é importante entender como se dá a discussão acerca
de custos de transação e de estruturas de governança nas organizações do setor
público.
A análise mais estrita de como se dá a gestão do financiamento do ensino público
fundamental e suas estruturas de governança será feita nos capítulos 2 e 3. Nesta
seção, o intuito é apresentar um modelo analítico a partir da abordagem da
economia dos custos de transação para análise de organizações do setor público.
Partindo dos mesmos pressupostos apontados na seção 1.2.1, serão pontuados
aqui os atores relevantes para as transações, os custos existentes, algumas
características peculiares da governança em organizações do setor público e, por
fim, a assunção da regra de vinculação orçamentária no setor público como possível
solução para a existência de oportunismo político dos agentes.
1.4.1 Atores
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
48
Apesar da infinidade de cenários que se pode construir envolvendo transações no
setor público - a partir da administração direta ou de agências reguladoras e
empresas públicas - e os mais diversos atores, preocupa-se neste trabalho
principalmente com quatro atores. Esses atores estão representados aqui pelos
poderes executivo e legislativo, a burocracia estatal e a sociedade civil, que atuam e
transacionam
interna
e
externamente
com
as
organizações
públicas
da
administração direta do Estado.
Poder Executivo8 – os chefes do poder executivo são políticos eleitos e que trazem
consigo um grupo de pessoas (políticos ou não) para ocupar cargos de gestão nas
administrações das diferentes esferas de governo, tendo sob seu controle a
burocracia estatal. São movidos pelo auto-interesse9 e pela busca de reeleição. Sua
sustentação pode se dar por meio de um partido ou coligação partidária, sujeitandoos a maior ou menor pressão de grupos de interesses, dependendo do grau de
coesão da coligação e de representação destes no poder legislativo e na sociedade
civil.
Poder Legislativo – os representantes da sociedade civil são eleitos nas diferentes
esferas de governo. Têm como responsabilidade principal o controle das ações do
executivo e a avaliação e proposição de leis. Sofrem também pressão de diversos
grupos de interesse e suas ações são calculadas em função da quantidade de votos
que podem render, tendo em vista o objetivo da reeleição.
Burocracia10 – a burocracia estatal constitui-se no corpo gerencial do aparelho do
Estado para a execução das políticas públicas. Sob o comando político, formulam,
executam e avaliam processos. São funcionários, em geral, dotados de capacidades
específicas para seus cargos e com estabilidade constituída como forma de
8 É fato que não se pode tomar o poder executivo por um corpo único e homogêneo, sabe-se também que este não é apenas determinado pelos interesses
e visões de mundo de seu chefe, eleito pela sociedade civil. Contudo, nesta análise está se buscando compreender as relações entre os atores existentes e
suas principais motivações, na medida em que estas são importantes para determinar custos de transação ou não, no ambiente das políticas públicas.
Nesse sentido, neste capítulo, será utilizada a análise das motivações e relações do chefe do poder executivo como indicador da importância desse ator.
Nos capítulos 3 e 5, quando se analisarão mais especificamente as políticas públicas de educação, outros representantes desse poder serão analisados,
como os dirigentes municipais de ensino.
9 Na construção analítica dos custos de transação para o setor público, parte-se também do pressuposto de auto-interesse dos agentes. É importante
ressalvar, porém, que pode fazer parte da satisfação dos interesses dos quatro atores destacados, o comprometimento com o bem público, a depender da
análise subjetiva de cada ator.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
49
preservação contra perseguição e descontinuidade político-administrativa. Esses
agentes, segundo a teoria da escolha pública 11 , agem racionalmente e são
motivados pelo auto-interesse. Nessa visão, a busca da burocracia seria a satisfação
de seus interesses, como a permanência nos cargos, status e poder decisório. Isso
resulta muitas vezes em comportamentos e estratégias oportunistas, que são
analisados por essa teoria a partir de modelos principal-agente (BORSANI, 2004).
Sociedade civil – segundo Horn (1995), os representantes da sociedade civil são
afetados pelas políticas públicas, tanto por seus benefícios, como por seus custos.
Assim como os outros atores, têm racionalidade limitada e participam da vida política
na busca de interesses individuais. Sua participação, contudo, se dá apenas quando
o benefício dessa ação compensa o custo do tempo empregado na atividade. Assim,
a maioria das pessoas permanece racionalmente ignorante do que se passa no
processo político, a maior parte do tempo. O custo de organizar e manter uma ação
coletiva é, neste caso, particularmente importante. Grandes grupos de interesses
difusos encontram maior dificuldade de sustentar sua participação no processo
político ou de exercer influência sobre as administrações públicas do que pequenos
grupos, cujos membros demonstram um interesse específico em uma determinada
lei ou política pública (HORN, 1995).
1.4.2 Custos de transação
As transações no setor público, dentro do espectro estudado nesta tese, estão
relacionadas à criação, execução, monitoramento e avaliação de políticas públicas, a
partir da interação dos atores apontados. Existem vários custos envolvidos nessas
transações, optou-se, todavia, por relacionar alguns de extrema relevância, a partir
da análise de Horn (1995).
Um primeiro custo de transação está associado ao tempo e ao esforço gastos pelos
políticos, tanto do poder executivo quanto no legislativo, na busca de acordo sobre
determinada política pública. A existência de conflito e de incerteza aumenta o custo
10 A burocracia estatal não é um ator homogêneo, principalmente na área de estudo desta tese, que é a educação. Assim, o papel dos gestores, dos
diretores e dos professores tem importância distinta. Essa diferenciação ficará mais clara, no entanto, nos capítulos 3 e, principalmente, no 5, por tratar do
estudo de caso específico
.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
50
de definição de regras claras e detalhadas, além de cria uma tendência à promoção
de leis e de políticas públicas vagas. Estas, por sua vez, trazem consigo outros
problemas que precisarão ser balanceados, sendo necessário, por exemplo, um
maior acompanhamento dos supostos beneficiários de determinada política para que
se constate se os objetivos declarados foram de fato atingidos.
Outro custo de transação reside no fato de que a duração dos benefícios propostos
por uma política pública é afetado por problemas de compromisso de longo prazo.
Tais problemas existem em função da maior ou menor habilidade de legisladores e
do poder executivo em alterar, emendar e substituir leis e regras. Em uma
democracia, não existe garantia de que a mudança de legislatura não leve à revisão
de regras de qualquer política pública. Segundo MOE (1990), isso causa incerteza
política:
“In democratic polities (and most others), public authority does not
belong to anyone. It is simply “out there,” attached to various public
offices, and whoever succeeds under the established rules of the
game in gaining the control of these offices has the right to use
it….While the right to exercise public authority happens to be (with
existing office holders) today, other political actors with different and
perhaps opposing interests may gain that right tomorrow, along with
legitimate control over the policies and structures that their
predecessors put in place. Whatever today’s authorities create,
therefore, stands to be subverted or perhaps completely destroyed –
quite legally and without any compensation whatever – by tomorrow’s
authorities.” (MOE, 1990, apud HORN, 1995, p. 17).
Esse processo representa um custo político de transação, visto que não é possível
garantir à sociedade civil a durabilidade dos benefícios de uma política pública.
Outro custo vem do fato de a administração burocrática, às vezes, não compartilhar
das mesmas intenções que o poder executivo sobre a implementação de
determinada política pública. Os benefícios de uma política em específico podem
não se concretizar porque não necessariamente o poder executivo, o poder
legislativo, a burocracia e sociedade civil têm o mesmo entendimento, compromisso
e energia para implementar, administrar, monitorar e avaliar as políticas públicas.
Isso implica um custo de agência, principalmente entre poder executivo e burocracia.
11 Para uma descrição mais detalhada da teoria da escolha pública, ver Borsani (2004).
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
51
Em um modelo principal-agente aplicado à burocracia, o problema pode ser
analisado de duas formas. A primeira, relaciona os objetivos do ator principal, por
exemplo, o político, e os objetivos e motivações do ator subordinado, a burocracia.
Nesse primeiro modelo, deve haver um desenho de estrutura de governança em que
o ator principal consiga controlar o agente, a burocracia, no intuito da execução de
seus objetivos, isto é, a execução das políticas públicas do modo como foram
concebidas em seu governo e, para isso, será necessário o uso de um sistema de
incentivos que permita tal indução. Este sistema de incentivos tem uma
complexidade específica, visto que - conforme será descrito no item motivação dos
agentes - a burocracia tem uma função de utilidade diferente daquela dos agentes
econômicos numa estrutura de mercado; assim, incentivos ligados puramente a
incrementos financeiros em contrapartida ao desempenho individual têm pouca
eficácia no controle das ações burocráticas.
Na segunda forma proposta, o principal seria a sociedade civil, receptora da política
pública, e o agente seria a organização como um todo, composta pelos políticos e
pela burocracia estatal. Nesse modelo existe uma sutil mudança de conceito, pois
não necessariamente a política pública de interesse da sociedade civil é aquela
idealizada politicamente. Ou ainda, a idealização pode ser distinta da execução,
constituindo-se a sociedade civil num importante ator no controle do comportamento
do agente12.
Segundo Pzerworski (1995), essa abordagem alternativa de estudo da burocracia,
por meio do conceito principal-agente, está fundamentada no fato de que na
administração, seja pública ou privada, é difícil fiscalizar o comportamento do
agente. Essa é uma questão, portanto, de supervisão e controle do comportamento
dos agentes que podem agir de forma oculta. Na medida em que a eficiência da
administração pública depende do comportamento de agentes (burocratas), nem
sempre fiscalizáveis, o principal (sociedade) fica à mercê da perda de controle sobre
a máquina pública (BORSANI, 2004). Tem-se, então, um custo relevante relacionado
ao monitoramento da burocracia com a criação de um sistema de incentivos e de
12 Esse modelo pode ser ainda mais complexo se for analisado sob o ponto de vista de múltiplos principais, conforme Dixit (2002). A questão será discutida
no item 1.4.3.1.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
52
sanções assegurador de que esta aja no sentido de proteger os interesses daqueles,
que, afinal, devem ser os beneficiários da política pública (HORN, 1995).
Um último tipo de custo de transação, aqui relacionado, existe em função da falta de
clareza a respeito dos benefícios privados ou dos custos associados à determinada
política pública por parte da sociedade civil. Essa falta de clareza é maior quando o
financiamento de uma política se dá totalmente em função do pagamento de
impostos, cujo ônus recai sobre boa parte da sociedade de forma não
individualizada. Nessas circunstâncias, o apoio à política pública dependerá da
aversão ao risco do cidadão; quanto maior esta, menor a tendência a apoiar novas
políticas (HORN, 1995).
1.4.3 Características especiais das estruturas de governança no setor público
Na opinião de Dixit (2002), a redução e o controle dos custos de transação no setor
público dependerão da construção de estruturas de governança que criem sistemas
de incentivo aos atores relevantes no processo, para que otimizem a implementação
e a execução de políticas públicas. Nessa construção, contudo, algumas
características importantes das organizações do setor público precisam ser
pontuadas para se entender como a questão dos incentivos afeta a estrutura de
governança. Dentre essas características, Dixit (2002) ressalta a existência da: i)
multiplicidade de principais; ii) multiplicidade de tarefas ligadas às políticas públicas;
iii) reduzida competição; e iv) complexidade na motivação dos agentes.
1.4.3.1 Multiplicidade dos principais
A multiplicidade dos principais existe visto que as ações do governo realizadas por
meio da administração direta ou indireta afetam grande parte da sociedade, fazendo
com que as pessoas estejam em posição de influenciar as políticas públicas. Isso se
dá em função de muitos serviços serem caracteristicamente bens públicos, gerarem
externalidades ou ainda serem providenciados por subsídios fiscais13 (DIXIT, 2002).
13 O subsídio aqui entendido significa a produção de bens e serviços via cobrança de impostos dos contribuintes e não pela taxação direta dos serviços e
dos bens oferecidos.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
53
Ao lado disso, há uma série de grupos de interesse preocupados não só com os
resultados do governo, mas com os insumos e a forma como o governo os produz.
Nesse sentido, fornecedores se preocupam em influenciar os processos de compras
públicas; sindicatos de trabalhadores, importantes atores e principais nas estruturas
de governança públicas preocupam-se com as condições de trabalho e com os
próprios sistemas de incentivos criados internamente. Os representantes do poder
legislativo são também principais interessados tanto na forma quanto nos resultados
de uma política, visto que cabe a eles a fiscalização das ações do executivo. Desse
modo, tem-se vários grupos de interesse engajados em uma barganha política
multidimensional. Dentro desse jogo, a busca dos grupos pela preservação de seus
interesses pode levar a existência de uma atividade em específico, que tem grande
influência nas organizações públicas, a atividade rent seeking, caçadora de renda
(SILVA, 2002).
A atividade caçadora de renda está estreitamente relacionada ao conceito de
ganhos monopolistas. Essa ação designa o comportamento que visa obter do
Estado privilégios de mercado. As atividades de organização de um lobby para atuar
no Congresso, a contratação de advogados e o uso de propagandas e entrevistas
forçando o Estado a tomar determinada decisão que beneficie um grupo de
interesse específico, são atividades típicas do comportamento caçador de renda,
segundo Silva (2002).
Essas atividades resultam em geral no aumento de custos para a sociedade. Nesse
sentido, rent seeking é quase o oposto da criação de renda. Segundo Buchanan
(1967), o termo descreve comportamentos em âmbitos institucionais, nos quais os
esforços individuais em maximizar ganhos geram custos sociais também adicionais.
Segundo Krueger (1974) e Tullock (1967), os agentes econômicos têm uma
motivação básica: a busca do lucro econômico positivo sempre. Essa busca se dá
dentro de um arcabouço de regras definidas e, por vezes, depende e se aproveita de
falhas institucionais14. Não é incomum, os agentes perseguirem o lucro, ainda que
14 As falhas institucionais aqui compreendidas são principalmente as lacunas e a permissividade existentes em regras formais, tais como definido no item
1.1.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
54
desconsiderem a regra estabelecida e levem à perda do bem-estar coletivo (SILVA,
2004).
O custo dessa atividade tem uma dimensão qualitativa muito importante, pois,
apesar de improdutiva, é bastante rentável, e isso faz com que a renda alocada em
atividades produtivas seja transferida para as ações dos caçadores de renda,
tornando as atividades produtivas muito custosas. Além disso, esse comportamento
gera uma proteção de outros indivíduos, não beneficiados, que se vêem ameaçados
e se organizam para impedir a regulação e os privilégios dados pelo governo ao
grupo de pressão; dessa maneira, mais recursos são gastos na proteção ao
comportamento caçador de renda (SILVA, 2004).
Pensando em uma democracia, esse tipo de atividade se efetua como num jogo em
que vários grupos tentam exercer seu poder de pressão sobre os governos, com o
intuito de transferir a renda em seu benefício. A conseqüência de uma sociedade
dividida entre grupos de interesse que jogam pelos recursos públicos tenderá a ser
Pareto-inferior, ou seja, os custos da atividade caçadora de renda são maiores que
os benefícios privados obtidos por alguns agentes ou grupos (SILVA, 2004).
Nesse sentido, quanto maior a informação assimétrica e a incerteza envolvendo
determinado setor do governo, e quanto maior o poder de barganha de pequenos
grupos de poder, maior sua possibilidade de maximizar ganhos de bem-estar,
valendo-se de falhas institucionais e da falta de controle interno e externo à
organização pública.
Na visão de Dixit (2002), a depender da área governamental que se analise, podemse entender as administrações públicas como estruturas com vários principais
agindo em um jogo não-cooperativo, em que cada qual tenta influenciar as ações
conforme seu auto-interesse. Considerando que alguns grupos têm poder de
barganha suficiente para dominar instituições ineficientes, conclui-se que podem,
inclusive, dominar o Estado. É possível que isso aconteça, na medida em que esses
grupos dominam seu aparelho estatal, ou melhor as instituições do Estado
(PZERWORSKY, 1995; BRESSER, 2004).
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
55
No processo de perda de autonomia do Estado e sua captura por um ou mais
grupos de interesse, é fundamental a influência da burocracia. Isso porque, partindose do pressuposto mencionado de que o agente público, o burocrata, é movido por
interesses privados e sujeito também a pressões de grupos de interesses, e
somando-se a esse fato a assimetria de informação existente entre o agente e o
principal, tem-se o ambiente perfeito, em não havendo controles eficazes, para a
cooptação desses agentes para uma ação específica de um grupo de interesse,
podendo resultar em clientelismo e até em corrupção15 (PZERWORSKY, 1995).
Segundo Silva (2004), a corrupção na máquina pública está ligada ao fato de que
não se pode comparar a administração gerencial do Estado e suas estruturas de
incentivo com aquelas utilizadas pelo mercado. É importante ter-se em mente que as
escolhas públicas não são puramente técnicas ou gerenciais. Não é possível uma
decisão de política pública totalmente neutra em relação a todo e qualquer grupo de
interesse, dentro e fora do Estado. Ao se analisar o processo de orçamento público,
vê-se que desde seu início esse se mostra um instrumento tanto técnico quanto
político. Não é possível querer diminuir ou desconsiderar a natureza eminentemente
política do processo, sob o risco de proceder a análises totalmente equivocadas.
Dessa forma, deve-se levar em consideração na análise das estruturas de governo
no setor público que estas estão sujeitas a critérios políticos. A simples existência do
Estado fiscal cria a possibilidade de alocação política de recursos escassos por meio
de critérios diversos. O Estado arrecada recursos e os transfere, legal ou
ilegalmente, à sociedade, via produção de bens e serviços públicos. Os segmentos
da sociedade se organizam na forma de grupos de pressão, na tentativa de
maximizar essa transferência. Assim, na opinião de Silva (2004), não é possível
imaginarmos um Estado gerencial puro (SILVA, 2004; OLSON, 1965).
Ainda segundo o autor, o problema da supervisão é, então, crucial na busca de
eficiência e de eficácia no gerenciamento público. Essa supervisão deve ser
administrada dentro de uma estrutura de governança que consiga trabalhar um
15 Sobre esta questão, cabe a ressalva de que, a depender do governo que se analise, o papel da burocracia de Estado será fundamental na prevenção da
atividade rent seeking. Isto porque, por vezes, esta se comportará como protetora dos interesses do Estado, buscando coibir e impedir práticas de
privatização dos bens públicos, que podem ocorrer na relação da cúpula do governo com grupos de interesses. Em outras situaões, pode se dar o inverso, o
que demonstra a complexidade de identificação dos principais.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
56
sistema de incentivos que vise redimensionar o comportamento do agente para um
resultado mais próximo do ideal, do ponto de vista do principal. Os incentivos devem
ser concebidos de modo a levar o agente a agir de forma transparente e a arcar com
as conseqüências de suas ações.
A grande dificuldade, na visão apresentada por Dixit (2002), é definir o principal e, a
partir disso, conseguir trabalhar uma estrutura de governança adequada, conforme
indicado por Silva (2004). Nesse contexto multidimensional, quanto maior a
multiplicidade de principais, maior a complexidade do jogo não-cooperativo, o que
aumenta a chance de captura do Estado por atividades rent seeking, ou mesmo de
ocorrência de corrupção, levando a perda de bem-estar. Para sair dessa armadilha,
é preciso que outros grupos sociais, prejudicados pela perda de seu bem-estar,
percebam a possibilidade de ganhos para a sociedade como um todo, com a
modificação de regras institucionais e das estruturas governamentais e, além disso,
construam um novo modelo principal-agente, via barganha e pressão também,
porém, dentro de um jogo cooperativo (SILVA, 2004).
1.4.3.2 Multiplicidade de tarefas
Segundo Dixit (2002), em organizações do setor público, a multiplicidade de tarefas
existe na medida em que se espera das administrações públicas o alcance de uma
série de objetivos. Dependendo do tipo de organização pública, esta questão pode
ser mais ou menos complexa. A interação dos objetivos não necessariamente é
clara dentro da organização e tampouco é priorizada de forma a otimizar agentes,
insumos e processos.
O controle dos objetivos e tarefas das organizações públicas tem uma complexidade
variável em função do tipo de organização avaliada. Nesse sentido, é interessante a
distinção de tipos de organização pública feita por Wilson (1989). A partir de sua
descrição, pode-se destacar três tipos de organizações importantes para esta
análise: as procedurais, as especialistas (craft) ou as reativas (coping). As
organizações procedurais são aquelas em que é mais fácil controlar as ações do que
os resultados, pois estes parecem vagos e difusos para a população. Funcionam de
forma oposta às organizações craft, onde é possível verificar os resultados, sem,
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
57
contudo, conseguir controlar as ações. O terceiro tipo é o mais complexo dos três,
pois nas organizações coping nem as ações e tampouco os resultados são
facilmente verificáveis pelos principais (DIXIT, 2002).
Segundo Dixit, (2002) a busca de sistemas de incentivos que levem a resultados
eficientes deverá ser adequada ao tipo de organização em questão. Em uma
organização coping, por exemplo, incentivos explícitos podem ser muito fracos. O
principal pode até conseguir verificar os resultados, mas não controlá-los, o que leva
ao enfraquecimento de incentivos internos por resultados. A preocupação dos
agentes será maior com a possibilidade de ascensão continuada na carreira. Como
é difícil controlar as ações, é bastante provável que essa seja uma estrutura de
governança hierárquica, em que os agentes têm restrito espaço de atuação, há
grande conflito e informação assimétrica entre a gerência e subordinados. Nesse
contexto, quanto maior o número de principais, maior a possibilidade de conflito de
interesses.
1.4.3.3 Reduzida competitividade
A oferta de bens e serviços pelo setor público de forma monopolista, ou quase, pode
incorrer em problemas relacionados à reduzida competitividade nesses setores.
Esse fato às vezes dificulta o controle de custos e de qualidade dos resultados e
trazer menor resposta às preferências da sociedade. A privatização não é solução
muitas vezes em função do tipo de bem em questão, ainda mais quando há
aspectos multidimensionais, como principais e tarefas, e, dependendo do tipo de
organização e dificuldade de verificação de resultados, pode haver indução a altos
custos de transação e comportamento oportunista pelas firmas, como já
apresentado, sem garantia de uma atuação eficiente socialmente. Esse problema é
agravado em setores em que nem mesmo existe apelo para atuação privada,
reforçando a perversidade dos incentivos na ausência de competição (DIXIT, 2002;
HORN, 1995).
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
58
1.4.3.4 Motivação dos agentes
A questão da motivação dos agentes numa estrutura de governança pública é de
extrema importância, visto que os sistemas habituais de incentivos baseados no
incremento de renda, em função do desempenho individual, têm uma aplicabilidade
bastante complexa. Assim como na estrutura de governança hierárquica,
apresentada no item 1.3, há fatores internos à organização, como a estabilidade
funcional, e externalidades entre membros de uma equipe, que dificultam a leitura
correta do desempenho individual. Além disso, em uma estrutura de governança
pública, mais do que em estrutura privada, há uma motivação ligada às questões
ideológicas e de crença individual, dificilmente mensuráveis, que independem de
qualquer sistema de incentivo e podem induzir o comportamento dos agentes em
direção ao cumprimento, ou não, de tarefas. Assim, a motivação na burocracia
muitas vezes depende mais de fatores ideológicos e políticos, como identificação do
corpo burocrático com a política pública a ser implementada, do que com sistemas
de remuneração especificamente criados, como gratificações por desempenho
(MILLER, 1992; HORN, 1995; DIXIT, 2002).
É importante também mencionar que nas organizações constituídas por classes de
profissionais16 existe forte tendência ao comportamento corporativo, seguindo bases
definidas por associações e sindicatos. Esse profissionalismo tem uma sensível
correlação com preocupações de carreira, ou seja, incentivos implícitos, muito mais
do que com aqueles baseados em remuneração por produtividade (DIXIT, 2002).
Em suma, a existência de complexos custos de transação, associados a
características específicas do setor público, levam organizações da administração
direta - em que há grande dificuldade em medir resultados, definir objetivos das
políticas públicas e identificar como esses objetivos serão mais bem atingidos - a
serem administradas dentro de uma estrutura hierárquica. Essa estruturação é
também resultado da existência de reduzida competição e de incentivos internos
fracos à motivação e ao direcionamento do comportamento da burocracia (DIXIT,
2002; MILLER, 1992).
16 No entendimento de Wilson (1989) um profissional seria definido como alguém que recebe importante prêmio ocupacional de um grupo de referência,
cuja associação é limitada àquelas pessoas que receberam formação educacional específica e seguem um código de conduta definido pelo grupo.
Poderíamos identificar as classes dos médicos e professores no setor público a partir desta caracterização.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
59
1.4.4 Oportunismo político e a vinculação orçamentária no setor público
Da análise anterior decorrem duas questões fundamentais: como os gestores
públicos podem superar as dificuldades supracitadas? Ou ainda, em que medida
arranjos institucionais – vinculação orçamentária – podem criar incentivos para
promover a boa gestão pública? Frant (1996) concorda com a visão de Dixit (2002)
de que no setor público os incentivos tendem a ser fracos, como em uma hierarquia,
conforme descrito por Miller (1992). Assim, considera-se que a política é a base para
a alocação de recursos no setor público e o desejo político de reeleição faria o papel
de um incentivo forte. Contudo, para que esse incentivo leve a uma política pública
eficiente, é necessário que haja informação suficiente sobre o desempenho no setor
público, pois na existência de informação assimétrica, há dificuldade de a sociedade
avaliar os resultados da política pública, o que pode induzir ao oportunismo político.
O comportamento oportunista na política visa à reeleição e, ao se agir com esse
intuito, pode haver o direcionamento de recursos para áreas visíveis do governo,
que não são necessariamente aquelas desejadas pela sociedade (FRANT, 1996).
Seguindo a linha de raciocínio desse mesmo autor, uma forma encontrada de lidar
com o comportamento oportunista na política é a redução dos incentivos fortes,
assim como acontece no setor privado. Quando existem fortes incentivos de
mercado que induzem ao comportamento oportunista dos agentes econômicos, há
dificuldade na negociação das transações pelo risco de contratos incompletos. Isso
leva, muitas vezes, à construção de estruturas de governança hierárquicas menos
sujeitas a tais incentivos, ou seja, estruturas em que os incentivos são fracos e há
menor competição.
De acordo com Frant (1996), no setor público uma possível solução para o acirrado
comportamento oportunista é a construção de estruturas de governança protegidas
da política. Isso possibilitaria que a atividade pública estivesse menos sujeita ao
alcance do processo político normal. Segundo Horn (1995), essa lógica advém do
fato de que no setor público é ainda mais difícil assegurar o comprometimento da
outra parte às ações contratadas, uma vez que, de um mandato para outro, é
possível anular leis e alterar orçamentos. Assim, em sua opinião, assegurar que
parte do processo fique fora do alcance da política pode reduzir custos de transação
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
60
e garantir que as ações contratadas aconteçam. Nesse sentido, Frant (1996) aponta
a existência de um movimento que visa a proteger a implementação de políticas
públicas do oportunismo: a vinculação de receitas. Essa vinculação é a reserva de
certos itens de arrecadação para alocação em despesas específicas que estão além
do processo normal de discussão orçamentária.
A vinculação orçamentária é, em princípio, uma violação das regras clássicas da
teoria orçamentária, visto que dificulta o planejamento e a alocação ótima de
recursos, reduzindo os graus de liberdade do planejador em privilégio de uma área
especifica. Ao lado disso, conforme pontuado por Frant (1996), a vinculação implica
que tanto o poder executivo quanto o legislativo abram mão de sua prerrogativa de
definir a alocação orçamentária dos recursos do Estado. Isso se dá na busca de
redução do oportunismo, algo bastante ligado aos fortes incentivos políticos que
existem no processo orçamentário, principalmente nas áreas em que a sociedade
tem dificuldade de monitorar a qualidade do gasto público.
Segundo Horn (1995), a construção de um processo de vinculação de receitas
ocorre em razão do receio dos legisladores de que haja falta de compromisso futuro
com a política pública. Por meio da vinculação, busca-se assegurar que os
benefícios e a direção das políticas sejam duráveis. Horn (1995) considera, ainda,
que a vinculação pode ser uma solução para o problema da incerteza e da falta de
compromisso com a política, quando existe um baixo custo de agência. Desse modo,
a maior eficiência de uma vinculação orçamentária, em sua opinião, está em áreas
em que há pouca margem de manobra dos administradores, executivos e da
burocracia.
Assim, nas áreas em que existe um importante custo de agência, isto é, de
supervisão do comportamento dos agentes, e em que é necessário reduzir a
incerteza e o oportunismo político, ressalta-se a necessidade da estrutura de
governança e das regras formais e informais que buscam assegurar o controle do
gasto público e a proteção dos interesses dos beneficiários da política em questão.
Fazendo um paralelo com a área de educação no Brasil, mais especificamente com
o ensino fundamental, para a qual foi criada uma vinculação especial por meio do
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
61
Fundef, como já mencionado; é preciso reconhecer que houve a busca da
priorização dessa política pública ao garantir um fluxo assegurado e crescente de
recursos nos últimos anos. Apesar disso, o desempenho e a qualidade do ensino
fundamental são ainda bastante questionáveis, como se depreende dos resultados
dos sistemas de avaliação federais. Para além do fato de que se possa considerar
que o volume atual de recursos seja ainda insuficiente, deve-se investigar se a atual
estrutura e o arranjo institucional existentes para o financiamento do ensino
fundamental tendem ou não à construção de políticas públicas de ensino eficientes.
O ensino fundamental é uma área na qual é possível constatar as características
mencionadas na seção 1.4.317, isto é, a existência de multiplicidade de principais se
dá pela sobreposição de interesses de diversos atores: pais, mães e alunos,
professores e sindicatos, os poderes executivos das diversas esferas, além dos
poderes legislativos e a sociedade civil como um todo, responsáveis pela
fiscalização do funcionamento de todo o sistema e das organizações municipais de
ensino 18 .Da existência desse número expressivo de principais decorre também a
incidência de uma multiplicidade de tarefas incumbidas à organização do ensino
fundamental.
Além das duas características anteriores, o ensino fundamental municipal constituise também para muitos brasileiros na única opção de ensino, o que implica a
terceira característica, isto é, a baixa competitividade da organização. E por fim, a
complexidade na motivação dos agentes está centrada na constituição do corpo
funcional dessas organizações, que são estruturas formadas em geral por um
grande contingente de professores e diretores, com incentivos muito mais voltados a
ações de longo prazo e planos de carreira do que simplesmente ganhos pecuniários.
De toda forma, é possível perceber que a coordenação desses agentes e de todos
os principais envolvidos na organização do ensino fundamental em torno de uma
política pública eficiente é bem mais complexa que a mobilização para garantir
recursos financeiros suficientes. Essa complexidade é ainda majorada pela
existência de grande assimetria de informação entre os agentes, fator este que,
17 A análise dessas características na organização do ensino fundamental será mais profundamente realizada no capítulo 3.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
62
juntamente com as características apresentadas, contribui para a estruturação
hierárquica dessa organização de ensino.
Nesse tipo de estrutura, na existência de dificuldade de controle externo adequado,
corre-se inclusive o risco de que a vinculação orçamentária, ao invés de proteger os
recursos do oportunismo político, ao contrário, reforce essa prática. Isso se dá na
medida em que a educação passa a ser a área de maior concentração de recursos
do município, tornando-se sujeita a ação de diversos grupos de interesse.
Nessa situação, não é demais relembrar que, como pontuado por Miller (1992), a
busca de resultados eficientes, em uma estrutura de governança hierárquica, passa
pelo controle de elementos externos a esta, implicando a necessidade de existência
de accountability dessas organizações (SILVA, 2004). Sem isso, não há como
garantir que a vinculação e o aumento de volume de recursos levarão
necessariamente a uma melhor qualidade de ensino.
Custos de
transação
Tempo de negociação entre atores; custo de agência – supervisão dos
agentes; problemas de compromisso de longo prazo – oportunismo
político.
Atores
Poder Executivo, Poder Legislativo, burocracia e sociedade civil.
Características
Multiplicidade de principais e tarefas, reduzida competitividade e
complexidade na motivação dos agentes.
Incentivos e
Estrutura de
Governança
Estrutura de governança hierárquica, na qual incentivos internos são
fracos e há complexidade para coordenação e motivação dos agentes,
em função de características da burocracia estatal e da reduzida
competitividade do setor público. A possibilidade de reeleição pode
significar um incentivo forte para os executivos nas organizações
públicas, induzindo ao oportunismo político. Nessa situação, a
vinculação orçamentária pode ser adotada como solução; contudo,
torna ainda mais importante a questão de accountability no setor
público.
Quadro 3 - Custos de Transação e Estrutura de Governança no Setor Público
Fonte: Elaboração da autora, com base em Horn (1995), Frant (1996) e Dixit (2002).
18 A interrelação das esferas federal e estadual no processo de descentralização do ensino fundamental no Brasil traz um cenário ainda mais complexo de
multiplicidade de principais, comparativamente ao modelo analítico apresentado na seção 1.4.3.1. Essa interrelação será analisada no capítulo 4.
Capítulo 1 – Nova Economia Institucional
63
O quadro acima resume questões importantes que descrevem características de
organizações no setor público e da complexidade das estruturas de governança
cridas na busca de resultados eficientes socialmente. Sabendo que essas questões
são profundamente influenciadas pelas regras do jogo existentes nas diversas áreas
do aparelho estatal, considera-se relevante discutir agora, à luz desse enfoque
teórico, as regras formais e informais existentes quanto ao financiamento do ensino
fundamental público no Brasil, bem como a estruturação das administrações
municipais e sua relação com as demais esferas de governo no processo de
execução das políticas de ensino fundamental. Dessa forma, estas questões serão
discutidas no âmbito dos próximos capítulos.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
64
Capítulo 2 – O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino
Fundamental
Segundo Castro (2001) a discussão sobre o financiamento da educação é crucial
para o desenvolvimento e a implantação de políticas públicas nessa área, visto que
a estrutura jurídico-normativa e financeira pode significar um impulso para a solução
dos graves problemas da educação no Brasil.
Dentre os vários níveis de ensino que compõem a educação, o interesse desta tese
está voltado para o ensino fundamental, entendido como escolarização obrigatória
no país, o qual envolve oito anos de estudo, isto é, da 1ª à 8ª série19. O ambiente
institucional do financiamento do ensino fundamental no Brasil sofreu diversas
modificações nas últimas décadas, principalmente nos anos 90. Com o objetivo de
acelerar a descentralização das políticas públicas de educação e priorizar o ensino
fundamental, o governo federal promoveu uma reforma profunda das normas legais
para a execução dessas políticas, inclusive por meio de emendas constitucionais.
Contudo, é importante, antes da descrição das regras formais especialmente
formuladas para o ensino fundamental, apresentar as principais características do
processo orçamentário brasileiro. Como qualquer política pública, a elaboração e
implementação das políticas de educação passam obrigatoriamente por um
processo orçamentário, isto é, pelo planejamento e orçamentação de recursos e
despesas públicas da educação. A compreensão das regras orçamentárias é,
portanto, indispensável ao entendimento do financiamento das políticas públicas,
pois o êxito deste depende fortemente do processo orçamentário.
Em função disso, na primeira parte deste capítulo serão expostas as regras do
processo orçamentário no Brasil, à luz das principais alterações ocorridas nos
últimos anos com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Em seguida, serão
analisadas as regras estabelecidas a partir da Constituição Federal de 1988, da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e da criação do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
19 A partir de 2006, começou a ser implementada a mudança no ensino fundamental de oito para nove anos de estudo, conforme previsto na Lei no.
9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e Leis nº. 11.114/2005 e 11.274/2006. Porém, está ainda em regulamentação, com prazo de
ajuste até 2010. Esta tese contudo concentra-se no estudo do arranjo institucional compreendido dos anos 90 até 2006.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
65
(Fundef), para o financiamento do ensino fundamental no Brasil. Na última parte do
capítulo, os principais resultados das referidas regras serão apresentados, no que
diz respeito ao volume de recursos orçamentários dos municípios para o ensino
fundamental e às despesas destes no tocante a área, bem como as mudanças nos
indicadores de ensino no período.
2.1 Regras do jogo na programação dos gastos públicos: processo
orçamentário
Segundo Musgrave (1974), o orçamento público tem o objetivo primordial de ser o
instrumento de execução das funções de Estado, isto é, as funções alocativa,
distributiva e de manutenção da estabilidade econômica. É nele que se fixam
prioridades e se alocam recursos em programas e projetos do setor público. Dessa
forma, o orçamento público é o locus da execução das políticas públicas, um
instrumento a serviço da política fiscal do governo e do planejamento público.
As políticas de ensino fundamental só se concretizam uma vez que estão inseridas
no processo orçamentário e sua eficácia e eficiência dependem então da própria
eficácia e eficiência desse processo. A compreensão do sistema orçamentário é
fundamental visto que em seu interior há a produção de ganhos e de perdas,
induzindo a comportamentos que podem melhorar ou piorar a estrutura de
financiamento e aplicação de todas as políticas, inclusive as de educação (RIBEIRO,
2003).
2.1.1 Processo orçamentário no Brasil
Os primeiros registros de controle da contabilidade pública no Brasil datam da vinda
da família real, no início de século XIX. Porém, até início do século XX, não havia
padronização das normas e formas de classificação dos orçamentos dos três níveis
de governo. Desde então, vários projetos foram apresentados buscando uma
normatização do orçamento que resultasse em maior controle das contas públicas.
Muitos
desses
projetos
sofreram
influência
dos
modelos
orçamentários
desenvolvidos e implementados nos EUA como o Sistema de Planejamento
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
66
Programação e Orçamento – PPBS (Planning and Programming Budget System).
Giacomoni (1997) faz uma descrição dessa técnica:
“A nova concepção ambiciosa integra de forma sistemática: os
diagnósticos e prognósticos, os objetivos, a análise de cursos
alternativos, os programas e projetos com suas metas, os recursos a
serem empregados, a indicação de custos, bem como os esquemas
de avaliação e controle. O Planejamento teria o papel mais saliente
em todo o processo, e isso seria possível devido ao estágio
alcançado pelas modernas técnicas de informação que visam auxiliar
a análise e a tomada de decisão” (Id. p. 63).
Posteriormente, foi desenvolvido também o modelo de Orçamento Base Zero (Zero
Base Budget). Essa técnica foi desenvolvida inicialmente em organizações privadas
e baseava-se no controle dos custos indiretos e na avaliação de resultados do
orçamento em curso ao final do exercício.
No Brasil, a partir da discussão desses vários projetos, foi desenvolvida a Lei n.º
4.320/64, que abriu caminho para a implementação do Orçamento-Programa (OP) e
sofreu em sua formulação grande influência das técnicas orçamentárias norteamericanas, incorporando os conceitos do PPBS e também de princípios do
Orçamento Base Zero, que aqui chegaram principalmente por meio da Comissão
Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL).
Essa lei chegou com a missão de padronizar o orçamento dos três níveis de
governo, mas inicialmente foi implantada apenas para o governo federal. Após
alguns anos de implementação da classificação por programas na área federal, o
processo foi formalizado e estendido aos outros níveis de governo, estadual e
municipal, via Portaria n.º 09/74 20 baixada pelo Ministério do Planejamento e
Coordenação Geral (GIACOMONI, 1997).
A Lei 4.320/64 definiu então o formato de orçamento-programa (OP) para todas as
esferas administrativas brasileiras. A caracterização do orçamento-programa é de
extrema importância para o funcionamento do planejamento e orçamentação, pois a
eficácia e eficiência do modelo orçamentário dependem da forma de construção das
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
67
políticas, com especial atenção às análises de custo-benefício, à descentralização
das ações e à centralização do controle.
O OP está inserido em um modelo orçamentário denominado “racional
compreensivo”. As políticas públicas que o utilizam visam à maximização dos
objetivos perseguidos. O OP atende aos requisitos de um planejamento racional, no
qual os objetivos e as metas de um governo, a longo prazo, são traduzidos
anualmente
em
programas
divididos
em
projetos
e
atividades
a
serem
desempenhados por órgãos pré-definidos, seguindo uma prioridade de gastos
estabelecida quando da identificação dos objetivos e cumprindo diversos estágios de
decisão hierarquizados.
As componentes desse modelo orçamentário podem ser visualizadas, de forma
simplificada, na figura abaixo:
PROGRAMA
O B J E T IV O
M E D ID A D E
D ESEM P EN H O
PRO DUTO
F IN A L
CUSTO
Figura 1 – Fluxo do Orçamento Programa
Fonte: GIACOMONI (1997, p.144)
Segundo Giacomoni (1997), teríamos o seguinte processo de implementação do OP:
“O primeiro passo do Orçamento-Programa seria o estabelecimento
de programas e atividades significativos para cada função confiada a
uma organização ou entidade, a fim de indicar exatamente os
objetivos perseguidos pelos diversos órgãos. Segundo, o sistema de
contas e de gestão financeira passa a ser correlacionado com essa
classificação. Terceiro, em relação a cada programa e suas
subdivisões operacionais, estabelecem-se medidas de programas e
de trabalho que permitam avaliar o rendimento” (Id. p.144).
20 Recentemente as Portarias 42/1999 e 163/2001 alteraram novamente os códigos de classificação de receitas e despesas definidos na Portaria 09/74,
visando facilitar e destacar o espírito de contabilidade nacional do orçamento, obrigando a maior padronização de funções e elementos econômicos nos
orçamentos descentralizados (REZENDE, 2001)
.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
68
Esse modelo de orçamento tem como requisitos técnicos: a necessidade de
levantamento dos custos de cada programa que atenderá aos objetivos prédefinidos; a relação insumo-produto e o sistema de medição e controle de
resultados.
Além disso, o OP também possui alguns requisitos gerenciais tais como a
determinação das linhas de autoridade e de responsabilidade (identificação dos
responsáveis); todos os agentes do processo, independentemente do cargo e
função, devem conhecer os objetivos, metas políticas e padrões de rendimento. A
devida importância deve ser dada a todas as fases do orçamento, de forma a não
ocorrer a desarticulação de todo o processo. Para atender a esses requisitos
gerenciais, há a exigência de um contingente qualificado de recursos humanos nas
áreas de análise, contabilidade de custos, avaliação de gestão, análise econômica,
financeira e social de projetos e acompanhamento físico (BRASIL, 1993).
Dessa forma, o processo orçamentário envolve a descentralização de decisões e
atitudes, ou seja, as grandes formulações, objetivos, políticas e metas afixadas no
topo da organização devem ser compreendidas e estar representadas nas ações e
tarefas desempenhadas nos níveis operacionais e administrativos inferiores. Por
outro lado; nesse processo, não deixa de existir também uma tendência à
centralização que é dada pela agregação dos vários programas, que formam o
orçamento das diversas instituições, e deve refletir o plano global de ação da cúpula.
A racionalidade econômica do processo necessita, então, que, ao mesmo tempo em
que as ações são descentralizadas buscando assim melhor cumprir os objetivos da
organização, haja todo um controle central para verificar o cumprimento e a
adequação das ações (BRASIL, 1993).
Para além da Lei 4.320/64 que definiu o formato de orçamento-programa,
caracterizando o processo operacional das receitas e despesas públicas, o marco
legal do orçamento, com definição de prazos e responsabilidades, é dado pela
Constituição de 1988 e mais recentemente pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
69
2.1.1.1 Definições da Constituição de 1988 e a LRF
A Constituição de 1988 determina que as atribuições relativas ao processo
orçamentário devem ser divididas entre os poderes executivo e legislativo. Dessa
forma, cabe ao executivo elaborar, executar e avaliar o cumprimento dos objetivos e
metas definidos nos planos e orçamentos, assim como a eficácia da utilização dos
recursos públicos por meio de seus órgãos de planejamento e controle. Já ao poder
legislativo cabe, além da apreciação e aprovação dos instrumentos orçamentários, o
acompanhamento e a fiscalização da execução orçamentária, para assegurar o
cumprimento dos objetivos e metas estabelecidos em lei.
Além da definição de responsabilidades no processo orçamentário, a Constituição
de 1988 buscou fortalecer a concepção de planejamento e orçamento interligados,
tornando obrigatória a elaboração dos Planos Plurianuais de Ação (PPA) e criando
as Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que deveriam servir como elo entre o
PPA e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Em 2000, com a aprovação da Lei de
Responsabilidade Fiscal - LRF, nº. 101/2000, esses instrumentos foram reforçados a
partir da obrigatoriedade de apresentação de metas fiscais e quadro de
compatibilização entre PPA, LDO e LOA. Dessa forma, ter-se-ia, então, no Brasil,
um sistema de planejamento e orçamento nos moldes do PPBS e uma estrutura
orçamentária baseada no OP.
As constituições estaduais, bem como as leis orgânicas municipais, devem prever
também os três instrumentos no processo orçamentário de estados e municípios
brasileiros, além da obrigatoriedade de seguirem a normatização dada pela Lei de
Responsabilidade Fiscal – LRF, a partir de 2000. A seguir, estudam-se as
características desses instrumentos para o processo orçamentário municipal.
PPA – Planos Plurianuais de Ação
A Constituição de 1988 estabelece regras para o PPA nos artigos 165, 166 e 167;
assim como a LRF trataria deste plano em seu artigo 3º, não tivesse este sido
vetado, quando da sanção da lei. Sendo assim, continuam valendo as
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
70
determinações da Constituição quanto à elaboração, tramitação e execução do PPA
(VIGNOLI et al., 2002).
Seguindo as definições constitucionais, o PPA inicia o processo orçamentário. O
intuito deste é ser um plano de quatro anos, de longo prazo dentro da perspectiva
orçamentária, e deve pautar o planejamento do município em todas as áreas de
atuação do governo. Sua elaboração é realizada durante o primeiro ano de gestão e,
uma vez aprovado, passa a valer a partir do segundo ano até o primeiro ano do
mandato seguinte. Conforme o § 1º. do artigo 165 da Constituição, o PPA deve
conter as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública para as
despesas de capital e outras delas decorrentes, e para as despesas relativas aos
programas de duração continuada.
Ressalte-se aqui a importância do PPA para a educação nos municípios, uma vez
que, entre as áreas sociais, esta é sem dúvida a de maior prioridade para a
administração pública municipal, haja vista a existência de vinculação de impostos e
de transferências 21 . Isto implica a necessidade destas políticas públicas serem
meticulosamente planejadas, devendo as diretrizes, os objetivos e as metas
definidas na área para o PPA, serem compatíveis e adequadas àquelas definidas no
Plano Municipal da Educação22.
Nos municípios, a elaboração do PPA é em geral tarefa que compete a uma
secretaria de planejamento ou de gestão, devendo haver a participação, entretanto,
de todas as secretarias e órgãos municipais responsáveis pela execução de
despesas públicas compreendidas no plano.
O PPA é encaminhado à Câmara de Vereadores no mesmo prazo de
encaminhamento da Lei Orçamentária Anual, ou seja, no primeiro ano de gestão do
prefeito, devendo ser apreciada pelos vereadores, por meio da Comissão de
Finanças e Orçamento, e pela realização de audiências públicas.
LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias
21 A vinculação orçamentária da educação será tratada na segunda parte deste capítulo.
22 Este plano é previsto pela Lei 10.172/01, que estabelece o Plano Nacional de Educação e será tratado no item 2.2 deste capítulo.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
71
A Constituição de 1988 previu a inclusão da LDO como um dos três instrumentos no
processo orçamentário, com o intuito de que essa lei pudesse fazer a ligação
necessária entre as determinações de diretrizes e metas de longo prazo e a
priorização de ações do orçamento anual. Assim, segundo o disposto no § 2º. do
artigo 165 da Constituição, a LDO compreende as metas e prioridades da
administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício
financeiro subseqüente; orienta a elaboração da lei orçamentária anual; dispõe
sobre alterações na legislação tributária e estabelece a política de aplicação das
agências financeiras oficiais de fomento.
Para as administrações municipais houve, é claro, uma adaptação dessa disposição,
com referência às suas prioridades e sem o estabelecimento de política para
agências de fomento.
A LRF inovou em relação a esta lei, dotando-a de características próprias de um
instrumento balizador do planejamento publico, incluindo, dentre suas disposições,
que a LDO deveria também tratar do equilíbrio entre receita e despesa no
orçamento, principalmente durante sua execução, adotando para isso critérios de
limitação de empenho23 da despesa, no caso de haver frustração na arrecadação de
receitas, o que pode levar o município a um déficit.
Além dessa disposição, a LRF determina também que a LDO deveria esclarecer as
normas para controle de custos e avaliação dos programas da administração pública
previstos no orçamento, além de ser acompanhada de um Anexo de Metas Fiscais e
outro de Riscos Fiscais.
O intuito do Anexo de Metas Fiscais é o controle do superávit primário de todos os
entes da federação, inclusive dos municípios. Estes passam então a apresentar na
LDO obrigatoriamente a previsão de receitas e despesas, o resultado nominal e
primário para o ano em curso e os dois subseqüentes, antecipando assim as
previsões a serem enviadas no orçamento anual e criando um compromisso para os
23 Empenho é uma das fases da despesa pública. Conforme a Lei 4.320/64, o processo da despesa pública se inicia com a previsão orçamentária, que uma
vez aprovada pelo poder legislativo constituí-se em dotação orçamentária O passo seguinte do gasto implica a reserva desta dotação com intuito de
realização de licitação pública, sendo o empenho, o momento de confirmação por parte do poder público de que o fornecedor ou o contratado possui um
crédito que deverá ser liquidado e pago, concluindo-se assim o processo da despesa (GIACOMONI, 1997).
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
72
outros exercícios com a busca de equilíbrio orçamentário. Já a proposta de
especificação de riscos fiscais era a de prevenir que algum passivo contingente
pudesse comprometer o alcance das metas fiscais previstas na lei, devendo com
isso ser antecipada uma possível solução dos riscos.
Percebe-se, com tais mudanças, que a LDO ganha um peso importante a partir da
LRF, o que reduz sobremaneira o caráter vago que a determinava na Constituição
de 1988. A partir da LRF, a LDO é sem dúvida um instrumento de planejamento e de
controle das contas públicas, que visa instituir normas e transparência para as
despesas orçamentárias, com destaque para a introdução de um sistema de custos
e para o Anexo de Metas Fiscais.
Quanto à exigência de implantação de um sistema de custos, deve-se ressaltar que
essa iniciativa é um grande avanço no sentido da concretização do orçamentoprograma. Como apresentado, o planejamento e a operacionalização do orçamentoprograma dependem da análise custo-benefício das diversas ações a serem
executadas pelo poder público e possibilitam também que se proceda a avaliação de
resultados dos programas e que se decida por sua continuidade.
LOA – Lei Orçamentária Anual
A LOA é o orçamento propriamente dito, instrumento em que são previstas as
receitas anuais e fixadas as despesas da administração pública. Esse é o
documento no qual se discriminam os recursos financeiros destinados à execução
de programas, projetos, atividades e operações especiais24 (VIGNOLI et al., 2002).
A LOA, assim como o PPA e a LDO, segue regras definidas pela Constituição
Federal e pela Lei de Responsabilidade Fiscal, além dos mandamentos previstos
pela Lei 4.320/64.
24 Essa discriminação diz respeito à classificação programática do orçamento. Existem cinco tipos de classificação orçamentária de despesas, conforme
definido pela Lei 4.320, pela Portaria 9/74, alterada pela Portaria 42/99. Segundo estas, a despesa orçamentária deve ser classificada por i) instituições que definem os órgãos e unidades responsáveis pelos gastos; ii) funções - que visam definir a finalidade do gasto e possibilitar a agregação das despesas
para efeitos de contabilidade nacional; iii) programas - o que possibilita a organização das ações do governo em torno de objetivos mensuráveis por
indicadores de resultados; iv) natureza de despesa ou econômica que divide os gastos entre correntes e de capital; e, por fim, v) elementos de despesa que permitem identificar as modalidades de aplicação dos gastos, por exemplo: despesas de pessoal ativo, serviços de terceiros, entre outros (GIACOMONI,
1997; REZENDE, 2001 e VIGNOLI, 2004).
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
73
Segundo o que define a Constituição Federal, o poder executivo deve anualmente
enviar ao poder legislativo a proposta orçamentária que refletirá o programa de
governo para o ano subseqüente, devendo ser compatível com os objetivos e metas
previstos no PPA e na LDO. A LOA não conterá matéria estranha à previsão de
receita ou à fixação de despesa, podendo, entretanto, prever a abertura de créditos
suplementares para as despesas e a possibilidade de realização de operações de
créditos.
A Constituição determina ainda que para além do princípio da anualidade, a LOA
siga os princípios da unidade, da universalidade e da publicidade. O primeiro
princípio implica o envio ao poder legislativo de um orçamento que componha todos
os programas da administração pública referentes a sua política fiscal, os
investimentos das empresas públicas e o orçamento da seguridade social, isto é,
todos as políticas públicas a serem executadas pelo executivo devem compor a peça
orçamentária a ser apreciada e votada pelo legislativo.
O segundo princípio, o da universalidade, complementa o primeiro, no sentido de
que qualquer receita ou despesa orçamentária deve ser prevista no orçamento para
que possa ser executada. Dessa forma, se o governo municipal pretende realizar um
convênio com o Ministério da Educação (MEC) para o recebimento de recursos do
Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate), a receita de
transferência da União deve estar prevista no orçamento, bem como a despesa
respectiva. Isso deve ser feito ainda que o valor exato de repasse só venha a ser
definido após a aprovação do orçamento municipal, caso contrário, não havendo
previsão orçamentária, é necessária a aprovação de lei específica na Câmara de
Vereadores, autorizando a realização das despesas durante o ano.
Já o princípio da publicidade preconiza que todos os atos envolvendo o orçamento
público, desde a elaboração da proposta orçamentária até a prestação de contas
após a execução do orçamento, devem ser dispostos nos Diários Oficiais ou, em sua
ausência, devem ser publicados em jornais. Além disso, os governos têm procurado
utilizar a via eletrônica, ao publicarem quadros e tabelas da elaboração e execução
orçamentária na internet.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
74
A Constituição Federal define, no artigo 167, uma série de vedações relativas ao
orçamento anual que buscam coibir o comportamento irregular quanto a receitas e
despesas orçamentárias e salvaguardar o papel do poder legislativo de aprovar as
definições contidas no orçamento, o que fica claro, por exemplo, quando a CF
determina que são vedados, entre outros, os seguintes itens:
• O início de programas ou projetos não incluídos na LOA;
• A realização de despesas ou outras obrigações que excedam os créditos
orçamentários ou adicionais;
• A abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa
e sem indicação dos recursos correspondentes;
• Transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de
programação para outra, ou de um órgão para outro, sem prévia autorização
legislativa.
Já a Lei de Responsabilidade Fiscal acrescenta outras obrigações à LOA, além das
já determinadas na CF e na Lei 4.320/64, determinando a apresentação de
(VIGNOLI et al., 2002):
•
Anexo de compatibilização do orçamento anual com as metas fiscais
previstas na LDO;
•
Anexo definindo a compensação necessária a uma possível renúncia de
receita25;
•
Deverá também ser prevista uma reserva de contingência para a provisão de
recursos necessários ao encaminhamento de passivos contingentes previstos no
Anexo de Riscos Fiscais da LDO.
A partir das disposições da Constituição Federal de 1988, percebe-se a intenção de
reforçar, ao mesmo tempo, o processo de planejamento e orçamento-programa e
fortalecer as prerrogativas do poder legislativo, buscando um equilíbrio entre
poderes. A LRF, por sua vez, mostra o propósito de controlar o processo
25 A Constituição Federal já previa em seu artigo 165 que o poder executivo deveria encaminhar em conjunto com a proposta orçamentária, demonstrativo
regionalizado do impacto da renúncia de receitas. A inovação da LRF está na obrigatoriedade de compensação da renúncia, medida esta que busca evitar o
desequilíbrio fiscal.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
75
orçamentário, buscando o equilíbrio fiscal e impedindo abusos e irregularidades com
os recursos públicos.
2.1.1.2 Ciclo orçamentário – da elaboração à prestação de contas do
orçamento
O processo de elaboração orçamentária se inicia com o desenvolvimento do PPA26.
Nessa peça, conforme mencionado, são definidas as diretrizes de receitas e
despesas para quatro anos. Assim, uma vez definidas as receitas, o município
deverá, para cada área da administração pública, definir os objetivos e metas, bem
como indicadores de resultados.
Para que o planejamento seja adequado ao orçamento, é importante que atenda à
classificação funcional das despesas, definida pela portaria 42/99 e que altera a
09/74, mencionada anteriormente. A classificação funcional tem o intuito de analisar
a despesa segundo sua contribuição para as diversas funções de governo como a
educação, a saúde e a segurança, entre outras.
A Portaria 42/99, além de definir e de classificar as despesas por funções,
padronizadas para todas as unidades da federação, institui também subfunções,
como, no caso da educação:
12 – Função Educação
12.361 – Subfunção Ensino Fundamental
12.365 – Subfunção Educação Infantil
12.367 – Subfunção Educação Especial
Dessa maneira, no planejamento municipal serão utilizados os códigos acima para a
elaboração do PPA de qualquer município brasileiro. A partir destes, o município
definirá os programas referentes a cada subfunção, bem como as ações a serem
desenvolvidas no âmbito de cada programa. Ressalte-se que o detalhamento das
ações será dado anualmente no orçamento, pela LOA, conforme a priorização
definida pela LDO. No PPA, além da definição funcional e programática, deverão ser
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
76
fixadas metas físicas e financeiras que serão acompanhadas por indicadores de
resultados.
Um exemplo de meta física pode ser, relativamente a um programa de capacitação
de recursos humanos, dentro da subfunção ensino fundamental, o aumento de 10%
ao ano do número de professores com formação superior, para a qual corresponderá
uma meta financeira e que poderá ser acompanhada pelo controle da evolução das
funções docentes do município. Finalmente, é importante também que haja, para
cada programa, um responsável pela execução e controle das metas indicadas.
A partir da elaboração e aprovação do PPA, a LDO deverá hierarquizar as
prioridades anuais dentre as metas definidas no plano. A idéia é anualmente cumprir
o disposto no planejamento em função da efetiva arrecadação de receitas. A LOA
deverá, desse modo, seguir o pré-definido no PPA e na LDO, apresentar o
orçamento classificado por órgãos, funções, subfunções, programas e detalhar as
ações em projetos e atividades até o nível de elementos de despesa27 necessários
para a execução orçamentária, além, é claro, da previsão das despesas de custeio
não abordadas pelo PPA.
Uma vez elaborada a proposta orçamentária, esta é enviada até 30 de setembro à
Câmara de Vereadores para apreciação até 31 de dezembro 28 . Durante esse
período, a Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara avalia a proposta,
podendo alterá-la ou não; o relatório da comissão é enviado ao plenário da Câmara,
onde há a apreciação de todos os vereadores que podem aceitá-lo ou não, como
podem também apresentar emendas à proposta do executivo, desde que: i) sejam
compatíveis com o PPA e a LDO; ii) Indiquem os recursos necessários para a
cobertura das emendas, isto é, a anulação de outras despesas, excluídas as
relativas a gastos com pessoal, serviço da dívida e transferências constitucionais, e
iii) sejam relacionadas a erros e omissões.
26 Em função dos prazos anuais para o envio dos projetos de Lei de Diretrizes Orçamentérias ao poder legislativo, no primeiro ano de gestão, a LDO é o
primeiro instrumento orçamentário e deverá, no entanto, ser coerente com o PPA a ser enviado no segundo semestre, visto que este trará o planejamento
dos quatro anos da administração pública.
27 Conforme mencionado, o orçamento deverá trazer tabelas descritivas das receitas e despesas, sendo que estas últimas deverão apresentar as
classificações institucional, funcional, programática, natureza de despesa e elementos econômicos.
28 Esses prazos poderão ser distintos, dependendo do previsto na Lei Orgânica de cada município.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
77
Quando a proposta orçamentária é votada e sancionada pelo prefeito, tem início a
fase de execução orçamentária, na qual, segundo o que define o artigo 8º da LRF:
º
Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em
que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto
na alínea c do inciso I do art. 4º29 , o Poder Executivo estabelecerá a
programação financeira e o cronograma de execução mensal de
desembolso.
Parágrafo único – Os recursos legalmente vinculados à finalidade
específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de
sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que
ocorrer o ingresso”.
Dessa forma, para que o orçamento seja efetivamente um instrumento de execução
do planejamento concebido pelos municípios, é necessário programar a execução
orçamentária do ano. A distribuição de cotas de desembolso mensais é normalmente
determinada pela secretaria de finanças ou planejamento, levando em consideração
a expectativa de arrecadação orçamentária para o ano e a sazonalidade das
receitas públicas. Essa programação e suas regras são estabelecidas a partir da
publicação do Decreto de Execução Orçamentária, de acordo com as determinações
da LRF, e devem ser avaliadas pelas secretarias para melhor adequação de seu
plano de trabalho.
Com relação à educação, cabe a ressalva de que o repasse de recursos precisa
atender ao previsto pela LDB e pela lei do Fundef 30 , não devendo existir
contingenciamento da área, além disso, sempre que arrecadação de receitas de
impostos for superior ao previsto, haverá reajuste orçamentário e de cotas de
desembolso para a educação.
Para assegurar o cumprimento do que foi previsto no orçamento, não apenas em
termos quantitativos, mas também se as metas físicas dispostas no PPA estão
sendo alcançadas e se o que foi programado está de acordo com as necessidades
de cada área, o acompanhamento da execução orçamentária é fundamental.
29 Essa alínea foi vetada quando da sanção da LRF.
30 Essas regras são apresentadas no item 2.2 deste capítulo.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
78
A avaliação da execução orçamentária é obrigação tanto do poder executivo, por
parte de seus órgãos internos de controle, quanto de cada órgão executor, mas
também do poder legislativo, conforme definição constitucional. Este, por meio do
auxílio do Tribunal de Contas31, deve verificar a legalidade dos atos orçamentários, a
regularidade das contas, além da eficiência e eficácia do planejamento e execução
orçamentária.
O poder executivo deve prestar contas da execução por meio de publicações
mensais, quando houver legislação municipal que as exija;, bimestrais (Relatório
Resumido da Execução Orçamentária - artigos 52 e 53 da LRF); quadrimestrais
(Relatório de Gestão Fiscal, artigos 54 e 55 da LRF) e anuais (Balanço Anual).
Nesse aspecto, é interessante ressaltar que o espírito da LRF foi aumentar o
controle social sobre a matéria orçamentária na medida em que obriga, pelo artigo
49, a disponibilização das contas públicas para a consulta e apreciação de cidadãos
e instituições da sociedade civil. Além disso, é requisitada a ampla divulgação da
prestação de contas, inclusive em meios eletrônicos.
Além das citadas, o poder executivo municipal deverá fazer outras publicações
previstas pela Lei Orgânica do Município e, no tocante à educação, há que se
cumprir os prazos de publicação definidos na LDB e na Constituição Federal, que se
verá posteriormente.
No caso específico da educação, é ainda necessária a avaliação da prestação de
contas pelos Conselhos de Educação e pelo Fundef, além de outros conselhos
constituídos na área, pelas esferas administrativas. A questão será tratada, porém,
na próxima seção.
Ressalta-se, por fim, que a avaliação do processo orçamentário deve ocorrer
continuamente e possibilitar que desvios sejam corrigidos e programas inadequados
sejam repensados para o ciclo seguinte. (GIACOMONI, 1997). Como apresentado, é
pressuposto de um processo de orçamento-programa, a avaliação constante, pois
31
Para a maioria dos municípios brasileiros a fiscalização dos orçamentos e balanços é realizada
pelos Tribunais de Contas Estaduais (TCE). No caso dos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro
existem Tribunais de Contas Municipais.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
79
apenas a identificação dos melhores resultados e dos menores custos pode
assegurar a correta implementação das políticas públicas através dos objetivos,
metas e programas definidos no PPA, na LDO e na LOA (VIGNOLI et al., 2002).
A figura abaixo sistematiza o fluxo orçamentário municipal, tendo como eixo os três
instrumentos do processo orçamentário, discutidos nesta seção, conforme definições
da Constituição de 1988 e da LRF.
Figura 2 – Fluxograma do Processo Orçamentário Municipal
Fonte: Elaboração da autora, a partir da CF de 1988 e da LRF de 2001.
2.2 Regras do jogo no financiamento do Ensino Fundamental
2.2.1 Constituição de 1988
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
80
A base legal do financiamento do ensino fundamental no Brasil está dada pela
Constituição de 1988, que estabelece a vinculação de recursos obrigatórios para o
ensino nos três níveis de governo. Segundo Castro (2001), a vinculação de impostos
para a educação é uma das mais importantes políticas públicas para a garantia da
responsabilidade do Estado na área.
Pinto (2000) relata que essa medida assegurada pela Constituição Federal teve
início na Carta de 1934, sendo abolida no Estado Novo e reiniciada em 1946, no
artigo 169 da Constituição, que garantia 20% de comprometimento dos municípios
para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Essa determinação foi novamente
revogada no período militar. Em 1983, o Congresso promulgou a Emenda
Constitucional (EC) 24/83, conhecida como Emenda Calmon.
Segundo a discussão da época, a volta da vinculação era necessária, visto que em
sua ausência os recursos aportados para a educação haviam sido sistematicamente
reduzidos (MELCHIOR,1997). Assim, a Emenda Calmon determinava a inserção de
um novo parágrafo ao artigo 176 da Constituição Federal, que segue transcrito a
seguir:
Art.176 – “Anualmente a União aplicará nunca menos de treze por
cento, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco
por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, na
manutenção e desenvolvimento do ensino”.
O cumprimento da EC 24/83, contudo, não foi automático, pois a interpretação do
que era a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) sempre deu margem a
muita polêmica.
A Constituição Federal de 1988 renovou o debate sobre a questão e aumentou a
vinculação para a educação, passando a parte referente à União de treze para
dezoito por cento. Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 212, ficou definido
que:
Art. 212 – “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito
por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e
cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos,
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
81
compreendida a proveniente de transferências na manutenção e
desenvolvimento do ensino”.
Essa alteração foi uma clara declaração de prioridade dada à educação, uma vez
que se cogitava à época a eliminação das vinculações de receita e, dentre várias
áreas requisitadas pelos constituintes, como saúde e previdência, apenas a
educação teve a vinculação mantida, além de contar ainda com a elevação do
percentual mínimo por parte da União (CASTRO, 2001).
Também passava a ser obrigatório, conforme definido no artigo 60 das Disposições
Constitucionais Transitórias (DCT), que 50% dos recursos vinculados pelo artigo 212
da CF deveriam ser aplicados na eliminação do analfabetismo e na universalização
do ensino fundamental, pela União, durante os dez primeiros anos de promulgação
da Constituição.
No entanto, apesar das alterações que visavam aumentar o volume de recursos
aplicados pela União, estados e municípios no ensino, continuou pendente o marco
legal que definiria o que era ou não especificamente entendido como MDE,
aguardava-se ainda a legislação que regulamentaria a Emenda Calmon (CASTRO,
2001).
Em relação à aplicação do artigo 60 das DCT, houve uma interpretação da norma
pela União distinta da vontade do legislador, pois para aquela o cumprimento do
artigo englobava as três esferas, isto é, o gasto dos municípios e dos estados
também seria calculado para efeito da aplicação de 50% no analfabetismo e no
ensino fundamental. O Tribunal de Contas da União, porém, discordava dessa
interpretação e apontava que os orçamentos da União estavam claramente
desrespeitando a regra constitucional (CASTRO, 2001; MELCHIOR, 1997).
O intuito principal da mudança constitucional era, entretanto, o de influenciar o
processo de descentralização das ações na área de educação. Essas mudanças,
associadas ao aumento da carga tributária para os municípios, visavam aumentar a
disponibilidade de recursos orçamentários nas instâncias locais de gasto
(RODRIGUEZ, 2001).
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
Conceitos
Central
1960
1980
1988
2005
11,14
18,31
16,08
26,62
1960
1980
1988
2005
10,35
16,71
13,48
22,43
82
Estadual Local
Total
Central
Estadual Local
Total
Carga - % do PIB
Composição - % do Total
Arrecadação Direta
5,58
0,70
17,42
63,95%
32,03%
4,02%
100,00
5,31
0,90
24,52
74,67%
21,66%
3,67%
100,00
5,74
0,61
22,43
71,69%
25,59%
2,72%
100,00
10,13
2,19
38,94
68,36%
26,01%
5,62%
100,00
Receita Disponível
6,05
1,01
17,42
59,41%
34,73%
5,80%
100,00
5,70
2,10
24,52
68,15%
23,25%
8,56%
100,00
5,97
2,98
22,43
60,10%
26,62%
13,29%
100,00
9,82
6,68
38,94
57,60%
25,22%
17,15%
100,00
Tabela 1 - Carga tributária global e Divisão Federativa - 1960/2005
Conceito abrangente (contas nacionais). Anos selecionados
Fonte: AFONSO (2007, p.14)
A tabela 1 mostra um importante crescimento da carga tributária, principalmente da
receita disponível dos governos locais a partir da Constituição de 1988. Apesar
disso, segundo Rodriguez (2001), o aumento da oferta de serviços educacionais nos
municípios foi aquém do esperado e muito focalizado no ensino pré-escolar;
processo este acompanhado pelos estados que supriam, em conseqüência, as
necessidades do ensino fundamental.
Ainda de acordo com o autor, havia por parte de várias administrações municipais o
uso de uma série de artifícios contábeis que lhes permitiam cumprir a definição
constitucional, apesar da tímida oferta de serviços. Assim, muitos recursos podiam
ser desviados do setor educacional para outras áreas, encontrando respaldo para tal
procedimento na falta de clareza do que constituía de fato a manutenção e o
desenvolvimento do ensino.
Quanto a tal processo, é importante ressaltar que a vinculação orçamentária da
educação, existente há décadas - porém tratada de forma cíclica, entrando e saindo
do cenário político-institucional brasileiro - foi uma conquista dos movimentos
educacionais. Com base em Frant (1996), pode-se inferir que o fato de se ter
afirmado a necessidade de recursos especiais para a área, dentre todas as outras,
representava a busca de vários atores, com o respaldo dos poderes executivo e
legislativo federal, de que o ensino deveria ser protegido dos incentivos fortes da
política. Incentivos esses que poderiam provocar o desvio dos recursos públicos
para outras áreas de interesse.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
83
Contudo, percebe-se um problema de coordenação e de agência, pois havia o
desejo social de que a educação fosse priorizada por meio de um processo de
descentralização de recursos para o ensino fundamental que se daria com o
respaldo do governo federal e ações dos municípios. Havia, então, certa idealização
das políticas centralizada na esfera federal, para uma execução descentralizada,
porém com muito pouco controle e transparência.
Nesse processo, conforme indicado por Azevedo (2000) e Miller (1992), havia
evidentemente um problema de informação assimétrica, que dificulta e muitas vezes
impossibilita o controle do comportamento dos agentes, até porque esta implica a
falta de clareza das regras 32 e também a ausência de sintonia nos objetivos
(CLUNE, 1987). Isso porque para alguns municípios, principalmente os do Sudeste
do país, interessava bem mais continuar ofertando o ensino pré-escolar, pois para
isso contavam com o apoio das redes estaduais de ensino; e para outros, com
destaque para a região nordeste, já havia sido iniciado um processo de oferta
massiva do ensino fundamental, com recursos significativamente mais escassos. As
disparidades e desigualdades regionais juntamente com os problemas de
informação e agência deixavam claro o cenário crítico do ensino fundamental no
país.
A possibilidade de controlar a aplicação de recursos por meio de manobras
contábeis e a inexistência de maiores conseqüências para aqueles que deixam de
fazê-lo constituíam um cenário de fracos incentivos para a ação coordenada e
levaram ao oportunismo de usar os recursos da forma como melhor conviesse nas
diferentes realidades brasileiras (FRANT, 1996).
Segundo Castro, Barreto e Corbucci (2000), existe uma avaliação de que os
processos de descentralização, ocorridos ao longo dos anos 80 e início dos 90,
foram desprovidos de um estratégia concertada que pudesse ter claros os objetivos
das políticas públicas a que estavam sendo repassadas, assim como a forma de
transição destas. Esse problema deve-se em grande parte à omissão do governo
federal em coordenar de fato esses processos, especialmente com relação ao
repasse gradual de poder, de competências e de responsabilidades entre as
32 A legislação não trazia claramente o que podia ou não ser entendido como despesa com manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
84
diferentes esferas administrativas. A conseqüência disso foi a ineficiência e as
sobreposições de tarefas e atribuições entre níveis de governo, além da criação de
ambiente para o comportamento oportunista relativamente à utilização dos recursos
da educação em diversos locais do país, nas três esferas de governo (CASTRO,
BARRETO e CORBUCCI, 2000).
Foi esse cenário, segundo Rodriguez (2001), que possibilitou a intervenção da União
para mudar sua postura e alterar as regras para o financiamento do ensino público.
A posição oficial passou a ser a de priorizar o ensino fundamental, a partir de uma
descentralização efetiva das ações nessa área, sob sua coordenação.
Assim, após quase dez anos de vigência da Constituição de 1988, o governo federal
decidiu fazer uma reforma nas regras formais do ensino buscando, dentre outros
objetivos, principalmente: alterar o sistema de incentivos existentes, induzir um
processo de descentralização de fato do ensino fundamental para os municípios e
regulamentar as despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino. Dessa
forma, passou à discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) e da Emenda Constitucional 14/96, que deu origem ao Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef).
2.2.2 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB
Até a mudança na legislação de ensino dada pela nova LDB, a concepção de
sistema escolar passava por uma série de fragmentações, segundo Melchior (1997).
Essa concepção era dada pela Lei 4.024/61, que havia sido reiteradamente alterada
pelo regime militar. Por exemplo, em 1968, é proposta a Lei 5.540, que dispunha
sobre ensino superior; em 1971, a Lei 5.692, que abrangia o ensino de 1º e 2º graus,
além de outras normas e decretos referentes ao ensino.
A Lei 9.394 de 1996, que tramitou oito anos no Congresso Nacional, alterou a
legislação, fixando novas diretrizes e bases para a educação nacional. Essa lei foi
fruto de um anteprojeto elaborado pelo senador Darcy Ribeiro e pelo MEC, que
aproveitou e modificou diversos itens do anteprojeto do deputado Jorge Hage
(MELCHIOR, 1997).
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
85
A nova LDB manteve os percentuais de vinculação, descritos na Constituição de
1988, e avançou na definição do conceito de manutenção e desenvolvimento do
ensino, tema extremamente polêmico e questionável nas diferentes esferas de
governo, cuja falta de clareza, como já apontado, permitia uma série de desvios
contábeis da educação33.
A busca de definição clara para o conceito de MDE na LDB está respaldada em,
basicamente, dois artigos da lei que tratam do que pode (art. 70) e o que não pode
(art. 71) ser entendido como despesa com manutenção e desenvolvimento do
ensino, utilizando os recursos da vinculação de impostos. Esses artigos são
transcritos a seguir:
Art. 70 – “Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento
do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos
objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis,
compreendendo as que se destinam a:
I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais
profissionais de educação;
II - aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações
e equipamentos necessários ao ensino;
III - uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;
IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando
principalmente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do
ensino;
V - realização de atividades-meio, necessárias ao funcionamento dos
sistemas de ensino;
VI - concessão de bolsas de estudo aos alunos de escola pública e
privada;
VII - amortização e custeio de operações de crédito destinadas a
atender ao disposto nos incisos deste artigo;
VIII - aquisição de material didático escolar e manutenção de
programas de transporte escolar;
Art.71 - Não constituirão despesas de manutenção
desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com:
e
33 Segundo Melchior (1997), após a promulgação da Emenda Calmon, em 1983, quando a vinculação orçamentária da educação retornou para as três
esferas de governo, a lei 7.348 de 1985 buscou melhor definir MDE. Porém, apesar de alguns avanços, havia brechas legais que permitiam uma série de
desvios. A partir da Constituição de 1988, houve um agravamento da situação, pois a Lei 7.348/85 referia-se à Constituição de 1969 e criava-se assim um
vácuo legal. Isso possibilitou, por exemplo, que em alguns municípios onde não havia rede de ensino municipal, metade dos recursos fosse gasto com
merenda escolar de escolas estaduais; o asfalto de ruas próximas às escolas era também realizado sob a denominação de infra-estrutura escolar, assim
como obras de saneamento básico. Mesmo na esfera federal desvios aconteciam: gastos em programas de outros ministérios inseridos no orçamento do
Mec, despesas com escolas fazendárias e formação de diplomatas são exemplos disso (MELCHIOR, 1997).
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
86
I - pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou,
quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise,
precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua
expansão;
II - subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter
assistencial, desportivo ou cultural;
III - formação de quadros especiais para a administração pública,
sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos;
IV - programas suplementares de alimentação, assistência médicoodontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de
assistência social;
V - obras de infra-estrutura, ainda que realizadas para beneficiar
direta ou indiretamente a rede escolar;
VI - pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando
em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e
desenvolvimento do ensino.”
A partir dos artigos acima se pode notar, por exemplo, que a utilização dos recursos
vinculados para programas de atendimento alimentar e a saúde do aluno foi vedada,
além de não haver permissão expressa para a inclusão da despesa com inativos da
educação. Essa é uma das grandes polêmicas existentes nessa área, visto que
tampouco foi expressamente vedada sua inclusão. Assim, a omissão do texto deu
margem à grande discussão e às mais variadas interpretações por parte dos
Tribunais de Conta Estaduais, Municipais e Ministério Público.
De toda forma, a partir das definições da LDB, esclareceu-se uma série de questões
e ficaram impedidos vários dos desvios cometidos nas despesas com educação,
principalmente as relativas à infra-estrutura, saneamento básico, assistência social e
merenda escolar.
Além das definições de MDE, a LDB reiterou os parâmetros mínimos de vinculação
estabelecidos pela CF, mas possibilitou que esses valores pudessem ser
considerados o valor fixado nas respectivas Constituições Estaduais e Leis
Orgânicas Municipais 34 . Essa lei adotou também critérios de publicação de
informações referentes às receitas e despesas de MDE, aumentando a
transparência e o controle dos recursos, e estabeleceu que as diferenças apuradas
34 Diversos estados e municípios adotavam desde 1988 percentuais mais elevados do que o previsto na CF, em geral 30% dos impostos e transferências
era definido para o ensino. Havia, contudo o questionamento legal sobre o que era válido, se o definido na CF ou o percentual estabelecido pelas
Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
87
entre a receita obrigatória da educação e as despesas efetivamente realizadas
deveriam ser corrigidas a cada trimestre e não mais anualmente, como
anteriormente definido.
A LDB prevê o acompanhamento periódico da prestação de contas por órgãos de
controle interno e externo às três esferas administrativas. Esse acompanhamento
deve priorizar a fiscalização do cumprimento da vinculação constitucional, prevista
no artigo 212, e da subvinculação criada pelo Fundef, que será assunto do próximo
item. Nesse acompanhamento periódico deve haver, segundo a LDB, um controle da
receita prevista e efetivamente arrecadada, pois toda vez que esta for superior à
previsão orçamentária, a despesa deverá ser coerentemente ajustada, possibilitando
que a vinculação constitucional seja corretamente cumprida.
Com relação a padrões de qualidade, a nova LDB não os estabelece claramente,
citando tão somente que:
Art. 74 – “A União, em colaboração com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, estabelecerá padrão mínimo e
oportunidades educacionais para o ensino fundamental, baseado no
cálculo do custo mínimo por aluno, capaz de assegurar ensino de
qualidade.
Parágrafo único – O custo mínimo de que trata este artigo será
calculado pela União ao final de cada ano, com validade para o ano
subseqüente, considerando variações regionais no custo dos
insumos e as diversas modalidades de ensino.”
Assim supõe-se, segundo Melchior, (1997) que esse custo definido é na verdade um
custo médio mínimo, de caráter nacional, apesar de considerar “variações regionais”.
Podemos entender também que na intenção do legislador a fixação de um customínimo por aluno deveria induzir a um padrão de gasto que garantisse a qualidade
nas redes de ensino público.
A priorização do ensino fundamental na nova LDB é orientada pelo artigo 5º ao
definir que, em todas as esferas administrativas, o poder público assegurará em
primeiro lugar esse nível de ensino e em seguida as demais modalidades. No
entanto, a lei estabelece que cabem à União as funções normativa, redistributiva e
supletiva; os estados deverão assegurar o ensino fundamental e priorizar o ensino
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
88
médio e, por fim, os municípios oferecerão o ensino infantil e, com primazia, o ensino
fundamental (MELCHIOR, 1997).
Os objetivos de priorização e descentralização do ensino fundamental para os
municípios foram assegurados na Constituição Federal pela Emenda 14/96, que,
entre outras mudanças, criou o Fundef.
2.2.3 Emenda Constitucional 14/96
A Emenda Constitucional 14/96 foi aprovada após uma série de questionamentos e
de modificações propostos por grupos de interesses distintos, atuantes no governo
federal e no Congresso Nacional; todavia, modificou os artigos 34, 208, 211 e 212
da Constituição Federal de 1988, além de dar nova redação ao artigo 60 das
Disposições Constitucionais Transitórias.
A emenda passou a indicar claramente as funções de municípios e estados para
com o ensino, de forma alinhada ao definido pela LDB. Dessa forma, o artigo 211
passou a estabelecer as funções da União, estados e municípios, como segue:
Art. 211 (...)
“§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos
territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e
exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva,
de forma a garantir a equalização de oportunidades educacionais e
padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica
e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios.
§ 2º Os municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e
na educação infantil.
§ 3º Os estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no
ensino fundamental e médio.”
No tocante à União, as definições quanto às suas responsabilidades relativamente
ao ensino fundamental são menos específicas, restringindo–se à organização do
sistema e às funções redistributiva e supletiva, como já visto. Segundo Melchior
(1997), uma das principais preocupações do governo federal com a Emenda 14/96
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
89
era regularizar os gastos da União com o ensino fundamental; que deveriam,
conforme definido no artigo 60 das DCT, corresponder a 50% dos recursos
estipulados no artigo 212 da CF. Esta definição, , foi então alterada, passando a
seguinte redação:
Art. 60 (...)
“§ 6º A União aplicará na erradicação do analfabetismo e na
manutenção e no desenvolvimento do ensino fundamental, inclusive
na complementação a que se refere o § 3º, nunca menos do que o
equivalente a trinta por cento dos recursos a que se refere o caput do
art. 212 da Constituição Federal.”
Com essa redação, possibilitou-se a regularização da situação orçamentária da
União que reiteradamente aplicava recursos inferiores aos 50% definidos, além
disso, ao se definir que o valor seria “equivalente a 30% dos recursos”, permitiu-se a
utilização de outros recursos que não os vinculados, como, por exemplo, os relativos
ao salário-educação35 (MELCHIOR, 1997).
Quanto à aplicação de recursos dos estados e municípios, os percentuais de
vinculação definidos pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 212, foram
mantidos pela emenda para a manutenção e desenvolvimento do ensino e criou-se a
obrigatoriedade de que, a partir de 1998, esses entes passassem a alocar 60% dos
recursos
no
ensino
fundamental,
por
meio do
estabelecimento
de uma
subvinculação de 15% das receitas, conforme o artigo 60 das DCT, transcrito a
seguir (CASTRO, BARRETO e CORBUCCI, 2000):
Art. 60. “Nos dez primeiros anos da promulgação desta emenda, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão não menos de
sessenta por cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212
da Constituição Federal, a manutenção e ao desenvolvimento do
ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização
de seu atendimento e a remuneração condigna do magistério.
§ 1º A distribuição de responsabilidades e recursos entre os estados
e seus municípios a ser concretizada com parte dos recursos
definidos neste artigo, na forma do disposto no art. 211 da
Constituição Federal, e assegurada mediante a criação no âmbito de
cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e
35 A definição legal de salário-educação será apresentada no item 2.2.5.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
90
desenvolvimento do ensino fundamental e de valorização do
magistério, de natureza contábil.
(...)
§ 3º A União complementará os recursos dos fundos a que se refere
o § 1º, sempre que, em cada Estado e no Distrito Federal, seu valor
por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente.”
A grande alteração dessa emenda está, contudo, no § 1º do artigo transcrito, pois
cria o Fundef. A Emenda 14/96 determinou que cabe aos estados, ao Distrito
Federal e aos municípios, a constituição de recursos necessários à formação do
Fundef. No entanto, em função da grande disparidade socioeconômica existente nas
diversas regiões brasileiras, foi estabelecido que a União complementaria os
recursos do Fundo sempre que algum estado ou Distrito Federal não alcançasse o
custo mínimo definido nacionalmente. Cabe à União o cálculo anual desse valor
(op.cit.).
São questões fundamentais para o funcionamento do Fundo: a definição do customínimo nacional, a forma de distribuição dos recursos entre os municípios, o
controle dos repasses e a complementação da União. Essas questões foram
definidas pela Lei 9.424/96 que regulamentou o Fundef.
2.2.4 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério – Fundef
Como apresentado, o Fundef foi criado com o intuito de valorizar o ensino
fundamental e assegurar a normatização de políticas públicas relativas a esse nível
de ensino. Segundo Castro (2001), seus principais objetivos foram assim
determinados: i) Melhorar o gerenciamento financeiro e orçamentário dos recursos
da educação; ii) Aumentar o volume de recursos para a educação; iii) Fazer uma
política redistributiva, buscando reduzir disparidades regionais; iv) Aumentar a
transparência no trato dos recursos públicos da educação; v) Valorizar o corpo
docente do ensino fundamental.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
91
2.2.4.1 A composição dos recursos do Fundef
Em relação aos recursos, de acordo com a determinação legal, são devidos ao
Fundef 15% da arrecadação de impostos e transferências constitucionais relativas
ao:
i) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, inclusive a parte
concernente ao ressarcimento pela desoneração de exportações de que trata a Lei
Complementar nº 87/96 – (Lei Kandir); ii) Fundo de Participação dos Estados -FPE;
iii) Fundo de Participação dos Municípios -FPM e iv) Imposto sobre Produtos
Industrializados, proporcional às exportações – IPIexp. Além disso, haverá, quando
necessário, complementação de recursos pela União, como já apontado (MEC,
2004).
A distribuição dos recursos do Fundo é disposta pelo artigo 2º da Lei 9.424/96. Esta
determina que os recursos sejam distribuídos, automaticamente, entre governo
estadual e os governos municipais, em conformidade com o número de matrículas
do ensino fundamental, calculado anualmente em função dos cadastros das redes
de ensino, sendo, para isso, considerados os alunos da 1ª à 8ª séries de ensino
fundamental, presencial, inclusive os de educação especial.
O controle do número de alunos do ensino fundamental é feito pelo censo escolar,
realizado todo ano pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais –
(Inep), órgão ligado ao MEC, juntamente com os governos municipais e estaduais.
O cálculo da distribuição de recursos nos estados para cada município leva em
consideração o número de alunos da 1ª à 4ª séries e da 5ª à 8ª séries do ensino
fundamental regular e especial, além da estimativa de novas matrículas36. O valor
total de alunos e de estimativas é dividido pelo número total de alunos e de
estimativas para o estado como um todo, chegando ao Coeficiente de Distribuição –
CD37.
36 É importante ressaltar que há um diferencial de 5% no valor por aluno/ano para o segmento de 5ª à 8ª do ensino fundamental regular e todas as séries da
educação especial, relativamente ao segmento da 1ª à 4ª séries do ensino fundamental regular (MEC, 2004).
37 Para informação da fórmula de cálculo detalhada do CD, ver MEC (2004, p.9).
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
92
No âmbito de cada estado, o valor aluno/ano será calculado a partir da previsão de
receitas do Fundef e do número total de alunos do ensino fundamental, ou seja, do
regular e especial, da rede municipal e estadual. Assim, por exemplo, em um
município cuja receita estadual do Fundef seja de R$ 85 milhões e haja 120 mil
alunos da 1ª à 4ª séries do ensino fundamental regular; 110 mil da 5ª à 8ª. séries do
ensino fundamental regular e 5.605 alunos do ensino fundamental especial; o valor
por aluno/ano da 1ª à 4ª séries será R$ 352,1338 e o valor por aluno da 5ª à 8ª e de
todas as séries da educação especial será R$ 369,74, isto é, um valor 5% superior
ao do aluno da 1ª à 4ª séries do ensino fundamental regular (MEC, 2004).
A Lei também definiu um valor mínimo nacional por aluno, que é assegurado pelo
governo federal àquelas unidades da federação onde a receita do Fundo,
relativamente ao total de matrículas da rede de ensino fundamental, for inferior ao
valor mínimo. O primeiro valor estabelecido pela lei, em 1997, foi de R$ 300,00, e,
partir de então, passou a ser fixado por Decreto Federal. Do ano 2000 em diante, há
uma diferenciação de valores para os alunos de 1ª à 4ª e para o restante do ensino
fundamental, coerente com a regra do diferencial de 5%. A partir de 2005, passou
também a existir uma diferenciação de valores complementares entre os alunos da
zona urbana e os da zona rural. A tabela a seguir apresenta os valores fixados entre
1997 e 2005:
em R$
Valor
mínino
por aluno Urbana
1ª a 4ª série
%
Rural
(período)
%
(período)
Urbana
5ª a 8ª série
%
Rural
(período)
%
(período)
Base Legal
1997
300
100
300
100
300
100
300
100 Lei 9.424/96 (§ 4° - art. 6°)
1998
315
105
315
105
315
105
315
105
Dec. 2.440/97
1999
315
105
315
105
315
105
315
105
Dec. 2.935/99
2000
333
111
333
111
350
117
350
117
Dec. 3.326/99
2001
363
121
363
121
381
127
381
127
Dec. 3742/01
2002
418
139
418
139
439
146
439
146
Dec. 4,103/02
2003
446
149
446
149
468
156
468
156
Dec. 4.580/03
2004
565
188
565
188
593
198
593
198
Dec. 5.299/04
2005
621
207
633
211
652
217
664
221
Dec. 5.374/05
Tabela 2 - Valores mínimos anuais por aluno da complementação da União ao Fundef e a base
legal - de 1997 a 2005
Fonte: Difin/FNDE (1997 a 2005)
38 Esse valor é obtido a partir da divisão: R$ 85.000.000,00/ (120.000 + 1,05 (110.000+5.605).
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
93
Os repasses de recursos do Fundo são feitos automaticamente, todos os meses, em
função da data de arrecadação dos impostos que os compõe; o crédito deve ser
feito em contas do Banco do Brasil. Dada a característica dos impostos, os
municípios recebem, em datas distintas, transferências da União (FPM e IPIexp) e
complementação, quando for o caso, e do estado (ICMS e Lei Kandir).
É importante ressaltar que o repasse mensal dos recursos pode e provavelmente
será distinto de um mês para outro, visto que a receita tributária da União e dos
Estados é sujeita a alterações durante o ano, bem como a sazonalidades. Além
disso, é bastante possível que a previsão de receita contida na peça orçamentária
seja diferente da efetiva arrecadação, por ser elaborada em setembro do ano
anterior 39 . Sendo assim, é fundamental o controle periódico da receita e o
conseqüente ajuste das despesas decorrentes para que se possa atender a regra de
aplicação anual dessas receitas, conforme destacado pelo próprio Manual do Fundef
elaborado pelo MEC (MEC, 2004, p.27):
“É importante destacar que os recursos vinculados à educação
(inclusive o FUNDEF) devem ser aplicados no respectivo exercício a
que se referem (em que são arrecadados e distribuídos ou
creditados), tendo em vista o critério da anualidade estabelecido na
Constituição Federal (art.212).
(...)
Os critérios e limites estabelecidos pela legislação, com relação ao
uso dos recursos do FUNDEF (e da manutenção e desenvolvimento
do ensino), devem ser observados e cumpridos tomando-se como
referência cada exercício. Assim, não se pode transferir para outro
exercício a obrigação que, por força legal, deve ser cumprida em
cada exercício”40.
A contribuição dos municípios e estados para formar a receita do Fundo é
automática, havendo retenção de 15% dos impostos definidos anteriormente das
contas dos entes no Banco do Brasil. Além da contribuição e do crédito dos recursos
do Fundo serem feitos no Banco do Brasil, toda a movimentação financeira da conta,
39 Esse processo segue o fluxo apresentado na figura 2 do item 2.1.1.2.
40 Apesar da regra estar embasada na Constituição Federal e na LDB, Lei 9.424/96, é forçoso lembrar que a LRF, em seu artigo 8º, parágrafo único, prevê
que os recursos vinculados só poderão ser utilizados em sua finalidade específica ainda que em exercício distinto da arrecadação, como mostrado na seção
2.1.1.2 . Na prática, essa regra suscita um conflito legal e uma permissividade à não aplicação segundo o princípio constitucional da anualidade, como se
verá no capítulo 5, no caso de São Paulo.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
94
inclusive aplicação dos recursos, também deverá se dar nesse banco, para que seja
garantida a transparência, sendo possibilitado seu acompanhamento pelos órgãos
de controle (MEC, 2004)
Da comparação entre as receitas transferidas a um determinado município e sua
contribuição ao Fundef depreende-se que o município pode ter uma receita líquida
positiva, nula ou negativa, a qual dependerá sempre do número de alunos
matriculados na rede de ensino fundamental41. A lógica desse mecanismo é que
haverá maior receita para o ente que tenha maior número de alunos matriculados no
ensino fundamental. Assim, se o município não possuísse rede de ensino
fundamental e seus alunos estivessem apenas na rede estadual, sua receita de
contribuição ao fundo migraria para o estado ou outros municípios de seu estado
com rede própria. Com isso, criou-se um impulso de municipalização, justamente
para retenção das receitas.
2.2.4.2 Aplicação dos recursos do Fundef
A utilização dos recursos do Fundef é uma questão relevante tratada na lei 9.424/96.
Segundo esta, os recursos devem ser empregados exclusivamente na manutenção
e desenvolvimento do ensino fundamental público e, em especial, na valorização do
magistério; conforme o artigo 7º, 60% devem ser destinados anualmente à
remuneração dos profissionais da área, em efetivo exercício no ensino fundamental
público, o que compreende tanto professores, quanto profissionais que executam
atividades de suporte pedagógico, pertencentes ao regime jurídico único ou regidos
pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), além dos contratados em caráter
temporário.
Nesse sentido, os recursos não podem ser utilizados para o pagamento de
profissionais de outros níveis de ensino; de inativos, mesmo que tenham sido parte
do corpo de profissionais do ensino fundamental42; de profissionais da educação não
41 A constatação dos ganhos e das perdas entre estados e municípios a partir da implementação do Fundef pode ser vista no item 2.3.1 deste capítulo.
42 Essa é uma questão bastante polêmica, pois devido a não explicitação da vedação na LDB, esses profissionais aposentados continuam a fazer parte das
despesas de prefeituras dentro dos recursos vinculados à educação, ainda que não sejam pagos com recursos do Fundef. O peso dessas despesas para
os Tesouros Municipais e o desequilíbrio dos sistemas previdenciários nessas esferas dificultam uma solução que possibilite sua retirada do cômputo, sem
que isso represente um ônus às outras áreas de atuação das prefeituras.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
95
ligados ao magistério; de profissionais do magistério em desvio de função, por
exemplo, no setor administrativo (MEC, 1994).
Uma vez garantida a aplicação dos 60% para a remuneração do magistério, os 40%
restantes podem ser utilizados nas demais despesas da educação, compreendidas
pelo artigo 70 da LDB, transcrito anteriormente. É exceção a essa regra, o uso de
recursos para concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas privadas, pois
apesar de permitido pela LDB, contraria a definição da subvinculação dada pela
Emenda 14/96, que exige a utilização dos recursos para o ensino fundamental
público e gratuito. Além disso, não é permitido que sejam destinados para as
despesas vedadas pelo artigo 71 da LDB, conforme apresentado.
2.2.4.3 Valorização do magistério e formação de recursos humanos
Um dos principais objetivos do Fundef é a formação e a valorização do profissional
do ensino fundamental, de tal forma que para isso ficou reservado 60% do total de
seus recursos, em cada município. Nesse sentido, é importante verificar os reflexos
da lei no tocante a duas questões em especial: a formação profissional dos
professores e o estabelecimento de planos de carreira e remuneração.
A primeira questão é essencial para a qualidade do ensino fundamental, pois a
escolaridade dos professores é fator de extrema relevância para o desempenho dos
alunos43. Conforme definido pelo artigo 62 da LDB, os docentes da educação básica,
incluídos os de nível fundamental, devem ter nível superior; mas se admite que para
o ensino infantil e as primeiras séries, 1ª à 4ª, o professor tenha, no mínimo, o nível
médio. A expectativa era de que todos os professores, ao longo do tempo,
passassem a ter a licenciatura plena; porém, não foi estabelecido nenhum prazo
para que os sistemas de ensino estejam adaptados a essa questão. Deve haver
constante formação e aperfeiçoamento dos profissionais do ensino e, para isso,
podem ser usados os 40% restantes, após a remuneração do magistério.
43 Pesquisas econométricas mostram que esse fator tem uma correlação positiva com o desempenho dos alunos, principalmente os de menor nível
socioeconômico (ALBERNAZ, FEREIRA e FRANCO, 2002).
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
96
Quanto a isso, é importante destacar as indicações do Plano Nacional de Educação
– PNE, Lei 10.172/01, cuja finalidade foi a de estabelecer objetivos e metas de longo
prazo para a educação nacional, em todos os níveis e modalidades de ensino, para
todas as esferas administrativas de governo, buscando principalmente: i) A elevação
da escolaridade da população; ii) A melhoria da qualidade de ensino; iii) A redução
das desigualdades sociais e regionais, relativas ao acesso e à permanência, com
sucesso, na educação pública e; iv) A democratização na gestão do ensino público.
Nesse contexto, relativamente à formação de docentes, o PNE traz um diagnóstico
de que havia, no final da década de 90, um grande contingente de docentes cuja
formação estava abaixo da qualificação mínima exigida para o nível de ensino
fundamental44, o que corroborava a necessidade de formação inicial e continuada
dos profissionais do magistério em todo o Brasil. O PNE apontava ainda a
importância do diagnóstico da situação do magistério em cada sistema de ensino,
por meio da elaboração dos Planos Estaduais e Municipais de Educação e, a partir
destes, a criação de propostas adequadas para a formação docente. Dessa forma, o
PNE determinou o prazo de um ano para que estados e municípios desenvolvessem
seus planos para de educação, com destaque para definição de objetivos e de
metas a cada nível de ensino, além de todas as ações e recursos financeiros
necessários para sua implementação no âmbito de cada esfera administrativa.
Com relação aos planos de carreira, a segunda questão de relevância aqui
apontada, o artigo 9º da Lei 9.424/96 previu que estados e municípios deveriam, no
prazo de 6 meses, elaborar novos planos de carreira e de remuneração do
magistério, para assegurar a remuneração adequada aos professores do ensino
fundamental e garantir a qualidade do ensino. O PNE reforça essa demanda e
estabelece que, a partir do primeiro ano de sua vigência, deveriam ser implantados
os planos de carreira e remuneração, caso isso ainda não houvesse ocorrido. Tal
Plano acrescenta, ainda, que os níveis de remuneração teriam suas diretrizes
estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e assegurariam a
promoção por mérito.
44 Segundo levantamento do PNE, em 1998, calculava-se que pelo menos 94 mil professores da 1ª à 4ª séries precisavam obter diploma de formação de
ensino médio, modalidade normal, e cerca de 160 mil, de 5ª a 8ª séries, necessitavam de formação com nível superior (Lei 10.172/2001, p. 65).
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
97
Conforme determinação da LDB e da Resolução 03/97 da Câmara de Educação
Básica (CEB)/CNE, o ingresso na carreira deve ser por concurso e prova de títulos;
sua evolução deve se dar a partir de critérios claros e objetivos, considerando os
incentivos de progressão em função da qualificação do trabalho docente, no tocante
a: dedicação exclusiva, avaliação de desempenho, qualificação em instituições
credenciadas, tempo de serviço e avaliações periódicas de conhecimentos (MEC,
2004).
No que diz respeito à definição do piso salarial dos professores, as normas federais
não estabelecem nacionalmente o valor da remuneração docente, cabendo essa
tarefa aos distintos sistemas de ensino, municipais e estaduais, a partir de critérios
definidos por suas normas legais, locais e pelos próprios Planos de Carreira e
Remuneração, o que dependerá sobremaneira do montante de recursos disponíveis
no Fundef de cada Unidade da Federação45.
Ainda no tocante à esta questão, é ressaltado pelo Manual do Fundef que não há
impedimento para a realização de aumentos salariais antes da implementação do
Plano, porém, é de extrema relevância que sejam feitos em função de um cálculo
adequado, para que possam ser permanentes e que sejam futuramente adaptados
na evolução da carreira docente.
Tal avaliação é relevante, pois a utilização dos recursos do Fundef para pagamento
de bônus e de gratificações anuais ou pontuais aos docentes estaria fora do espírito
da LDB, da lei do Fundo e do PNE; portanto, não contribui para a construção de uma
estrutura de governança condizente com o objetivo de controle da carreira e da
qualidade da função docente.
As últimas questões levantadas, sobre a utilização dos recursos do Fundef com a
finalidade de remuneração, planos de carreira e formação de docentes, evidenciam
o papel das secretarias de educação. A LDB e o Fundef colocam-nas no papel
central da gestão das políticas públicas de educação, em especial do ensino
fundamental, e no controle e utilização dos recursos do ensino. Dois temas surgem
45 A definição de um piso salarial nacional é um dos pontos do novo Plano de Desenvolvimento da Educação que está ainda em discussão.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
98
em função disso: a importância do relacionamento com os estados na administração
de responsabilidades perante o ensino fundamental e o controle e a gestão dos
recursos do ensino (MEC, 2004).
Quanto ao primeiro tema, visto que, conforme determinação da emenda
Constitucional 14/96, o município deve priorizar o ensino fundamental e o estado, o
ensino médio, deverá haver entre essas duas esferas de governo uma colaboração
para a definição de responsabilidades relacionadas ao atendimento das demandas
do ensino fundamental. Isto implica a assunção do atendimento pelo município e,
por conseqüência, que a este sejam destinados os recursos correspondentes ou que
haja um convênio com o estado, para que o atendimento seja feito pelas escolas
estaduais e, assim, o recurso seja transferido a estas. O entendimento entre as duas
esferas em questão passa por um diagnóstico das condições de ambas as redes de
ensino, professores, instalações e outras questões relevantes, visando o
atendimento mais adequado possível da demanda por ensino fundamental. O papel
do secretário de educação no diagnóstico da situação do ensino e na proposição de
um esforço colaborativo com o estado para a construção da rede mais adequada é
fundamental.
Conjuntamente com esse processo de coordenação e de colaboração entre esferas,
o secretário de educação deve preocupar-se com a administração interna da pasta,
pois gerir tanto a vinculação constitucional de impostos, quanto a subvinculação do
Fundef faz do (a) secretário (a) de educação um dos maiores gestores de recursos
do município. Isso implica controle sobre a previsão e a efetiva arrecadação dos
recursos, planejamento e gestão do
orçamento
da educação, do corpo
administrativo e dos profissionais do magistério, em atendimento às normas e às
diretrizes constitucionais e federais, bem como ao aparato legal do próprio
município.
2.2.4.4 Gestão e controle dos recursos do fundo
A administração dos recursos do Fundef deve ser planejada levando-se em conta a
necessidade de alocação e de execução dos recursos vinculados ao exercício, como
já dito, em cumprimento ao princípio da anualidade previsto pela Constituição
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
99
Federal. Deve, ainda, atender às permissões e às vedações da LDB, além das do
próprio Fundef, buscando o alcance das metas de longo prazo determinadas pelo
PNE e pelos respectivos planos municipais de educação, os quais precisam ser
coerentes com os instrumentos de política orçamentária do município: o Plano
Plurianual Anual (PPA), a Lei de Diretrizes Anual ( LDO) e a Lei Orçamentária Anual
( LOA).
Para o sucesso da política de priorização do ensino fundamental e garantia de
educação de qualidade nas distintas regiões do Brasil, há que se ter uma gestão
adequada dos recursos (MEC, 2004). Essa questão passa pela compreensão do
processamento orçamentário das receitas e despesas do município, assunto
abordado no item 2.1.
Para o correto controle da repartição, transferência e aplicação dos recursos do
Fundo, a legislação do Fundef prevê o acompanhamento e o controle social
exercidos por Conselhos, de acordo com o §1º do artigo 4º:
Art. 4º. (...)
§1º “Os Conselhos serão constituídos, de acordo com norma de cada
esfera editada para esse fim:
(...)
I – nos Municípios, por no mínimo quatro membros, representando
respectivamente46:
a) a Secretaria Municipal de Educação ou órgão equivalente;
b) os professores e os diretores das escolas públicas do ensino
fundamental;
c) os pais de alunos;
d) os servidores das escolas públicas do ensino fundamental;
O referido Conselho foi empoderado e teve suas atribuições majoradas pela Medida
Provisória 173/2004, que modifica a lei do Fundo, passando a ser responsável por
acompanhar e controlar recursos de outros programas criados pelo MEC para
aplicação no ensino fundamental do município, especialmente voltados para
pessoas portadoras de deficiência - Programa de Complementação ao Atendimento
Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (PAED) e
46 Se o município tiver Conselho Municipal da Educação, este também deverá estar representado no Conselho do Fundef (MEC, 2004).
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
100
educação de jovens e adultos, além de programas de transporte escolar - Programa
Nacional ao Transporte Escolar (PNATE). Além disso, tais conselhos deverão
elaborar a prestação de contas dos programas e controlar o censo escolar anual
(MEC, 2004)47.
Sob o ponto de vista da esfera federal, espera-se que os Conselhos Municipais do
Fundo cobrem as informações necessárias para a compreensão de toda
movimentação financeira e orçamentária dos recursos; exijam a elaboração e
execução do Plano de Carreira do Magistério; discutam relatórios e demonstrativos
do Fundo, atestando-os antes do devido encaminhamento aos órgãos de controle
das contas municipais, e controlem os repasses, os planos e a devida utilização dos
recursos dos demais programas federais. Em função do cumprimento de tais
atribuições, a lei 9.424/96, prevê que:
Art. 5º “Os registros contábeis e os demonstrativos gerenciais,
mensais e atualizados, relativos aos recursos repassados, ou
recebidos, à conta do Fundo a que se refere o art. 1º ficarão,
permanentemente, à disposição dos conselhos responsáveis pelo
acompanhamento e fiscalização, no âmbito do estado, do Distrito
Federal ou do município, e dos órgãos federais, estaduais e
municipais de controle interno e externo”.
Fica claro, desse modo, que é grande a responsabilidade e o envolvimento esperado
do Conselho do Fundef no controle e no acompanhamento dos recursos, inclusive
para a tomada das providências necessárias no caso de irregularidades envolvendo
os recursos, ou seja, acionar os órgãos de controle competentes: Câmara de
Vereadores, Tribunais de Contas e Ministério Público.
No que tange à comprovação da correta aplicação dos recursos do Fundef e à
prestação de contas, a Constituição Federal, a LDB e a Lei do Fundef prevêem que
haja um controle: i) mensal, por parte do Conselho de Acompanhamento e Controle
Social do Fundef e demais órgãos de controle; ii) bimestral, a partir de publicação do
poder executivo que detalhe as receitas vinculadas e as despesas com manutenção
e desenvolvimento do ensino, destacando as relativas aos recursos do Fundef; e iii)
anual, por meio da Prestação de Contas Anual do Governo, encaminhada ao
47 Esses programas são elaborados e administrados em nível federal, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino – FNDE/MEC.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
101
Tribunal de Contas responsável, demonstrando o devido cumprimento das
legislações do ensino (MEC, 2004).
A Lei do Fundef prevê ainda que os órgãos responsáveis pelos sistemas de ensino,
além dos Tribunais de Contas, criem mecanismos de controle para o cumprimento
das regras de utilização dos recursos do Fundef, bem como daqueles definidos no
artigo 212 da Constituição Federal. O descumprimento legal implica a sujeição dos
estados à intervenção da União e dos municípios à intervenção dos estados,
conforme definido no artigo 11 da Lei 9.424/96; nos termos do artigo 34, inciso VII,
alínea “e”, e do artigo 35, inciso III, da Constituição Federal48.
2.2.4.5 Fundo de Manutenção do Ensino Básico - Fundeb
Por fim, a última questão a ser tratada com referência à legislação do Fundo é a
recente aprovação da nova legislação que estende o mecanismo do Fundef para a
Educação Básica. Essa mudança ocorreu porque, nos últimos anos, houve
crescente dificuldade dos municípios, dadas as vinculações de recursos da
educação terem se concentrado no ensino fundamental, em atender outras
modalidades de ensino, em especial o infantil e a alfabetização de jovens e adultos.
A questão foi bastante polemizada e levou à criação do Fundo de Manutenção e
Valorização do Ensino Básico (Fundeb), que busca ampliar a atuação do Fundef.
Nessa medida está, por exemplo, a reivindicação de estados e municípios para o
custeio dos alunos do ensino supletivo presencial com recursos do fundo.
Esta tese, contudo, restringe sua avaliação à operacionalização do Fundef, até
2006; como a implantação do Fundeb será iniciada a partir de 2007, está fora do
escopo desta avaliação.
2.2.5 Salário-educação
Seguindo uma determinação constitucional foi criado, na década de 40, o salárioeducação e regulamentado posteriormente pela Lei 440/64, que definia uma
48 Relativamente a essa questão, é interessante notar que, apesar de estabelecer sanções aos estados e municípios, a União fica isenta do mesmo critério
de controle, o que é no mínimo injusto ou. nas palavras de Melchior (1997), “uma discriminação insustentável.”
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
102
contribuição compulsória das empresas destinadas ao ensino público (CASTRO,
2001). Posteriormente, o Decreto 87.043/82 estabeleceu que o recolhimento do
salário-educação seria de 2,5% sobre a folha de pagamento dos empregados das
empresas, sendo este recurso arrecadado pelo INSS ou pelo Fundo Nacional para o
Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão ligado ao MEC.
A Constituição de 1988 canaliza explicitamente os recursos do salário-educação ao
ensino fundamental, pois estabelece no parágrafo 5º, do artigo 212, que:
“o ensino fundamental público terá como fonte adicional de
financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida,
na forma da lei, pelas empresas que dela poderão deduzir a
aplicação realizada no ensino fundamental de seus empregados e
dependentes”.
Segundo Melchior (1997), inicialmente os recursos do salário-educação financiavam
o sistema público de ensino e algumas escolas de empresas que faziam sua
aplicação direta e assim deixavam de recolher o salário-educação, o que era
legalmente permitido. Contudo, com o passar o tempo, essa aplicação começou a
ser alterada pelas empresas, que destinavam os recursos para bolsas de estudos a
empregados, filhos destes e também para a comunidade, a tal ponto que cerca de
50% dos recursos destinados às escolas públicas passou a ficar com as empresas.
A fiscalização era difícil mesmo depois da criação do FNDE, durante o regime militar,
o que implicava a existência de uma série de fraudes envolvendo os recursos
aplicados e as bolsas de estudos. Isso levou à necessidade de reestruturação da
fonte de recursos, o que inicialmente foi feito por meio de medida provisória, sendo
depois incorporado à LDB (MELCHIOR, 1997).
A LDB alterou a legislação do salário-educação retirando a possibilidade de dedução
por parte das empresas da aplicação de recursos para empregados e dependentes.
Os recursos do salário-educação somente poderão ser aplicados em escolas
públicas, confessionais, filantrópicas e comunitárias. Assim, as escolas privadas
estão excluídas do repasse e, como visam ao lucro, devem recolher também o
salário-educação.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
103
No que se refere à distribuição dos recursos, também houve mudanças com a LDB,
visto ter ficado estabelecido, institucionalmente, que uma quota estadual de dois
terços do valor arrecadado é transferida automaticamente para cada Unidade da
Federação e o restante é destinado ao FNDE, que tem a incumbência de administrar
os recursos em programas de iniciativa do MEC.
Essa cota de 1/3 a partir da redação dada pela Emenda 14/96 ao artigo 60 das DCT
passou a fazer parte dos 30% que a União deve, obrigatoriamente, aplicar em
ensino fundamental (MELCHIOR, 1997).
Em relação à quota estadual, é repassado o recurso de modo proporcional ao que
foi arrecadado, sendo pelo menos 50% distribuído entre o governo do estado e os
municípios, em função do número de matrículas no ensino fundamental de cada
localidade. Essa alteração foi um avanço em relação à prática anterior, quando os
municípios recebiam até 25% da quota federal do salário-educação, porém, segundo
Melchior (1997), os recursos eram negociados e assim sujeitos à interferência
política.
Em termos comparativos, esse valor é bem inferior à parcela resultante da
vinculação de impostos, pois, na década de 90, atingiu o patamar de 5,5% dos
recursos orçamentários do MEC. Ressalte-se, contudo, que esse é um recurso de
destinação exclusiva para o ensino fundamental.
2.2.6 Outras receitas
Além dos recursos constitucionalmente definidos para o ensino fundamental
apresentados nos itens anteriores, existem também outras transferências aos
municípios e estados, consideradas voluntárias da União, a partir de programas
criados e coordenados pelo FNDE, que além de realizar o repasse das quotas
estadual e municipal do salário educação, é responsável pela transferência de
recursos voltados à complementação e assistência técnica e financeira dos Estados
e Municípios. Dentre os programas administrados pelo FNDE, alguns dependem de
convênios entre a unidade da federação e o MEC para possibilitar o repasse; outros
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
104
são automaticamente repassados em função, principalmente, do número de alunos
da rede de ensino.
Alguns desses programas destacam-se porque representam um impacto financeiro
significativo nas receitas municipais para o ensino fundamental, como o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Nacional de Apoio ao
Transporte Escolar (PNATE) e o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE).
PNAE
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) procura garantir, por meio da
transferência de recursos financeiros, a alimentação escolar dos alunos do ensino
fundamental e também do ensino infantil matriculados em escolas públicas e
filantrópicas.
O Pnae tem caráter suplementar, como prevê o artigo 208, incisos IV e VII, da
Constituição Federal. O repasse é feito diretamente aos estados e municípios, com
base no censo escolar realizado no ano anterior ao do atendimento. O programa é
acompanhado e fiscalizado diretamente pela sociedade, por meio dos Conselhos de
Alimentação Escolar (CAEs), pelo FNDE, pelo Tribunal de Contas da União (TCU),
pela Secretaria Federal de Controle Interno (SFCI) e pelo Ministério Público.
PDDE
O principal objetivo do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) é dar assistência
financeira às escolas públicas do ensino fundamental das redes estaduais,
municipais e do Distrito Federal e às escolas de educação especial, qualificadas
como entidades filantrópicas ou por elas mantidas. Os recursos podem ser utilizados
para despesas de custeio, de manutenção e de pequenos investimentos, sendo
vedadas as despesas com pessoal.
PNATE
O Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE) realiza transferência
automática de recursos financeiros, com o intuito de custear despesas com a
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
105
manutenção de veículos escolares pertencentes às esferas municipal ou estadual e
também com a contratação de serviços terceirizados de transporte. A base de
cálculo para o repasse é o quantitativo de alunos transportados e informados no
censo escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep) relativo ao ano anterior ao do atendimento.
Além desses programas, o FNDE realiza outros para o fortalecimento e a
capacitação dos municípios na área de formação de recursos humanos para a
educação.
2.2.7 Quadro resumo do financiamento do ensino fundamental
A partir das regras apresentadas nos itens 2.2.1 a 2.2.6, pode-se afirmar que
existem três principais fontes públicas de recursos para o ensino fundamental nos
municípios: os recursos provenientes de impostos vinculados; os provenientes da
subvinculação ao Fundef e os recursos provenientes do salário-educação e de
outros repasses do FNDE49, que estão divididos em três categorias, como ilustra o
quadro abaixo:
1. Orçamentárias
1.1) Vinculação da receita
de impostos (25%) para
Manutenção e
Desenvolvimento do
Ensino* (Destes recursos
60% devem ser aplicados
no ensino fundamental);
1.2) Subvinculação do
Fundef.
2.Transferências
3. Outras Receitas
2.1) Salário-educação - quota
Operações de Crédito e outras
estadual; 2.2) Orçamentárias do
receitas, como doações, por
estado (Fundef - ICMS); 2.3)
exemplo.
Orçamentárias da União (Fundef FPM, IPI-exp); 2.4) Repasses do
salário educação-quota federal e
outros do FNDE - Fundo Nacional
de Desenvolvimento do Ensino.
Quadro 4 – Regras do financiamento do Ensino Fundamental nos municípios: receitas
Fonte: Elaboração da autora, a partir da Constituição de 1988, da LDB, da Lei 9.424/96 e de outras
normas legais.
*Este percentual pode ser diferente em função do definido pela Lei Orgânica Municipal.
Todas as regras colocadas resultaram em um quadro diferenciado de recursos para
o ensino fundamental nos municípios, advindos principalmente da mudança do
Fundef no final dos anos 90. Essas modificações de fato alteraram a estrutura das
49 Para além dessas fontes, há ainda recursos ordinários do Tesouro Federal, recursos da COFINS e CLL e possivelmente de operações de crédito, porém,
comparativamente, são fontes de menor relevância para o custeio de políticas públicas.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
106
receitas e das despesas municipais com educação, refletindo também em uma
variação nos indicadores de ensino. Na próxima seção, discutem-se as principais
mudanças ocorridas a partir da alteração das regras de financiamento do ensino
fundamental.
2.3 Impacto da mudança de regras da educação
2.3.1 Reflexo nas finanças públicas municipais
As alterações nas regras do ensino fundamental trazidas pela Emenda 14/96, pela
LDB e principalmente pelo Fundef modificaram de forma significativa as finanças
municipais a partir de 1998. Isso porque o mecanismo de redistribuição de recursos
entre estados e municípios, criado pelo Fundef, de fato, aumentou as receitas
municipais vinculadas à educação (SEMEGHINI, 2001). Em decorrência, esse
processo influenciou sobremaneira a municipalização das matrículas do Ensino
Fundamental. A seguir, vê-se de forma pormenorizada alguns indicadores desse
processo.
A tabela 3 apresenta a evolução das receitas de impostos e de transferências dos
municípios no período de 1997 a 2005. Essas receitas são a base de cálculo da
vinculação orçamentária em educação, como estudado no item 2.2.1. A partir da
análise deste quadro, é possível perceber que houve um aumento importante de
receitas municipais decorrentes de impostos e transferências no período. No quadro,
não estão inclusas as transferências estaduais e federais do Fundef e, mesmo
assim, percebe-se um ganho real de recursos em todas as regiões brasileiras. É
importante ressaltar que não é objetivo desta análise comparar as receitas entre as
regiões e os estados, até porque a partir dos dados da Secretaria do Tesouro
Nacional (STN) este tipo de avaliação não é possível, dada a diferença da base
amostral de cada estado, conforme nota explicativa da tabela 3. A preocupação foi a
de verificar a tendência evolutiva da receita média municipal em cada estado.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
107
em R$ mil*
UF e Regiões
Norte
Rondônia
Acre
Amazonas
Pará
Tocantins
Nordeste
Maranhão
Piauí
Ceará
R. G. do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Sudeste
Minas Gerais
Espírito Santo
Rio de Janeiro
São Paulo
Sul
Paraná
Santa Catarina
R. G. do Sul
Centro-Oeste
M. G. do Sul
Mato Grosso
Goiás
1998
80.460,9
5.966,6
9.232,6
25.818,8
33.409,8
6.033,1
89.459,1
10.985,7
4.094,5
16.814,7
8.796,8
3.376,9
15.082,1
9.058,9
8.800,8
12.448,7
188.138,8
9.834,4
20.526,6
116.701,8
41.076,0
30.551,8
11.751,3
8.175,9
10.624,6
34.332,6
13.518,5
10.107,1
10.707,0
2001
103.335,3
8.666,7
12.917,2
31.729,8
38.952,1
11.069,4
115.277,9
15.465,2
5.148,6
21.256,2
11.784,1
4.528,5
18.699,3
11.880,3
11.139,5
15.376,3
224.750,4
12.081,5
24.134,5
138.961,2
49.573,1
36.842,4
13.859,5
10.083,6
12.899,3
45.983,9
17.418,7
14.400,1
14.165,2
2005
134.149,7
12.380,6
17.838,4
42.302,1
54.755,5
6.873,0
146.497,4
20.836,9
6.960,1
26.114,3
14.638,9
5.726,1
23.339,7
15.428,0
14.570,9
18.882,5
253.331,0
15.061,4
32.151,8
147.659,8
58.458,0
47.586,2
17.850,6
13.766,2
15.969,4
60.050,7
23.503,4
19.596,9
16.950,3
Var. %
67%
108%
93%
64%
64%
14%
64%
90%
70%
55%
66%
70%
55%
70%
66%
52%
35%
53%
57%
27%
42%
56%
52%
68%
50%
75%
74%
94%
58%
Tabela 3 - Receita Real Média de Impostos Próprios e Transferências Municípios Brasileiros
por Estado (1998 - 2005)
Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados da STN (1) – 1998-2005
*Dados atualizados pelo IPCA/IBGE para 2006.
(Obs) O cálculo das receitas foi feito a partir da base de dados municipais da STN, considerando-se
em cada estado uma amostra de municípios que tivesse conformidade nos três anos analisados,
constituindo-se, assim, de 3.227 municípios, isto é, 59% dos municípios brasileiros, inclusive as
capitais dos estados apresentados. È importante ressaltar que os dados das regiões Sul e Sudeste
têm uma amostragem maior que os das outras regiões, alcançando cerca de 80% dos municípios, e
que na região Norte esta amostra abrange cerca de 30% dos municípios dos estados, em média,
constituindo-se na menor base amostral, dentre as regiões. A partir dessas receitas, foi calculada a
receita média em cada estado. Como a base amostral das regiões Norte e Nordeste é menor que a
das regiões Sul e Sudeste a receita das duas primeiras regiões é mais influenciada pelas capitais e
municípios de grande porte. Os estados de Roraima e Amapá não puderam ser considerados, pois as
amostras não eram significativas. A receita média do Rio de Janeiro está subestimada em função da
ausência de informações da capital do estado, relativas às cotas-parte de ICMS, IPVA e IPI, no ano
de 2005. Em função disso, foram considerados os valores de 2004 para as receitas da capital, que
subestimam o crescimento no período, no entanto. É também importante ressaltar que na amostra de
municípios considerada nesse estado (55% do total), o peso das receitas de impostos da capital é de
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
108
aproximadamente 66% do total, o que leva a uma receita média municipal significativamente superior
a dos outros estados.
Relativamente às receitas do Fundef, a tabela 4 a seguir permite perceber que
houve significativa evolução do montante de recursos envolvidos no Fundo,
principalmente para os municípios. Como mostra essa tabela as receitas municipais
adicionais do Fundef passaram de R$ 1,6 bilhões em 1998, para cerca de R$ 7,6
bilhões em 2005, uma variação de 371%, em termos reais, com a conseqüente
perda de receitas por parte dos estados.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
Tabela 4 - Evolução das Receitas Adicionais do Fundef - Acréscimo e Redução entre Estados e Municípios - 1998/2005.
Fonte: SEF/MEC (Fundação Seade/SP e STN/MF) – 1998-2005.
* Valores em R$ milhões atualizados pelo IPCA/IBGE para 2006.
** Foi excluído o Distrito Federal, pois não há redistribuição de recursos entre Governos.
Obs. São considerados os valores de complementação da União, o que explica as diferenças entre o total dos estados e municípios
109
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
110
Em função da evolução da receitas citadas, advindas de impostos e do Fundef, as
despesas municipais com educação também cresceram no período. Esse
crescimento foi concentrado no ensino fundamental em função das restrições de
aplicação dos recursos do Fundef a essa área e dada a necessidade de
cumprimento do artigo 60 das DCT, que obriga estados e municípios a aplicarem
60% do que dispõe o artigo 212 da CF no ensino fundamental.
Unidade da
Federação
Norte
Rondônia
Acre
Amazonas
Pará
Tocantins
Nordeste
Maranhão
Piauí
Ceará
R. G. do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Sudeste
Minas Gerais
Espírito Santo
Rio de Janeiro*
São Paulo
Sul
Paraná
Santa Catarina
R. G. do Sul
Centro-Oeste
M. G. do Sul
Mato Grosso
Goiás
1998
15,1
1,2
2,4
4,5
5,9
1,0
20,9
3,2
1,1
3,9
1,6
0,8
3,1
2,6
2,0
2,7
34,3
1,2
3,0
25,1
5,0
5,1
2,1
1,3
1,8
5,4
2,3
1,6
1,5
2001
22,4
2,3
3,5
6,4
8,3
1,9
28,5
4,1
1,4
5,2
2,4
1,2
4,3
3,3
2,9
3,8
44,4
2,0
4,6
30,4
7,4
6,7
2,6
1,7
2,4
8,4
3,3
2,8
2,3
em R$ milhões*
Var. %
2005
05/98
31,3
108%
3,6
200%
4,8
99%
9,5
111%
11,8
99%
1,5
54%
38,1
83%
5,7
78%
2,0
90%
6,8
75%
3,2
99%
1,6
98%
5,6
81%
4,3
65%
4,2
111%
4,8
80%
52,9
54%
2,6
122%
7,0
138%
33,1
32%
10,2
102%
9,0
76%
3,4
63%
2,6
107%
3,0
69%
12,0
123%
5,0
123%
3,8
136%
3,2
108%
Tabela 5 - Despesa Real Média com Ensino Fundamental dos Municípios Brasileiros por
Estado – (1998-2005)
Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados da STN – 1998-2005.
* Valores atualizados pelo IPCA/IBGE para 2006.
(Obs.1) O cálculo das despesas com ensino fundamental tem como base a receita média municipal
de impostos e transferência (conforme tabela 3), e considera-se a regra constitucional de aplicação
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
111
de 60% da vinculação orçamentária de 25% dos impostos e transferências, no ensino fundamental. A
esse valor foi acrescida a receita adicional do Fundef, calculada também pela média municipal, a
partir da tabela 4.
(Obs.2)A variação da despesa com ensino fundamental no estado do Rio de Janeiro está
subestimada em função das receitas, conforme explicação da tabela 3.
A tabela 5 demonstra a evolução dessas despesas. Dada a impossibilidade de
acesso à série histórica dos gastos com a subfunção ensino fundamental nos
municípios brasileiros, que só passou a ser controlada pela STN a partir de 2004,
optou-se por realizar aqui um cálculo aproximado dessas despesas, com os dados
de receitas de impostos e transferências dos municípios50.
A partir da análise das despesas médias com ensino fundamental nos municípios,
observa-se que houve um considerável aumento em todos os estados analisados,
de forma coerente com o crescimento das matrículas nesse nível de ensino, nas
redes municipais, no entanto, em vários estados, esse aumento foi inclusive
bastante superior, como se verá na próxima seção.
2.3.2 Evolução dos indicadores de fluxo e acesso
Conforme a afirmação anterior, a evolução dos recursos do Fundef para os
municípios veio atrelada ao aumento da rede de ensino fundamental nessas
unidades da federação. A tabela 6 a seguir deixa claro este processo. Em 1998, a
participação da rede estadual no ensino fundamental era de 59%, enquanto a
municipal era de 41%. Em oito anos, essa relação se inverteu passando os estados
a uma participação de 40% e os municípios de 60%.
50 O cálculo realizado é uma aproximação e assume que os municípios aplicam no ensino fundamental 60% dos 25% das receitas de impostos e
transferências, além do acréscimo da receita do Fundef. Essa aproximação está sujeita a erro, visto que os valores aqui assumidos representam o mínimo
que os municípios deveriam aplicar conforme a CF, porém, existem vários municípios cujo gasto com ensino fundamental ultrapassa esse percentual em
função da determinação de suas Leis Orgânicas. Por outro lado, é também possível que vários municípios descumpram a determinação constitucional e
gastem menos que o mínimo. Contudo, o que se busca nesta análise é o entendimento da tendência da disponibilidade de recursos para o ensino
fundamental, a partir das regras criadas e/ou adequadas durante a década de 90, o que reduz a significância do erro.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
112
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
Tabela 6a - Comparativo das Matrículas do Ensino Fundamental por UF, Região e Esfera Governamental - 1997/2005.
Fonte: MEC (Censo Escolar) – 1997-2005.
Obs.Dados relativos aos alunos do ensino fundamental regular e educação especial.
113
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
Tabela 6b - Comparativo das Matrículas do Ensino Fundamental por UF, Região e Esfera Governamental - 1997/2005.
Fonte: MEC (Censo Escolar) – 1997-2005.
Obs.Dados relativos aos alunos do ensino fundamental regular e educação especial.
114
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
Tabela 6c - Comparativo das Matrículas do Ensino Fundamental por UF, Região e Esfera Governamental - 1997/2005.
Fonte: MEC (Censo Escolar) – 1997-2005.
Obs.Dados relativos aos alunos do ensino fundamental regular e educação especial.
115
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
116
Segundo o relatório de gestão da Secretaria de Educação Básica do MEC, esse
crescimento das matrículas foi maior nos primeiros anos de vigência do FUNDEF,
alcançando 6%, isto é, quase dois milhões de crianças ingressaram nas escolas. A
partir de 2000, há uma inversão nesse processo e registra-se uma tendência de
redução do número de matrículas. O dado preliminar do censo de 2006 aponta um
total de 29,9 milhões de matrículas, havendo, portanto uma queda de cerca de 1%
em relação a 2005.
Essa inversão é decorrência da transição demográfica pela qual passa o país, em
razão da queda na taxa de natalidade dos brasileiros. Em função disso, a população
na faixa etária de 5 a 14 anos caiu de 34, 5 milhões em 1991, para 33,9 milhões em
2000 (isso significa uma diminuição de 1,7%, frente a um aumento populacional total
de 17,7%). Desse modo, houve uma redução da participação das crianças dessa
faixa etária de 24,2% para 20% da população total (MEC, 2003c).
Esse processo de mudança demográfica, conjugado às novas regras do ensino
fundamental possibilitou o aumento da cobertura nas matrículas desse nível de
ensino e, conseqüentemente, permitiu o acesso de crianças das camadas mais
pobres da população à escola. A taxa de atendimento de crianças de 7 a 14 anos,
isto é, do ensino fundamental, que em 1994 era de 92,7%, teve grande aceleração
logo nos primeiros anos do Fundef, chegando a 97% em 1999 (MEC, 2003c).
Juntamente com o aumento do número de matrículas e da taxa de atendimento no
ensino fundamental ocorreu uma importante mudança no perfil da oferta que passou
a ser fortemente municipalizada. O aumento no número de municípios que ofereciam
atendimento no ensino fundamental foi de 3,5% de 1997 a 2001, passando de 5.206
para 5.387 municípios (MEC, 2003c).
O crescimento das matrículas municipais foi mais acelerado nos estados mais
pobres das regiões Norte e Nordeste, nos quais, já em 1999, as matrículas nas
redes municipais eram superiores a 50%. Hoje, nessas regiões, os municípios são
responsáveis por mais de 70% das matrículas; enquanto nas regiões Sul e Sudeste,
esta participação é de cerca de 50%. O que não deixa de representar um forte
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
117
processo de municipalização, visto que, nesta última, a participação do estado na
oferta de ensino fundamental em 1997 era superior a 70%.
Além da profunda alteração no acesso ao ensino fundamental, outros indicadores de
ensino merecem destaque no período analisado: a taxa de analfabetismo e os
indicadores de fluxo, isto é, rendimento e movimentação escolar.
A partir da análise desses indicadores constata-se também o avanço ocorrido na
educação nos últimos anos. Ao avaliar, por exemplo, os dados do IBGE para a taxa
de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais, vê-se que esta caiu de 14,7%
em 1995, para 10,1% em 2005. É interessante notar que essa queda ocorreu em
todas as regiões do país, ainda que na região Nordeste a atual taxa seja de 20%,
seu patamar era próximo aos 30%, em 1995.
Ano
Brasil
(1)
Grandes Regiões
Norte
Nordeste Sudeste
urbana
11,5
29,4
8,4
1995
14,7
2001
11,4
9,7
22,2
2005
10,1
8,2
20,0
Sul
8,2
CentroOeste
12,0
6,8
6,4
9,2
6,0
5,4
8,0
Tabela 7 -Taxa de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais de idade, por
grandes regiões - 1995/2005.
Fonte: IBGE/PNAD - 1995/2005.
(1) Exclusive as pessoas da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará
e Amapá.
Apesar do problema do analfabetismo ser preocupante, ainda mais se analisadas as
diferenças regionais dessa taxa, sua redução não deixa de ser significativa e
coerente com o processo de universalização do ensino fundamental ocorrido nos
últimos anos. Esse processo possibilitou também um importante incremento na
média de anos de estudo da população que, em 1999, era de 5,8 e, em 2004,
passou a 6,6 para as pessoas de 10 anos ou mais, segundo dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD/IBGE, apresentados na tabela 8 a
seguir.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
ANO
1999.
2000.
2002.
2003.
2004.
Total (1)
5,8
6,1
6,3
6,5
6,6
118
Grupos de idade
10 a 14
3,7
3,9
4,0
4,1
4,1
15 a 17 anos 18 ou 19 anos 20 a 24 anos 25 anos ou mais
6,3
6,6
6,8
7,0
7,1
7,4
7,9
8,1
8,2
8,4
7,5
8,0
8,3
8,6
8,8
5,8
6,0
6,2
6,3
6,5
Tabela 8 - Número Médio de Anos de Estudo das Pessoas de 10 anos ou mais de Idade
1999/2004 – Brasil.
Fonte: IBGE/PNAD - 1999/2004.
Nota: Exclusive as pessoas da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
(1) Inclusive as pessoas com idade ignorada.
Porém, apesar dos avanços ocorridos, há ainda graves problemas na área da
educação, conforme apontado pelos indicadores de rendimento e movimentação
escolar. Uma questão relevante diz respeito ao fluxo escolar, que faz com que os
alunos fiquem na escola mais tempo que o necessário.
No ensino fundamental, objeto de nosso estudo, os dados do Inep/MEC apontam
que essa ainda é uma questão a ser solucionada, pois os alunos ficam em média 8,5
anos51 nessas séries e quando chegam a concluir o ensino fundamental, o fazem em
10 anos, em média, como mostra a tabela 9 a seguir (ARAÚJO e LUZIO, 2005).
Tabela 9 – Tempo médio de anos de estudo para conclusão do Ensino Fundamental no Brasil e
Regiões – 1995-2004
Fonte: Inep/MEC – 1995-2004.
51 Dados do Inep/Mec, obtidos na página: http://www.edudatabrasil.inep.gov.br/.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
119
Essa questão está ligada aos indicadores de rendimento52 dos sistemas de ensino,
em especial à repetência. Analisando os dados específicos das redes de ensino
municipal no Brasil, percebe-se que a reprovação é ainda um problema a se
resolver.
Brasil e
Regiões
1999
2001
2003
2004
Aprovação Reprovação Abandono Aprovação Reprovação Abandono Aprovação Reprovação Abandono Aprovação Reprovação Abandono
Brasil
74,6
13,1
12,3
76,2
13,2
10,6
76,7
14,0
9,3
75,4
15,0
9,6
Norte
65,3
16,3
18,4
67,8
16,6
15,6
69,8
17,0
13,2
67,7
17,8
14,5
Nordeste
68,1
15,8
16,1
69,7
16,0
14,3
69,5
16,9
13,6
67,4
18,3
14,3
Sudeste
84,6
8,8
6,6
86,0
8,8
5,2
86,1
10,0
3,9
85,6
10,6
3,8
Sul
84,9
11,1
4,0
85,8
10,9
3,3
86,7
11,0
2,3
85,5
12,4
2,1
Centro-Oeste
72,5
11,7
15,8
75,8
11,9
12,3
77,5
12,3
10,2
77,8
12,7
9,5
Tabela 10 – Taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono nas Redes Municipais de Ensino
Fundamental no Brasil e Regiões - 1999-2004
Fonte: Inep/MEC – 1999-2004.
Os dados do Inep na tabela 10 mostram que a reprovação ainda atinge cerca de
15% dos alunos brasileiros nas redes municipais, sendo que essa taxa é próxima a
18% nas regiões Norte e Nordeste. A partir do gráfico 1 abaixo vê-se, em destaque,
que também a questão do abandono é um problema grave, pois em algumas regiões
do país, como a Norte e Nordeste, este atingiu mais de 14% dos alunos das redes
municipais, em 2004:
90,0
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
-
Aprovação
Reprovação
es
te
Su
l
Ce
nt
ro
-O
Su
de
s
te
e
No
rd
es
t
No
rte
Br
as
i
l
Abandono
Gráfico 1 – Taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono nas Redes Municipais – Brasil e
regiões – 2004.
Fonte: Elaboração da autora, a partir de Inep/MEC de 2004.
52 Taxa relativa à aprovação, reprovação e abandono.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
120
Segundo Araújo e Luzio (2005), há um enorme prejuízo com a ineficiência causada
pelo problema do fluxo escolar: prejuízo humano, com os jovens que não
conseguem se formar, e financeiro, com o desperdício de recursos causado tanto
pelo abandono, quanto pela reprovação escolar.
A reprovação também tem impacto nas taxas de escolarização do ensino
fundamental. Esse dado pode ser avaliado pela evolução da taxa de escolarização
líquida e bruta nas últimas décadas. A taxa bruta de escolarização é medida pela
razão entre a quantidade de alunos, independentemente de sua idade, e a faixa
etária esperada nesse nível de ensino; enquanto a taxa líquida considera apenas os
que estão na faixa etária esperada (Vasconcellos, 2004). A tabela 11, a seguir,
mostra a evolução nas taxas de escolarização bruta e líquida no ensino
fundamental, nos últimos anos, comparadas a 1980.
Brasil e
Regiões
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
1980
bruta
1991
líquida
98,3
80,1
88,4
89,7
106,1
98,5
103,0
69,9
69,1
89,2
84,3
80,1
bruta
105,8
99,9
96,0
111,4
110,2
118,6
1994
líquida
83,8
75,8
72,0
91,3
92,1
90,6
bruta
110,2
106,9
104,5
113,0
111,8
122,7
1998
líquida
87,5
81,5
77,3
94,4
93,8
92,0
1999
bruta líquida
128,1
133,6
147,4
134,5
124,0
140,6
95,3
90,4
90,0
97,4
96,2
93,9
bruta
130,5
139,2
142,2
122,5
117,9
136,5
2000
líquida
95,4
93,2
92,8
97,6
96,6
95,6
bruta líquida
126,7
123,7
141,2
119,8
112,0
132,4
94,3
90,4
92,8
96,1
95,6
94,1
Tabela 11 - Taxa de Escolarização Bruta e Líquida - Série Ensino Fundamental no Brasil e
Regiões - 1980/2000
Fonte: elaboração da autora, a partir dos dados do Inep/MEC – 1980/2000.
Como se vê pela tabela, a taxa de escolarização líquida teve um aumento importante
nesse período, passando de 80,1% em 1980, para 94,3% em 2000, o que significa
um aumento considerável do atendimento. Já a taxa bruta tem superado os 100% no
ensino fundamental, em todas as regiões, o que indica uma quantidade expressiva
de alunos fora da série indicada para sua idade. A discrepância entre as duas taxas
é muito alta, logo, este é um indicador de que parte dos alunos está atrasada,
freqüentando ainda uma série anterior relativamente à sua idade.
A distorção idade-série, isto é, o grande contingente de estudantes cursando séries
fora de sua idade ideal é um problema preocupante, agravado nas regiões mais
pobres do país. Segundo relatório do Inep/MEC (2003b), indicadores do Sistema de
Avaliação do Ensino Básico de 2001 apontam que na 4ª série do ensino
fundamental, por exemplo, cuja idade esperada é 10 anos, há uma defasagem na
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
121
região Nordeste de 58%, enquanto no Sul e Sudeste, esta cai para 25% e 32%
respectivamente. A partir do desempenho dos alunos, é possível perceber que,
quando há defasagem, a proficiência destes é sempre menor (MEC,2003 b).
Esse tipo de problema compromete a qualidade do ensino, colocando outro tema
importante: como tem evoluído o aprendizado escolar no Brasil. Para responder a
isso, é necessária uma avaliação dos testes de proficiência existentes no país.
2.3.3 Indicadores de qualidade do ensino
A importância da avaliação do ensino reside no fato de que esta gera medidas que
permitem verificar a efetividade ou não dos sistemas de ensino e quanto estes
contribuem para o processo evolutivo da educação no país. (ARAÚJO e LUZIO,
2005). Para os governos, como demonstrado no início deste capítulo, a avaliação é
crucial, pois indica se a direção adotada para o uso dos recursos públicos é correta e
se estes têm proporcionado ganhos de qualidade, constituindo-se como fase
fundamental do processo de orçamento e planejamento.
A partir da análise dos dados apresentados pelo Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica (Saeb), nos anos de 1995 a 2003 53 , é possível averiguar a
evolução no nível de aptidão dos alunos do ensino básico em português e em
matemática, o que nos permite ter uma idéia da evolução qualitativa do ensino no
país54.
A amostra de alunos utilizada nessa avaliação representa o universo dos sistemas
estaduais e municipais de ensino, além da rede particular de educação. Na
constituição da amostra, são analisadas algumas subpopulações, dentre as quais i)
4ª e 8ª séries do ensino fundamental e a 3ª do ensino médio; ii) Unidades da
Federação; iii) em cada unidade, as dependências administrativas; iv) localização da
53 O Saeb é um sistema de avaliação elaborado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas do Ministério da Educação – Inep/MEC , fundado na década de 30.
Desde 1990 é realizada a avaliação bianual do Saeb, sendo que a última data de novembro de 2003. A partir de 2005, passou a ser realizada a Prova Brasil,
cujo intuito é também avaliar os resultados do sistema, contudo, diferentemente do Sseb que é amostral, essa prova é realizada para todas os equipamentos
de ensino fundamental e médio do país.
54 Apesar do Saeb ter permitido a análise da evolução, no período de 1995 a 2003, dos ensinos fundamental e médio ofertados pelas três esferas de
governo e rede particular, nossa preocupação neste estudo é com a evolução do ensino fundamental ofertado pela rede pública municipal.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
122
escola, zona rural ou urbana e v) tamanho da escola, são sorteadas as turmas e os
alunos que farão os testes (ARAÚJO e LUZIO, 2005).
O principal objetivo do Saeb é apoiar as três esferas administrativas na formulação
de políticas de ensino adequadas à realidade brasileira e que busquem o
aprimoramento da qualidade. As informações coletadas permitem esclarecer as
virtudes e defeitos dos atuais sistemas e possibilitam pensar os ajustes necessários
para uma ação mais efetiva55.
A análise dos resultados nos testes de português e de matemática é realizada pelo
MEC a partir do enquadramento dos resultados em cinco categorias, construídas
com base no Saeb 2001, quais sejam: muito crítico, crítico, intermediário, adequado
e avançado. A categoria muito crítico, por exemplo, em português, para a 4ª série do
ensino fundamental, significa que o desempenho da criança não demonstra o
desenvolvimento da habilidade de leitura, ou seja, ela não foi alfabetizada de forma
adequada. Já o desempenho avançado reflete a situação de crianças com
habilidades além das esperadas para a 4ª série (MEC, 2003b).
As cinco categorias são utilizadas também para o desempenho em testes de
português dos alunos da 8ª série do ensino fundamental e da 3ª série do ensino
médio, assim como para os testes de matemática. O raciocínio é sempre o mesmo:
classificar aqueles alunos que não conseguem ter a habilidade mínima exigida para
a série e nível de ensino avaliado e identificar os demais desempenhos
gradualmente até o nível avançado.
Em suma, no que tange ao ensino fundamental, os resultados do Saeb de 2003
apontam uma situação complicada relativamente ao desempenho dos alunos da 4ª e
8ª séries. Os resultados coletados assinalam, por exemplo, que das crianças
cursando a 4ª série, 55% estavam concentradas nos estágios muito crítico e crítico
de proficiência em leitura, e 52% no mesmo estágio em matemática56. Cerca de 27%
dos alunos da 8ª série se apresentavam nos estágios crítico e muito crítico de
55
Portal do Inep: http://www.inep.gov.br/basica/saeb/default.asp.
56 Esse resultado piora para a região Nordeste, sendo então 75% das crianças incluídas nos estágios muito crítico e crítico para leitura e 69% em
matemática.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
123
construção de competências em língua portuguesa e mais de 57% estava na mesma
situação em matemática (ARAÚJO e LUZIO, 2005).
O significado de índices como o dos alunos da 4ª série do ensino fundamental é que
após anos de estudo, mais da metade se encontra em situação de risco
educacional, sem conseguir ler textos simples e nem efetuar problemas de soma ou
de subtração (op.cit).
A seguir, mostra-se mais detalhadamente a evolução do desempenho dos alunos do
ensino fundamental nos testes do Saeb de 1995 a 2003, em relação às médias
gerais do país e aos alunos das redes municipais de ensino, em português e
matemática.
2.3.3.1 Análise dos resultados em Língua Portuguesa
O próximo gráfico apresenta as médias de proficiência em Língua Portuguesa na 4ª
série do ensino fundamental. O valor mínimo esperado de pontos para 4 anos de
escolaridade é de 200. De 1995 a 2003, como se percebe, os resultados estiveram
abaixo dessa pontuação, sendo que, em 1995, atingiu-se o total de 188 pontos e,
em 2003, essa média baixou para 169 pontos.
Na análise de Araújo e Luzio (2005), houve um significativo aumento do hiato entre a
nota atingida e o mínimo necessário, o que mostra uma queda progressiva na
proficiência média. Essa piora é ainda mais grave para as redes municipais de
ensino que, em 1995, obtiveram uma média de 180 pontos, caindo para 161 em
2003.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
195
190
185
180
175
170
165
160
155
150
145
140
188
180
187
177
171
165
169
165
158
1995
124
1997
1999
2001
161
Brasil
Municípios
2003
Gráfico 2 – Média em Língua Portuguesa da 4ª série do ensino fundamental - Brasil e rede
municipal – 1995/2003.
Fonte: elaboração da autora, a partir dos dados do Saeb – Inep/MEC,1995-2003.
Para a 8ª série do nível fundamental, o resultado também foi muito parecido com o
da 4ª série, porém, o mínimo exigido no teste de proficiência são 300 pontos. Nesse
caso, também se verificou que, em todo o período analisado, o desempenho dos
estudantes mostrou-se abaixo do mínimo, com uma piora de 2003 em relação a
1995, sendo que se observa uma estabilidade na pontuação em relação a 1999. Nas
redes municipais de ensino, todavia, a queda é contínua, acumulando uma piora de
24 pontos ente 1995 e 2003, como se vê pelo gráfico a seguir:
260
250
256
247
250
242
240
233
230
235
229
232
223
220
Brasil
Municípios
210
200
1995
1997
1999
2001
2003
Gráfico 3 – Média em Língua Portuguesa da 8ª série do ensino fundamental - Brasil e rede
municipal – 1995/2003.
Fonte: elaboração da autora, a partir dos dados do Saeb – Inep/MEC, 1995-2003.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
125
Da análise dos resultados de proficiência em leitura, nota-se que as médias do Brasil
e principalmente da rede municipal de ensino fundamental estão abaixo do mínimo
necessário para uma escolarização de qualidade; além disso, na passagem do
primeiro para o segundo ciclo, a distância piora, aumentando o hiato em relação à
nota mínima e acumulando problemas que terão reflexo inclusive no ensino médio.
Isso coloca um importante destaque para a requalificação necessária do ensino
fundamental, pois o reflexo desta seria percebido em toda a escolarização básica.
2.3.3.2 Resultados em Matemática
Os testes de proficiência em Matemática também são aplicados na 4ª e 8ª séries do
ensino fundamental. Para a 4ª série, espera-se uma proficiência mínima de 200
pontos em matemática. Como se observa no gráfico abaixo, em todos os anos a
média brasileira é insatisfatória, havendo um aumento da distância de 10 pontos
para 23, entre 1995 e 2003.
195
190
191
191
182
182
185
180
175
181
175
170
176
177
Brasil
Municípios
168
168
165
160
155
1995
1997
1999
2001
2003
Gráfico 4 – Média em Matemática da 4ª série do ensino fundamental - Brasil e rede municipal –
1995/2003.
Fonte: elaboração da autora, a partir dos dados do Saeb – Ineo/MEC, 1995-2003.
Nas redes municipais, novamente, as médias são inferiores às nacionais, saindo de
um patamar de 182 pontos, em 1995; para 168 em 2003.
Já para a 8ª série do ensino fundamental, nos resultados dos testes de matemática,
apesar de apresentarem também em todos os anos resultados abaixo do mínimo de
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
126
300, que é a exigência para a série, houve um alargamento menos acentuado da
distância entre 1995 e 2003, sendo aumentada de 47 para 55 pontos. Contudo, há
que se ressaltar que a distância do mínimo nessa série é maior e mais preocupante
do que na 4ª, demonstrando o acúmulo do déficit de ensino, que se acentua em
matemática pela existência de uma série de pré-requisitos colocados aos alunos a
cada ano escolar. Nesse sentido, tem-se o mesmo problema para as redes
municipais de ensino, pois obtiveram média de 233 pontos, em 2003; contra a média
de 243, obtida em 2005.
255
253
250
250
246
245
243
243
240
239
245
240
Brasil
Municípios
235
235
233
230
225
220
1995
1997
1999
2001
2003
Gráfico 5 – Média em Matemática da 8ª série do ensino fundamental - Brasil e rede municipal –
1995/2003.
Fonte: elaboração da autora, a partir dos dados do Saeb Inep/MEC, 1995-2003.
2.3.4 Comparações internacionais
O Brasil participou em 2000 do Programa Internacional de Avaliação de Alunos
(PISA), cujo objetivo é avaliar conhecimentos e habilidades usados no cotidiano dos
estudantes.
Em sua primeira avaliação, que enfatizou a leitura, o Brasil ocupou as últimas
posições. Em 2003, houve pequenos avanços em matemática e em ciências, e
péssimos resultados em leitura. Essa ligeira melhoria obtida é atribuída à redução na
distorção idade-série.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
127
Os resultados da avaliação internacional são coerentes com a avaliação do Saeb. O
PISA é realizado por jovens de 15 anos, dos países membros da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e de alguns países convidados,
como o Brasil. Em 2000, foi realizada uma avaliação com 32 países e o Brasil ficou
em último lugar na prova de leitura (Vasconcellos, 2004).
2.3.5 Avaliando os resultados
Durante a década de 90, vivemos um processo de rearranjo institucional do ensino
fundamental no Brasil. Nesse processo, houve destaque para a participação dos
municípios que passaram a ser os agentes principais para a oferta desse nível de
ensino. Para isso, houve uma mudança significativa na repartição de recursos
públicos entre estados e municípios e alteração de atribuições, marcadas
principalmente pela aprovação da LDB e do Fundef, além da Emenda Constitucional
14/96.
Como demonstrado, isso trouxe um aumento significativo de receitas e despesas
municipais na área da educação e, especialmente, no ensino fundamental. Em
decorrência, foi possível no período de poucos anos aumentar sobremaneira o
atendimento no ensino fundamental, com um acréscimo expressivo de matriculas, o
qual permitiu praticamente a universalização desse nível de ensino.
No entanto, ao se analisar os indicadores educacionais e, em especial, os de
desempenho dos alunos, que buscam uma avaliação da qualidade dos sistemas de
ensino, vê-se que, apesar de alguma evolução nos indicadores de rendimento e de
movimentação escolar, houve uma considerável piora na qualidade do sistema,
conforme os desempenhos apurados no Saeb.
Os dados do Saeb demonstram que mais da metade dos alunos chegam à 4ª série
do ensino fundamental sem saber ler e escrever, e cerca de 90% dos alunos da 8ª,
não dominam os conteúdos mínimos exigidos em língua portuguesa. Tais
resultados, tanto dos testes de matemática, quanto dos de língua portuguesa,
mostram que a educação nacional no ensino fundamental não tem alcançado a meta
de promoção da eficiência e de eqüidade.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
128
Sabe-se, contudo, que o problema da qualidade de ensino no Brasil depende tanto
do sistema educacional como de condições econômicas, sociais e regionais do país.
A questão da qualidade do ensino é algo extremamente complexo, que sofre
influência de uma série de variáveis, não podendo ser relacionada a uma em
específico. Dessa forma, não é fácil explicar por que o sistema tem falhado em
promover um ensino de qualidade e, além disso, procurar solucionar a questão com
foco em uma única variável (MEC, 2003b e 2003e).
Segundo Fernandes e Natenzon (2003), essa piora na qualidade do ensino captada
pelos testes do Saeb é bastante controversa. Os autores argumentam que a
universalização ocorrida no período da análise mascara os resultados em função do
acesso ao sistema de um grande contingente de crianças mais pobres, com menor
nível de escolaridade, o que, conseqüentemente, puxa as médias para baixo57.O
trabalho dos dois autores busca analisar a evolução do ensino fundamental em anos
recentes, com uma metodologia diferente da utilizada pelo Saeb.
Na opinião deles, a queda nas médias apuradas nas avaliações do Saeb, de 1995 a
1999, pode refletir tanto mudanças do perfil dos alunos avaliados, como mudanças
das oportunidades que o sistema de ensino oferece. Isso pode envolver desde a
qualidade do ensino, quanto a infra-estrutura fornecida à educação.
Para que se busque uma avaliação mais precisa, é importante, para os autores,
identificar mudanças na qualidade do sistema de ensino; procurar, durante a
avaliação, comparar diferentes gerações e não o desempenho de determinadas
séries em anos distintos. Segundo eles, com esse método seria possível comparar
crianças de diferentes gerações na mesma idade e ver como se deu seu
desempenho ao longo do tempo.
Com o objetivo de comparar o desempenho escolar entre gerações sucessivas, os
autores, a partir dos dados das PNAD’s dos respectivos anos e dos dados do Saeb,
constroem novas tabelas de pontuações, considerando gerações de alunos e não
séries; restringindo a análise à 4ª série do ensino fundamental. O resultado
57 O trabalho desses autores é baseado nas avaliações do Saeb de 1995, 1997 e 1999; não considerando, portanto, as duas últimas avaliações realizadas.
Por ser colocado um enfoque metodológico diferente do utilizado pelo Saeb para avaliar a evolução dos estudantes, considerou-se importante sua
contribuição para este trabalho.
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
129
alcançado com essa mudança de método foi de uma pequena melhora no
rendimento escolar das gerações mais novas.
Segundo Fernandez e Natezon (2003), não é possível, por meio dessa pesquisa,
afirmar que essa melhora está ligada a um aumento de qualidade dos serviços
educacionais disponíveis; por outro lado, eles acreditam que a melhoria no
aprendizado, observada na análise geracional, é influenciada pela redução ocorrida
no atraso escolar dos alunos58.
Os resultados alcançados pelos autores mostram a importância de se considerar, na
análise de qualidade, o novo contingente de alunos que ingressou no sistema de
ensino fundamental, principalmente entre 1998 e 2000. Esse contingente, resultante
da maciça universalização, coloca novas questões para a dinâmica do sistema de
ensino fundamental, principalmente o municipal. Contudo, a reiterada queda nas
médias dos testes de 2001 e 2003 e, mais recentemente, os resultados da Prova
Brasil59 demonstram que há outros problemas no sistema de ensino fundamental,
para além do nível socioeconômico e de escolaridade dos alunos ingressantes no
final da década de 90.
Essa situação deixa patente que ainda se está longe de alcançar um nível adequado
de qualidade de ensino fundamental. Há um baixo nível de aprendizado dos alunos
brasileiros, bastante evidenciado pelas comparações internacionais, além de uma
crítica desigualdade regional desse aprendizado.
Segundo os relatórios do MEC (2003b e 2003e), os estudantes com desempenho
abaixo do esperado, muitas vezes, estudam em escolas com péssimas condições de
ensino, sem laboratórios, sem bibliotecas, com um corpo docente mal remunerado e
não devidamente capacitado. A partir disso, pode-se imaginar que a solução do
problema passa pelo aumento mais intenso no volume de recursos destinados ao
ensino fundamental, de forma a melhorar a estrutura física e humana do sistema de
58
Esse redução no atraso escolar é devida, segundo os autores, à adoção da progressão automática
pelas redes de ensino.
59 A Prova Brasil é uma avaliação que compõe o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e é desenvolvida e realizada pelo Inep, sendo
mais extensa que os testes realizados pelo Saeb de 1995 a 2003. Seu objetivo é mapear o ensino oferecido por município e escola, de todo país,
individualmente, com o intuito de auxiliar a tomada de decisão das esferas públicas sobre a implantação de políticas e o direcionamento de recursos
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
130
ensino. Isso levaria a questionar se a mudança na repartição dos recursos para a
oferta do ensino fundamental a partir do Fundef foi insuficiente, ainda que, conforme
exposto, tenha sido significativa para garantir que esse ensino fosse oferecido com
qualidade.
Partindo desse pressuposto, chegar-se-ía à conclusão de que o aumento reiterado
de recursos para os municípios, vinculado à oferta de ensino fundamental, levaria
conseqüentemente à melhoria contínua do sistema e do desempenho dos alunos.
Porém, essa aposta não necessariamente é correta. Os dados aqui evidenciados
mostram que, apesar do aumento já ocorrido na vinculação de despesas com o
ensino fundamental, a proficiência das crianças piorou. Ainda que se considere o
argumento de que o contingente recém-ingressado de crianças tem um nível
socioeconômico mais baixo que reduz dessa forma o desempenho, as médias dos
alunos avaliados pelo Saeb, em 2001 e 2003, após estabilização e queda do número
de matrículas, mostram que houve inflexão significativa nas curvas de desempenho,
apesar do maior fluxo de recursos. Evidentemente, é possível argumentar que o
tempo decorrido não foi suficiente para o ajuste do sistema. Contudo, algumas
pesquisas econométricas realizadas recentemente com dados do Saeb e da Prova
Brasil fazem crer que os recursos financeiros não são o único problema na busca de
eficiência do sistema.
O trabalho realizado por Menezes (2006), busca apontar que o desempenho dos
alunos na Prova Brasil de 2005, comparado aos gastos com o ensino fundamental
dos municípios brasileiros, permite perceber que não há correlação automática entre
gastos e qualidade de ensino. A análise do autor mostra que os resultados mais
elevados no teste de português não estão necessariamente ligados a maiores
gastos por aluno no ensino fundamental.
A grande questão que se coloca é por que o aumento de recursos do sistema de
ensino fundamental não leva a uma melhoria do desempenho? Conforme já
apresentado, acredita-se que para responder a esta pergunta é necessário
técnicos e financeiros, assim como a comunidade escolar no estabelecimento de metas e ações pedagógicas e administrativas, visando à melhoria da
qualidade do ensino. A primeira edição da Prova Brasil foi feita em 2005 (http://www.inep.gov.br/basica/saeb/prova_brasil/).
Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental
131
investigar a existência nos sistemas municipais de ensino fundamental de
importantes falhas institucionais, relativas ao seu financiamento, quer nas regras
formais de gasto com educação, quer nas estruturas de governança das
organizações municipais de ensino, que contribuem para a ineficiência do sistema.
A partir dessas constatações, nos próximos capítulos, serão discutidas as falhas
existentes no atual arranjo institucional do financiamento do ensino fundamental
público e na própria construção de políticas públicas, que dificultam a busca de
eficiência do sistema de ensino e, por conseqüência, sua qualidade, para além das
questões financeiras.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
132
Capítulo 3 - Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino
Fundamental nos Municípios
No Capítulo 2, foram descritas as regras formais que regem as políticas públicas do
ensino fundamental no Brasil. A eficácia e eficiência dessas regras dependem,
contudo, de sua aderência ou disjunção (Gonçalves, 2006) ao arcabouço cultural e
social dos agentes, que constituem as regras informais, como apontado por Azevedo
(2000), e dependem também da estrutura de governança do ensino fundamental.
Neste capítulo, buscar-se-à, então, analisar esses elementos da análise institucional
que condicionam o êxito da aplicação das regras formais às políticas públicas
voltadas ao ensino fundamental, isto é, a estrutura de governança presente nos
municípios e as regras informais existentes e/ou adotadas nessas administrações.
3.1 Estrutura de governança do ensino fundamental nos municípios: os atores
Assim como descrito no modelo teórico apresentado no primeiro capítulo desta tese,
nos interessa conhecer na estrutura de governança estabelecida nos municípios,
para a organização do ensino fundamental, os principais atores responsáveis pelas
transações decorrentes das políticas públicas de ensino fundamental. Nesse
sentido, buscaremos apresentar características socioeconômicas e motivações
políticas dos quatro principais atores considerados no modelo: poder executivo,
burocracia estatal, poder legislativo e sociedade civil60.
3.1.1. Poder Executivo
O poder executivo municipal é representado pela figura política do prefeito e, ele,
juntamente com o dirigente municipal da educação, isto é, o secretário de educação
têm a incumbência de planejar e implementar as políticas públicas de ensino
fundamental no município, em atendimento às regras institucionais existentes.
60
Conforme ressaltado na seção 1.4.4, é possível considerar que os poderes executivos das esferas
federal e estaduais são também atores importantes na construção da estrutura de governança do
ensino fundamental nos municípios. No entanto, para facilitar a análise, trataremos da interrelação
entre as esferas federativas no capítulo 4.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
133
Partindo do arcabouço teórico dos custos de transação, sabe-se que o chefe do
poder executivo age combinando sua racionalidade limitada e o oportunismo, e que
sua principal variável motivadora é a reeleição ou, ao menos, a garantia de
continuidade política pessoal ou partidária (FRANT, 1996). Dessa forma, vale fazer
aqui algumas caracterizações sobre as prerrogativas do poder executivo local que
nos permitirão melhor visualizar a estrutura de governança do ensino fundamental
nos municípios.
Nesse sentido, é importante pontuar que o poder executivo local, no Brasil, a
exemplo do que ocorre nas demais esferas de poder, mantém uma supremacia
inegável perante o poder legislativo, dentro do estabelecido pela Constituição
Federal e pelas Leis Orgânicas Municipais, que lhe permite governar e decidir a
alocação dos recursos de forma bastante imperativa.
Isso acontece, na visão de Figueiredo e Limongi (2001), porque ao mesmo tempo
em que a Constituição Federal possibilitou a retomada de poderes retirados do
legislativo no período militar, manteve prerrogativas legislativas ao executivo. Essas
prerrogativas, segundo Fiorilo (2006), seriam a possibilidade de legislar por meio de
decretos e portarias 61 ; além do poder de vetar parcial ou totalmente projetos
aprovados pelo legislativo; do poder de agenda, que são as prerrogativas exclusivas
do executivo para dar início à discussão de determinado projeto de lei e ainda
solicitar, se assim interessar, pedido de urgência em sua tramitação.
Com essas prerrogativas legislativas, o executivo mantém vantagens comparativas
na determinação do jogo político local relativamente ao poder legislativo. É evidente,
contudo, que continua a depender da aprovação parlamentar para seus projetos e,
desse modo, o parlamento transforma-se, nas palavras de Fiorilo, (2006, p.50) “(...)
num espaço para a busca de coalizões majoritárias ou para negociações pontuais,
principalmente para garantir a harmonia entre os poderes”. Nesse jogo, o que
importa, tanto aos vereadores quanto ao chefe do poder executivo, é sem dúvida a
manutenção do poder e da carreira política de cada um, seja pela reeleição ou outra
forma de inserção política.
61 No caso do poder executivo federal, há ainda a possibilidade de utilização de Medidas Provisórias.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
134
Em relação ao poder executivo local, tem grande importância o estudo de Mendes e
Rocha (2004), em que se analisam quais são os principais fatores associados à
reeleição de prefeitos nos municípios brasileiros62. Segundo os autores, o prefeito é
o principal gerente dos serviços públicos locais e seu desempenho, no que se refere
aos problemas de infra-estrutura urbana, bem como aos serviços de educação, são
mais facilmente observados pelos eleitores do que as ações do Presidente da
República.
Mendes e Rocha (2004) apresentam quatro conclusões importantes. A primeira
delas afirma que o desempenho dos prefeitos é, na maioria dos casos, apenas
parcialmente percebido pelos eleitores, assim, a influência de seu desempenho nos
resultados do pleito municipal tende a ser reduzida. Variáveis relacionadas a fatos
amplamente divulgados pela mídia, como escândalos de corrupção ou o
reconhecimento pela imprensa de uma boa gestão, são significantemente relevantes
para reeleição. Contudo, há um monitoramento parcial do desempenho dos prefeitos
no setor educacional, por exemplo. Tais variáveis não estão correlacionadas
diretamente com o resultado eleitoral ou impactam apenas as chances do prefeito
em se candidatar novamente, com menor efeito sobre a reeleição.
A segunda questão relevante trazida à tona pelo estudo é que existe uma correlação
importante entre a expansão das despesas municipais e as chances de reeleição de
um prefeito. Essa correlação é positiva para a taxa de crescimento das despesas
municipais e também para a expansão das transferências intergovernamentais para
o município, ou seja, o eleitorado valoriza o prefeito que consegue dinamizar e
ampliar as disponibilidades financeiras, a partir de um bom entrosamento,
principalmente com o Presidente da República.
As duas conclusões seguintes estão associadas às primeiras. Isso porque os
autores mostram que prefeitos de municípios recém-criados têm mais chance de
reeleição do que a média. O que provavelmente está associado ao fato de que,
nesses municípios, ao mesmo tempo em que não há dívidas acumuladas, há um
montante já determinado de transferências garantidas para o gasto municipal.
62 Mendes e Rocha (2004) trabalharam dados de 5360 dos 5561 municípios brasileiros, estimando um modelo de escolha binária com seleção e um modelo
tradicional de seleção de Heckman (1979).
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
135
Por fim, o estudo constata que nas regiões Norte e Nordeste há um padrão
diferenciado de postura do eleitorado para a reeleição municipal, em comparação às
regiões Sul e Sudeste. Nas primeiras, a influência do Presidente da República para
a determinação do prefeito é preponderante e o impacto de escândalos envolvendo
o chefe do executivo local tem menor influência para que seja punido eleitoralmente.
Já nas regiões Sul e Sudeste, há uma punição maior de candidatos acusados de
crimes e, também, é menor a importância dada ao peso do Presidente para a
determinação da reeleição (MENDES e ROCHA, 2004).
A partir das conclusões da pesquisa de Mendes e Rocha (2004) e considerando as
regras formais do ensino fundamental, é possível que parte significativa dos prefeitos
busque em seus governos gastar os recursos disponíveis para o ensino, de tal forma
que isso lhes traga dividendos políticos em primeira instância. Com isso, a
preocupação com o ajuste da qualidade do sistema será menor, visto que esta tende
a ser apenas parcialmente controlada pela população. Dessa forma, pode-se inferir
que programas de impacto na educação, que possam chamar a atenção da mídia e
da sociedade civil, são importantes instrumentos no processo de reeleição de um
prefeito.
Nesse processo, a educação, enquanto área concentradora da maior parte dos
recursos municipais, é também indutora de muitos incentivos políticos para o
prefeito, pois a expansão dos gastos municipais está correlacionada à maior ou
menor possibilidade de reeleição e, apesar de todo o regramento existente para o
ensino fundamental, dependendo da forma de gestão dos recursos e do
posicionamento de outros atores importantes, como o poder legislativo e os
Conselhos Municipais de Educação e do Fundef, é possível que tais recursos sejam
utilizados mais em função do oportunismo político dos agentes do que dos
interesses e necessidades da população.
Por isso, é de fundamental importância a escolha do Dirigente Municipal da
Educação pelo prefeito, pois é uma peça-chave tanto para o prefeito, quanto para a
execução de uma política educacional que almeje a busca da qualidade de ensino
fundamental.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
136
3.1.2 Dirigentes municipais e burocracia da educação
A análise do perfil dos Dirigentes Municipais de Educação (DME) é indispensável
para o entendimento da estrutura de governança da educação nos municípios e da
eficiência e eficácia da gestão municipal da educação. Como vimos, as regras
formais do ensino dão ao município prerrogativas e responsabilidades que impõem
para sua execução a presença local de gestores qualificados para a condução da
política municipal de educação.
Em função da compreensão desse fato e preocupados com o ajuste dos municípios
ao processo de municipalização, a Undime (União dos Dirigentes Municipais de
Educação) 63 e a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura), resolveram realizar uma pesquisa - publicada em 2000, sobre o
perfil desses dirigentes nos diversos municípios brasileiros - cujos principais pontos
serão aqui utilizados para a caracterização desse ator, DME.
A pesquisa inicialmente abrangeu a totalidade dos municípios brasileiros, por meio
de questionários; havendo, contudo, o retorno de 1.973 municípios, o que representa
uma amostra significativa de 35% do total (WAISELFISZ e SILVA, 2000).
Os dados recolhidos revelam informações bastante interessantes sobre os DME.
Cerca de dois terços deles, ou seja, 68,4%, são mulheres, com idade próxima aos
40 anos e, aproximadamente, 81% têm nível superior de escolaridade. Com relação
a esse aspecto, Waiselfisz e Silva (2000) salientam que o nível de escolaridade dos
DME estava ainda abaixo do mínimo exigido, visto que cerca de 19% deles não
possuía nível universitário. Quanto às áreas de formação dos dirigentes, existe uma
forte concentração em educação e pedagogia, assim como a especialização,
quando realizada, também em mais de 71%, é voltada para a mesma, em especial
no campo da didática, seguido da administração educacional.
A partir dos dados de escolaridade dos DME, os autores avaliam que “não há uma
preocupação efetiva em imprimir-se um caráter mais técnico e científico à gestão
63 A Undime foi criada a partir do 1º. Encontro Nacional de Dirigentes Metropolitanos de Educação em 1986. Desse encontro foi assinada a Carta de Recife
onde assumiu-se o objetivo de congregar os dirigentes municipais de ensino de todo o Brasil, bem como promover o processo de descentralização da
eduação brasileira. Além disso, a Undime tem como principal objetivo, a formulação coletiva de políticas educacionais. (WAISELFISZ, 2000).
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
137
das políticas públicas educacionais de base local” (WAISELFISZ e SILVA, 2000, p.
66). Eles consideram que há a necessidade de mudança na política de acesso ao
cargo de DME, com a busca da universalização da formação universitária. Além
disso, chamam atenção para a importância de criação de programas permanentes
de apoio à capacitação técnica dos DME, visto que as funções de gestão do sistema
municipal de ensino são mais complexas e abrangentes do que o trabalho
acadêmico e o dia-a-dia de uma unidade escolar. Essa questão fica evidente quando
lembramos que o secretário é o gestor dos recursos do Fundef e também daqueles
resultantes da vinculação constitucional para educação, devendo elaborar, planejar,
executar e avaliar os Planos Municipais de Ensino, o PPA, a LDO e a LOA, com
referência à educação.
No tocante ao preparo para o cargo, é relevante a informação de que cerca de 60%
desses dirigentes exerciam o cargo pela primeira vez; dos 40% que haviam exercido
o cargo antes, a maioria tinha sido na própria secretaria de educação. A
remuneração dos DME é bastante heterogênea entre os diversos municípios, como
mostra a tabela 12 a seguir; o que implicava uma média de R$ 1.069,36 em 2000.
Outra informação importante, é que a remuneração desses dirigentes tinha pouca
correlação com o tamanho do município ou com a dimensão da rede escolar, ou
mesmo pela escolaridade dos DME. A partir da investigação dos pesquisadores,
verificou-se que a correlação mais significativa (r=0,74) do salário dos DME, era com
o dos vereadores do município.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
138
no.
Faixa
%
até R$ 399,99
117
6,2%
de R$ 400,00 até R$ 699,99
522
27,4%
de R$ 700,00 até R$ 999,99
441
23,2%
de R$ 1.000,00 até R$ 1.499,99
472
24,8%
de R$ 1.500,00 até R$ 1.999,99
186
9,8%
de R$ 2.000,00 até R$ 2.999,99
97
5,1%
de R$ 3.000,00 até R$ 4.999,99
58
3,0%
mais de R$ 5.000,00
9
0,5%
Total
1.902
100,0%
Tabela 12 - Faixas de remuneração dos DME
Fonte: WAISELFISZ e SILVA (2000)
A grande variação salarial encontrada demonstra a inexistência, até o momento da
pesquisa, de uma identidade profissional dos DME, o que, no entender de Waiselfisz
e Silva (2000), está bastante associada à quantidade de administrações municipais
(são mais de 5.500); à elevada heterogeneidade regional em diversos aspectos, não
só econômico, como político e social, o que implica que a importância dada ao cargo
dependerá do estágio de desenvolvimento do município e, por fim, às questões
conjunturais, ligadas aos mandatos políticos mais do que a referências profissionais
exigidas para o cargo.
Essa avaliação é coerente com o nível de exigência técnica e acadêmica necessária
para o cargo, requisito que conta com um grau de priorização menor, em boa parte
das administrações, principalmente de pequenos municípios, do que os fatores de
ordem política, de fidelidade pessoal ou de vinculação familiar, por exemplo
(WAISELFISZ e SILVA, 2000).
Nesse sentido, a dimensão política do cargo dos DME ganha um destaque
importante. A pesquisa revelou que existe uma grande e importante associação da
filiação partidária com a definição do cargo de secretario da Educação, visto que
62,4% dos DME pesquisados são filiados a partidos políticos e, destes, 83,8%
pertencem a um partido que compõe a base política do governo numa coalizão ou
são do partido que governa diretamente o município. Dos filiados, apenas 11%
haviam mudado de partido nos últimos três anos, com o objetivo de passar a integrar
partidos da base governamental. Esse fato traz à baila uma questão importante
ligada ao cargo de DME, visto que este é fruto de uma indicação política, mais do
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
139
que uma prerrogativa de preenchimento técnico, no sentido apontado pelos dados;
isso mostra que, apesar de toda as regras institucionais criadas para vinculação de
recursos e determinação de gastos em educação, não é possível tornar esta área
isenta da política, isto é, como qualquer outra secretaria de governo, a pasta está
sujeita às definições de natureza política.
Dos partidos indicados, ressalte-se a participação do PMDB, com 24,3% das
filiações; o PSDB, com 18,3%; o PFL, com 17,4% e o PPB, com 10,6%, todos,
partidos de grande representação congressual e nacional naquele momento
(WAISELFISZ e SILVA, 2000). Esses dados reforçam a forte dimensão política do
cargo e apontam para uma provável associação das definições nacionais na
construção da institucionalidade local.
Se de fato a associação política entre as esferas de maior poder existe, isso pode
ser um obstáculo à construção de novas formas de gestão local, que busquem a
integração de novos atores,
maior participação da comunidade escolar e do
espectro da sociedade civil que tenha relevância para o ensino. A construção da
institucionalidade local não pode ser apenas uma imposição de cima para baixo,
antes, deve vir da caracterização local e passar por uma construção cooperativa do
sistema de ensino, como é previsto na Constituição.
Na opinião de Waiselfisz e Silva (2000) a pesquisa mostra que os DME, em sua
maioria, estavam amplamente vinculados à política partidária local, estadual ou
nacional. Assim, segundo os autores, ainda que, em sua avaliação pessoal, os
dirigentes pudessem discordar da forma de gestão predominante, isso representaria
mais uma tensão cotidiana e uma instabilidade para a secretaria do que uma
possibilidade real de implantação de práticas inovadoras de administração, se não
estivessem ao menos sendo compartilhadas pelos prefeitos.
No que tange à organização do corpo gestor das secretarias municipais de ensino, a
tabela 13, a seguir, revela que mais de 2/3 dos diretores das unidades escolares
ainda eram indicados nos municípios à época da pesquisa, sendo apenas 7,1%
deles eleitos pela comunidade; 2,9%; eleitos por colegiado e 12,6%, por concurso.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
UF e Regiões
Acre
Amazonas
Amapá
Pará
Rondônia
Roraima
Tocantins
NORTE
Alagoas
Bahia
Ceará
Maranhão
Paraíba
Pernambuco
Piauí
Rio Grande do Norte
Sergipe
NORDESTE
Espírito Santo
Minas Gerais
Rio de Janeiro
São Paulo
SUDESTE
Paraná
Rio Grande do Sul
Santa Catarina
SUL
Goiás
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso
CENTRO-OESTE
BRASIL
concurso
0,0
10,0
0,0
21,3
4,4
0,0
13,1
11,8
27,7
12,3
15,2
30,0
9,9
11,7
13,8
5,3
0,7
13,0
0,0
6,8
8,0
21,0
12,9
10,1
15,9
8,9
12,7
14,6
0,0
12,6
10,6
12,6
eleição
eleição concurso indicação
comunidade colegiado eleição
33,3
14,1
0,0
9,9
11,1
0,0
2,4
9,1
3,8
2,1
2,6
3,6
3,3
1,5
3,5
0,0
0,8
2,2
7,5
14,0
10,5
1,4
7,7
16,6
11,3
3,0
11,8
2,4
19,7
14,0
9,5
7,1
0,0
0,0
10,0
4,0
0,0
0,0
0,0
1,1
0,0
2,2
1,3
0,0
0,0
0,7
0,0
0,0
0,2
0,8
8,3
2,5
6,0
5,2
4,3
5,1
4,7
3,0
4,6
1,4
1,7
7,8
3,2
2,9
0,0
0,0
0,0
5,9
0,0
0,0
0,0
1,4
10,8
2,5
1,0
2,6
3,4
1,0
0,0
0,0
3,5
2,2
16,2
7,8
7,8
2,4
5,8
12,4
9,0
1,5
8,9
7,5
5,7
11,6
8,1
5,4
66,7
75,9
90,0
54,8
84,4
100,0
80,9
74,2
57,7
76,4
77,9
60,5
80,0
82,3
80,2
92,8
92,3
78,8
63,8
63,9
60,2
61,8
62,8
51,5
57,1
80,1
58,9
71,6
69,7
53,0
66,4
68,0
outros
140
total
0,0
0,0
0,0
4,2
0,0
0,0
3,6
2,3
0,0
4,5
2,0
3,3
3,4
2,7
2,5
1,9
2,5
3,0
4,2
4,9
7,5
8,2
6,5
4,4
1,9
3,5
3,0
2,4
3,1
1,0
2,2
3,8
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Tabela 13 - Mecanismos de seleção de diretor das escolas municipais, por UF e Região
Fonte: WAISELFISZ e SILVA (2000).
Com referência ao corpo docente,
a tabela 14 a seguir mostra que 2/3 dos
professores da rede, isto é, 62,4%, eram estatutários; 16,6%, celetistas e 17,3%,
tinham contrato temporário. Existem regiões onde os celetistas têm uma expressão
mais relevante, porém, com exceção dos municípios do Acre e do Piauí, na maioria
o percentual de estatutários supera o de professores celetistas (WAISELFISZ e
SILVA, 2000). O grande percentual de professores concursados é certamente uma
decorrência das exigências colocadas pela LDB e pela própria legislação do Fundef.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
UF e Regiões
Acre
Amazonas
Amapá
Pará
Rondônia
Roraima
Tocantins
NORTE
Alagoas
Bahia
Ceará
Maranhão
Paraíba
Pernambuco
Piauí
Rio Grande do Norte
Sergipe
NORDESTE
Espírito Santo
Minas Gerais
Rio de Janeiro
São Paulo
SUDESTE
Paraná
Rio Grande do Sul
Santa Catarina
SUL
Goiás
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso
CENTRO-OESTE
BRASIL
estatutário
33,3
50,3
100,0
45,8
66,7
33,3
54,8
51,9
60,1
47,9
46,8
64,9
73,0
77,4
38,3
74,8
59,4
59,2
51,4
60,5
64,2
45,8
53,5
83,4
76,4
54,4
74,4
79,9
69,2
62,1
73,4
62,4
CLT
57,5
4,1
0,0
7,1
18,2
0,0
6,5
10,8
25,6
20,2
32,9
7,9
17,4
6,0
40,6
8,0
19,0
19,2
14,4
9,5
23,8
38,6
23,7
9,9
13,5
14,9
12,5
0,7
4,1
0,1
1,3
16,7
contrato
sem
temporário contrato
9,2
37,5
0,0
39,4
15,1
0,0
37,6
31,6
13,3
24,5
15,4
24,9
7,5
9,4
17,3
15,6
6,1
16,5
32,0
26,3
12,0
12,9
19,8
3,5
8,7
29,5
11,1
14,9
23,9
34,5
21,5
17,3
0,0
8,1
0,0
4,5
0,0
33,3
0,6
3,8
0,3
3,8
2,3
1,9
0,8
0,8
1,3
0,2
2,5
1,8
0,0
0,1
0,0
0,0
0,1
0,0
0,0
0,3
0,1
1,5
0,0
0,0
0,8
0,9
outros
0,0
0,0
0,0
3,2
0,0
33,3
0,5
2,0
0,7
3,6
2,6
0,5
1,3
6,4
2,5
1,5
13,0
3,2
2,2
3,6
0,0
2,6
2,9
3,2
1,4
1,0
1,9
3,0
2,8
3,3
3,0
2,7
total
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
141
No. de
casos da
amostra
6
16
1
19
11
3
33
89
29
148
52
40
72
70
55
65
23
554
25
212
25
216
478
145
200
86
431
93
34
41
168
1720
Tabela 14 - Situação dos professores da rede municipal por UF e região.
Fonte: WAISELFISZ e SILVA, 2000.
Essas informações são relevantes na construção de uma prática de gestão mais
centralizada do que participativa e a constituição do corpo burocrático sob fortes
bases estatutárias revela também a tendência à associação profissional e
corporativista nos moldes apresentados por Dixit (2002), no capítulo 1.
Com relação à forma de gestão das secretarias municipais de ensino, a pesquisa
traz ainda outras informações interessantes, no sentido da pouca prevalência da
gestão participativa. Os dados coletados com referência ao eixo de gestão
demonstraram que 26,6% dos dirigentes adotam um eixo eficientista; seguido por
outro que enfoca a autonomia escolar, adotado por 25% dos dirigentes, e apenas
4,2% dos pesquisados escolhem como eixo, a gestão participativa; o restante DME
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
142
adota mais de um eixo de gestão. Na análise dos dirigentes sobre os valores de
gestão mais importantes em sua visão, apareceram predominantemente a
organização administrativa eficiente, a melhoria da qualidade do ensino e a
autonomia administrativa das escolas.
Waiselfisz e Silva (2000) percebem uma incoerência nas respostas dos dirigentes
sobre os eixos de gestão escolhidos e seus valores principais, ao apontar uma
preocupação dos DME em buscar administração eficiente e autonomia escolar sem,
contudo, adotar preceitos de gestão participativa. Os autores atribuem esta
incoerência à correlação dos dirigentes a um ambiente político ideológico não afeito
a práticas participativas, ao mesmo tempo em que colocam projetos inovadores na
área educacional, com o intuito de dar autonomia às escolas. Consideramos,
contudo, que esses projetos inovadores, apesar de existirem em várias
municipalidades nas últimas gestões, são em grande parte fruto das políticas do
FNDE/MEC, que visam dar à unidade escolar uma nova dimensão financeira e
administrativa, por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE, por
exemplo, mais do que por iniciativas da própria administração municipal.
A análise da opinião dos DME traz outra caracterização relevante para seu perfil: ao
serem questionados sobre os principais problemas do ensino no município, eles
apontam três grandes: a insuficiência financeira, o despreparo dos professores e a
baixa aprendizagem dos alunos. Essas questões, apesar de serem mencionadas em
municípios de todo Brasil, atingem sobretudo as regiões Norte e Nordeste
(WAISELFISZ e SILVA, 2000).
É importante ressalvar que os dados apontam um consenso entre os dirigentes ao
reconhecerem a existência de uma insuficiência financeira na área, a qual dificulta a
administração e o ganho de qualidade no sistema. Essa visão é interessante, pois,
conforme apresentado no capítulo 2, apesar da alteração no volume de recursos
reservados para educação municipal, a partir de fins da década de 1990, pouco
impacto houve sobre os indicadores da melhoria da qualidade de ensino. Sem
discutir se a quantidade de recursos destinada à educação é suficiente ou não para
a estruturação de um sistema de ensino fundamental de qualidade, não se pode
deixar de reconhecer que dentre as diversas áreas de atuação municipal é a esta
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
143
que se reserva o maior percentual de recursos, conforme definido na Constituição
Federal. Em função disso, cabem algumas indagações: até que ponto o DME tem
total noção dos recursos reservados ao ensino em seu município? O DME tem real
autonomia para administrar esses recursos? Esses dirigentes estão efetivamente
capacitados para essa administração, que em sua opinião deve ser eficientista?
Nesse sentido, segundo Waiselfisz e Silva (2000), a pesquisa revela que era muito
pequeno o número de dirigentes que possuía autonomia administrativo-financeira
para gestão dos recursos da educação, inclusive o Fundef; apesar de a legislação
assegurar a eles essa prerrogativa. Na opinião dos autores:
“Aqui, como de resto em outros programas da administração pública,
vive-se a duplicidade de papéis na gestão das políticas públicas, ou
seja, a permanente alternância entre o real e o formal. Dadas as
diferenças socioculturais e políticas entre as regiões, é possível
encontrar municípios em que os dirigentes educacionais apenas
cumprem papéis formais na gestão orçamentária e financeira dos
recursos vinculados ao Fundef e à educação globalmente, quando
muito assinando papéis para efeitos legais, praticamente sem
qualquer poder decisório sobre o destino daqueles recursos”
(WAISELFISZ e SILVA, 2000, p.78).
Nas localidades onde isso acontece, o DME torna-se, assim, uma peça chave na
estrutura do sistema de ensino para viabilizar o processo de municipalização em seu
sentido formal, muito mais do que real. A partir da complexidade federativa existente
no financiamento do ensino fundamental, o município acaba por ser o receptor de
uma série de políticas e normas, as quais se teve pouco acesso à discussão, assim
como à formação e à capacitação (no caso de muitos municípios de pequeno porte),
mas é, contudo, o responsável por sua implantação. Nessa estrutura, a figura de
um gestor do sistema de ensino é cobrada dos municípios que buscam resolver o
problema sem de fato construírem uma nova lógica de administração de recursos
públicos e de relacionamento com a população. Em vários municípios brasileiros, há
a continuidade de práticas clientelistas e fisiológicas, com a administração
centralizada em um dirigente com pouca autonomia, mas ligado ao chefe do poder
executivo municipal por laços políticos, de confiança ou mesmo familiares.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
144
Dessa forma, tem-se nas secretarias municipais de educação um quadro complexo,
em que há a composição de um núcleo burocrático heterogêneo com ações
divididas principalmente entre o dirigente municipal de ensino e a cúpula da
secretaria, o corpo de diretores e o dos docentes. A formação, a motivação e os
interesses desses atores são distintos.
O DME, em muitas localidades, deparou-se com a difícil tarefa de administrar uma
municipalização acelerada do ensino, no contexto do arranjo institucional que
priorizou o ensino fundamental nos últimos anos, e, simultaneamente, teve de lidar
com as características organizacionais próprias de seu cargo e da secretaria
municipal de ensino. Dentre tais características, destacam-se: a necessidade de
conhecer e de discutir regras institucionais complexas, sendo os dirigentes, em boa
parte dos pequenos e médios municípios brasileiros, por razões históricas,
auxiliados por um quadro profissional de baixa estruturação interna; gerenciar uma
organização de ensino em que ainda prevalecem práticas paternalistas para
indicações e preenchimento de cargos de direção; coordenar e motivar um corpo
docente que apresenta uma forma de constituição em grande parte estatutária, o
que torna mais complicada a criação de sistemas de incentivo ao desempenho; e,
por fim, a pouca autonomia e capacitação administrativa, financeira e gerencial dos
dirigentes para a execução de suas funções (WAISELFISZ e SILVA, 2000).
3.1.3 Poder Legislativo
O poder legislativo municipal é um ator essencial no processo de discussão e de
implementação das políticas públicas de educação. Cabe ao poder legislativo,
conforme dispõem o capítulo I, título IV e o capítulo II, título VI da Constituição
Federal, a apreciação e votação dos planos e orçamentos municipais, assim como
os específicos do ensino. Dentre estes últimos estão o Plano Municipal de
Educação, previsto na Lei 10.172/01, e todo projeto de lei de autoria do executivo
que disponha sobre criação ou alteração financeira, administrativa ou de
organização interna do sistema de ensino municipal. Além disso, os vereadores
também devem acompanhar e fiscalizar a implantação e execução financeira,
orçamentária e física dos planos e programas empreendidos pelo poder executivo,
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
145
contando para esta tarefa com o apoio dos Tribunais de Contas Estaduais e
Municipais, conforme as definições da Constituição Federal e da LRF.
Essas atribuições evidenciam que o papel do poder legislativo é vital para que possa
haver um bom empreendimento das políticas públicas da educação, preocupando-se
inicialmente com a coerência das propostas municipais às regras institucionalmente
concebidas e às necessidades da população local, a quem representa em primeira
instância.
Os vereadores têm a possibilidade sempre de discutir com a comunidade as
propostas de políticas públicas do poder executivo, podendo, para isso, utilizar-se
das Audiências Públicas previstas pela Constituição Federal e pela LRF; por meio
das quais podem aperfeiçoar projetos de lei que, por ventura, estejam em desacordo
com as reais necessidades da comunidade escolar ou em desacordo com as regras
formais concernentes ao ensino municipal. Os ajustes das propostas do poder
executivo podem ser feitos via emendas parlamentares, como mencionado no
segundo capítulo desta tese.
Para a execução das prerrogativas previstas pela Constituição Federal e pela LRF
são necessários, contudo, alguns requisitos. Os vereadores devem, em primeiro
lugar, conhecer suas atribuições e o funcionamento das regras formais, as quais
devem apreciar, votar, acompanhar e fiscalizar. Além disso, devem conhecer a
realidade local, os principais problemas do município na área de educação, os
equipamentos e a infra-estrutura existente, para que possam julgar a adequação dos
planos e orçamentos. Para tanto, devem contar com sua capacitação pessoal e, uma
vez eleitos, com a estrutura técnica-administrativa da Câmara que os ajuda na
tarefa, além do apoio do Tribunal de Contas para o acompanhamento e fiscalização
da execução dos planos e orçamentos do ensino.
Porém, nos atuais 5.500 municípios brasileiros, entre as definições legais acerca do
papel do poder legislativo e a prática real da vereança, há um vale que impede a
realização do processo de discussão e implementação de políticas públicas de
educação com equilíbrio entre os poderes, conforme os preceitos da reforma
constitucional de 1988.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
146
Neste estudo, pretende-se discutir três razões que colaboram para a essa situação
de descompasso entre os preceitos legais e a prática do poder legislativo. A primeira
relaciona-se com as características socioeconômicas e políticas dos vereadores; a
segunda diz respeito à prevalência do executivo sobre o legislativo; e a terceira
refere-se ao novo desenho institucional do ensino fundamental, que prevê a
articulação de distintos atores a partir da criação dos Conselhos do Fundef.
A pesquisa realizada por Kerbauy (2005) permite a análise do perfil dos vereadores
nos municípios brasileiros, nas três últimas eleições: 1996, 2000 e 2004. Uma
primeira característica importante dos ocupantes do poder legislativo municipal é
serem em sua maioria homens (89%), com, no máximo, o segundo grau completo.
Para a legislatura de 2004, o percentual de vereadores homens com nível superior
completo era de 25% e o de mulheres, 15,84%. A escolaridade dos vereadores varia
também em função da região do país, aparecendo nas regiões Sul e Sudeste o
maior número de vereadores com nível superior incompleto ou completo em relação
às demais. Na região Nordeste, percebe-se uma quantidade superior de vereadores
que apenas lêem e escrevem (cerca de 10% dos homens e 4% das mulheres).
Ressalte-se que os dados nada mais são que um reflexo do próprio sistema de
ensino brasileiro, que concentra significativas disparidades regionais e baixa
escolaridade da população, em geral.
Quanto à ocupação, os vereadores constituem-se em grande parte de trabalhadores
rurais, empregados da indústria, profissionais liberais, auxiliares administrativos,
empresários do setor primário e da indústria. Destes, ganham destaque na eleição
de 2004 os profissionais liberais e os servidores públicos.
Em relação aos partidos políticos de filiação, à época da eleição de 2004, nota-se o
PMDB, com 14,28% dos vereadores eleitos; o PSDB, com 12,67%; o PFL, com
11,73% e o PPB, com 10,53%. Ressalte-se que estes são também os partidos de
maior filiação dos DME. Destaca-se ainda o crescimento, nas últimas legislaturas,
das bancadas do PT, PL, PPS e PSB. Apesar de terem sido citados os partidos de
maior representação nas eleições, deve ressaltar a presença de vereadores eleitos
pelos inúmeros partidos existentes no Brasil, como demonstra o quadro a seguir:
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
147
Partidos
1996
Part. %
2000
Part. %
2004
Part. %
PPB (PP)
6.238
13,14%
6.805
12,27%
5.457
10,53%
PDT
3.311
6,97%
3.332
6,01%
3.252
6,28%
PT
1.546
3,26%
2.234
4,03%
3.679
7,10%
PTB
3.029
6,38%
4.450
8,02%
4.176
8,06%
PMDB
11.389
23,99%
10.647
19,19%
7.399
14,28%
PSTU
0
0,00%
2
0,00%
902
1,74%
PSL
260
0,55%
429
0,77%
506
0,98%
PSTU
148
0,31%
359
0,65%
0
0,00%
PTN
25
0,05%
80
0,14%
0
0,00%
PSC
561
1,18%
646
1,16%
724
1,40%
PCB
0
0,00%
2
0,00%
60
0,12%
PL
2.350
4,95%
2.490
4,49%
3.806
7,34%
PPS
384
0,81%
2.292
4,13%
2.745
5,30%
PFL
8.164
17,19%
9.050
16,31%
6.076
11,73%
PAN
2
0,00%
29
0,05%
84
0,16%
PSDC
55
0,12%
212
0,38%
826
1,59%
PRTB
21
0,04%
198
0,36%
228
0,44%
PCO
0
0,00%
0
0,00%
12
0,02%
PGT
3
0,01%
28
0,05%
0
0,00%
PSN/PHS
7
0,01%
110
0,20%
346
0,67%
PMN
332
0,70%
318
0,57%
519
1,00%
PRN
51
0,11%
56
0,10%
0
0,00%
PSB
956
2,01%
1.553
2,80%
1.805
3,48%
PSDC
1.173
2,47%
1.472
2,65%
0
0,00%
PV
164
0,35%
310
0,56%
782
1,51%
PRP
340
0,72%
391
0,70%
596
1,15%
PSDB
6.754
14,22%
7.690
13,86%
6.566
12,67%
PRONA
33
0,07%
26
0,05%
131
0,25%
PC do B
86
0,18%
138
0,25%
273
0,53%
PT do B
100
0,21%
134
0,24%
317
0,61%
PTC
0
0,00%
0
0,00%
210
0,41%
TOTAL
47.482 100,00%
55.483 100,00%
51.819 100,00%
Tabela 15 – Vereadores eleitos por partido no Brasil – 1996, 2000 e 2004.
Fonte: KERBAUY (2005, p. 346).
O grande número de partidos com representação local indica a fragmentação
partidária no Brasil, o que além de ter impacto decisivo nas eleições municipais, terá
na opinião de Kerbauy (2005), reflexos na atuação das câmaras municipais. Nesse
sentido, a relação da Câmara com o poder executivo será pautada pela busca de
alternativas a essa fragmentação, as quais possibilitem governabilidade ao executivo
municipal, podendo, para isso, influenciar a troca partidária com vistas à construção
de uma bancada de vereadores que lhe permita ter maioria na Câmara (FIORILO,
2006).
Esse processo acontece em função da prática de se buscar uma construção política
local que permita ao poder executivo planejar e implementar políticas públicas de
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
148
forma bastante centralizada, e ao poder legislativo contar com o apoio do governo
para manter a votação em sua base eleitoral por meio da troca de favores, tais como
nomeações de cargos, pequenas obras, emendas orçamentárias e outras práticas
clientelistas e patrimonialistas (SOUZA, 2004). Segundo Kerbauy (2005), essas
práticas predominam nos municípios rurais, onde é baixa a possibilidade de
renovação das elites políticas; já nos urbanos, a maior possibilidade de renovação
aumenta a competitividade política, reduzindo o impacto da prática de troca de
favores.
Vale destacar que, mesmo nos municípios maiores e predominantemente urbanos,
existe uma tendência à supremacia do executivo perante o legislativo, além da
busca de construção de bancadas de maioria, sejam estas constantes durante o
mandato ou apenas para votações importantes, como fica evidente no trabalho de
Fiorilo (2006) sobre o município de São Paulo. Nessa influência há um aspecto
pouco discutido: a baixa capacitação dos vereadores para a execução de suas
atribuições, relativas aos planos e orçamentos. Nesse aspecto pesa a busca
insuficiente por uma compreensão das regras formais dos orçamentos e das
referentes à legislação do ensino fundamental, por parte dos membros do poder
legislativo. Mesmo em municípios de grande porte, onde há maior número de
vereadores e possibilidade de contar com um corpo burocrático especializado,
poucos são os que se preocupam em dominar as regras institucionais existentes,
para assim poder exercer de fato sua função fiscalizadora. Esse comportamento dos
membros do poder legislativo existe dada a própria forma estabelecida de se fazer
política local, como também a complexidade das regras, que são de difícil domínio
até por parte de membros do poder executivo, como os Dirigentes Municipais de
Educação.
As mudanças institucionais ocorridas no ensino fundamental trouxeram para a arena
de decisão política novos atores coordenados pelo Conselho de Acompanhamento
do Fundef, além de outros criados pela Constituição de 1988 e, em alguns
municípios, pelo Conselho do Orçamento Participativo. A idéia de constituição dos
conselhos muda um pouco a forma de tratar a política em relação ao sistema
representativo; além disso, o estímulo à participação social vem justamente ao
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
149
encontro do desejo de se reduzirem as práticas rotineiras entre executivo e
legislativo, as quais freqüentemente levam ao clientelismo.
Segundo a pesquisa engendrada por Kerbauy (2005), apesar dos conselhos terem
permitido a incorporação de novos atores no processo de discussão e
implementação de políticas públicas, estes ainda enfrentam muitas dificuldades para
mudar a velha forma de fazer política. Estes muitas vezes servem para reduzir
prerrogativas antes pertencentes ao poder legislativo e concentrar o poder de
decisão no executivo local, na medida em que se tornam, por vezes, apenas um
instrumento legitimador das decisões do executivo.
Essas questões trazem à tona a importância de novos atores no processo de
discussão e implementação das políticas públicas de ensino fundamental nos
municípios, os Conselhos Municipais de Educação e de Acompanhamento do
Fundef.
3.1.4 Sociedade civil
Conforme apresentado no capítulo 1, os representantes da sociedade civil são
afetados pelas políticas públicas, tanto por seus benefícios, como por seus custos.
Sua participação na vida política e no controle das políticas públicas se dá na
medida em que estas lhes afetam e quando tal envolvimento produz mais benefícios
que custos (HORN, 2005).
Será analisada aqui a participação da sociedade civil por meio dos conselhos
setoriais de políticas públicas, particularmente os Conselhos Municipais de
Educação e do Fundef, além da participação da comunidade, mais especificamente
pais e mães, no controle da prestação dos serviços de ensino que são oferecidos a
seus filhos.
Segundo Sampaio (2006), os conselhos setoriais de políticas públicas são definidos
pela literatura como espaços públicos, institucionalizados pelo Estado, que objetivam
a participação da sociedade civil tanto na formulação quanto no controle das
políticas públicas. A composição dos conselhos é feita por representantes do poder
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
150
executivo e da sociedade, constituindo-se dessa forma em instituições híbridas. No
entender de Tatagiba (2004), apesar de se estabelecerem como parte da estrutura
institucional do Estado, os conselhos seriam espaços públicos plurais, nos quais:
“(...) representantes da sociedade e do Estado, disputam, negociam e, ao mesmo
tempo, compartilham a responsabilidade pela produção das políticas públicas em
áreas específicas” (Id. p. 348).
Os conselhos passaram a ser formalizados no Brasil com o processo de
redemocratização e foram consolidados pela Constituição de 1988, configurando-se
como um novo arranjo institucional, capaz de permitir a construção de políticas
públicas de forma participativa e democrática e garantir controle e avaliação externa
dos usuários, aproximando, dessa forma, a política de seu beneficiário final64.
A expressividade quantitativa dos conselhos é grande, podendo chegar a 169,3 mil
representantes
não
governamentais,
número
bastante
significativo
quando
comparado ao de vereadores existentes no país em 2004, cerca de 51,8 mil 65
(SAMPAIO, 2006). Segundo dados apresentados por Sampaio (2006), os Conselhos
Municipais de Educação já foram instalados em aproximadamente 73% dos
municípios brasileiros.
No que tange ao aparato legal dos Conselhos Municipais de Educação (CME)66 e do
Conselho de Acompanhamento do Fundef, é importante ressaltar que a criação do
primeiro se deu com a Lei n° 5.692/71, sendo reforçado após a Constituição de
1988, quando os CMEs foram regulamentados por legislação municipal específica e
por sua homologação nas Leis Orgânicas Municipais. Já o Conselho do Fundef,
como apresentado no capítulo 2, foi constituído a partir da reforma institucional do
ensino fundamental em 1996.
Existem, porém, algumas questões legais que prejudicam a eficácia dos conselhos.
A primeira delas está ligada ao fato de que, com a criação do Conselho do Fundef, a
64 Para uma discussão detalhada do processo de criação e formação dos Conselhos no Brasil ver TATAGIBA (2002).
65 Esses números foram extraídos da dissertação de mestrado de Sergio Sampaio, apresentada em 2006, tendo como fontes o IBGE e o TSE.
66 Segundo informações do Portal MEC, o CME é um órgão colegiado de caráter técnico, normativo e decisório do sistema municipal de ensino, que
assessora a Secretaria Municipal da Educação, de forma a assegurar a participação da comunidade no aperfeiçoamento da educação municipal. É
integrado por, pelo menos, 12 conselheiros, escolhidos entre pessoas de reconhecido espírito público e competência na área de educação, representantes
de associações e entidades da área educacional do município.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
151
educação passa a dispor de dois espaços de participação, sendo um voltado
exclusivamente para o acompanhamento e o controle dos recursos Fundo, o que
traz certo esvaziamento e fragmentação do poder dos conselheiros no âmbito da
educação (ROCHA, 2003). O modo como foi criado o Conselho do Fundef reduz a
eficácia dos conselhos, na medida em que:
“(...) a participação da sociedade na garantia da aplicação dos
recursos da educação seria tanto mais eficaz se voltada a analisar o
conjunto dos recursos e sua aplicação, sem a fragmentação de
organismos e competências” (ROCHA, 2003 p.30).
Rocha (2003) aponta outro problema concernente aos Conselhos da Educação, qual
seja a falha na representação, uma vez que a legislação não prevê qualquer
mecanismo que garanta a relação entre representante e representados. Sendo
assim, é difícil garantir que a representação seja efetiva, na medida em que muitos
representantes podem ter condutas individuais e pouca vinculação com os grupos
responsáveis por suas indicações, levando assim à perda do objetivo principal, que
é o controle público das políticas (ROCHA, 2003).
Há ainda outra inadequação referente aos conselhos de modo geral, ou seja, não
exclusivamente aos vinculados à educação, que diz respeito ao caráter deliberativo
referente às políticas públicas. Não existe clareza legislativa e institucional sobre o
real poder decisório dos conselhos, o que dificulta a ação de seus membros. Sobre
essa questão, Tatagiba ressalta algumas falhas na regras legais de constituição dos
conselhos:
“(...) a divisão das funções entre Conselhos e as instituições
administrativas e burocráticas quanto à definição, execução e/ou
acompanhamento das políticas públicas não está resolvida no âmbito
da legislação pertinente. (...) Dessa institucionalização incompleta
dos Conselhos decorrem dificuldades em definir até onde as suas
deliberações possuem poder vinculante. Não é consenso, no âmbito
da literatura pertinente, se deve ou não o Estado acatar as decisões
dos Conselhos”. (TATAGIBA, 2004, pp 365-366).
Além dessas dificuldades, Mendes (2004) constata que a partir de uma análise
amostral, feita pela Controladoria Geral da União (CGU), de 67 municípios, dentre os
mais pobres do país, os Conselhos de Acompanhamento do Fundef foram
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
152
totalmente ineficazes na garantia do uso regular dos recursos do Fundo para a
finalidade de desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério.
Nessa análise foi constatado que em 73% dos municípios os conselhos não tinham
funcionamento regular e sofriam, em sua constituição, influência determinante dos
prefeitos na escolha de seus membros. Segundo o autor, em muitos municípios de
pequeno porte, que são a base da amostra avaliada, os conselheiros sequer se
reúnem para a discussão das questões concernentes ao Fundef ou, se o fazem,
simplesmente assinam documentos de envio obrigatório para prestação de contas
ao poder legislativo e ao MEC.
Além do problema de cooptação dos conselheiros, existe outro que leva da mesma
forma à perda de eficácia das políticas, qual seja a falta de capacitação necessária
por parte dos conselheiros para o acompanhamento das políticas públicas,
principalmente no que diz respeito ao processamento e execução das despesas.
Como vimos, a legislação que cria o Fundef obriga, no âmbito dos municípios, a
prestação de contas aos conselhos de acompanhamento do Fundo sobre a
utilização dos recursos. Esses demonstrativos são documentos complexos para boa
parte dos conselheiros, para não dizer incompreensíveis. Assim, qual a garantia que,
mesmo não dominados pelo poder público, esses conselheiros estejam aptos a
examinar os documentos e assim evitar o desvio de recursos67?
As matérias referentes a planos e orçamentos no Brasil apresentam um grau de
dificuldade incompatível com o grau de organização de boa parte dos municípios
brasileiros 68 . Para vários deles, a carência de recursos financeiros, materiais e
humanos pode sujeitar, de forma consentida ou não pelos prefeitos, a administração
dos recursos do ensino fundamental a uma série de irregularidades e desvios, que
provavelmente não serão captados pelos conselhos de educação, visto que muitas
vezes nem mesmo o corpo burocrático da administração municipal tem
conhecimento e capacitação para isso. Na opinião de Mendes, essa situação nos
municípios mais carentes implica a necessidade de apoio por parte dos governos
estaduais e federal para programas de capacitação gerencial e organização contábil
e financeira, além da aprovação dos conselhos.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
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Em muitos municípios brasileiros, a atual situação dos Conselhos da Educação e do
Fundef aumenta a possibilidade de desvios programáticos e financeiros, além de
comprometer a eficácia da estratégia de “priorização” das políticas do ensino
fundamental. A postura dos conselhos, conforme mencionado, acaba por ser mais
legitimadora das ações do executivo do que controladora dos recursos e resultados
das políticas. Essa situação frustra a expectativa de que possam aumentar a
transparência e a permeabilidade das políticas públicas, servindo como o elemento
de controle externo necessário à busca de maior eficiência de organizações públicas
tipicamente hierárquicas, conforme a definição de Miller (1992).
A postura dos pais e mães frente aos serviços de ensino fundamental é outra forma
de relacionamento da sociedade civil com a organização de ensino municipal.
Segundo Pacheco e Araújo (2005), existe evidência educacional e acadêmica sobre
a importância da origem familiar na explicação do desempenho escolar. Dessa
forma, a compreensão de como pensam as famílias e de como percebem o
processo educacional dos filhos, é de extrema relevância no controle da eficiência
do aprendizado.
Dessa forma, os autores realizaram, a pedido do Instituto Nacional de Ensino e
Pesquisa (Inep), uma importante pesquisa sobre a opinião dos pais acerca da escola
pública no Brasil69. Algumas das conclusões apresentadas são reveladoras da visão
que os pais têm da organização do ensino e seus agentes. Dentre estas se
destacam o que pensam sobre:
a qualidade das escolas - De maneira geral, a avaliação é de que o ensino
público fundamental é bom, porém especificamente a escola de seus filhos
tende a ter mais aspectos negativos.
os diretores escolares - Segundo os pais, são agentes fundamentais no
funcionamento das escolas. Apesar de, em geral, atenderem aos anseios dos
pais e mães, há uma expectativa de que tenham maior autoridade perante os
67 Aqui é importante ressaltar que apesar dos problemas de capacitação dos conselheiros serem primordialmente detectados em municípios menores,
mesmo nos de médio e grande porte há ainda muito o que se trabalhar nesse aspecto.
68 Uma análise detalhada sobre as disjunções das regras formais do orçamento público será realizada no próximo capítulo
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
alunos.
Acreditam
que
a
autoridade
escolar
está
sendo
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confrontada
diariamente e que a firmeza do diretor é determinante na qualidade da
educação oferecida aos filhos. Segundo os entrevistados, falta “pulso firme”.
os professores - Estes ocupam o centro da atenção dos pais, mães e alunos.
Em sua opinião, dependem deles a qualidade do ensino, a disciplina na sala
de aula, a motivação dos alunos e seu sucesso ou fracasso escolar. A opinião
geral é que, por serem admitidos por concurso, os professores da rede pública
são considerados mais capacitados do que os da iniciativa privada. Por outro
lado, pelo mesmo motivo existe a compreensão de que usufruem de privilégios
e regalias inexistentes para os profissionais do mercado privado, visto que não
são funcionários públicos. Dentre essas vantagens estão a falta constante e a
possibilidade de fazer greve. Quanto a isso, Pacheco e Araújo (2005)
constataram uma grande insatisfação dos pais com os professores, por esses
não comparecerem às aulas. A avaliação existente é de que os professores,
em geral, têm direito a abonos excessivos, realizam greves sistemáticas, não
sofrem punições e tampouco são responsabilizados por suas falhas. Ao
faltarem e não terem suas aulas devidamente substituídas por outras
atividades, causam transtornos ao cotidiano das famílias, geram preocupações
e insegurança, elemento marcante de julgamento. Apesar disso, seus salários
são reconhecidos como insuficientes ou injustos.
as coordenações e orientações - A pesquisa revela que os pais têm pouco interesse
ou, mais provavelmente, pouco conhecimento sobre tais cargos.
clima social e educacional da escola - Existe a percepção de que a escola pública
atual é tida como o espaço da indisciplina, da transgressão e da desordem; o lugar
onde mais houve esvaziamento de autoridade na sociedade. “Uma terra de
ninguém”, na opinião de alguns entrevistados. Decorre daí a perda de esperança de
que a escola possa assumir o papel central no processo de socialização e de
construção de cidadania.
69 Para isso foi realizada pelos autores uma pesquisa qualitativa, com grupos focais escolhidos em todas as regiões brasileiras no ano de 2004 (PACHECO
e ARAÚJO, 2005)
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
155
valorização do processo democrático na escola: A opinião dos pais é de que há uma
grande valorização da eleição direta para a direção da escola, mecanismo percebido
como a melhor forma de garantir um trabalho produtivo na instituição. Contudo,
poucos participam das eleições, e fazem uma espécie de mea culpa pelo
desinteresse. Outros afirmam que, tal como os políticos tradicionais, os candidatos
costumam fazer promessas que não cumprem, o que denota uma certa descrença.
as secretarias de educação: A opinião dominante na pesquisa é de que são
organismos
“omissos”
e
“apáticos”.
Às
secretarias
são
atribuídos
a
insegurança, a indisciplina, o mau estado de conservação das escolas, o
crescente abandono do uso do uniforme, as faltas excessivas dos professores,
o desrespeito de professores com alunos, entre outros fatores de queda de
qualidade do ensino.
a opinião dos pais e mães acerca da qualidade do ensino público, colhida por meio
das entrevistas, apresenta um cenário importante e de certa forma contraditório. Eles
tendem a crer que o ensino público em geral é bom, apesar de acharem que a
escola na qual seus filhos estudam não é adequada, principalmente pela falta de
empenho dos professores e pela ausência de um ambiente disciplinador. Acreditam
também
serem
extremamente
importantes
os
processos
democráticos
de
participação na escola, porém admitem que não têm disponibilidade para participar
destes. Tais pensamentos trazem à tona a dificuldade e a complexidade envolvidas
no controle e acompanhamento do ensino público por parte desses atores.
Para além das questões ligadas á caracterização dos atores até aqui descritos, fazse necessário mencionar ainda alguns aspectos da organização do ensino nos
municípios, a partir do modelo analítico construído por Dixit (2002) e apresentado no
primeiro capítulo desta tese, com o intuito de ampliar a compreensão da estrutura de
governança do ensino fundamental municipal no Brasil.
3.2 Características das organizações do ensino fundamental no município
Conforme demonstrado no capítulo 1, a possibilidade de controlar e reduzir os
custos de transação existentes no sistema de ensino fundamental depende da
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
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construção de estruturas de governança que busquem sistemas de incentivo aos
atores destacados anteriormente, visando a otimização da implementação e da
execução de políticas públicas de ensino. Nesse processo, Dixit (2002) ressalta
algumas características relevantes das organizações públicas na formação de suas
estruturas de governança, quais sejam i) a multiplicidade de principais; ii) a
variedade de tarefas ligadas às políticas públicas; iii) a reduzida competição; e iv) a
complexidade na motivação dos agentes. No deteremos a seguir em cada uma
delas.
3.2.1 Multiplicidade de principais
A educação, como uma das áreas de maior prioridade para qualquer governo,
possui uma série de principais que acompanham seu desenvolvimento de forma
parcial e compõem uma arena política complexa e contraditória.
Pais, mães e alunos formam um grupo de principais diretamente atingido pela
qualidade do ensino fundamental público, visto serem usuários finais do sistema.
Professores e sindicatos têm também interesses de principais, pois seu retorno, seja
pecuniário, seja profissional ou ideológico, depende do funcionamento do sistema. O
poder executivo municipal, tanto na figura do prefeito, quanto na do secretário
municipal da educação, é principal frente à organização do ensino, podendo ou não
ter os mesmos objetivos em relação ao sistema. Os poderes executivos federais e
estaduais são também principais nesse sistema e principalmente o governo federal
articula incentivos como a criação do Fundef, buscando controlar o comportamento
das organizações municipais de ensino. O poder legislativo local, o ministério público
e os conselhos de educação procuram controlar o desenvolvimento e os resultados
da organização de ensino dentro das responsabilidades pertinentes a cada um. Por
fim, a sociedade civil como um todo que pretende também ter controle sobre o
sistema, podendo usar para isso o poder do voto em políticos mais ou menos
comprometidos com a educação.
As expectativas desses vários principais a respeito da organização do ensino em
geral são distintas frente à multiplicidade de tarefas e objetivos a serem cumpridos
pela educação. A intenção do prefeito quanto à organização escolar em determinado
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
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período pode, por exemplo, ser cobrar o aumento no atendimento de alunos no
ensino fundamental, buscando uma parcela maior de repasses federais. Já o desejo
dos professores é que haja mais recursos para sua formação profissional, além da
possibilidade de trabalharem com classes com menor número de alunos e lhes
serem proporcionadas melhores condições de trabalho. Já os pais e mães querem
que seus filhos sejam matriculados na escola pública e que lá possam aprender e ter
um nível de escolaridade superior aos seus70.
Assim, a partir de seus próprios objetivos e da bagagem cultural, além do arranjo
institucional existente, que determina a cada um dos principais um papel perante o
sistema de ensino, dá-se a interação desses agentes em uma complexa estrutura de
governança.
3.2.2 Multiplicidade de tarefas e de objetivos
À educação é imputada uma série de objetivos e tarefas como possibilitar o
investimento em capital humano, fundamental para a formação da nação e para a
produtividade da economia; formar mão-de-obra para as empresas; dotar as
crianças de conhecimentos que lhes permitam ser cidadãos conscientes, saudáveis,
possibilitando a redução da pobreza, de doenças e da violência (DIXIT, 2002).
Ao ensino fundamental, cabe, como o próprio nome diz, uma parte significativa
dessas tarefas, pois é nesse período que se formam as habilidades necessárias em
português, matemática e ciências, para a construção de futuros profissionais. Nessa
fase, são desenvolvidos também os conceitos de cidadania e nação. Segundo o que
determina a LDB e o Plano Nacional de Educação, deveriam ser objetivos das
organizações de ensino, quanto ao nível fundamental: a universalização do acesso;
a ampliação para nove anos de duração do ensino obrigatório; a melhoria dos
indicadores de eficiência e rendimento, entre outros. A universalização do acesso,
combinada à melhoria de qualidade e eficiência do sistema formam metas bastante
complexas e ambiciosas, na medida em que se deve encará-las como a
possibilidade, além de matricular alunos, de adequar o ensino tanto aos alunos mais
70 Essa é uma questão importante, pois o nível de instrução dos pais pode possibilitar ou não que ele cobre uma educação de qualidade para seus filhos,
visto que tem condições de avaliar se a escola é boa dada sua própria escolarização.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
158
capazes, quanto àqueles com mais dificuldades de aprendizado, fruto de famílias
com menor escolaridade. Além disso, não se pode deixar de mencionar que, em
geral, o mesmo corpo administrativo e de coordenação da organização, envolvido
com o ensino fundamental, tem também que se ocupar dos outros níveis e
modalidades de ensino, contando, porém, com montantes bem menos expressivos
de recursos.
Segundo Dixit (2002), apesar desses objetivos estarem conectados e não serem
contraditórios, em função da escassez de recursos humanos e materiais, é provável
que a organização do ensino priorize alguns em detrimento de outros. A priorização
dos objetivos depende dos anseios e da força dos principais envolvidos. Sua
identificação e controle não são, contudo, garantidos, visto que muitos desses
objetivos são de difícil mensuração. Na opinião de Dixit (2002), mesmo quando se
consegue medir os resultados, raramente se sabe quanto é devido ao desempenho
dos alunos ou à organização de ensino e aos professores.
3.2.3 Complexidade na motivação dos agentes
Muitos professores entram nas organizações de ensino por razões idealistas ou
vocacionais. Uma vez na organização, sua motivação passa por uma grande
preocupação com a carreira, que tende a ser longa, mais do que com incentivos
ligados ao desempenho de curto prazo. Essa é, então, uma questão bastante
complexa, visto que para estruturar incentivos ao desempenho dos agentes é
necessário que se consiga verificar essas ações, o que nem sempre é possível nos
sistema municipal de ensino. Os professores e demais agentes da burocracia da
educação têm uma identificação de classe, no sentido definido por Dixit (2002) e
Wilson (1989), conforme apresentado no capítulo 1, o que fortalece o
comportamento corporativo desses agentes e reduz a eficácia de incentivos
baseados em produtividade.
Quanto a isso, é interessante notar a definição do Conselho Nacional de Educação
(CNE), no que diz respeito à progressão na carreira do ensino, conforme definido no
art. 6º, item VI da Resolução nº 3/97:
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
159
Art. 6º. (...)
“VI – constituirão incentivos de progressão por qualificação de
trabalho docente:
a)
a dedicação exclusiva ao cargo no sistema de ensino;
b) o desempenho no trabalho, mediante avaliação segundo
parâmetro de qualidade do exercício profissional, a serem definidos
em cada sistema;
c) a qualificação em instituições credenciadas;
d) o tempo de serviço na função docente;
e) avaliações periódicas de aferição de conhecimentos na área
curricular em que o professor exerça a docência e de conhecimentos
pedagógicos.”
Como se vê, os incentivos à carreira são direcionados ao tempo de dedicação do
professor à organização, ao mesmo tempo em que a menção à avaliação de
desempenho é vaga e determinada em cada sistema de ensino, podendo, a partir de
então, assumir característica de análise subjetiva dos gestores de cada sistema.
A implementação do Fundef reforçou a configuração de incentivos internos à
burocracia do ensino, na medida em que houve um aumento do volume de recursos
para valorização do magistério. Esse fato, em muitas municipalidades, resultou em
aumentos salariais, sendo que em parte significativa destas não se preocupou
devidamente com a construção de planos de carreira e estruturas de incentivo que
pudessem levar a um direcionamento do processo e a um desempenho mais
proveitoso em termos de qualidade de ensino e desempenho dos alunos. Essa
questão é constatada ao lembrarmos que, no período analisado de implementação
do Fundef, isto é, entre 1995 e 2003, o desempenho dos alunos caiu.
Quanto a essa questão é importante evidenciar o estudo de Menezes e Pazello
(2004), sobre a elevação de salários dos professores da rede pública pelo Fundef.
Segundo os autores, o incremento salarial dos professores antigos não melhorou o
resultado dos alunos no Saeb; contudo, ao analisarem uma amostra de docentes
novos, que teriam sido atraídos para a rede pelos melhores salários, percebem a
correlação positiva entre remuneração e desempenho dos alunos.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
160
Esse é um dado interessante relativo ao peso da estrutura de governança sobre os
professores mais antigos, isto é, o salário não se mostra incentivo para um melhor
desempenho. Resta saber se mantendo a estrutura igual, não haverá desmotivação
dos jovens professores, ainda que se tenham incrementos salariais perenes.
3.2.4 Reduzida competitividade
Apesar de haver, em alguns estados, certa competição entre as redes municipal e
estadual de ensino, em função dos recursos do Fundef, como se viu no capítulo 2,
nos últimos anos, houve forte tendência à municipalização do ensino fundamental.
Assim, para a grande maioria da população, a escola pública municipal é a única
opção de ensino fundamental disponível.
3.3 Custos de transação, controle externo e eficiência do sistema de ensino
A descrição dos atores e das características da organização do ensino fundamental
nos municípios aponta para uma estrutura de governança hierárquica. Isso fica
evidente ao se constatar, por exemplo, que os incentivos internos à organização são
fracos e há uma situação de significativa complexidade para coordenar e motivar os
agentes, em função de características da burocracia estatal e da reduzida
competitividade do setor público. É evidente que há maior correlação de fatores
pessoais, ideológicos e de carreira para a construção da relação interna na
organização, do que incentivos de progressão ligados ao desempenho, o que é
reforçado pelo fato de um ator importante na coordenação da burocracia do ensino,
o diretor, ser, em geral, indicado nos mais variados municípios brasileiros.
A assimetria de informações é também presente na organização, visto que o
interesse do chefe do executivo, muitas vezes pontuado pelo oportunismo político, é
distinto daquele da burocracia do ensino, preocupada com suas condições de
trabalho e com outras questões relativas à organização interna do ensino. Entre
esses dois atores, existe o Dirigente Municipal de Ensino, que, em geral, tem
identificação política com o prefeito e comanda a burocracia municipal de ensino,
muitas vezes, sem capacitação e autonomia para a gestão, seja gerencial ou
financeira. Dessa forma, há uma grande tendência para que a negociação entre os
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
161
atores seja marcada pela desconfiança e pela baixa permeabilidade, características
da informação assimétrica, o que leva a altos custos de transação interna. Essa
constituição organizacional coloca o sistema de ensino em uma forma híbrida entre
procedural e coping, na visão de Dixit (2002), pois há um difícil controle sobre as
ações e mais ainda sobre os resultados.
Os DME reforçam essa estrutura de governança hierárquica, na medida em que têm
um comprometimento político com o governo e baixa autonomia para a gestão.
Dessa maneira, a organização do ensino municipal está sujeita ao oportunismo
político do chefe do executivo, que não é o único principal no controle da
organização. A possibilidade de reeleição do prefeito pode significar um incentivo
forte para a eficiência no ensino, apenas se a comunidade reconhecer a boa gestão
e a qualidade da educação como prioridade. Se confirmada a tendência apontada
por Mendes e Rocha (2004), de que o bom desempenho do prefeito é apenas
parcialmente percebido pelos eleitores, a educação poderá se constituir em arena
política para a construção de projetos de grande visibilidade e, dessa forma, a
possibilidade de que a vinculação orçamentária possa proteger a organização do
oportunismo político fica reduzida.
Assim, nessa estrutura de governança hierárquica, em que se dá margem ao
comportamento oportunista por parte dos atores políticos e à assimetria de
informações, há dificuldade no controle e na avaliação externa, que poderiam levar a
uma maior eficiência e transparência da gestão.
O controle externo da organização do ensino fundamental é comprometido de início
pelo posicionamento do poder legislativo municipal, visto que os vereadores
responsáveis pela fiscalização do financiamento e pela execução das políticas
públicas da educação são, muitas vezes, omissos na atividade e se utilizam dessa
atitude como forma de barganha com o poder executivo. Também os Conselhos
Municipais de Educação e os de Acompanhamento do Fundef são, em boa parte,
ineficazes e apenas formais. Além desses fatos, o próprio controle realizado pelo
MEC é bastante reduzido. Isso fica evidente quando Mendes (2004) relata que, após
receber os relatórios que a Controladoria Geral da União (CGU) encaminha,
apontando as irregularidades na utilização dos recursos do Fundef e a ineficácia dos
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
162
conselhos nesse tipo de controle, o MEC limitou-se a repassá-los ao Ministério
Público e aos Tribunais de Contas Estaduais. Segundo o autor, não pareceu haver
uma preocupação do MEC para, em conjunto com os órgãos de fiscalização, apurar
as denúncias e esclarecer as causas mais típicas, com o intuito de reformular as
regras do Fundo, por exemplo, e buscar garantir o bom uso dos recursos, além de
aprimorar o funcionamento dos conselhos.
Da mesma forma que o controle externo dos recursos, também a avaliação externa
sobre a qualidade do sistema não tem garantido a possibilidade de eficiência da
organização de ensino municipal. Isso porque, se nos detivermos sobre a avaliação
de desempenho dos alunos, realizada pelo Saeb, verificaremos que, apesar de
bianualmente ocorrer um grave declínio nos desempenhos das crianças da 4ª à 8ª
séries do ensino fundamental, pouco parece ter mudado no sentido de reverter esse
quadro.
Com relação a essa questão, Waiselfisz e Silva (2000) apontam que o número de
dirigentes municipais de ensino que teria tido acesso aos resultados do Saeb de
1995 e 1997, é baixo e, mesmo os que o tiveram, pouco fizeram com as informações
recebidas. Os autores comentam que o acesso aos dados ensejou pouquíssimas
ações, sendo a maioria de caráter limitado:
“Também nessa seção percebe-se que as ações executadas não
atingiram diretamente a estrutura e a organização escolares, pois, a
rigor, limitaram-se a reuniões com os diretores/diretores e
professores (9,6%) e a estudos internos nos órgãos municipais de
educação (26,5%), ou a outras formas não especificadas (13,9%).”
WAISELFISZ e SILVA (2000).
Isso reforça a ausência de seriedade nas preocupações - quando elas existem relacionadas à avaliação acadêmica e institucional para a melhoria dos resultados
do ensino público71. O que, por sua vez, fragiliza a possibilidade de controle desse
tipo de estrutura de governança hierárquica, na qual, segundo Miller (1992), é
71 Durante o segundo semestre de 2006 e nos primeiros meses de 2007, houve grande divulgação dos resultados do desempenho dos alunos de 4a a 8a
séries do ensino fundamental na Prova Brasil, ocorrida em 2005. Segundo informações do Inep/MEC, esses resultados foram enviados a todas as
administrações municipais do país. Esse fato, porém, por ser muito recente, não nos permite avaliar qual foi o uso efetivo que as administrações locais
fizeram dessas informações, no sentido de repensar e reestruturar seus sistemas de ensino. A proposta do MEC de criar o Ideb (Índice de Desenvolvimento
do Ensino Básico), que visa avaliar e melhorar esse ensino no país, pode ser uma mudança importante na questão do acompanhamento do ensino
municipal; no entanto, esta questão está fora do alcance desta pesqisa.
Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos
Municípios
163
fundamental contar com a accountability e a avaliação externa. A postura da
sociedade civil, na figura de pais e mães de alunos, de maneira geral, não ameniza
a situação, na medida em que seu envolvimento nos processos democráticos da
escola é baixo e sua avaliação do sistema é boa, apesar da crítica à escola do
próprio filho.
Dessa forma, a estrutura de governança do ensino fundamental que se apresenta
em vários municípios tem aspectos de assimetria de informações e complexidade de
coordenação dos agentes, além da baixa transparência e permeabilidade, que
representam, por sua vez, grandes custos de transação no gerenciamento e controle
das políticas públicas do ensino fundamental. Esses custos são ainda majorados
pela existência de outras falhas institucionais, resultantes da concepção e da
aplicação das regras formais relativas ao financiamento do ensino no Brasil,
conforme se verá no próximo capítulo.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
164
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
Como apontado por North (1990), as regras do jogo não se dão apenas pela
imposição de instituições e normas legais que devem ser seguidas e que organizam
a vida em sociedade. A percepção que os agentes têm dessas regras e a forma
como as reconhecem, a partir de seus valores culturais e anseios sociais,
possibilitarão ou não que estas se tornem realmente um ordenamento viável,
reduzindo incertezas, facilitando as trocas e, dessa maneira, diminuindo custos de
transação.
Nesse sentido, foi importante a análise da estrutura de governança, por meio da
avaliação do poder público – poder executivo, incluindo a sua burocracia, e o poder
legislativo – e da sociedade civil, para compreender o ambiente institucional, social e
econômico existente na formulação das regras do jogo, pois, para que haja de fato
aderência, é necessário saber se os agentes que estarão sujeitos a essas regras
reúnem as condições necessárias para sua implementação e se estas serão
captadas pela sociedade como viáveis e coerentes com seus anseios. Do contrário,
é possível que o arranjo institucional elaborado esteja sem sustentação e, ao invés
de reduzir, crie mais incertezas e assimetria de informações, além de levar à
construção de regras informais destinadas, muitas vezes, a burlar restrições legais
(CLUNE, 1987).
Neste capítulo, pretende-se analisar as razões que levam à ausência de aderência
das regras formais frente à estrutura de governança, relatadas respectivamente no
segundo e terceiro capítulos desta tese.
Denominadas aqui como falhas institucionais, em função das implicações
indesejadas que a ausência de aderência tem para a implantação de políticas
públicas, garantidoras de qualidade no ensino fundamental, este capítulo terá como
foco a análise das seguintes disjunções: i) falhas existentes no processo de
planejamento e orçamentação no Brasil, ii) problemas na concepção da reforma do
ensino fundamental e iii) falhas geradas a partir do modelo federativo brasileiro.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
165
4.1 As disjunções do processo orçamentário na formulação e implementação
de políticas públicas
No capítulo 2, o processo orçamentário foi descrito a partir das regras definidas pela
Constituição Federal, pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Lei nº 4.320/64,
além de outras normativas federais. Neste capítulo, o processo orçamentário será
analisado, focando-se principalmente duas questões. A primeira, relativa às brechas
existentes nas regras formais do orçamento, que permitem a construção de regras
informais na condução do planejamento e implementação de políticas públicas. A
segunda questão está relacionada às limitações inerentes à regra formal do modelo
de orçamento-programa (OP) adotado no país, isto é, não se trata apenas da forma
como o modelo é gerenciado pelos atores socioeconômicos, mas também da
adequação do modelo ao nosso ambiente econômico e institucional.
4.1.1 Falhas do processo orçamentário
Das reformas ocorridas nas regras de finanças públicas no Brasil nos últimos anos, a
Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) constituem-se, sem
dúvida, nas mais importantes e trouxeram uma série de inovações, como discutido
no capítulo 2. Contudo, apesar de toda a construção complexa dessas regras, ainda
se verificam brechas no funcionamento do sistema orçamentário brasileiro que são
extremamente relevantes para a construção de políticas públicas eficazes e
eficientes.
De acordo com Nunes (2006), o aperfeiçoamento da legislação sobre finanças
públicas no Brasil segue um processo gradual e cumulativo, resultado da interação
entre os agentes econômicos e sociais que buscam limites de sua atuação a partir
da consolidação de regras para seu relacionamento. Nesse processo, a reforma
empreendida pela Constituição Federal e pela LRF objetivou alterar padrões de
comportamento até então vigentes; entretanto, para que as novas regras sejam
aplicáveis precisam emergir de um consenso dos atores envolvidos, sobre a forma
de um pacto na direção dessa mudança, o que é muitas vezes extremamente
complexo.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
166
Algumas das dificuldades institucionais que levam a inadequações e distorções do
processo orçamentário, causando a insuficiência administrativa, são originárias da
falta de regulamentação de certos dispositivos constitucionais. Isso porque foi
previsto na Constituição de 1988, no capítulo das Finanças Públicas, que seriam
editadas, para toda a federação, leis complementares para o ordenamento da
matéria. A primeira lei, referida no artigo 163, teria características de impacto
macroinstitucionais e preocupação com o controle do equilíbrio financeiro dos entes,
questões trabalhadas pela LRF. A outra, presente no artigo 165, § 9º, cujo objeto
seria a normatização da elaboração e controle orçamentário, inclusive com previsão
e atualização de normas contábeis para fiscalização e avaliação do sistema, visando
a revisão da Lei 4.320/64, resta pendente no campo legal.
Apesar de várias discussões já terem acontecido em torno desta lei complementar,
inclusive sobre o Projeto de Lei Complementar 135/1996, que visa suprir esta
lacuna, não se chegou a um consenso sobre diversos pontos, dentre os quais se o
orçamento deveria continuar autorizativo ou se tornar impositivo, e em que grau72.
Assim, em função da falta de regulamentação, permanece vigente a Lei 4.320/64,
com algumas atualizações nas formas de classificação das receitas e despesas,
feitas por meio de portarias da Secretaria do Tesouro Nacional, como mencionado
no capítulo 2 desta tese.
A idéia de que grande parte das ineficiências ainda existentes no processo
orçamentário deriva da falta de implementação da Lei Complementar de Finanças
Públicas é corroborada por Serra (1993). Para o autor, é
“[...] fácil compreender que a ausência dessa lei incentiva as
improvisações, estimula as mudanças de regras a cada ano (ou
dentro do mesmo ano) e dificulta a correta utilização dos novos
instrumentos criados pela Constituição.” (SERRA, 1993, p. 145).
A regulamentação da Lei Complementar de Finanças Públicas implica o sucesso das
políticas públicas, que além de recursos depende da gestão de programas, isto é, do
72 O orçamento no Brasil é autorizativo, isto é, uma vez votadas as Leis Orçamentárias pelo poder legislativo, o poder executivo está autorizado a cumprilas, não estando obrigado, contudo, a executar o orçamento em sua íntegra, podendo assim contingênciá-lo, ou seja, manter despesas congeladas,
executando apenas parte deste. Já um orçamento impositivo obriga a execução daquilo que foi proposto, o que implica a necessidade de real planejamento
dos gastos.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
167
modo como são construídos e executados para o alcance de determinados
objetivos. Em um ambiente de poucos recursos, é ainda mais necessária a
priorização da política alocativa e a eficiência no gerenciamento dos programas.
Assim, é preciso um esforço dos agentes ao estabelecerem um consenso, que
supere os obstáculos institucionais para a promoção de mais uma reforma
orçamentária na direção da Lei Complementar de Finanças Públicas (NUNES,
2006).
A falta de regulamentação põe em risco os avanços gerenciais acumulados por uma
administração, principalmente durante uma transição de governo. Quando isso se
dá, a incerteza e a freqüente mudança de regras internas à organização são
potencializadas pela falta de experiência administrativa da nova cúpula de governo,
o que leva, possivelmente, à perda institucional, pois impede, na ausência de
sistematização, que o acúmulo de experiências anteriores possa ser usado na
avaliação e melhoria de programas.
Essas brechas ou lacunas legais, dadas em função da falta de regulamentação da
lei de finanças públicas, existem em todo o processo orçamentário, isto é, nas três
peças que o compõem: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).
Conforme mencionado, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a elaboração
das três peças do sistema orçamentário: o PPA, a LDO e a LOA, cuja inter-relação
só passou a ser reforçada com o estabelecimento das regras da LRF. Ao tornar
obrigatória o PPA, a LRF ressaltou a importância do planejamento no processo
orçamentário; pois, apesar de estar previsto na Constituição de 1988, suas
definições são extremamente vagas. Além disso, segundo Nunes (2006), muitos
interpretaram que a obrigatoriedade cabia apenas ao governo federal; já que, em
várias passagens da Constituição, o texto trata da matéria orçamentária relativa à
“administração pública federal”, assim, vários municípios, principalmente os
pequenos, na inexistência de sanção expressa na Constituição para a não
elaboração do PPA, não o faziam. Com a determinação da LRF, essa situação
mudou, na medida em que cria, expressamente no artigo 5º, a obrigação de
elaboração do projeto de lei orçamentária, compatível com o PPA e com a LDO,
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
168
além de considerar ilegal a ordenação de despesa orçamentária incompatível com o
plano (LRF, art. 16; VIGNOLI et al, 2002).
Dessa forma, só a partir de 2001, na vigência da LRF, todos os municípios passam
a ser obrigados a elaborarem o PPA. Contudo, é importante ressaltar que o formato
do plano - tal como descrito anteriormente, com definição de objetivos e metas por
área, associação a indicadores de resultados e responsáveis pelos programas - é
uma orientação prática, advinda do PPA federal e disseminada junto às
administrações públicas municipais; pois não há, no texto constitucional e nem
mesmo na LRF, a descrição de seu conteúdo73, fazendo com que, na prática, não se
possa obrigar sua elaboração e acompanhamento pelos municípios dentro de um
formato gerencial74.
O Plano Plurianual, em tese, seria um instrumento de planejamento estratégico do
governo, uma vez que traria um esboço do campo de atuação da administração
pública e seria também indicador para o setor privado. Não obstante, na prática, o
plano não difere muito do antigo orçamento plurianual de investimentos, sendo, em
boa parte das administrações, ineficaz. Como não foi definida a forma de elaboração
do PPA e nem determinada de forma rígida a sua hierarquização, o que tem
acontecido nas várias esferas de governo é a generalidade com que é elaborado, o
que permite contínuas alterações de suas diretrizes, pouco depois de sua aprovação
(NUNES, 2006).
O que se vê, na verdade, é a elaboração de PPAs em termos excessivamente
abrangentes, que abrem a possibilidade de execução de qualquer ação desejável,
tornando-os inócuos enquanto delimitadores da ação governamental. Nesse sentido,
o PPA tem primado por omitir os diagnósticos dos vários problemas a serem
enfrentados pela ação governamental. Isto é, na maioria das vezes, em sua
elaboração, principalmente pelos municípios, não são utilizados indicadores
qualitativos e quantitativos que possibilitariam a definição precisa dos investimentos
73 A proposta original do PL da Lei de Responsabilidade Fiscal detalhava o PPA, criando novos instrumentos que acompanhariam o plano. No entanto,
quando da sanção da Lei, o artigo 3º, que tratava do PPA, foi vetado e isso implicou que a elaboração do plano deve seguir apenas o descrito na
Constituição Federal (VIGNOLI et at, 2002).
74 È importante reconhecer que houve extenso trabalho do BNDES, após a aprovação da LRF, em desenvolver um modelo de Plano Plurianual que
pudesse ser adotado em todos os municípios brasileiros, inclusive com a edição de cartilhas e manuais descritivos, além da realização de palestras e cursos
de capacitação de gestores. O respaldo legal, da Constituição Federal ou mesmo da LRF, para esses modelos de plano não existe, no entanto.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
169
públicos e serviços a serem realizados, bem como sua distribuição temporal e
geográfica, tornando, assim, quase impossível a avaliação da oportunidade de cada
programa.
Outras vezes, mesmo ocorrendo a elaboração do PPA em sua completude e rigor,
com definição de metas e indicadores para os programas dentro de uma prioridade
pré-definida, não é incomum que, do segundo ano de governo em diante, o plano
racionalmente detalhado perca toda sua eficácia, com o desenvolvimento de novas
políticas públicas que não foram pensadas à época de sua elaboração e passam a
ser o principal programa de governo municipal. A conseqüência disso é a
obrigatoriedade de revisão do PPA para adequá-lo à nova política e proposta
orçamentária. Essa prática, levada ao limite, significa revisões anuais do PPA para
adequação aos orçamentos anuais, o que constitui total disparate e inversão de
papéis em termos de planejamento e orçamentação75.
Uma dificuldade que se percebe nas administrações, na opinião de Nunes (2006), é
a definição de metas físicas e financeiras para os programas, talvez porque haja
uma linha tênue entre um plano orientador da política pública e o engessamento dos
orçamentos anuais da administração pública. Isso se dá porque a definição
detalhada dos recursos e despesas dos programas será dada nos orçamentos, e as
metas do PPA servem para priorizar, dentre os recursos disponíveis, a alocação em
programas selecionados. Contudo, se inexiste um sistema de controle de custos76
que permita calcular as metas financeiras e, além disso, se há uma prática de
pulverizar os recursos em um sem número de programas, buscando resolver os
mais diferentes problemas, é provável que as metas sejam inconsistentes ou
ineficientes77, ou ambos. Por essa razão, muitas vezes as administrações optam em
não detalhar as metas financeiras e físicas ou passam a descumpri-las e revisá-las
anualmente, de acordo com a real possibilidade de execução, perdendo-se, assim,
todo o sentido do plano.
75 Esse problema não é característico apenas das esferas municipais, tendo ocorrido, por exemplo, com o PPA federal 2004/2007.
76 Em relação ao sistema de controle de custos dos programas da administração pública, é importante ressaltar que apesar da determinação de sua
criação, a partir da promulgação da LRF, é forçoso reconhecer que poucos são os municípios que de fato desenvolveram tal sistema. O que se vê mais
comumente é a grande disparidade de custos dos projetos entre sua elaboração e execução, ou mesmo, entre duas secretarias de um mesmo município
relativamente a projetos ou atividades de natureza econômica semelhante.
77 Entende-se por eficiência, a contribuição das ações para o alcance do objetivo definido pelo programa. Já a consistência implica a compatibilidade entre
o valor dos projetos e as atividades e o custo das metas físicas correspondentes (NUNES, 2006).
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
170
A execução do PPA é outro problema existente, pois, quando se elaboram objetivos
e metas de programas, são definidos também os responsáveis pelo seu controle, no
entanto, muitos dos programas dependem de uma integração multissetorial. Na
educação, por exemplo, para a execução de programas que visem, por um lado a
melhoria das instalações físicas das escolas e por outro, a formação e treinamento
de docentes, muito provavelmente haverá a necessidade de coordenação e
interação entre as Secretarias da Educação, Obras e Administração, além, é claro,
da Secretaria de Finanças, que controla todo o fluxo dos recursos vinculados à
educação. Muitas vezes, porém, existe resistência das várias secretarias em
trabalharem de forma integrada; essa falta de empenho pode estar associada a uma
importância menor atribuída, pelas secretarias, para o alcance de metas de outras
áreas.
Assim como ocorre com o PPA, a indefinição legal e a ausência de um sistema de
planejamento institucionalizado prejudicam também a eficácia da LDO, que seria,
como afirmado, um dos mais importantes instrumentos de planejamento criado pela
Constituição de 1988, colocado à disposição do poder legislativo para priorizar a
alocação dos recursos públicos. A LRF também reforçou sua importância e criou
uma integração de planejamento e orçamento, ao determinar a obrigatoriedade de
apresentação do Anexo de Metas Ficais para os três exercícios78. A partir dessa
indicação de metas da LDO, é que há o detalhamento orçamentário na LOA. O que
tem acontecido, porém, é que da mesma forma que se permite a alteração ou a
revisão anual do PPA durante a execução do orçamento, as metas fiscais
predefinidas na LDO são alteradas para, no ano seguinte, serem justificadas quanto
à sua não-execução ou execução parcial (NUNES, 2006). Não raro, o resultado final
da meta fiscal proposta é o mesmo, porém com alterações nos tipos de despesas
realizadas - a redução de investimentos e o aumento de gasto corrente têm sido
uma tônica durante a execução orçamentária.
Além disso, a eleição de prioridades anuais na LDO, dentre os programas
estabelecidos no PPA, também é prejudicada. Novamente, a falta da lei
complementar possibilita a elaboração de LDOs extremamente genéricas, que
78 A lei obriga a apresentação das metas do ano e de dois exercícios subseqüentes; além disso, há também a apresentação do ocorrido em três exercícios
anteriores, conforme artigo 4º da LRF, § 1º e § 2º.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
171
permitem a inclusão de qualquer projeto ou atividade na Lei Orçamentária Anual
(LOA), sem distinção de prioridades.
Em conseqüência das inadequações no PPA e na LDO, a LOA também perde, na
prática, sua especificidade de instrumento de planejamento e concretizador das
metas físicas e fiscais do PPA e LDO. A elaboração orçamentária deve atender,
como visto, às regras constitucionais, às definidas pela Lei 4.320/64, àquelas
determinadas pela LRF, bem como às das portarias federais que tratam da
contabilização e classificação orçamentárias. Todas essas regras visam consolidar o
processo orçamentário dentro de uma concepção integrada de planejamento e
orçamento-programa. Assim, a LOA deveria ser elaborada a partir dos objetivos e
metas do PPA priorizados no ano pela LDO, buscando cumprir metas físicas e
financeiras predefinidas (VIGNOLI, 2004). Contudo, já nesta fase, na elaboração
orçamentária, alguns problemas são percebidos.
Pelo formato do PPA não ser uma regra legal, mas sim um exemplo prático do
governo federal que pode ou não ser seguido, não necessariamente haverá uma
definição clara de metas físicas e financeiras para ser detalhada na elaboração da
LOA (NUNES,2006).
Nesse sentido, o processo de elaboração orçamentária se inicia, muitas vezes,
dissociado de qualquer planejamento de longo ou médio prazos, tendo como diretriz
as intenções de ordenamento político do poder executivo para o ano em questão,
além das imposições colocadas pela necessidade de manutenção de programas,
projetos e atividades, já em andamento.
Em geral, o processo de elaboração orçamentária é capitaneado pela Secretaria de
Finanças ou de Planejamento, pois são as responsáveis pelo estabelecimento de
regras para a elaboração anual do orçamento, publicadas em decreto, no diário
oficial. A partir dessas regras, as outras secretarias devem elaborar seus
orçamentos.
Relativamente às receitas e despesas da educação, apesar da indicação legal de
que os secretários de educação devem ser os gestores da área, em muitos
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
172
municípios no Brasil, as Secretarias de Educação não têm um corpo burocrático
responsável pela elaboração e controle orçamentário, ficando a tarefa ao encargo
das Secretarias de Finanças. Isso é reforçado pela baixa autonomia da maioria dos
dirigentes municipais de ensino para matérias orçamentárias e administrativas, como
descrito no terceiro capítulo desta tese.
Ainda que os DMEs tenham autonomia para que o orçamento seja efetivamente
elaborado pela Secretaria de Educação, com base nas necessidades e demandas
calculadas a partir dos indicadores municipais de ensino, isto é, em atendimento ao
Plano Municipal de Educação79, a palavra final sobre o orçamento é, em geral, da
Secretaria de Finanças e, nesse sentido, muitas vezes ocorrem ajustes, com vistas
ao “equilíbrio orçamentário”, ainda que dentro das regras constitucionais e legais80
(PATINKIN, 1993).
Um exemplo desse tipo de ajuste é a subestimação de despesas de pessoal e
aumento da previsão de investimentos em obras civis ou na aquisição de bens,
como construção de escolas e equipamentos escolares, durante a elaboração
orçamentária. Esse tipo de alteração tem grande importância para tornar o
orçamento mais interessante para ser apreciado pelo poder legislativo, ainda que
isso não implique, necessariamente, que essas alterações na elaboração do
orçamento sejam de fato executadas. Isso porque, em primeiro lugar, o orçamento é
autorizativo e assim não há obrigatoriedade de cumpri-lo na íntegra. Além disso,
existe na lei orçamentária a possibilidade de inclusão de um percentual de
remanejamento de recursos, isto é, de abertura de créditos orçamentários
adicionais, durante a execução orçamentária, por meio de decreto, sem que haja
necessidade de autorização legislativa pontual para cada crédito, visto que a
autorização legal já é dada na própria LOA (MACHADO Jr., e REIS, 2003).
79 Com relação aos Planos Municipais de Educação, que deveriam ser elaborados a partir de 2001, como previsto pela Lei 10.172/01 que cria o Plano
Nacional de Educação, é importante a constatação de que, até o final de 2004, a maioria dos municípios não havia ainda elaborado seus PMEs, sendo que
em apenas 28,3% dos municípios brasileiros, este estava concluído. Destes, pouco menos da metade havia de fato implementado o plano. Ests situação
mostra uma fragilidade do planejamento de médio e longo prazos para o ensino municipal, que deveria pautar a elaboração do PPA para a condução de um
processo orçamentário na educação, coerente com as reais necessidade da comunidade escolar (SILVA, 2006).
80 Essa busca de equilíbrio orçamentário pela Secretaria de Finanças ocorre porque as várias áreas-fim da administração pública como a educação, saúde,
transportes, entre outras, tendem a requisitar mais recursos do que é possível acomodar no orçamento. No caso da educação, ainda que tenha recursos
vinculados, é possível que sua elaboração orçamentária supere esses montantes, ou ainda, que o tipo de gasto planejado pela secretaria possa, de alguma
forma, comprometer o equilíbrio orçamentário controlado pela Secretaria de Finanças. Exemplo disso é a previsão de aumentos constantes da despesa de
pessoal que, dependendo de sua magnitude, podem ultrapassar os limites colocados pela LRF. Ainda que na educação especificamente haja recursos
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
173
A possibilidade de abertura de créditos adicionais está prevista nos artigos 7º, inciso
I e 43 da Lei 4.320/64, além do artigo 167, §8º da Constituição Federal, os quais
permitem que a utilização dos créditos em três classificações, como segue descrito
no artigo 41 da Lei 4.320/64, transcrito a seguir:
Art. 41 – “Os créditos adicionais classificam-se em:
I. suplementares, os destinados a reforço de dotação orçamentária;
II. especiais, os destinados a despesas para as quais não haja
dotação orçamentária específica;e
III. extraordinários, os destinados a despesas urgentes e imprevistas,
em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública.”
A idéia da existência de um percentual de remanejamento no âmbito da lei
orçamentária é para assegurar a possibilidade de ajustes necessários em casos de
erros ou omissões nas previsões, além de evitar que haja um engessamento
orçamentário e administrativo. Contudo, na prática, os créditos adicionais são
utilizados em sua maioria com a finalidade de suplementação de dotações de
projetos ou atividades, cuja previsão foi feita desprovida de um adequado processo
de planejamento. A ausência de planejamento fica clara ao se perceber que, em
muitas administrações, no primeiro dia de exercício fiscal já é emitido decreto com
vistas a criar algum tipo de crédito suplementar, o que passa a ocorrer em
praticamente todos os dias úteis do ano. Esse processo acaba por levar a uma
reformulação da elaboração orçamentária. Com isso, nas palavras de Machado Jr. e
Reis (2003), se “deturpa a expressão das necessidades constantes do orçamento e
decorrentes do processo de planejamento”81. Assim, é reduzida a importância de
uma elaboração orçamentária precisa, com cálculo apurado de custos reais de
projetos e atividades, visto que sempre se pode mudar tudo durante a execução
orçamentária.
Esse tipo de “brecha legal”, possibilitada pelo percentual de remanejamento, faz com
que o orçamento no Brasil siga muito mais regras tácitas e rotineiras, baseadas em
usos e costumes, do que aquelas advindas do desenvolvimento de um sistema de
vinculados para isso, é possível que o quadro geral do funcionalismo municipal não permita aumentos, o que levará a uma complicada intervenção da
Secretaria de Finanças.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
174
planejamento e avaliação, como pressupõe a lógica do Orçamento-Programa - OP
(PISCITELLI, 1988).
Para Piscitelli (1988), essa disfunção do modelo orçamentário adotado fica evidente
quando se percebe que, durante a fase de elaboração do orçamento, na qual há a
discussão com os órgãos técnicos para a fixação da despesa, é dada maior
importância para a distribuição dos recursos entre os elementos da despesa, do que
para as metas do governo, o que dificulta a priorização do gasto. Na discussão das
áreas técnicas, o foco está em definir qual é o teto para se gastar. Sendo assim, não
havendo um embasamento em critérios programáticos predefinidos e consistentes,
passa a valer pura e simplesmente o critério político para a distribuição dos recursos.
Então, nesse processo, o orçamento teria sua administração baseada em critérios
pessoais, políticos e clientelísticos, nos quais primaria a incerteza e a falta de dados
consistentes e confiáveis. Tal formato prejudicaria tanto a estruturação de um corpo
burocrático quanto de um sistema técnico para levantamento, acompanhamento e
avaliação dos gastos públicos necessários para o cumprimento da função alocativa
do Estado, que faria do orçamento, de fato, um instrumento de planejamento
público.
Dessa forma, a liberação dos recursos orçamentários depende em última instância
da habilidade pessoal do representante de cada área, principalmente junto à
secretaria de finanças e ao chefe do executivo, sendo “mais comum do que se
pensa arranjarem-se programas para as disponibilidades, em vez de recursos para
as necessidades.” (PISCITELLI, 1988, p. 96).
Com isso, a execução orçamentária representa a fase em que são definidas as
despesas e, assim, o percentual de remanejamento torna-se uma questão chave na
aprovação do orçamento na Câmara de Vereadores. Isso porque a possibilidade de
alterar a LOA durante a execução orçamentária permitirá ao poder executivo uma
importante margem de manobra durante o ano, independentemente da necessidade
de autorização por parte do legislativo a cada mudança que se queira fazer.
81 Esse problema é potencializado em função do percentual que se permite remanejar. Há municípios onde se aprova na LOA um remanejamento de 50%
do total do orçamento. No município de São Paulo, o percentual é de 15% (LOA de 2006), porém a existência de várias exceções legais permite que este
chegue a mais de 40%, como se verá no capítulo 5.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
175
Para que isso seja realmente possível, é necessária a formulação bastante
abrangente e aberta do PPA e da LDO, dando a flexibilidade requerida à LOA, visto
que a LRF obriga que todas as despesas orçamentárias sejam compatíveis com o
PPA e a LDO. Além disso, é imprescindível, obviamente, o consentimento dos
vereadores para que seja incluído na LOA um percentual que dê ampla flexibilidade
ao poder executivo durante a execução orçamentária, isto é, quanto maior o
percentual mais interessante politicamente. Por que o fariam os vereadores?
O poder legislativo, conforme referido, tem como incentivo forte a possibilidade de
reeleição, assim, lhe interessa, em geral, poder retornar à sua base eleitoral com a
garantia de implementação de projetos que a beneficiem. Dessa forma, a
possibilidade de aprovação de emendas, indicação de obras, cargos públicos e
outros benefícios passíveis de serem barganhados com o poder executivo, permite
que haja negociação em torno da aprovação do orçamento e do percentual de
remanejamento (FIORILO, 2006).
Em função disso, no processo de apreciação da LOA pelo poder legislativo, durante
a fase de tramitação orçamentária, há um número excessivo de novos subprojetos
resultantes de emendas dos parlamentares. Tal comportamento permite a
negociação da aprovação do orçamento, porém gera, na opinião de Dall’Acqua e
Guardia (1995), graves inconvenientes, como a pulverização de recursos escassos
num número de ações que excede a capacidade operacional dos órgãos executores.
Os recursos pulverizados são insuficientes para executar todos os novos subprojetos
e suficientes para comprometer a execução dos subprojetos que foram cancelados.
Além disso, muitas vezes essas emendas individuais dos parlamentares têm
características paroquiais que não contribuem para a melhoria da qualidade do
orçamento, servindo apenas para demarcar politicamente a atuação do vereador ou
atender a interesses específicos nas bases eleitorais, junto a grupos de interesses
ligados a empresas ou a empreiteiras.
Depois de aprovado o orçamento, na fase de execução orçamentária, ocorre então a
possibilidade de alteração de grande parte do que foi elaborado e aprovado pelo
poder executivo. Essa possibilidade decorre tanto da falta de regras mais rígidas
para a elaboração do PPA, da LDO e da LOA, de forma que o ordenamento de
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
176
despesas planejado fosse de fato previsto e executado, como também da grande
flexibilidade que o poder executivo tem durante a implementação do orçamento.
Essas alterações podem muitas vezes desfigurar totalmente o orçamento elaborado
e aprovado pelo poder legislativo, conforme as palavras de Angélico (1981):
”O orçamento-programa está institucionalizado no Brasil [...] Mas seu
conteúdo é fictício, nada está programado. A execução orçamentária
desenvolve-se ao sabor das necessidades emergentes [...] Na
verdade, a execução segue ainda os mesmos procedimentos usados
antigamente na execução dos orçamentos ortodoxos. A prova deste
fato está na fartura de suplementações e reduções desenfreadas de
créditos orçamentários, desfigurando totalmente o orçamento final”
(ANGÉLICO apud PISCITELLI, 1988, p.94).
Com isso, verifica-se a incoerência entre a divisão de poderes instituída pela
Constituição de 1988 e o aparato legal no qual está inserido o processo
orçamentário. Apesar da Constituição ter intentado aumentar o poder do legislativo
para opinar sobre os gastos públicos, seguindo preceitos democráticos, a legislação
que regulamenta a matéria orçamentária dá considerável flexibilidade ao poder
executivo para alterar o orçamento. A isso se somam os incentivos políticos da
reeleição, existentes para os dois poderes, que transformam o orçamento numa
arena para barganhas políticas (FIORILO, 2006).
Todas as falhas do processo orçamentário brasileiro acabam por se traduzir em
custos de transação que dificultam o desenvolvimento do planejamento público e o
uso do orçamento enquanto instrumento desse planejamento. Na verdade, o que
tem acontecido no Brasil, nos vários níveis de governo, é que o orçamento sofre
muitas alterações em sua execução. As prioridades de gasto são revistas e, dessa
forma, a lei orçamentária brasileira tem pouca utilidade em termos de planejamento
e definição de gastos públicos.
Abrucio e Loureiro (2004) concordam que a grande concentração de poder no
executivo dificulta o controle e a transparência do orçamento, contribuindo para que
este seja menos efetivo em termos de instrumento de planejamento e de execução
de políticas públicas; além disso, pontuam que a fragilidade nos canais de
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
177
comunicação e participação da sociedade civil colaboram para as falhas que
acontecem nesse processo, também na fase de avaliação e controle.
Em relação aos mecanismos de controle do orçamento, os autores chamam a
atenção para o fato de que as indicações para os Tribunais de Contas são, em sua
maioria, políticas, o que reduz muito a isenção necessária ao julgamento das contas
públicas82. Esse julgamento, ao ser exercido pelo poder legislativo, é pressionado
pela bancada governista, em geral, que pode usar do método de distribuição de
cargos e outros benefícios em troca de apoio parlamentar.
Todas as inadequações legais e institucionais mencionadas, além da criação de
regras informais para a elaboração e execução dos instrumentos do processo
orçamentário, representam custos de transação para a implementação de qualquer
política pública e, em especial, no ensino fundamental público, área prioritária para
aplicação de recursos vinculados. A falta de planejamento ou a execução
inadequada do que foi planejado traz enormes prejuízos para uma política que deve
responder aos anseios de vários principais e cumprir múltiplas tarefas.
4.1.2 Limites do modelo de orçamento-programa
As críticas apresentadas ao processo orçamentário e a constatação da pouca
eficácia que esse instrumento representa como indutor de políticas públicas
eficazes, para muitos autores, como Cintra (1977), têm origem no próprio conceito
do orçamento-programa (OP). Como definido no capítulo 2, o OP é baseado na
integração de planejamento e orçamento, em que critérios técnicos e econômicos
são utilizados para a elaboração dos programas, projetos e atividades; além de
enfatizar o controle da avaliação destes, para verificar se os objetivos estão sendo
cumpridos e assim, otimizar recursos.
Segundo os críticos desse modelo, no processo do OP há uma contradição
organizacional inerente ao modelo racional-compreensivo, por requerer uma postura
centralizante, que enseje uma ampla capacidade de coordenação da máquina
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
178
pública, para atingir os objetivos definidos pelo primeiro escalão. Entretanto, o OP
necessita, também, de uma estratégia descentralizante, marcada pela agilização e
dinamização da máquina burocrática, para a implementação de um modelo
orçamentário orgânico (CINTRA, 1977).
Como corolário desse processo, tem-se que a avaliação dos objetivos e das políticas
sofre interferências subjetivas que, por sua vez, explicitam a dificuldade de
relacionamento das várias unidades administrativas (secretarias, no caso dos
municípios) com o executivo e o legislativo, pois é marcado por uma grande
assimetria de informações.
Críticos do modelo racional-compreensivo afirmam que, nesse processo, a
elaboração de políticas e a tomada de decisões tornam-se muito distantes dos
órgãos executores. Segundo Brasil (1993, p. 137), existe uma “dicotomia agirpensar” que seria resultado do distanciamento entre os planejadores de políticas e
os responsáveis pela sua execução.
No entender de Wildavsky (1991), os sistemas orçamentários originados do modelo
racional-compreensivo pretendem enquadrar as grandes decisões em processos
que seguem uma racionalidade apenas econômica e científica, o que lhe parece
descabido, pois isso significa subestimar as forças dos grupos de pressão e
influência política envolvidas no processo decisório. Em contraposição ao modelo
racional-compreensivo, teóricos como Wildavsky (1991) apresentaram a visão do
Orçamento Incremental (BRASIL, 1993).
A vertente incrementalista procura descrever um ambiente de elaboração e
execução do planejamento permeado por conflitos políticos e cheio de ambigüidades
e mutações. A conseqüente dificuldade de planejar leva a um apego ao conhecido, a
uma tendência de que o planejamento seja uma repetição do que foi estabelecido
para os exercícios anteriores. Os teóricos desse modelo acreditam que, nessas
circunstâncias, o orçamento é incremental, ou seja, é marcado pela tentativa dos
vários grupos de interesse, que orbitam ao redor dos recursos públicos, de aumentar
82 Aqui é importante ressalvar, contudo, que as inicações para os Tribunais de Contas são em geral tratadas no âmbito dos estados, visto que os únicos
municípios que possuem este órgão auxiliar do poder legislativo são os de São Paulo e Rio de Janeiro. Os demais têm suas contas avaliadas pelos
Tribunais de Contas Estaduais e votadas pelas Câmaras Municipais.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
179
suas dotações, sendo estas definidas apenas politicamente83. Na prática, portanto,
não está presente a racionalidade econômica necessária à implementação de um
modelo do tipo do OP.
A visão incrementalista do processo orçamentário, na descrição sintetizada por
BRASIL (1993), mostra a existência de “um componente conflitivo”, em que grupos e
pessoas de interesses diversos influenciam o processo e, por meio de seu poder de
barganha, garantem recursos públicos para a implementação de programas
constantes do orçamento. Muitos desses programas, uma vez implementados na
peça orçamentária, passam a se repetir por vários exercícios sem que se realize
uma necessária revisão, no sentido de avaliar a eficiência e eficácia dos resultados,
como deveria ocorrer em um modelo de OP.
Tal procedimento existe porque o orçamento público é, e sempre será,
eminentemente
um
instrumento
político.
Quando um
programa é
criado,
instauraram-se expectativas acerca de sua continuação por parte dos grupos de
interesse favorecidos. Além do suporte político que esses grupos conquistam para a
implantação de certos programas, há também a interação política para a sua
perpetuação.
Essa característica do orçamento legitima a sua conotação política; assim, o
orçamento-incremental tem como características: a crença de que
[...] “uma política será boa se houver concordância com ela,
independentemente da existência de uma análise que a selecione;
[...] as decisões são frutos de rotinas que deixam de considerar todas
as alternativas e informações importantes; não são debatidos
grandes objetivos sociais, mas são privilegiadas as aquisições
específicas imediatas por órgãos particulares, ao invés de benefícios
a longo prazo para a sociedade. [Assim, esse modelo] deixa de lado
a perspectiva funcional e sistêmica, [constituindo-se num]
instrumento de controle legal e político de escasso valor gerencial e
econômico”. (BRASIL, 1993, p. 139-40).
Em função do processo orçamentário ser algo fundamentalmente político, há muita
dificuldade de implantação do OP, ou de outras técnicas de orçamentação baseadas
83 Analogamente, num contexto de recessão, o orçamento seria “decremental”, ou seja, marcado pela tentativa dos grupos de se protegerem dos cortes de
dotação SCHICK, Allen, (1991).
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
180
em modelo de racionalidade puramente econômica, na administração pública, pois
há matérias que dependem de avaliação subjetiva e política.
O problema é ainda agravado quando se trata de países de economias periféricas,
conforme a descrição de, Caiden e Wildavsky (1974), sobre a dificuldade em se
adotar o modelo racional nesses países. Para os autores84, o subdesenvolvimento é
por demais complexo, uma vez que os países pobres não apenas sofrem pela falta
de recursos financeiros, como também pela falta de recursos humanos qualificados,
de dados úteis e de capacidade governamental para a mobilização dos recursos
existentes. Os autores fazem uso das idéias de Landau (1969), para demonstrar que
uma das características do subdesenvolvimento é a ausência de redundância.
A redundância caracteriza-se por ser o excesso ou a fluidez de alguns elementos.
Segundo Landau (1969), esta, ao contrário do que geralmente se acredita, nem
sempre representa desperdício ou ineficiência, pois pode também representar a
probabilidade de que determinada função seja desempenhada. O autor desenvolve
a tese de que a redundância é fator necessário à eficiência dos processos
administrativos, na medida em que,
[...] “a redundância tem várias funções vitais na condução da
administração pública. Essa propicia elementos seguros, permite
respostas flexíveis para situações anômalas e também um potencial
de criatividade para aqueles que são capazes de percebê-la. Se não
há duplicação, se não há sobreposição, se não há ambigüidade, uma
organização não é capaz de suprimir um erro nem tampouco de
gerar uma rota de ação alternativa” (LANDAU, 1969, p. 356, tradução
da autora).
Para Caiden e Wildavsky (1974), os países pobres são aqueles onde a falta de
redundância em pessoas, recursos financeiros e instituições serve como obstáculo
para que as organizações funcionem de forma a terem êxito na realização de tarefas
complexas.
As incertezas por que passam esses países complicam a implementação de
projetos, uma vez que a falta de informações e de técnicos treinados para a tarefa
dificultam a previsão a cerca do efeito multiplicador de um projeto em termos de
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
181
geração de renda. Dessa forma, a equipe envolvida enfrenta muito mais desafios do
que em países ricos, como a possibilidade de ter os recursos cortados antes do
término da implementação. (CAIDEN e WILDAVSKY, 1974, pp. 47-48).
Fazendo uma analogia do problema aos municípios brasileiros mais pobres, deduzse que para estes é ainda mais difícil, em comparação aos mais ricos, implementar e
gerir políticas dentro do processo de planejamento e orçamento. Essa visão é
respaldada pela análise de Miranda e Mendes (2004), segundo a qual há um forte
indício de que:
“as circunstâncias presentes nas comunidades pobres não
possibilitam o uso adequado dos recursos públicos para a melhoria
das condições de vida da maioria da população, pois a incapacidade
transformadora do poder público local é, ao mesmo tempo, causa e
conseqüência das contingências da pobreza. Faltam-lhes a
disposição política, a capacidade institucional e o apoio político para
a reversão do quadro de baixo nível de bem estar e de ausência de
perspectivas para os grupos sociais excluídos do exercício da
cidadania” (MIRANDA e MENDES, 2004, p. 6).
Em um contexto em que há incapacidade gerencial e institucional, além de
dificuldades políticas, é difícil pensar na implementação do modelo racionalcompreensivo para o desenvolvimento das tarefas de planejamento e orçamentação.
As circunstâncias de pobreza implicam diversos desafios e determinam pouca
flexibilidade em termos de recursos, técnicos e informações para enfrentá-los. De
acordo com Caiden e Wildavsky (1974), o modelo racional tem como um de seus
principais requisitos o processo orçamentário confiável, porém, nesse contexto de
incerteza, o que se observa é a síndrome do "disappearing budget"85.
Esse problema está ligado ao tempo necessário para a preparação do orçamento,
pois em um ambiente de mudanças e de incerteza do cenário econômico, a peça
orçamentária perde rapidamente seu propósito, tornando-se de pouca valia durante
a fase de execução. Nessa fase, como os recursos são escassos e todos os órgãos
84 A descrição da obra dos autores realizada nesta seção foi influenciada pela leitura de CINTRA e ANDRADE (1976) e CINTRA (1977).
85 Segundos os autores, isso se dá tanto porque o orçamento é em grande parte refeito durante o ano, quanto pelo fato de que a maioria dos recursos
orçamentários já está comprometida antes mesmo da elaboração orçamentária (CAIDEN e WILDAVSKY, 1974). Esse comprometimento dos recursos se dá
em função das vinculações existentes no orçamento e também de outras despesas consideradas incomprimíveis, como pessoal e encargos, dívidas e
precatórios decorrentes de sentenças judiciais. Um exemplo claro do grau desse comprometimento e rigidez orçamentária será apresentado no capítulo 5.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
182
querem assegurar uma fatia do orçamento, há um conflito distributivo envolvendo os
diversos órgãos de despesas e a área financeira.
Nesse cenário de insegurança, os agentes participantes do processo orçamentário,
tanto o órgão financeiro quanto os diversos órgãos setoriais, tentam se proteger de
alterações futuras usando, para isso, de variadas estratégias como a subestimação
das receitas; o estabelecimento de tetos para as despesas dos órgãos; a alteração
dos valores orçados durante o exercício e a retenção da liberação financeira (no
órgão de finanças); a informação incorreta sobre a real necessidade de verba; o
estabelecimento de fundos de despesa específicos; a vinculação de tributos e a
criação de agências descentralizadas (por parte dos órgãos setoriais). Segundo
Caiden e Wildavsky, nesse processo, em que a incerteza, a assimetria de
informações e o oportunismo, de todos os agentes, são regra, há grande ineficiência
e se gasta mal e tardiamente (CAIDEN e WILDAVSKY, 1974, pp. 75-79).
Em função do exposto, depreende-se que, além das brechas legais existentes nas
regras formais de planejamento e orçamento das políticas públicas no Brasil, existe
uma inadequação institucional, conforme a definição de Clune (1987), do modelo
orçamentário adotado à realidade de maioria dos municípios brasileiros – sem entrar
no mérito da questão para os demais entes da federação. O grau de complexidade
exigido para o planejamento e orçamentação do PPA, da LDO e da LOA implica a
existência de sistemas de custos, avaliação e controle que não são ainda uma
realidade.
O ambiente de incertezas e de fortes incentivos políticos é reforçado e não reduzido
nessa situação, pois, dada a dificuldade de compreensão das regras orçamentárias,
torna-se mais fácil criar regras informais para geri-lo, em benefício de um ou outro
interesse específico. Diante disso, as organizações públicas concebem dentro de
sua estrutura de governança modos de proteger seus recursos durante o processo
orçamentário e, diante disso, a burocracia orçamentária passa a ser peça chave,
pois domina regras desconhecidas da maioria e facilita processos.
Quanto às políticas de ensino fundamental, ressalta-se que a baixa autonomia e/ou
capacitação dos dirigentes municipais de ensino referente ao orçamento e à gestão
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
183
de recursos públicos da educação torna ainda mais improvável a eficiência das
políticas, tendo em vista os problemas pontuados nesta seção.
Mesmo que se conte com a vinculação de recursos orçamentários, como analisado,
é possível haver a canalização destes para programas, projetos e atividades que
não são de fato prioritários para elevar a qualidade de ensino, mas que seguem uma
racionalidade política importante do ponto de vista do poder executivo, legislativo ou
ainda de outros principais 86 com força política suficiente para determinarem o
direcionamento de recursos orçamentários.
Ao lado dos aspectos orçamentários, que constituem considerável falha institucional
para a implementação de políticas de ensino fundamental eficientes, há ainda outras
questões relevantes, relativas às regras instituídas com a reforma do ensino
fundamental ocorrida no final da década de 90, conforme apresentado no segundo
capítulo desta tese. A próxima seção será destinada à análise das falhas nessas
regras.
4.2 As falhas na concepção da reforma do ensino fundamental
No entender de Rocha (2003), a reforma do ensino de 1996, pautada pela Emenda
Constitucional 14/96, e a criação das Leis 9.324/96 (LDB) e 9.424/96 (Fundef), foi
proposta sem um planejamento nas diversas esferas administrativas que pudesse
apontar as reais necessidades financeiras, administrativas e técnico-pedagógicas
para os diferentes níveis de ensino. Na opinião da autora, as mudanças
constitucionais dessa época ensejaram em matéria educacional uma restrição do
direito à educação por priorizarem o ensino fundamental regular, sem nenhuma
proposta para o atendimento da educação infantil, ao mesmo tempo em que foi
prevista a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio,
sem contudo ter havido fixação de prazos para isso.
Rodriguez (2001) concorda com essa visão ao considerar que a reforma alterou
profundamente o cenário criado por vários municípios, no início dos anos 1990, e
86 Esses principais podem ser grupos de interesse econômico, como empreiteiras, que buscam o comprometimento de recursos para obras, ou sindicatos
ligados ao funcionalismo público, que tentam vincular os recursos para aumentos salariais, entre outros.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
184
gerou uma tensão permanente entre níveis de ensino. Dessa forma, é importante
avaliar as conseqüências da implantação do Fundef a partir de três tipos de
impactos acarretados ao sistema de ensino, assim como às relações entre as
esferas de governo. Na opinião de Rodriguez (2001), estes seriam exercidos: na
relação entre os níveis de ensino, sobre a mobilidade das matrículas nas esferas de
governo e nas relações federativas.
4.2.1 O Fundef e as relações entre os níveis de ensino
A situação de vários municípios após a Constituição de 1988 era a de concentração
da oferta do ensino infantil. A implementação do Fundef gera certa tensão, na
medida em que retira recursos da pré-escola para a priorização do ensino
fundamental, introduzindo um caráter competitivo entre os diferentes níveis do
ensino básico87.
Segundo Rodriguez (2001), isso criou uma fratura entre os níveis de ensino e levou
à diminuição significativa da oferta de matrículas no ensino infantil, por exemplo, no
estado de São Paulo. Na opinião de Rocha (2003), as mudanças trazidas pela
Emenda Constitucional 14/96 e pela LDB contribuíram simultaneamente para a
municipalização do ensino fundamental e para que a oferta de ensino infantil fosse
secundarizada. Além disso, a instituição do Fundo excluiu outras modalidades de
ensino, visto que as matrículas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) ficaram fora
do cálculo para o devido repasse.
Tal processo proporcionou um impacto na oferta de vagas dos níveis e modalidades
de ensino não previstos pelo Fundef e, também, na estrutura organizacional dos
municípios. Isso ocorreu porque, enquanto o município recebia mais recursos para a
valorização dos professores do ensino fundamental, permitindo a construção de
planos de carreira e novas estruturas, os professores do ensino infantil e da
educação de jovens e adultos viam diminuir a parcela relativa às despesas dessas
áreas. Na opinião de Azevedo (2002), isso contribuiu sobremaneira para uma piora
no clima organizacional da educação nos municípios.
87 Ver capítulo II, seção I a V, da LDB (Rodriguez, 2001).
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
185
Essa visão é corroborada pelo diagnóstico do Plano Nacional de Educação (PNE),
Lei 10.172/01, a respeito das conseqüências do Fundef para a remuneração dos
professores. Segundo o PNE, o Fundef promoveu alterações significativas nos
estados e municípios onde a remuneração do corpo docente estava muito abaixo da
média nacional, inclusive inferior ao salário mínimo. Contudo, nas localidades onde
os salários eram mais altos, não houve melhoria da remuneração, ao contrário do
que se esperava.
4.2.2 O impacto sobre a mobilidade das matrículas nas esferas de governo
Conforme visto no capítulo 2, a oferta de ensino fundamental sofreu mudanças com
a introdução do Fundef. Os estados, que eram responsáveis, até 1997, por cerca de
60% das matrículas, passaram a 39,7%, em 2006; e os municípios passaram a
ofertar cerca de 60%. Há que se atentar para o fato de esta mudança ter ocorrido
principalmente de 1997 a 1999, ou seja, em um curto espaço de tempo, mais de 4
milhões de crianças passaram a integrar a rede de ensino fundamental dos
municípios brasileiros. Nos estados do Sul e Sudeste, onde havia uma menor
concentração de redes de ensino fundamental, a alteração foi ainda mais
impactante.
A realidade é que a maioria dos municípios não estava preparada política,
administrativa ou pedagogicamente para tais mudanças, como mostrado no capítulo
3. Castro (2001) já apontava que a questão da estruturação gerencial dos
municípios para a recepção de responsabilidades e de recursos majorados era
essencial para a eficiência e eficácia da política. O autor acrescentava ainda que a
indução à municipalização do ensino fundamental de forma abrupta, por meio de
incentivo financeiro, sem que houvesse adequada coordenação, poderia levar ao
uso impróprio dos recursos e a sérios prejuízos à manutenção e desenvolvimento do
ensino. Some-se a isso, o fato ressaltado por Monlevade (1998) de que os maiores
receptores de matrículas de ensino fundamental foram os municípios de pequeno
porte,
mais
desestruturados
intergovernamentais.
e
mais
dependentes
de
transferências
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
186
Parte importante do processo de municipalização deu-se basicamente em função da
estrutura de incentivos criada pelo Fundef. A principal modificação do Fundo, como
visto, é a redistribuição de recursos atrelada ao número de alunos matriculados na
rede de ensino, municipal ou estadual. Dessa forma, é natural que, um município, ao
perceber a perda imediata de recursos por estar fortemente estruturado em rede de
ensino infantil, buscasse uma reorganização em torno da oferta do ensino
fundamental.
Segundo Rodriguez (2001), a possibilidade de receber dinheiro, mesmo para
municípios com redes mais avançadas de ensino fundamental, foi um importante
chamariz para intensificar a municipalização do ensino e caminhar para a
universalização das matrículas. Isso acorreu mesmo sem a análise da viabilidade
futura da manutenção com qualidade do sistema, visto que, para muitas
administrações municipais, a situação de precariedade financeira torna qualquer
nova entrada de recursos vantajosa de imediato, ainda que implique em custos
inviáveis para o próximo governante.
Os municípios de menor porte, por sua posição e fragilidade política, ficaram mais
sujeitos que os demais a ceder em um processo de municipalização sem
planejamento e estruturação. A análise dos números mostra que grande parte do
crescimento das matrículas está em municípios pequenos (AZEVEDO, 2002).
Nesse
sentido,
segundo
Azevedo
(2002),
devem-se
destacar
algumas
peculiaridades da malha municipal brasileira. Esta é composta por 74,7% de
municípios com até 20 mil habitantes; destes, 25,6% tem até 5 mil habitantes e
23,9% de 5.001 a 10 mil habitantes. Existe, segundo a autora, uma relação muito
próxima entre o tamanho do município e os níveis de pobreza nele encontrados.
Assim, quanto menor o município, mais dependente será de repasses federais e
estaduais 88 . Em várias localidades de até 20 mil habitantes, as transferências
correntes chegam a representar 90% da receita total, o que as torna fundamentais
para que os municípios dêem conta do atendimento da demanda por educação.
88 Dentre os repasses federais e estaduais destaca-se, para muitos municípios, o peso do Fundo de Participação dos Municípios, cuja transferência,
diferentemente do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), não está
atrelada à capacidade tributária local.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
187
Dessa feita, o Fundef realmente contribuiu para o processo de universalização do
ensino fundamental, contudo, a precariedade financeira dos municípios pequenos89,
na opinião de Azevedo (2002), levou ao aumento de matrículas sem a expansão
necessária da rede física e com a conseqüente queda de qualidade de ensino, ou
seja, mais alunos por sala de aula e piora das condições de trabalho dos docentes.
Já os municípios maiores das regiões Sudeste e Sul tiveram uma postura diferente
no processo de municipalização. Campinas, Londrina e Maringá, por exemplo,
posicionaram-se contrariamente à assunção das matrículas no formato esperado
(RODRIGUEZ, 2001). Essa atitude está ligada a um outro problema: o modo de
relacionamento com a instância estadual no processo de municipalização.
A postura dos estados nesse processo foi, em muitos casos, a de basicamente
livrar-se de um problema, repassando estruturas físicas e recursos humanos aos
municípios sem, contudo, providenciar a assistência e os preparos técnicos
necessários à mudança. Tal posicionamento é explicado pela normatização do
Fundo, que redistribui recursos, em sua maior parte estaduais, para os municípios,
buscando a equalização das matrículas e do custo por aluno por estado 90 . Não
houve um consenso entre União, estados e municípios para que os recursos fossem
repassados de forma cooperativa, e com estes fossem reformulados os respectivos
sistemas de ensino.
Desse modo, é natural o esgarçamento das relações entre as três esferas de
governo, visto que, na opinião de Rodriguez (2001),
(...) “sempre que um ator governamental perde recursos em benefício
dos outros, sem sua anuência, a estabilidade política da relação
federativa estará assentada em cenários conflituosos e não
cooperativos” (RODRIGUEZ, 2001. p 49).
89 A precariedade financeira dos municípios implica, como visto na seção anterior, uma precariedade de recursos humanos, além de baixa capacidade
institucional e política.
90 Na opinião de Castro (2001), esse processo de redistribuição de recursos estaduais foi especialmente problemático para alguns estados do Nordeste e
para o Rio de Janeiro, pois essas unidades da Federação se encontravam em uma situação de restrição fiscal, tendo em vista os acordos de
refinanciamento de dívidas com a União, além da obrigatoriedade de contenção de depessas de pessoal (inicialmente, em função da Lei Camata e, mais
tarde, por conta da LRF); assim, o processo de municipalização nesses locais veio como forma de alívio de um custeio pesado do ensino, causando,
entretanto, a redução de receitas estaduais.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
188
Esse conflito será ainda mais intensificado, em função da postura da União diante da
coordenação do processo; pois, apesar de apregoar a mudança de regras em
direção à priorização do ensino fundamental, existe, ao mesmo tempo, a instituição
de normas legais que permitem ao governo federal se eximir ou reduzir suas
responsabilidades nisso, criando um ambiente de incerteza e desconfiança entre os
entes da federação, como se verá a seguir.
4.2.3 O impacto nas relações federativas
Um dos principais papéis da União, no arranjo instituído pelo Fundef, era o de
redistribuir recursos, buscando a redução das desigualdades regionais. Uma vez que
o Fundo foi constituído internamente em cada estado, não havendo transferências
entre estes, a possibilidade de equalização viria do repasse da União, ao assegurar
o valor mínimo de custo por aluno para os estados que não conseguissem alcançálo com recursos próprios.
A tabela 14 a seguir mostra, todavia, que os valores, definidos anualmente por
decreto da União, ficaram abaixo do valor real em muitos anos, o que levou a uma
necessidade de repasse inferior à devida.
1ª a 4ª série
Valor
Rural
mínino por
Urbana
Urbana
(R$
aluno
(R$ nominais) (R$ de 1997)
nominais)
5ª a 8ª série
Rural
Urbana
Urbana
Rural
Rural
(R$ de 1997) (R$ nominais) (R$ de 1997) (R$ nominais) (R$ de 1997)
1997
300
300
300
300
300
300
300
300
1998
315
305
315
305
315
305
315
305
1999
315
291
315
291
315
291
315
291
2000
333
287
333
287
350
302
350
302
2001
363
293
363
293
381
308
381
308
2002
418
311
418
311
439
327
439
327
2003
446
290
446
290
468
304
468
304
2004
565
344
565
344
593
361
593
361
2005
621
354
633
361
652
371
664
379
Tabela 16 - Valores mínimos anuais por aluno da complementação da União ao Fundef em
valores nominais e reais
Fonte: Difin/FNDE
* Valores atualizados para 1997 pelo IPCA/IBGE.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
189
Com os valores fixados, a União deixou de aportar volumosos recursos ao sistema,
reduzindo o número de estados que teriam acesso à equiparação e, dessa forma, a
possibilidade de uniformização regional ainda é crítica - o que se sabe pelos dados
apresentados no capítulo 2 -, havendo uma gritante disparidade entre o Norte e
Nordeste, comparativamente às regiões Sul e Sudeste91.
Segundo Melchior (1997) e Rodriguez (2001), as manobras da União para se eximir
de responsabilidades tiveram início na Emenda Constitucional 14/96, com a
mudança do percentual de vinculação de recursos da esfera federal para o ensino
fundamental, que passou de 50% para 30%, segundo artigo 60 das Disposições
Constitucionais Transitórias (DCT), conforme apresentado anteriormente. Esse fato
revela não apenas uma redução de aporte financeiro aos estados e municípios, mas
também um descolamento do discurso oficial com a normatização. Isso porque as
reformas implementadas na segunda metade da década de 1990 traziam em seu
bojo a idéia de que, para avançarmos enquanto nação, era fundamental o
investimento em capital humano e, naquele momento, no Brasil, tal investimento
seria iniciado com a priorização da etapa obrigatória da educação, isto é, o ensino
fundamental. Para tanto, foi organizado todo o arranjo institucional, apresentado
nesta tese, cujo eixo principal é o Fundef. Ora, como fazer crer aos outros entes da
federação que o ensino fundamental é uma prioridade nacional se a própria União,
idealizadora da reforma, toma medidas reduzindo seu espaço enquanto agente do
processo?
A legislação do Fundef permitiu, ainda, à União, a intervenção federal em municípios
e estados que não cumpram as regras definidas, havendo uma série de sanções e
penalidades aos entes em caso de descumprimento legal; porém, o mesmo não
existe para o descumprimento de regras pela União.
No entender de Rodriguez (2001), esse disparate cria o que se pode chamar de
desequilíbrio institucional, pois gera desconforto entre os entes da federação e leva
os subgovernos a questionarem a real intenção das regras e a legitimidade do
91 Segundo Castro (2001), haveria pelo menos dois focos de resistência ao reajuste do valor mínimo condizente com as variações regionais, conforme
determina o art. 74 da LDB. O primeiro foco seria a própria necessidade de maior repasse para os sub-governos, pois implicaria uma complementação maior
da União, levando obrigatoriamente a um orçamento maior para o MEC e acirraria o conflito distributivo entre este ministério e a Fazenda;,isso seria
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
190
governo federal enquanto coordenador e interventor do processo de priorização do
ensino fundamental.
A real possibilidade de implementação de um sistema estruturado e descentralizado
de ensino fundamental é colocada em dúvida devido a tal situação. Em função disso,
ocorre uma fragmentação do que deveria ser a coordenação do sistema, deixandose evidentes as falhas existentes na estrutura federativa do Brasil, o que torna
necessária a explicitação destas e como comprometem o avanço no sistema de
ensino brasileiro.
Para se tratar dessa questão, serão analisadas, na próxima seção deste capítulo, as
principais regras e suas disjunções existentes no federalismo brasileiro e de que
forma impactam a estrutura do ensino fundamental nos municípios.
4.3 As disjunções da estrutura federativa no Brasil e seu impacto no arranjo
institucional do ensino
As análises referentes às falhas na concepção da reforma do ensino revelam a
presença de um importante esgarçamento nas relações federativas, o qual se tornou
evidente na questão do ensino fundamental, a partir da implementação do Fundef. A
origem desse esgarçamento é, contudo, mais antiga do que a reforma do ensino
empreendida no final da década de 90. Para compreendê-lo, vale inicialmente
apresentar os elementos essenciais da estrutura federativa brasileira, com base no
trabalho de Gonçalves (2006), para a partir daí serem apontadas suas principais
falhas institucionais e conseqüências para o ensino fundamental.
4.3.1 Estrutura federativa no Brasil
Segundo Araújo (2003), o federalismo pode ser definido a partir da combinação
entre autonomia e interdependência utilizadas pelas unidades da federação como
forma de organização. A autora pontua que ao se estudarem os 16 países que
adotaram o federalismo em diferentes formatos conceituais, é possível identificar
três matizes fundamentalmente: o federalismo dual, formato implementado
extremamente complicado, dada a política de ajuste fiscal vigente. O segundo foco seriam os efeitos colaterais do reajuste nos estados em uma nova
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
191
originalmente nos EUA; o federalismo centralizado, em que, valendo-se de uma
transformação do modelo dual, as unidades subnacionais tornam-se agentes
administrativos do governo central; e o federalismo cooperativo, modelo existente na
Alemanha, no qual tanto a unidade central, quanto as subnacionais agem
conjuntamente e têm autonomia.
No Brasil, a Constituição de 1988 definiu a base do Estado federativo a partir de um
preceito de divisão de competências em formato cooperativo, no qual haveria a
coexistência de competências privativas, concorrentes e suplementares entre as
diversas unidades da federação, e isso se daria em três aspectos, quais sejam os
políticos e legais, os econômicos e os administrativos (ARAÚJO, 2003).
Segundo a análise de Gonçalves (2006), os aspectos políticos tratam das relações
verticais de poder, da legitimidade das instituições e da efetiva capacidade do
Estado de realizar a coordenação política. Já os aspectos econômicos estão focados
na política fiscal e tributária e na forma de implementação das políticas públicas
relativas à educação. Os aspectos administrativos, por sua vez, apresentam a
distribuição entre os entes da federação das competências decisórias, executória,
financeira e fiscalizadora.
As relações políticas, econômicas e administrativas dentro de uma federação
permitem, na opinião de Gonçalves, perceber o ordenamento social e cultural de
uma sociedade e o quanto este reflete a distância ou proximidade entre as regras
formais e informais. Isso implica, conforme apontado por North (1990), a existência
ou não de um descolamento entre essas duas regras ou, nas palavras do primeiro
autor, a ocorrência de disjunções.
Na caracterização política, o federalismo brasileiro apresenta cinco atributos
elencados por Abrucio e Soares (2001), que são: a existência de heterogeneidades
regionais, a adoção de prática e discurso defensores da unidade na diversidade, o
pacto na forma de Constituição, a autonomia dos entes da federação combinada
com sua interdependência e a associação de elementos de competição e
cooperação (GONÇALVES, 2006).
repartição de recursos, porque, da mudança dos valores mínimos, surgiriam novas relações entre governos estaduais e municipais.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
192
Apesar dessas características estarem presentes, necessariamente, em uma
estrutura federalista, são insuficientes para esclarecer o formato institucional do
federalismo brasileiro. Para Gonçalves, é importante uma análise histórica que
resgate os arranjos políticos originais da República Brasileira, os quais refletem,
hoje, em uma estrutura federalista cercada de disjunções.
Desde a formação da República, há uma constituição de nação e de Estado, a partir
da visão das elites brasileiras que, uma vez no poder, se esforçaram por criar uma
federação na qual as unidades federadas recebessem autonomia. É interessante
ressaltar que esse processo se deu a despeito da participação popular, isto é,
ocorreu de cima para baixo, sendo praticamente imposto ao povo, que desconhecia
o processo por que passava o Estado brasileiro. A falta de percepção e de
participação refletirá em uma distorção importante, qual seja o fato de a maior parte
da sociedade brasileira desconhecer as instâncias de decisão política do país e sua
respectiva capacidade de resolução de conflitos, visto que a população, de modo
geral, espera que as soluções para seus problemas venham da União
(GONÇALVES, 2006).
Outro aspecto político decisivo instaurado na primeira República foi o uso dos
recursos públicos com o intuito de construir uma subordinação política dos entes da
federação à União em última instância, havendo também uma supremacia dos
estados em relação aos municípios. No que diz respeito à educação, desde o início
da formação da República, os gastos públicos na área eram utilizados para a
solidificação da governabilidade dos entes, mais do que com a preocupação de
implementar políticas de ensino para a construção de uma nação. O objetivo de
eleger governadores, presidentes e representantes legislativos era perseguido sem
qualquer cuidado com a criação das estruturas burocráticas necessárias para a
implementação dos programas de governo (GONÇALVES, 2006).
Na mesma linha de raciocínio, é importante salientar que não houve, a partir da
definição de maior autonomia de arrecadação e gastos por parte dos subgovernos, a
determinação pela União de uma estratégia de coordenação entre os estados e
municípios com o objetivo de equalizar as disparidades regionais do país. Ao
contrario, em distintos momentos, o governo central favoreceu determinados
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
193
estados, mais ricos, como São Paulo e Minas Gerais, durante o período da política
“café com leite”, majorando assim as diferenças regionais.
Dessa forma, a política dos estados perpassava por um jogo de interesses com o
governo central, o qual governadores e presidentes manteriam ao longo dos séculos
seguintes determinando alianças estratégicas e criando bases de governabilidade,
utilizando-se de práticas patrimonialistas e clientelistas na construção das relações
público-privado, gerando uma herança na administração pública brasileira com
reflexos até os dias atuais92 (Gonçalves, 2006).
Tais práticas têm efeitos nefastos nas instituições brasileiras por diversos motivos.
Em primeiro lugar, porque demonstram a prevalência dos incentivos fortes da
política, nas palavras de Frant (1996), que subjulgam os programas e as políticas
públicas em nome da governabilidade. Segundo, criam no imaginário popular o
conceito de que tudo o que é público é de todos, isto é, passível de “privatização”,
levando dessa forma, como descrito por Gonçalves (2006), a uma descrença na
democracia e, conseqüentemente, facilitando o emprego de regimes autoritários.
A partir da primeira República, tem-se um histórico de centralização e
descentralização do regime, em função dos períodos autoritários nos quais há a
redução da autonomia dos entes. Esse movimento pendular ocorrerá também entre
os poderes executivo, legislativo e judiciário, ocorrendo, em alguns momentos
históricos, a submissão dos dois últimos ao executivo; e, em outros, havendo uma
inversão da subordinação. Ressalte-se, contudo, que na maior parte do tempo e
para a maioria das questões existe uma supremacia quase inabalável do poder
executivo sobre os demais.
Essa supremacia é possibilitada, entre outros motivos, por uma postura recorrente
do poder judiciário de se eximir dos conflitos políticos, distanciando-se assim do
Estado e da sociedade civil. O poder legislativo, por sua vez, em períodos
democráticos, apesar de, em algum momento, representar forte oposição ao poder
executivo, principalmente da União, tende a se portar como coadjuvante do governo.
92 Ambas as práticas visam ao voto por meio da troca de favores, uilizando-se para isso de cargos de confiança, de facilidades na contratação de bens e
serviços para empresas ou amigos, privatizando-se, assim, a administração pública.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
194
Nessa postura faz uso de seu poder político de barganha para construir maiorias
que facilitam a vida dos chefes do executivo, em troca de favores que vão da
indicação de cargos públicos a emendas, passando pela compra e venda de votos
(logrolling93).
O desequilíbrio entre os poderes é refletido em todos os setores, prejudicando a
construção de políticas públicas que favoreçam o crescimento econômico e o bemestar social. Da mesma forma, esse desequilíbrio afeta as políticas de ensino, tanto
na construção de seus arranjos e normas institucionais, quanto no processo de
implementação de políticas públicas, no qual a supremacia do poder executivo se
faz perceber, sobretudo, no planejamento e execução orçamentários, como visto em
outras passagens desta tese. A relação dos poderes executivo e legislativo nesse
processo, cuja combinação de forças implica uma omissão do poder legislativo,
prejudica tanto a implementação quanto a fiscalização das políticas de educação.
Na análise dos aspectos econômicos da federação brasileira, fica clara a existência
de uma centralização no governo nacional das atividades ligadas à arrecadação e à
distribuição de recursos, ao mesmo tempo em que existe certa confusão e
ambigüidade na definição de papéis relativos aos gastos e à implementação das
políticas em cada esfera de poder, bem como há grande centralização na figura do
chefe do executivo. Segundo Gonçalves (2006), esse centralismo é uma herança,
ainda do período do Império, que se disseminou com o passar do tempo para a
Constituição da República.
Em relação ao perfil tributário, houve, ao longo do tempo, a criação de transferências
e fundos de recursos para estados em municípios, visando à redução de conflitos
regionais. Pelo lado dos gastos, boa parte das políticas públicas, como as referentes
à educação, foi bastante descentralizada, passando à competência dos estados e
depois também dos municípios.
Quanto ao regime fiscal brasileiro, pode-se afirmar que este detém um alto grau de
complexidade tanto para a administração pública, quanto para o contribuinte; pois,
apesar dos impostos passíveis de cobrança pelos entes serem definidos na
93
Para uma descrição de logrolling, ver BORSANI (2004).
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
195
Constituição Federal, há a possibilidade de alteração de alíquotas, isenções e outros
benefícios a contribuintes que são indicados regionalmente. Isso implica a existência
de inúmeros sistemas tributários em cada estado brasileiro, o que, somado à
quantidade expressiva de tributos vigentes, obriga o gerenciamento de complexos
aparelhos burocráticos de gestão tributária (REZENDE, 2001).
A falta de integração entre os sistemas federal, estadual e municipal é outra
característica desse regime que causa, além da dificuldade cotidiana na vida da
sociedade civil, um elevado custo de transação entre as esferas federativas, na
busca da implementação de políticas públicas coordenadas, resultando, em geral,
na baixa coordenação entre as esferas de governo (GONÇALVES, 2006).
Os estados e municípios têm em suas receitas várias rubricas derivadas de
transferências constitucionais, que foram bastante majoradas pela Constituição de
1988, revertendo em uma importante autonomia financeira para esses entes.
Segundo Gonçalves (2006), esse formato de transferências tributárias automáticas
cria significativas distorções no sistema federativo, na medida em que implica, por
exemplo, a algumas unidades da federação dispor de um comprometimento
orçamentário muito superior ao potencial de arrecadação própria e ter reduzido
incentivo para aumentá-la.
O arranjo institucional que conjuga inúmeras transferências e prevê autonomia de
gastos para todos os entes, inclusive os municípios, faz do Brasil, na opinião de
Prado (2001), um sistema federativo com mais de 5.500 orçamentos independentes.
Segundo Araújo (2003), a organização federativa brasileira é um caso único, em que
o município constitui um terceiro ente da federação, com protagonismo no processo
de descentralização, em especial, na municipalização do ensino. No entender do
autor, isso possibilitou a princípio garantir a possibilidade de acesso e participação
da sociedade na construção dessas políticas; contudo, trouxe também uma maior
dificuldade para o equilíbrio federativo e para a eqüidade na prestação de serviços
de educação nas distintas realidades brasileiras.
A falta de orquestração entre os entes, visto não haver exigência legal de que os
orçamentos sejam conjuntamente potencializados, e ausência de iniciativa, seja da
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
196
União, seja no âmbito de cada estado, de coordenar as ações e gastos públicos,
levam à possibilidade de implantação de ações concorrentes e contraditórias entre
as diversas unidades da federação; além, é claro, da dispersão e da pouca eficácia
dos recursos em função da implantação de ações isoladas dos subgovernos, que
reduzem o alcance das políticas.
Em relação aos aspectos administrativos, uma característica que chama a atenção
no federalismo brasileiro é a grande autonomia decisória dos entes federativos para
gastar. No ensino fundamental, conforme analisado, existem regras definidas pela
LDB e pela própria Lei do Fundo, o que não impede a possibilidade de cada
governante utilizar os recursos para a construção de projetos inadequados. Atitudes
semelhantes são possíveis, graças à baixa coordenação e padronização na oferta
de serviços, associada à pouca fiscalização dos gastos.
Nessa questão é fundamental relembrar que apesar de ser obrigatória a
implementação de um sistema de custos em todas as administrações orçamentárias
do país, esse detalhe pouco caminhou e não foi devidamente cobrado pelos
Tribunais de Contas. Esse fato é dificultado também pela não criação do Conselho
de Gestão Fiscal, previsto na LRF, mas até o momento não implementado. Contudo,
o grande obstáculo para a implantação de um sistema de custos nas administrações
públicas brasileiras é ainda o receio, por parte de gestores públicos e dos atores
políticos, da transparência que geraria sobre os processos e a execução do recursos
públicos Com um sistema de custos funcionando em todas as administrações, seria
extremamente mais fácil controlar gastos e as reais necessidades de recursos para
cada área de governo, bem como realizar análises de desempenho dos programas
orçamentários. A inexistência de tal sistema impede, por exemplo, uma avaliação
criteriosa do custo por aluno em cada localidade, o que poderia levar à padronização
da oferta de ensino fundamental nos municípios e estados.
Quem deveria ser o responsável pela coordenação e padronização desses serviços?
Essa é uma questão indefinida e complexa em nossa estrutura federativa. A
autonomia dos entes implica o direito de decidir sobre seus gastos, o que ,somado à
complexidade do processo orçamentário, com sua baixa permeabilidade, permite
que os recursos possam ter um incrível desvio de finalidade, ainda que sejam
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
197
integralmente gastos dentre da classificação funcional-programática prevista em lei
federal.
Nesse processo, quanto maior o potencial de recursos de uma unidade federal,
maior sua capacidade de definir as marcas de governo, com relativa independência
das transferências intergovernamentais. Já os municípios mais dependentes têm
menor grau de liberdade e maior necessidade de articulação política, visando às
transferências voluntárias para projetos específicos (GONÇALVES, 2006).
4.3.2 Federalismo e arranjo institucional do ensino no Brasil
Na opinião de Gonçalves (2006), o Brasil seria constituído por um sistema híbrido de
gestão do ensino público, sendo que cada nível de poder tem autonomia de criar seu
próprio subsistema autônomo. O governo federal, além da definição do aparato legal
geral, como visto no capítulo 2, não interfere em outras determinações
administrativas. Os estados e municípios têm também três tipos de competências na
área da educação; a legislativa, que é adicional à federal, isto é, vai além do
atendimento mínimo definido em nível federal; a executória e a fiscalizatória.
A reforma do ensino, para muitos autores, como Araújo (2003), resultou na redução
das competências dos entes federativos, na medida em que reduziu sua autonomia.
De acordo com de Araújo e Luzio (2005), apesar da vinculação orçamentária
constitucional e da subvinculação do Fundef, associadas às regras de gastos e de
organização definidas pela LDB, terem efetivamente restringido o princípio da
autonomia dos entes federados e focalizado o gasto, sobretudo no ensino
fundamental, não há um direcionamento dessas políticas para a redução das
desigualdades regionais, no que concerne à equalização das oportunidades de
ensino.
Isso
acontece
pelas
próprias
regras
de
transferências
constitucionais
e,
principalmente, pela definição dos repasses do Fundef, cuja abrangência é intraestadual, possibilitando a equalização dos municípios apenas dentro do mesmo
estado. Como a complementação da União tem sido extremamente reduzida, pouco
tem influído para que haja um efeito compensatório de redistribuição de recursos.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
198
Segundo Duarte (2005), as reformas no arranjo institucional do ensino fundamental,
alavancadas a partir da EC 14/96, articularam, na realidade, meios e competências
desiguais, na busca de concretização dos projetos do governo central. O grande
desafio desse novo marco regulatório do ensino era possibilitar a construção de
relações entre os entes federados que permitissem alinhar os interesses dos
estados e municípios àqueles do governo central (DUARTE, 2005).
Nesse processo, constata-se uma dupla movimentação da União: por um lado, se
exime da prestação de serviços e do financiamento direto ao sistema; por outro,
assume o controle e a avaliação dos sistemas estaduais e municipais, permitindo-se
intervir nos mesmos, se assim for necessário (DUARTE, 2005).
Segundo Rocha (2003), o espírito da reforma do ensino fundamental foi o de
reforçar o papel normativo
94
da União e, ao mesmo tempo, reduzir sua
responsabilidade de financiamento, respaldando-se em uma função supletiva,
prioritariamente no ensino fundamental.
A diretriz assumida pela União na nova política institucional foi a de articular uma
série de medidas e programas indutores de modificações nas políticas estaduais e
municipais de ensino fundamental, a partir das transferências constitucionais
obrigatórias e, também, dos repasses do salário-educação, realizados pelo FNDE. O
critério utilizado nessa nova política foi o repasse vinculado ao número de alunos
matriculados no ensino fundamental. Esse critério, associado ao fato de que a
maioria
dos
municípios
brasileiros
é
dependente
das
transferências
intergovernamentais, possibilitou a promoção e a focalização em projetos de
ampliação do atendimento nos diversos municípios brasileiros.
Na opinião de Arretche (2004), a estratégia adotada pelo governo federal visou
reduzir as incertezas quanto ao recebimento dos recursos vinculados à oferta de
matrículas. Isso se deu em função de sua baixa capacidade institucional para
coordenar os objetivos nacionais da política de educação, cuja responsabilidade é
de estados e municípios, de forma concorrente. Propondo-se a alcançar o objetivo
94 Segundo Rocha (2003), o papel normativo permitia à União a centralização e padronização das diretrizes pedagógicas e técnicas a serem seguidas por
estados e municípios.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
199
nacional traçado, isto é, a universalização das matrículas e a valorização do salário
dos professores, o governo federal se utilizou de uma emenda constitucional para a
aprovação do Fundef (ARRETCHE, 2004).
Esse processo, segundo Duarte (2005), desvinculado de projetos políticopedagógicos de ensino/aprendizagem, resultou na ampliação do acesso ao sistema
de muitas crianças antes excluídas, sem haver, contudo, a melhoria na
aprendizagem, no conhecimento e nas competências que configuram de fato seu
direito à educação. Assim, Duarte (2005, p. 828) conclui que:
“[...] o governo federal introduziu suas orientações de prioridades
políticas e procedimentos de gestão a partir de um mecanismo –
transferências constitucionais obrigatórias – originalmente destinado
a assegurar maior autonomia aos entes subnacionais.”
Na opinião de Azevedo (2002), para se entender a lógica do processo de
municipalização do ensino fundamental orquestrado pela União, é preciso
contextualizá-lo no processo de descentralização da ação do Estado, que tomou
corpo na década de 199095. Para a autora, a universalização da educação é, nesse
sentido, uma externalidade do processo de descentralização da ação do Estado.
A educação em si é de extrema importância na ação do Estado e obriga a um
desenho federativo complexo, visto que esta é fundamental para o poder central,
sem a qual fica comprometida a meta de desenvolvimento econômico e social do
país. Porém, no contexto da política educativa, nunca foi tão necessário deixar para
o poder local, para as escolas e professores a gestão escolar (AZEVEDO, 2002).
Segundo Azevedo (2002), na nova lógica de ação do Estado, a descentralização é
um instrumento gerencial de gestão, usada com o intuito de promover a eficácia e
eficiência nos serviços públicos. Ela possibilitaria otimizar gastos e alcançar o
objetivo da qualidade do ensino, dentro de uma ótica de Estado reduzido a funções
essenciais. Essa descentralização garantiria maior democracia e eficácia ao poder
local.
95 De acordo com Azevedo (2002), o novo padrão de ação do Estado aparece com maior nitidez durante o primeiro governo de FHC, apesar dessa lógica já
estar se delineando desde fins da década de 1980.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
200
Azevedo pontua que a lógica da descentralização na década de 1990, contudo, foi
muito mais economicista-instrumental do que participativa, pois para a última, seriam
necessários
canais
de
comunicação
Estado-sociedade,
criados
apenas
96
parcialmente .
Esse modelo começa ser empregado por se entender que a administração
burocrática implementada nos anos 1930 era um dos obstáculos para suplantar a
crise fiscal e econômica e, assim, para o enquadramento do país na nova ordem
econômica mundial. Na educação, a adoção do estilo burocrático de gestão foi
iniciada com a própria criação do Ministério de Educação e Cultura – MEC. Porém,
dadas as peculiaridades do desenvolvimento capitalista brasileiro, a administração
burocrática vai ser aprofundada a partir dos anos 1960, nos governos militares. Esse
regime ficou então conhecido como “burocrático autoritário”, no qual o planejamento
das políticas de educação estava subordinado aos planos econômicos concebidos
pela alta tecnoburocracia estatal (AZEVEDO, 2002).
As políticas eram, dessa forma, extremamente centralizadoras, bem como os
recursos, atendendo a prerrogativas de interesses econômicos de grupos
específicos, dando margem a práticas clientelistas. Com a redemocratização, no
início dos anos 1980, herda-se um quadro complexo de gestão na educação e uma
enorme demanda social contida por anos. Nessa nova ordem, ganha peso a
discussão da descentralização política, administrativa e financeira. Foi, todavia, mais
especificamente a partir do primeiro governo FHC que a nova gestão gerencial da
educação foi concebida.
O modelo gerencial, segundo Azevedo (2002), diferentemente do burocrático, tem,
em tese, uma concepção democrática e plural do Estado e da sociedade, ao
considerar conflitos, cooperação, incertezas e defesa de interesses dos cidadãos.
Assim, o gerencialismo, que é uma das marcas da reforma educativa, implica uma
nova postura dos gestores, que se tornam responsáveis pelo delineamento, pela
normatização e pela instrumentalização da comunidade escolar para alcançar seus
objetivos. Esse modelo surge para a educação, entretanto, de forma diferente da
96 Dentre os canais de comunicação Estado-sociedade criados nessa lógica estão os conselhos, em especial os Conselhos Municipais de Educação e de
Acompanhamento do Fundef, que têm, contudo, um efeito mais legitimador das política, do que deliberativo, como visto no capítulo 3.
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
201
solicitada pelos movimentos sociais da década de 1990. A descentralização é
ressignificada na visão de Azevedo (2002) e a participação e concepção plural são
reduzidas.
Na análise de Azevedo (2002), a educação, vista como área estratégica dentre os
setores sociais, tem, simultaneamente, sido alvo de políticas descentralizantes e
sofrido o aumento de controles do poder central. Para além das regras de vinculação
de recursos, a política do MEC, no final dos anos 1990, foi a de criar programas de
ações supletivas e redistributivas para dar assistência técnica e financeira,
principalmente aos municípios. Esses programas têm sido gerenciados pelo FNDE –
Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino, como apresentado no capítulo 2.
Não tem sido fácil para os municípios, contudo, seguirem a normatização do FNDE,
pois a obtenção de informações para a elaboração dos programas requer um
caminho obscuro; além disso, a muitas localidades faltam quadros técnicos
capacitados, sendo impossível, por vezes, arcar com contrapartidas locais, que
podem reduzir o acesso a esse tipo de convênio.
Assim, ao que parece, os processos de descentralização das políticas educativas,
do modo como impulsionados pelo poder central, parecem desconhecer as
diversidades regionais do país. Seguindo uma lógica economicista-instrumental, as
medidas de políticas deixam de considerar o grau de desarticulação social existente
nas localidades e o arcaísmo remanescente em muitas de suas estruturas de poder,
grande parte disso, é fruto da enorme pobreza de vários municípios (AZEVEDO,
2002).
Os padrões de financiamento preestabelecidos de forma centralizada para o
atendimento a projetos sociais, apesar da capacidade de universalizar a educação,
arrebanhando um contingente cada vez maior de alunos para a escola, pouco têm
contribuído para o fornecimento das condições necessárias à escolarização de fato.
Dessa forma, a estrutura federativa organizada para a prestação de serviços
públicos de ensino fundamental combinou elementos de centralização normativa e
descentralização gerencial, sem, contudo, ter havido um esclarecimento das
Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental
202
necessidades técnicas, administrativas, financeiras e até políticas dos entes
municipais, para que o processo pudesse se dar efetivamente, com eficiência e
participação popular.
Criou-se, em conseqüência, um arranjo institucional do ensino complexo que,
atrelado às dificuldades inerentes à realização de políticas públicas, isto é, o
planejamento e processamento orçamentário, levou ao acirramento do oportunismo
político dos agentes na esfera municipal e à criação de regras informais, implicando
vários custos de transação e a construção de estruturas de governança que não são
eficientes no controle dos custos e nem dos incentivos ao oportunismo político.
Como resultado, os municípios não lograram dar mais eficiência às políticas públicas
de ensino fundamental, como era a expectativa da nova lógica de ação do Estado,
arquitetada no final dos anos 1990.
No próximo capítulo desta tese, haverá a análise, a partir do estudo de caso do
município de São Paulo, das principais conseqüências das mudanças legais na área
do ensino fundamental e suas relações com as regras formais e informais até aqui
apresentadas, com o intuito de esclarecer algumas das falhas apontadas nesse
arranjo institucional.
.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
203
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da
Educação no período de 1997-2006
A partir da análise macro e microinstitucional realizada nos capítulos anteriores, este
capítulo dedica-se a estudar aspectos do arranjo institucional do financiamento do
ensino em São Paulo que corroborem a hipótese principal desta tese de que existem
falhas institucionais que contribuem para a baixa eficácia do sistema de ensino
fundamental municipal. Esta análise será realizada com base nas mudanças
empreendidas com a promulgação da LDB e do Fundef, ou seja, no período de 1997
a 2006.
Na primeira parte do capítulo buscaremos apresentar aspectos relativos às regras
formais referentes ao financiamento do ensino fundamental no município, com foco
nas características da legislação municipal do ensino e no processo de
planejamento e orçamento das políticas públicas. A segunda parte do capítulo está
voltada à discussão da estrutura de governança constituída para a organização do
ensino municipal, a partir da análise das características e motivações dos principais
atores envolvidos, à luz do modelo analítico engendrado nos capítulos 1 e 3. A
terceira parte, por fim, traça algumas conclusões para o estudo de caso do município
de São Paulo com base nos dados analisados.
5.1 Ambiente institucional do ensino fundamental no município de São Paulo
O município de São Paulo é o maior município brasileiro, tanto em termos
populacionais, quanto orçamentários. Sua receita orçamentária, em 2006, foi de
aproximadamente R$ 17,1 bilhões, sendo que, desse total, R$ 13,2 bilhões foram
referentes a impostos e transferências97. A maior parte das receitas de impostos e
transferências do município é fruto de arrecadação própria; desse modo, em São
Paulo há menor dependência de repasses federais, relativamente à maioria dos
municípios brasileiros. A título de exemplo, em 2006, a receita da cota-parte do
Fundo de Participação dos Municípios representou para São Paulo cerca de 0,58%
de sua receita anual.
97 Dados do Balanço Orçamentário da Prefeitura do Município de São Paulo
www.prefeitura.sp.gov.br/finanças.
,
disponíveis na página da Secretaria de Finanças do Município:
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
204
Não obstante a relativa independência financeira do município paulistano, este,
assim como os demais municípios brasileiros, está sujeito às regras determinadas
pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
para a oferta de ensino público. Além dessas determinações, o município pode
estabelecer regras adicionais em sua Lei Orgânica Municipal (LOM) e também
dispor de regulamentações por meio de legislação ordinária, desde que não haja
conflito com a Legislação Federal.
Em relação ao processo de planejamento e orçamentação das políticas de
educação, São Paulo deve seguir as definições constitucionais para o processo
orçamentário, isto é, para a elaboração do PPA, da LDO e da LOA, podendo, para
isso, engendrar seu próprio sistema de planejamento e determinar a organização
dos órgãos municipais envolvidos nessas tarefas.
Para que se possa entender o funcionamento das políticas de ensino fundamental
no município de São Paulo, analisaremos nesta seção: i) os principais impactos da
reforma federal do ensino fundamental em São Paulo; ii), os aspectos das regras
formais do ensino fundamental no município; iii) os dados relativos às receitas,
despesas e indicadores de ensino do município; e iv) as principais características do
processo orçamentário na cidade de São Paulo e suas conseqüências para o ensino
fundamental.
5.1.1 O impacto da reforma federal do ensino fundamental
Segundo Rocha (2003), a reforma do ensino fundamental ocorrida no final da
década de 1990 teve impacto importante no ordenamento das matrículas de ensino
fundamental em São Paulo. Esse reflexo pode ser percebido pela tabela 17 abaixo,
na qual se vê, a partir dos dados do Censo Escolar (MEC), do período de 1996 a
2005, a mudança no perfil das matrículas, que migraram da rede estadual para a
municipal.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
Anos
205
Estadual 1ª a 8ª Municipal 1ª a 8ª Particular 1ª a 8ª
1996
55,18%
28,14%
16,68%
1997
53,73%
29,56%
16,71%
1998
52,95%
30,56%
16,49%
1999
51,70%
32,06%
16,24%
2000
50,94%
32,55%
16,50%
2001
49,32%
33,80%
16,87%
2002
48,31%
34,48%
17,20%
2003
47,40%
35,07%
17,53%
2004
47,10%
35,32%
17,57%
2005
47,45%
34,85%
17,69%
Tabela 17 - Taxa de Participação nas Matrículas de Ensino Fundamental por Rede de Ensino no
Município de São Paulo – 1996/2005
Fonte: SME-ATP/Centro de Informática
Censos MEC 1996 a 2005
1993
Total de
Matrículas
507.666
Matrículas
1ª a 4ª
280.714
Matrículas
5ª a 8ª
226.952
1994
509.696
276.337
233.359
1995
501.323
270.402
230.921
1996
516.202
279.678
236.524
1997
531.302
289.603
241.699
1998
536.871
296.668
240.203
1999
554.628
311.137
243.491
2000
546.218
307.990
238.228
2001
550.954
309.425
241.529
2002
551.263
309.121
242.142
2003
552.792
304.450
248.342
2004
556.489
301.877
254.612
2005
549.091
292.405
256.686
Anos
Tabela 18 - Evolução do Número de Matrículas de Ensino Fundamental Regular na Rede
Municipal de São Paulo – 1993/2005
Fonte: SME-ATP/Centro de Informática
Anos 1993 a 1995 - Sistema Síntese de Alunos
Anos 1996 a 2005 - Censos MEC
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
206
Evolução do Núm ero de Matrículas no Ensino Fundam ental Regular
350.000
300.000
250.000
200.000
Matrículas
1ª a 4ª
150.000
100.000
Matrículas
5ª a 8ª
50.000
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Gráfico 6 - Evolução do Número de Matrículas na Rede Municipal de São Paulo - Ensino
Fundamental Regular – 1993/2005
Fonte: SME-ATP/Centro de Informática
Anos 1993 a 1995 - Sistema Síntese de Alunos
Anos 1996 a 2005 - Censos MEC
A ampliação da oferta de ensino fundamental pela rede municipal, no período, foi de
32.889 matrículas, conforme apresentado na tabela 18, o que implica um aumento
de 6,4% de 1996 a 2005. Ao se considerar o ano de 1988 como base, o impacto
torna-se maior, pois naquele momento havia 421.526 alunos matriculados (Rocha,
2003) e, em 2005, 549.091; resultando em um crescimento de 30,26%. O
incremento das matrículas no ensino fundamental sobreveio no período de 1997 a
1999, como se nota-se pelo gráfico 6; depois disso, houve uma redução seguida de
certa estabilização no número de matrículas, repetindo um comportamento nacional.
A mudança da oferta de ensino fundamental acontece principalmente com o
aumento da participação da rede municipal que passou de 28,14%, em 1996; para
34,85%, em 2005, e a conseqüente queda nas matrículas da rede estadual, de
55,18% para 47,45%, respectivamente.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
207
Porém, mesmo com o crescimento do número de alunos na rede municipal, a rede
estadual
mantém-se
como
principal
ofertante
do
ensino
fundamental
98
,
diferentemente do ocorrido com boa parte dos municípios brasileiros, como se
depreende dos dados apresentados no capítulo 299.
O crescimento da oferta de ensino fundamental foi acompanhado do aumento da
receita municipal, sobretudo advinda do Fundef. No período de 1999 a 2006, de
acordo com a tabela 19, a seguir, o município de São Paulo passou a contar com
uma receita líquida do Fundef da ordem de R$ 170,5 milhões, inicialmente, e de R$
496,4 milhões, no último ano; um crescimento real de 191%. Esses recursos foram,
em sua maioria, gastos com pagamento de pessoal100.
Ano
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
em R$ mil*
Valor
170.542
205.542
267.707
293.093
403.458
379.144
404.378
460.617
496.383
Tabela 19 - Recursos Adicionais do Fundef - Município de São Paulo - 1998/2006
Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em
Educação, da Prefeitura Municipal de São Paulo de 1998 a 2006.
*Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006.
Além das alterações nas regras formais do financiamento do ensino fundamental
trazidas pela reforma federal de 1996, que impactou a oferta de matrículas entre
redes, São Paulo teve também outras mudanças nas regras formais do
financiamento do ensino fundamental. Essas ocorreram em função de emendas à
Lei Orgânica Municipal e da criação de legislação ordinária sobre ensino municipal,
que foram engendradas no ano de 2001, com vistas à construção de um novo
98 Chama a atenção na análise desses dados o crescimento da oferta de ensino fundamental pela rede particular. Esta questão, no entanto, está fora do
foco desta tese.
99 Possivelmente a manutenção da predominância de oferta estadual nas matrículas do ensino fundamental está ligada à relativa independência de São
Paulo em relação às transferências intergovernamentais, e ao fato de que a rede municipal já contava com número significativo de matrículas, o que teria
tornado o ganho adicional do Fundef menos atrativo do que para outros municípios. Com isso, o efeito indutor do Fundo para a municipalização teria sido
amenizado.
100 A questão será vista em maior detalhe na seção 5.1.3.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
208
arranjo institucional do ensino no município. A seguir, os principais pontos dessas
mudanças.
5.1.2 As alterações na legislação municipal
Em São Paulo, até o ano de 2001, a determinação da LOM era a de que deveria ser
aplicado em educação 30% das receitas resultantes de impostos e transferências,
conforme o artigo 208 da lei, promulgada em 4 de abril de 1990, conforme a
transcrição101.
Art. 208 – “O Município aplicará, anualmente, no mínimo 30% (trinta
por cento) da receita resultante de impostos, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do
ensino fundamental e da educação infantil, nos termos do art. 212, §
5º da Constituição da República.”
Entretanto, essa determinação foi por muitos anos descumprida, segundo os
balanços publicados pela Secretaria de Finanças, além da análise do Tribunal de
Contas do Município
102
. De acordo com Rocha (2003), a situação de
descumprimento legal chegou a tal ponto que, em 1997, o então prefeito promulgou
a Lei n.º 12.340, que determinava um pagamento adicional à educação de R$
280.729.940,00 até o ano 2000103.
A despeito da apresentação da Lei 12.340 em 1997, o executivo municipal continuou
a descumprir a aplicação de 30% dos recursos de impostos e transferências na
educação municipal durante a gestão de 1997 a 2000104.
Em 2001, foram realizadas alterações na Lei Orgânica Municipal com base na
proposta do poder executivo de aumentar o percentual de vinculação legal para
101 Até a promulgação da LOM, a regra vigente para aplicação de recursos na educação no município de São Paulo, assim como para os demais
municípios brasileiros, era a vinculação orçamentária de 25% de impostos e transferências, conforme previsto inicialmente na Lei Calmon e, depois, na
Constituição Federal de 1988, conforme apresentado no capítulo 2.
102 Na próxima seção será feita uma análise desses demonstrativos de gastos no ensino.
103 A aprovação da lei, conforme ressalta Rocha (2003), não compensaria os prejuízos causados à educação no período anterior, visto que o fluxo de
alunos do passado, por razões óbvias, não poderia ser corrigido, bem como a ausência de estruturas e planejamento decorrentes do não emprego de
recursos implicaria em um gasto a mais de tempo e recursos humanos, na tentativa de recuperar o que se havia perdido.
104 Esse fato ensejou inclusive a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito pela Câmara Municipal de Vereadores em 1999. A CPI, no entanto,
não chegou a concluir seus trabalhos de forma aprofundada, em função da pressão política exercida pelos vereadores governistas, membros da Comissão,
e o relatório final nada concluiu sobre a questão que estava sendo investigada (BASSI, 1999.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
209
educação de 30% para 31%. Essa mudança foi feita por meio da Emenda à Lei
Orgânica n.º 24/01, a qual modificou artigos da LOM, estabelecendo que a educação
no município de São Paulo seria organizada a partir do Plano Municipal de
Educação, que, por sua vez, atenderia à LDB (Lei 9.394/96). Da mesma maneira, o
percentual estabelecido pela LOM que ultrapassasse aquele definido no artigo 212
da Constituição Federal deveria seguir as determinações de lei ordinária municipal,
como mostra o artigo 200 da LOM, transcrito a seguir, com a redação dada pela
Emenda 24/01.
Art. 200 – “A educação ministrada com base nos princípios
estabelecidos na Constituição da República, na Constituição
Estadual e nesta Lei Orgânica, e inspirada nos sentimentos de
igualdade, liberdade e solidariedade, será responsabilidade do
Município de São Paulo, que a organizará como sistema destinado à
universalização do ensino fundamental e da educação infantil.
§ 4º O Plano Municipal de Educação atenderá ao disposto na Lei
Federal nº 9.394/96 e será complementado por um programa de
educação inclusiva cujo custeio utilizará recursos que excedam ao
mínimo estabelecido no artigo 212, § 4º, da Constituição Federal.
(Acrescido pelo artigo 5º da Emenda nº 24, de 26/12/01).
§ 5º A lei definirá as ações que integrarão o programa de educação
inclusiva referido no parágrafo anterior”.
Dessa forma, no município de São Paulo passou a ser obrigatória a aplicação de
31% das receitas de impostos e transferências em duas partes: nunca menos de
25%, conforme as determinações da Lei 9.424/96 (LDB) e os 6% restantes105 seriam
aplicados segundo a legislação municipal ordinária. A determinação da legislação
municipal está explicita no § 2º do artigo 208, conforme transcrição a seguir:
Art. 208 – “O Município aplicará, anualmente, no mínimo 31% (trinta
e um por cento) da receita resultante de impostos, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do
ensino fundamental, da educação infantil e inclusiva (Redação dada
pelo artigo 1º da Emenda nº 24, de 26/12/01).
§ 1º - O Município desenvolverá planos e diligenciará para o
recebimento e aplicação dos recursos adicionais, provenientes da
contribuição social do salário-educação de que trata o artigo 212, §
5º da Constituição da República, assim como de outros recursos,
conforme o artigo 211, § 1º da Constituição da República (Redação
dada pelo artigo 1º da Emenda nº 24, de 26/12/01).
105 É importante ressaltar que esse percentual adicional pode ser inferior a 6%, caso se aplique mais que 25%, conforme as determinações da LDB, o que
não é permitido é aplicar percentual inferior a 25% nesse tipo de despesa e tampouco pode ser aplicado menos de 31% no cômputo geral.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
210
§ 2º - A lei definirá as despesas que se caracterizam como
manutenção e desenvolvimento do processo de ensinoaprendizagem, bem como da educação infantil e inclusiva.”
Assim, foi promulgada a Lei 13.245/01, com a proposta de regulamentar os gastos
com educação no município, acatando a divisão proposta de aplicação de 25% e 6%
das receitas de impostos e transferências municipais. O artigo 2º dessa lei prevê que
os recursos decorrentes da parcela de 25% sejam aplicados nas mesmas despesas
previstas no artigo 70 da LDB106. Já seu artigo 3º, transcrito a seguir, visa atender o
§ 5º do artigo 200 e o § 2º do artigo 208, vistos anteriormente, que prevêem as
despesas consideradas para efeito dos gastos da parcela de 6%, ou o que exceder
à aplicação mínima prevista na CF e na LDB.
Art. 3º - “Serão consideradas como despesas relativas à educação
inclusive para fins do disposto do § 5º do artigo 200 da Lei Orgânica
do Município:
I - programas voltados à educação de jovens e adultos que não
tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e
médio na idade própria;
II - programas de reinserção educacional da criança e adolescente
em situação de risco pessoal ou social;
III - programas especiais para educação de crianças e adolescentes
com deficiência;
IV - programas voltados para a educação profissionalizante visando o
desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva;
V - programas que fortaleçam a inclusão de crianças e adolescentes
na ação educacional do município;
VI - custos de produção e transmissão de programas de educação
promovidos ou patrocinados pelo Poder Público Municipal,
veiculados em emissoras de rádio e televisão;
VII - manutenção e criação de centros integrados de educação e
cultura, instalação de telecentros para acesso a novas tecnologias de
informação e comunicação, em específico, às redes municipais e
mundiais de conhecimento; bem como, instalação de bibliotecas
públicas infanto-juvenis em apoio à rede municipal de ensino;
VIII - provisão de alimentação em creches, escolas de educação
infantil, ensino fundamental e supletivo.”
As modificações acarretadas pela Emenda à Lei Orgânica e pela Lei 13.245/01
merecem destaque em alguns aspectos. O primeiro deles é ter implicado
106 Com exceção do item IX, que prevê a possibilidade de inclusão das despesas com pessoal inativo da educação, item este que não se encontra
explicitamente previsto na LDB, como foi já comentado no capítulo 2 desta tese.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
211
concretamente o aumento do volume de recursos destinado à educação no
município, pois, de fato, 1% a mais passou a ser alocado, ainda que em uma
caracterização de despesas mais ampla, conforme estipula o artigo 3º da lei
transcrito (ROCHA, 2003).
Esse artigo passou a permitir os gastos com a chamada “educação inclusiva” em
São Paulo e, dentre os itens dispostos depois da alteração sobressaem aqueles que
visam à inclusão da criança e do adolescente nas ações educacionais. Assim,
sendo, programas como o bolsa-escola e o renda-mínima surtem efeito, na análise
de Araújo e Luzio (2005), especialmente em famílias cuja carência leva
inexoravelmente à evasão escolar e ao trabalho infantil precoce.
A previsão de realizar gastos com programas para jovens e adultos também é
importante diante das constatações da reforma federal do ensino fundamental que
reduziu a possibilidade de investimentos nessa modalidade de ensino. Contudo,
deve-se destacar que, não obstante o mérito, alguns itens do artigo 3º foram
inseridos com um grau de generalidade que admite a inclusão de ações variadas e
não necessariamente aquelas que constavam da intenção do legislador.
Segundo Rocha (2003, p. 38), o texto referente aos incisos II, III e V pode ensejar,
futuramente: “ações fragmentadas e pontuais que não concorram, por seu conteúdo
e forma, para a proteção da criança e para sua permanência na escola.” Aqui é
forçoso ressaltar que existe um tênue limite entre ações que visam ao ensino - e
para isso faz uso de programas de inclusão associados à escola - e aquelas de
cunho meramente assistencial, cuja iniciativa não deveria ser vinculada aos recursos
da Educação.
Nesse sentido, deve-se considerar que a intenção do legislador, e em especial do
governo que propõe determinada legislação, não necessariamente será aquela de
quem avalia a lei e de quem a executa anos mais tarde, visto que, como lembra
CLUNE (1987), a escolha institucional é sempre subjetiva. Dessa forma, a chance da
regra ser alterada ou subvertida será proporcional à fragilidade institucional com a
qual é constituída. Quanto menor a clareza da regra, maior a probabilidade de
derivação de regras informais a partir desta. Assim, como se tem insistido ao longo
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
212
desta tese, as brechas legais e a possibilidade de múltiplas interpretações dão
origem a regras informais, que passam a ser seguidas pelos agentes.
5.1.3 Receitas e gastos com ensino fundamental e indicadores de ensino no
período de 1997 a 2006
Neste tópico buscaremos apresentar alguns dados relativos às receitas e despesas
com manutenção e desenvolvimento do ensino no município de São Paulo, com
destaque para o ensino fundamental. A análise dos dados tem o intuito de avaliar
qual foi a evolução das receitas e despesas no período de 1997 a 2006, isto é, após
as mudanças da reforma federal para o ensino fundamental, e também de
compreender o impacto das mudanças na legislação municipal de ensino, a partir de
2001. Ademais, será importante avaliar se houve alterações significativas nos
indicadores de rendimento e desempenho escolar no período e, para isso, serão
apresentados alguns indicadores de ensino do município de São Paulo.
Para a análise das receitas e despesas serão utilizadas inicialmente três tabelas: a
tabela 20 demonstra as receitas de impostos e transferência do município no período
em questão; a tabela 21A a mostra as despesas com manutenção e
desenvolvimento do ensino em São Paulo, segundo o que determina a LDB; e a
tabela 21B expõe as despesas com educação inclusiva no município paulistano,
geradas depois das alterações legais ocorridas em 2001, conforme descrição
anterior.
A partir da tabela 20, podem-se acompanhar alguns elementos relevantes acerca
das receitas e despesas do ensino fundamental em São Paulo nos últimos anos. A
primeira questão que chama atenção é a evolução das receitas de impostos e
transferências consideradas para efeito do cálculo dos gastos com ensino
fundamental, que cresceu de forma significativa no período, passando de R$ 7,3
bilhões, em 1997, para R$ 13,1 bilhões, em 2006; um crescimento de 78,7% em
termos reais. Essa expansão é fruto principalmente da arrecadação do IPTU, do ISS
e da quota-parte do ICMS.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006
213
Tabela 20 - Evolução das Receitas de Impostos e Transferências destinadas à Educação no Município de São Paulo - 1997/2006
Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo nos Diários Oficiais da
época e Pareceres do Tribunal de Contas do Município, publicados no Diário Oficial do Município em 29/09/01.
*Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006.
(1) As receitas referentes à Lei Kandir e à multa e juros de mora de impostos só passaram a ser incluídas nos Demonstrativos da Educação em 2001.
(2) Essa receita tem uma significativa variação de um ano para outro em função do eventual parcelamento de débitos realizado pela prefeitura em alguns anos.
(3) Conta de ajuste contábil para arrecadação dos impostos da prefeitura, os quais são depois classificados corretamente no Balanço Anual nas devidas rubricas, sua
contabilização, contudo, não altera a nossa análise.
(4) A aplicação legal é a vinculação de impostos e transferência para a educação, sendo que, até 2001, o percentual de cálculo é 30% e, a partir daquele ano, passa a 31%.
(5) Nesse total são consideradas além das receitas de impostos e transferências, as receitas adicionais do Fundef e outras, como os repasses do Fundo Nacional de
Desenvolvimento do Ensino e do Salário Educação (FNDE).
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006
214
Tabela 21A - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino no Município de São Paulo - 1997/2006 (Conceito LDB)
Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo nos Diários Oficiais da
época e Pareceres do Tribunal de Contas do Município, publicados no Diário Oficial do Município em 29/09/01.
*Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006.
(1) Gasto referente ao pagamento de servidores aposentados comissionados. Em 2002, esse pagamento passou para a função Trabalho. (2) Gasto referente ao pagamento
de servidores aposentados comissionados e parte do contrato da PRODAM para o sistema de processamento de dados da Educação. Em 2002, o gasto com a Prodam
passou à subfunção Tecnologia da Informação na própria função Administração e, em 2006, passou à subfunção Tecnologia da Informação dentro da função Educação. (3)
Gasto referente ao pagamento de benefícios a servidores aposentados comissionados. Em 2002, esse pagamento passou para a função Trabalho. Em 2005, voltou a ser
contabilizado na função Administração, subfunção Proteção e Benefícios ao Trabalhador. (4) Essa função era designada anteriormente como Assistência e Previdência, sendo
desdobrada, a partir de 2002, passando a constituir duas funções: Assistência (função 08) e a Previdência (função 09). (5) Gasto contabilizado até 2001 nas despesas
consideradas para efeito do cumprimento da LDB. Nesses gastos estavam incluídas despesas administrativas da Secretaria da Assistência para a operação e manutenção de
creches, inseridas na subfunção ensino infantil. Passaram a ser administrados pela Secretaria da Educação em 2002. Além desses gastos, até 2000 eram incluídas nessa
subfunção despesas assistenciais como a atividade "Manutenção de Menores em Centros de Juventude Conveniados", o que era proibido pela LDB. (6) Esses gastos são da
antiga função Saúde e Saneamento, que passou a ser função Saúde. Referem-se às despesas com parte da subvenção ao Hospital do Servidor Público. O financiamento
dessas despesas com recursos da Educação era proibido pela LDB. (7) Despesas referentes à manutenção e operação de bibliotecas. Em 2002, por determinação do TCM,
passaram a ser incluídas nos gastos com educação inclusiva. (8) Despesas referentes ao subsídio para tarifa de ônibus dos estudantes do ensino fundamental. (9) Despesas
referentes ao pagamento de sentenças judiciais de funcionários da educação (precatórios alimentares). (10) Despesas referentes ao pagamento de despesas que não tiveram
seu processamento adequado no ano de sua execução (DEAs - Despesas de Exercícios Anteriores).
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006
215
Tabela 21B - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino no Município de São Paulo - 1997/2006 (Conceito Educação Inclusiva)
Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo nos Diários Oficiais da
época e Pareceres do Tribunal de Contas do Município, publicados no Diário Oficial do Município em 29/09/01.
*Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006.
(1) O gasto com merenda escolar, classificado na subfunção Alimentação e Nutrição, foi contabilizado em 3 funções distintas: Saúde, Assistência e Agricultura até ser inserido
na própria função Educação. Em 2006, foram realizados também gastos com utensílios para merenda na subfunção ensino infantil.
(2) Despesa referente ao gasto com a implantação e operação de telecentros, que passou depois a ser executado na subfunção Tecnologia da Informação, da função
Educação.
(3) Gasto referente ao Programa de Renda Mínima e à Alfabetização de Jovens e Adultos.
(4) Gasto referente ao Programa Bolsa Trabalho para profissionalização de jovens.
(5) Despesas referentes ao subsídio para tarifa de ônibus dos estudantes de outros níveis de ensino, excluído o fundamental.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
216
Porém, ainda em relação ao crescimento das receitas, há que se levar em
consideração também o fato de que, até o ano 2001, algumas rubricas importantes,
como a Transferência da Lei Kandir (Lei Complementar 87/96) e a Receita de Multa
e Juros de Mora de Impostos107, não eram consideradas na base de cálculo das
receitas com ensino108.
Outra questão relevante da tabela 20 é o crescimento da receita adicional do
Fundef, como comentado no item 5.1.1, reflexo da mudança da legislação federal.
Essa receita adicional demonstra que o município de São Paulo, em função do
grande número de matrículas no ensino fundamental, recebe mais recursos do
Fundo do que contribui, o que fica claro na demonstração das receitas para o
exercício de 2006:
em R$ 1,00
1 Receitas
1.031.228.582
1.1 Transferências de recursosdo Fundef
1.025.958.134
- União
89.170.254
- Estado
936.787.880
1.2 Receitas de Valores mobiliários
5.270.448
Fundos de Investimentos - Fundef
5.270.448
2 Contribuições - 15% sobre o total arrecadado
534.845.705
2.1 Cota Parte do Fundo de Participação dos Municípios
14.994.144
2.2 Transferência referente à Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir)
5.384.574
2.3 Cota Parte do ICMS
509.749.136
2.4Cota Parte da Participação Estadual da Arrecadação do IPI
4.717.851
3 Receita Adicional do Fundef (1-2)
496.382.877
Tabela 22 - Receitas do Fundef – Município de São Paulo – 2006.
Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em
Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo de 1998 a 2006.
Quanto às despesas municipais com educação, apresentadas nas tabelas 21A e
21B, é importante ressaltar que, enquanto nos anos de 1997 a 2000, o percentual de
gastos em ensino ficava abaixo dos 30% definidos pela LOM109, a partir de 2001,
após a mudança na Lei Orgânica Municipal, esse patamar passou a superar os 31%
fixados. As alterações na lei, associadas à evolução das receitas de impostos e
transferências no município de São Paulo e às receitas adicionais do Fundef,
107 A Receita de Multas e Juros de Mora de Impostos advem do pagamento em atraso de impostos.
108 Havia uma discussão jurídica acerca da obrigatoriedade ou não de inclusão destss receitas, por se tratarem de receitas acessórias do imposto, em
função de atraso em seu pagamento. Por serem originadas em impostos, o TCM entendeu que são também devidas à educação municipal na proporção da
vinculação determinada na LOM (CALLEGARI, 1997)
109 Em 1999, o percentual de aplicação de recursos em Educação apresentado pela prefeitura era de 30,25%, porém, há a inclusão de despesas não
permitidas pela LDB como gastos com Saúde e Assistência Social, além de despesas com ensino supletivo (BASSI, 1999).
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
217
permitiram que as despesas com educação saltassem de R$ 2,2 bilhões, em 1997,
para R$ 4,2 bilhões, em 2006110; um crescimento real de R$ 2 bilhões, conforme
apresentado na tabela 21B.
Já no que concerne às despesas com ensino fundamental, a partir dos dados
apresentados nas tabelas 21A, percebe-se que passaram de R$ 987,9 milhões, em
1997, para R$ 1,4 bilhão, em 2006111. A tabela 23, a seguir, traz a média de gasto
anual da prefeitura com a subfunção ensino fundamental, nas três gestões
analisadas, em comparação ao número médio de matrículas por gestão, isto é, um
cálculo aproximado do custo aluno/ano em cada período.
Período
Gasto Médio/Ano Custo Aluno/Ano
em R$ mil*
1997-2000
2001-2004
2005-2006
979.906
1.045.156
1.375.546
em R$*
1.482
1.890
2.505
Tabela 23 – Despesa com a Subfunção Ensino Fundamental e Custo Aluno/Ano – Município de
São Paulo - 1997/2006.
Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em
Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo e dados do Inep/MEC, no período de 1997 a 2006.
*Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006.
*Nesse período foram também consideradas as matrículas do ensino fundamental supletivo, pois
eram consideradas no total da despesa apresentada pela prefeitura até 2000.
Como se pode observar, houve um incremento progressivo do custo aluno/ano no
período, o qual está associado ao maior volume de gasto e também à redução das
matrículas no ensino fundamental, conforme apontado no início deste capítulo.
Apesar do aumento no custo aluno, o crescimento das despesas da subfunção
ensino fundamental, de 42,9%, foi inferior ao aumento geral das despesas com
educação, que totalizaram um salto de 103% no período. Isso ocorreu dada a
evolução de outras despesas, como as administrativas e previdenciárias, além da
inclusão das despesas relativas à educação inclusiva, transportes e encargos
especiais, como se nota nas tabelas 21A e 21B.
110 Esses valores de despesas não incluem os gastos com os programas do FNDE, como PNAE e PNATE.
111 Aqui estão sendo consideradas apenas as despesas na subfunção ensino fundamental consideradas para efeito do cumprimento da LDB, não se
considera então os gastos com os programas Renda Mínima e Educação de Jovens e Adultos que constam do quadro B das despesas.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
218
A evolução das despesas com a subfunção ensino fundamental deve ser avaliada
em relação a indicadores importantes como o número de professores, a média de
alunos em sala de aula e os indicadores de rendimento escolar. A análise desses
indicadores, apresentados a seguir, não se propõe a explicá-los, a intenção é
verificar se foram alterados significativamente no período analisado.
O aumento supracitado, de 42,9% de despesas na subfunção ensino fundamental,
deu-se, em parte, pela contratação e efetivação de funcionários na Secretaria
Municipal de Educação (SME). A tabela 24 mostra que em 1997, havia na secretaria
24.968 professores de ensino fundamental; em 2004, passaram a 31.098, entre
efetivos e não efetivos, um crescimento de 25%112.
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Var. %
04/96
Docentes
Educação Infantil
7.772
8.077
8.179
8.074
8.267
8.431
17.528
20.885
20.922
169%
24.968
26.259
27.485
27.196
28.242
29.134
29.900
30.158
31.098
25%
214
263
279
270
232
252
282
242
238
11%
32.954
34.599
35.943
35.540
36.741
37.817
47.710
51.285
52.258
59%
Total
14.454
14.190
14.754
15.597
14.117
14.501
19.109
21.605
21.471
49%
Total Geral de Funcionários
47.408
48.789
50.697
51.137
50.858
52.318
66.819
72.890
73.729
56%
Ensino Fundamental
Ensino Médio e outros
Total
Não-Docentes
Tabela 24: Número de Funcionários – Docentes e Não-Docentes da Secretaria Municipal de
Educação - Prefeitura do Município de São Paulo – 1996/2004
Fonte: PMSP- SME-ATP/Centro de Informática (data base 31/05/2006).
Contudo, tal expansão foi inferior à ocorrida no quadro geral do funcionalismo da
Secretaria de Educação, que foi, no mesmo período, de cerca de 56%, impulsionada
pela contratação de não-docentes, 49% e, principalmente, pelos professores de
ensino infantil, 169%. No que tange ao último dado, o aumento aconteceu
majoritariamente em função da incorporação dos quadros de funcionários de
creches e pré-escolas, que, até 2002, estavam na Secretaria de Assistência Social.
A mudança ocorreu em atendimento ao previsto pela LDB de que o ordenamento da
rede de ensino infantil, de pré-escolas e creches, deveria ser feito pelas Secretarias
Municipais de Educação.
112 Apesar desse crescimento, segundo relato da cordenadoria de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Educação, o quadro do magistério da
educação está defasado em cerca de 10%, considerando os cargos vagos e a necessidade de professores calculada em função das matrículas.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
219
Entre 1997 e 2004, o número de escolas de ensino fundamental no município
cresceu 22,7%, passando de 378 para 464, enquanto as escolas de ensino infantil
tiveram um aumento de 25,0%, de 367 para 459, como mostra o gráfico 7 a seguir.
Gráfico 7 - Evolução da Quantidade de EMEI e EMEF em atividade – Rede Municipal de São
Paulo – 1993/2004
Fonte: PMSP- SME-ATP/Centro de Informática (data base 31/05/2006)
Apesar da contratação de professores e do incremento no número de escolas, a
média de alunos por classe de 1a a 8a séries permaneceu praticamente inalterada,
nos últimos anos, em 36 alunos, como mostra a tabela 25 a seguir.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
220
Tabela 25 - Evolução da Média do Número de Alunos por classe no Ensino Fundamental
Regular – Rede Municipal de São Paulo – 1993/2004
Fonte: SME-ATP/Centro de Informática
Anos 1993 a 1995 - Sistema Síntese de Alunos
Anos 1996 a 2004 - Censos MEC
Os dados seguintes são indicadores de rendimento escolar relacionados às taxas de
aprovação, reprovação e abandono no ensino fundamental do município de São
Paulo 113 no período de 1993 a 2004. A primeira coluna da tabela 26 mostra a
evolução da taxa de aprovação no município que, entre 1994 e1996, apresenta uma
piora e depois há uma melhora progressiva até 1999114, caindo novamente em 2000
e, a partir daí, há certa estabilidade.
113 Nesta análise não se pretende explicar o comportamento das taxsa de rendimento escolar, mas antes sim verificar se no período analisado, houve
alteração nessas nessas taxas.
114 É provável que essa alteração da taxa de aprovação no período de 1996 a 1999 seja decorrente da adoção da progressão automática dos alunos na
gestão iniciada em 1996. O mesmo efeito é percebido na taxa de reprovação.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
Anos
Taxa de Alunos
Aprovados
221
Taxa de Alunos
Afastados por
Abandono
7,36%
5,48%
Taxa de Alunos
Reprovados
1993
92,64%
1994
87,94%
12,06%
4,81%
1995
87,22%
12,78%
4,88%
1996
88,53%
11,47%
4,42%
1997
90,85%
9,15%
1,69%
1998
93,61%
6,39%
2,07%
1999
96,00%
4,00%
2,37%
2000
94,67%
5,33%
2,17%
2001
95,39%
4,61%
1,50%
2002
95,88%
4,12%
1,47%
2003
95,61%
4,39%
1,50%
2004
94,70%
5,30%
1,50%
Tabela 26 - Evolução da Taxa de Alunos Aprovados, Reprovados e Abandonos no Ensino
Fundamental – Rede Municipal de São Paulo – 1993/2004
Fonte: SME-ATP/Centro de Informática
Anos 1993 a 1995 - Sistema Síntese de Alunos
Anos 1996 a 2004 - Censos MEC
De forma complementar às taxas de aprovação, a reprovação no município de São
Paulo para o ensino fundamental é alta entre 1994 e1995; havendo um decréscimo
até 1999; em 2000, ocorre um aumento e, após essa data, mantém-se certa
estabilidade. Por fim, os dados de abandono no ensino fundamental mostram uma
tendência declinante até 2001 e, a partir de então, há estabilidade nos índices.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
222
100,00%
90,00%
80,00%
70,00%
60,00%
50,00%
Taxa de Alunos Aprovados
40,00%
Taxa de Alunos Reprovados
30,00%
Taxa de Alunos Afastados por
Abandono
20,00%
10,00%
0,00%
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Gráfico 8 - Taxa de Alunos Aprovados, Reprovados e Afastados por Abandono no Ensino
Fundamental no município de São Paulo – 1993/2004
Fonte: SME-ATP/Centro de Informática
Anos 1993 a 1995 - Sistema Síntese de Alunos
Anos 1996 a 2004 - Censos MEC
Os indicadores acima permitem perceber que, apesar do maior fluxo de recursos
financeiros disponibilizados para o ensino no município, especialmente para o
ensino fundamental, no período de 1997 a 2006, pouco reflexo houve nos
indicadores de rendimento nos anos mais recentes. A pequena variação no número
médio de alunos por sala de aula também chama a atenção pois, no período, houve
de fato um incremento no número de docentes contratados.
Somam-se à baixa variação desses indicadores, os resultados do município nas
avaliações do ensino básico, que mostram um desempenho bastante fraco. Exemplo
disso foi o desempenho dos estudantes da rede municipal de São Paulo na Prova
Brasil realizada em 2005. Como é possível perceber pela tabela 27 abaixo tanto em
português, como em matemática, na 4ª e 8ª séries, a média alcançada ficou aquém
da nacional.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
223
Língua Portuguesa
Matemática
4a. Série 8a. Série 4a. Série 8a. Série
Média Nacional
173
223
180
237
Média São Paulo
166
220
173
232
Tabela 27 - Desempenho dos alunos na Prova Brasil 2005 - Brasil e Município de São Paulo
Fonte:Inep/ MEC, maio/2007.
Ante a constatação do aumento expressivo do volume de recursos disponibilizado
para o ensino municipal, em especial, o ensino fundamental, e a variação pouco
significativa dos indicadores de rendimento e desempenho dos alunos da rede,
buscar-se-á, nas próximas seções, apresentar alguns fatores importantes referentes
a falhas nas regras formais do financiamento do ensino e a características da
estrutura de governança do ensino municipal, que podem ter contribuído para a
baixa eficiência da organização do ensino fundamental em São Paulo.
5.1.4 Falhas nas regras formais do financiamento do ensino no município de
São Paulo
Na análise das falhas nas regras formais, algumas questões precisam ser apontadas
com respeito às regras do financiamento do ensino fundamental em São Paulo, bem
como às relativas ao planejamento e orçamentação das políticas públicas do ensino
no município.
Falhas na legislação municipal do ensino
Em relação à legislação municipal de ensino é importante frisar, como já
apresentado, que durante o período compreendido de 1997 a 2000 houve um claro
descumprimento da legislação vigente para a aplicação de 30% das receitas de
impostos e transferências no ensino, o que resultou em prejuízos também para o
ensino fundamental. A transgressão envolveu a não consideração de itens de
receitas no montante de cálculo, o que implicou a redução das receitas disponíveis
para a educação, além da inclusão de gastos não permitidos pela LDB, como
despesas de assistência social. Embora fosse evidente, isso não ensejou a rejeição
da prestação de contas do governo municipal na maior parte do período 115 . Tal
115 Em alguns anos, como 1996, 1997 e 1998, o Tribunal de Contas Municipal apresentou relatório final do Balanço Municipal em claro desacordo com o
parecer da área técnica desse órgão. Os técnicos apontavam o descumprimento dos gastos com ensino e, apesar disso, o parecer dos Conselheiros do
TCM sugeria à Câmara de Vereadores a aprovação das contas Em 1999, após todas as discussões ocorridas na CPI da Educação e da pressão política e
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
224
situação revela que, entre 1997 e 2000, houve um grave problema no município, no
que diz respeito ao ensino, em função do reiterado descumprimento da legislação
municipal e federal.
Ademais, deve-se ressaltar que não havia preocupação com a transparência dos
dados de prestação de contas do ensino, descumprindo-se a obrigatoriedade de
publicação dos Demonstrativos de Ensino até 30 dias após o fim do bimestre116,
além da não informação acerca do detalhamento das despesas consideradas para o
cálculo do percentual aplicado. O demonstrativo das despesas era apresentado
apenas no nível de função e subfunção, o que impossibilitava o controle do
andamento de projetos e atividades ligados ao ensino117.
No período seguinte, de 2001 a 2004, houve a mudança da legislação que permitiu o
incremento das receitas e também elevou o montante de despesas com ensino,
passando o percentual de vinculação da educação a 31%. Essa legislação deu
maior flexibilidade, no entanto, ao uso dos recursos, permitindo, por exemplo, que o
gasto com merenda tivesse um papel mais destacado. Nesse período, houve,
porém, em mais de um exercício, o descumprimento da aplicação da receita líquida
do Fundef. Em 2001, por exemplo, apenas 41% dessas receitas foram aplicadas no
ano, restando R$ 125,1 milhões depositados em conta bancária118.
Esse recurso, como se sabe, é de uso obrigatório para o ensino fundamental e
preferencialmente para a valorização do corpo docente. Na cidade de São Paulo,
optou-se pela sua utilização para o pagamento da despesa de pessoal do ensino
fundamental. Existe, porém, até hoje, uma dificuldade de coordenação dessa fonte
juntamente com os recursos vinculados, o que fez com que, por mais de uma vez,
esses recursos tenham “sobrado” na conta-corrente, sem que se tenha conseguido
utilizá-los no exercício de sua vigência. Essa dificuldade está relacionada a
problemas existentes tanto no processo orçamentário quanto na estrutura de
governança do ensino municipal, que se verá posteriormente.
social que acompanhou o caso, o TCM decidiu por um parecer rejeitando as contas parcialmente em função da educação, que foi aprovado pela Câmara.
As contas de 2000 ainda não foram apreciadas pelo legislativo.
116 Conforme pode ser observado pelo acompanhamento dos Diários Oficiais do Município, entre os anos de 1997 e 2000.
117 O demonstrativo só passou a ser apresentado de forma detalhada a partir do exercício de 2001, quando tornou-se possível acompanhar projetos e
atividades, além dos órgãos responsáveis por sua gestão.
118 Dados do Demonstrativo de Aplicação de Recursos em Educação, publicado Diário Oficial do Município de São Paulo, em 30/01/2002.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
225
Na atual gestão, iniciada em 2005, algumas questões também merecem destaque,
no que diz respeito ao cumprimento das regras formais, referentes ao ensino
fundamental no município. Em primeiro lugar, nota-se que nessa gestão passou a
ser adotada uma visão diferente das despesas relativas à parcela referente à
educação inclusiva, descrita pela Lei Municipal 13.245/01. Conforme comentado,
alguns itens do artigo 3º, da referida lei, que estabelece o que é considerado gasto
com educação inclusiva, foram expressos com demasiada ambigüidade e poderiam
dar margem à inclusão de despesas de caráter assistencial, contrariando o espírito
da lei. Isso de fato ocorreu no exercício de 2005 e de 2006, quando passaram a
fazer parte do Demonstrativo de Aplicação dos Recursos em Educação as despesas
com assistência ao portador de deficiência e com assistência à criança e ao
adolescente, administradas pela Secretaria Municipal de Assistência Social. Essas
despesas não constavam do Demonstrativo de Gastos com Ensino, aprovado na Lei
Orçamentária para o exercício de 2005, sendo incluídas no último bimestre do
exercício. Tal fato pode ser explicado em função da mudança de gestão, pois o
orçamento de 2005 foi elaborado pela administração anterior, sendo a atual
concepção de gastos, interpretação da nova administração. O interessante, contudo,
é que no exercício de 2006, os gastos com assistência social também não
constavam do Demonstrativo de Aplicação de Recursos em Educação aprovado
pela Lei Orçamentária para 2006 e, durante a execução orçamentária, ao final do
exercício, foram novamente incluídos119.
Além da despesa com assistência social, há os gastos relativos ao transporte
coletivo urbano, que foram incluídos na parcela referente às despesas que seguem
a determinação da LDB. Nesse caso, também houve uma ampliação da
interpretação da lei que permite ao município empregar os recursos vinculados com
transporte escolar. O transporte coletivo urbano incluído no demonstrativo refere-se
aos gastos com passe de ônibus dos estudantes do ensino fundamental (incluídos
na tabela 21A) e de outros níveis de ensino (incluídos na tabela 21B) que são
subsidiados pela prefeitura. Assim, além do gasto com as peruas escolares, houve a
inserção, nas despesas com ensino, dos gastos da Secretaria de Transportes com
119 Esses dados foram obtidos a partir da publicação da proposta orçamentária da PMSP e das prestações de contas bimestrais da Aplicação de Recursos
em Educação, no Diário Oficial do Município, nos anos de 2005 e 2006.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
226
subsídio à tarifa de ônibus, que é dado para o passe escolar. Esse item também só
foi incluído no final do exercício.
Ainda que haja uma interpretação de legalidade dessas despesas dentro do que
prevê a legislação do ensino, na prática, estas reduzem a amplitude possível dos
gastos com ensino fundamental administrados diretamente pela Secretaria Municipal
da Educação.
Nos exercícios de 2005 e 2006, os recursos relativos aos programas do FNDE/MEC
e da cota-parte do salário-educação (QESE)120, recebidos pelas transferências da
União e do estado, não foram utilizados na íntegra nos programas municipais,
restando saldos significativos no final do exercício, como se observa na tabela 28 a
seguir:
Receitas
Despesas
Aplicação a
maior/menor
1999
48.769,0
48.769,0
2000
63.763,5
63.763,5
2001
80.638,7
78.888,7
2002
87.054,6
93.242,6
2003
95.080,2
95.570,9
2004
182.541,8
186.024,4
2005
252.034,2
212.812,4
em R$ mil
2006
280.449,8
190.832,6
0,0
0,0
1.749,9
-6.188,0
-490,7
-3.482,6
39.221,8
89.617,2
Tabela 28 - Evolução da Aplicação de Outras Receitas da Educação (FNDE e QESE) no
Município de São Paulo – 1999/2006
Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em
Educação, da Prefeitura Municipal de São Paulo, nos Diários Oficiais da época.
Novamente, nesta gestão, a aplicação da parcela adicional do Fundef não foi
cumprida em sua totalidade ao final do exercício. Em 2006 restou um saldo de R$
111,9 milhões121 de recursos do Fundef a aplicar122.
A não utilização da totalidade dos recursos do Fundef implicou o descumprimento da
legislação federal, que determina a aplicação de 60% da vinculação orçamentária
definida no artigo 212 da CF, além dos recursos adicionais do Fundef; assim, mais
120 Os programas com recursos do FNDE/MEC e verba QESE foram apresentados no capítulo 2.
121 Dados apresentados no Demonstrativo de Aplicação de Recursos em Educação, no Diário Oficial do Município de São Paulo, de 16/03/2007.
122 O descumprimento da aplicação dos recursos do Fundef fere o princípio constitucional da anualidade, apesar de haver para isso respaldo em um brecha
legal criada pelo art. 8º da LRF, que permite a aplicação de recursos vinculados em exercixio distinto de sua arrecadação, conforme descrito no capítulo 2.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
227
uma vez, os recursos destinados ao ensino fundamental ficaram abaixo da cota
estipulada pela Constituição Federal123, como se nota na tabela29:
Tabela 29 - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental no Município de São Paulo - 1999/2006
Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em
Educação, da Prefeitura Municipal de São Paulo, nos Diários Oficiais da época.
*Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006.
Questões como essas mostram que nos últimos anos houve reiteradas vezes o
descumprimento de algumas das regras do financiamento do ensino no município,
com impacto importante para o ensino fundamental, principalmente no que concerne
à aplicação dos recursos do Fundef e à cota prevista para esse nível de ensino. A
não execução das regras se deu sem que houvesse maiores problemas processuais
junto aos órgãos de controle, tanto os municipais, quanto os federais124.
Falhas no processo orçamentário
Conforme mostrado no capítulo 4, apesar da importância dos instrumentos
constituídos para a implementação do processo orçamentário no Brasil, isto é, o
Plano Plurianual de Ações (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei
Orçamentária Anual (LOA), existem disjunções nas regras orçamentárias que as
123 Conforme jvisto no capítulo 2, a Constituição Federal determina que no mínimo 60% da aplicação obrigatória, de 25%, prevista no artigo 212, seja
aplicado no ensino fundamental.
124
Quanto a isto vale lembrar que além da avaliação do poder legislativo do município, inclusive o
Tribunal de Contas Municipal, e os Conselhos Municipais , também os órgãos de controle federal
como o TCU e o Conselho Nacional de Educação têm como responsabilidade o controle dos
repasses federais e do Fundef. Além disso, faz parte dos controles criados pela Lei de
Responsabilidade Fiscal o acompanhamento pela STN e Senado Federal do cumprimento dos
percentuais mínimos de aplicação de recursos em educação e no ensino fundamental.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
228
tornam pouco eficientes, prejudicando o processo de implementação e gestão de
políticas públicas no Brasil.
Esses problemas ocorrem também no município de São Paulo e são verificáveis nos
três instrumentos do ciclo orçamentário. No período de análise das políticas públicas
do ensino fundamental, de 1997 a 2006, apesar da existência de diferentes tipos de
gestões administrativas, dadas por três distintos mandatos políticos, há problemas
semelhantes nas peças do processo orçamentário.
O município teve três PPAs no período analisado: o primeiro com vigência de 1998 a
2001; o segundo de 2002 a 2005 e o terceiro, em andamento, de 2006 a 2009.
Durante esse tempo, observa-se uma evolução na forma de elaboração desse
instrumento. O primeiro PPA apontado não apresentava metas nem indicadores de
acompanhamento dos programas, tampouco gestores. O grau de generalidade da
Lei 12.571/98 que instituiu esse plano permitia a inclusão de variados tipos de
despesas na LDO e na LOA, sem que houvesse a necessária adequação ao PPA.
Como este foi elaborado antes da vigência da LRF, a preocupação tanto do poder
executivo quanto do legislativo com sua elaboração era mínima.
Já nos dois últimos planos, instituídos pelas leis 13.257/01 e 14.123/05, houve a
construção de diretrizes e prioridades para a Administração Pública, com a
apresentação de metas físicas e financeiras para as diversas áreas da administração
municipal, além de indicadores de desempenho.
No que toca à educação, a Lei 13.257/01, que instituiu o PPA para 2002-2005,
estabeleceu como objetivo geral para o ensino, a aplicação dos recursos
obrigatórios da educação, como pode ser visto no quadro abaixo. Foram, além disso,
estabelecidos seis programas de ensino: o ensino fundamental, o infantil, a
educação especial, o atendimento a jovens e adultos, a garantia de acesso e
permanência e, por fim, a democratização da gestão e qualidade social. Quanto ao
ensino fundamental, está apresentado a seguir o principal objetivo do programa.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
229
Objetivo Geral
Principais Secretarias envolvidas: Secretaria Municipal de Educação,
Secretaria de Desenvolvimento Trabalho e Solidariedade, Secretaria
Municipal de Transportes, Secretaria municipal de Esportes, Secretaria
Municipal da Cultura e Secretaria Municipal de Meio Ambiente
Aplicação dos recursos resultantes de 30% das receitas de impostos e
transferências no desenvolvimento do ensino infantil e fundamental,
além da aplicação dos recursos do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério - Fundef, respeitando a legislação vigente.
(...)
Programa 1: Educação de crianças e adolescentes de 07 a 14 anos
Objetivo: atendimento à demanda de 07 a 14 anos, através de
construção e reforma de escolas municipais de ensino fundamental,
garantindo a formação permanente de seus profissionais, sua
manutenção, seus equipamentos, inclusive na área de informática,
materiais permanentes e de consumo, assim como projetos pertinentes
à ação educativa, à qualidade e à gestão.
Valores Propostos para o Programa no Período 2002 a
2005
2002
2003
2004
2005
Total
Recursos
36,1
40
59
59,4
194,5
Ação: Construção, reforma e ampliação de Escolas de Ensino
Fundamental
Meta: Expansão de 36 mil vagas no ensino fundamental
Indicador: aluno atendido
Quadro 5 – PPA – Educação - 2002/2005
Fonte: Lei 13.257/01 - Plano Plurianual da Prefeitura Municipal de São Paulo – 2002/2005 – Anexo II
A partir do quadro acima, percebe-se que para o ensino fundamental a expectativa
era, principalmente, a de aumentar o atendimento de alunos, por meio da construção
de EMEFs.
Contudo, apesar de representar avanços, esse plano revelou-se de pouco eficácia
para o planejamento do ensino fundamental, visto que, no final de 2001, foi realizada
a alteração na LOM, aumentando o percentual e a forma de aplicação de recursos
no ensino, questões não previstas no PPA. Além disso, no ano seguinte à
aprovação, a administração municipal decidiu adotar como principal projeto na área
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
230
da educação a implantação dos Centros Educacionais Unificados (CEUs), proposta
que também não foi prevista no PPA125.
O PPA relativo ao quadriênio 2006-2009, estabelecido por meio da Lei 14.123/05, foi
também elaborado seguindo os conceitos de diretrizes, objetivos e metas para todas
as áreas do governo. Em relação ao ensino fundamental, o plano estabelece como
principal objetivo: “assegurar o acesso, a permanência e a melhoria da qualidade do
Ensino Fundamental”. Para isso, foram estabelecidas metas físicas e financeiras,
apresentadas a seguir:
125 Quanto a esta questão, é importante ressaltar que a permissão para a inclusão de novos programas, bem como a revisão ou modificação do PPA é
permitida pela própria lei que instituiu o plano, em seus artigos 4º e 5º. Com isso, o ordenamento proposto nas metas indicativas, físicas e financeiras, foi
todo revisto, na medida em que esse projeto abrangeu financeiramente parte significativa dos recursos de investimentos.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
231
Código do Programa: 0158 Descrição: Ensino Fundamental
Objetivo: Assegurar o acesso, a permanência e a malhoria da qualidade do Ensino Fundamental
Valor 2006-2009
Despesas
Despesas
Total
Correntes
de Capital
5.979.293.260 392.221.611 6.371.514.871
Órgão: 16 - Secretaria Municipal de Educação
41-71 Conjunto das Subprefeituras
Construir Escolas Municipais de Ensino Fundamental
Repassar recursos a Associações de Pais e Mestres de
Escolas (APM) de Ensino Fundamental
Fornecer Uniformes e material escolar a alunos do Ensino
Fundamental
Unidade de
Medida
EMEFs
construídas e
equipadas
APMs
atendidas
Alunos
atendidos
Realizar serviços de conservação nos equipamentos de
Ensnino Fundamental (Subprefeituras)
Fornecer equipamentos e utensílios para a merenda escolar do
Ensino Fundamental
Equipamentos
conservados
Escolas
atendidas
Prover o transporte dos alunos do Ensino Fundamental
Alunos
Transportados
Descrição da Meta
2006
2007
2008
2009
11
20
23
19
496
509
524
539
670.000
700.000
717.000
742.000
462
473
493
516
482
495
510
525
52.400
52.400
52.400
52.400
25
40
20
20
482
495
510
525
462
473
493
516
476
489
504
519
5
2
EMEFs
reformadas,
Reformar, ampliar e adequar a acessibilidade de Escolas
ampliadas e/ou
adequadas
Municipais de Ensino Fundamental
APMs
Operar o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE/FNDE)
atendidas
EMEFs
Operar e Manter as Escolas Municipai de Ensino Fundamental operadas e
(EMEF)
mantidas
Escolas
Premiar alunos e escolas com coleção de livros
atendidas
EMEF
construída e
Construir Escolas Municipais de Ensino Fundamental para
substituída
subtituição de instalações
Quadro 6 – PPA – Ensino Fundamental – 2006/2009
Fonte: Plano Plurianual da Prefeitura Municipal de São Paulo - 2006/2009 - Anexo I
Em relação às metas, pode-se perceber, em primeiro lugar, que não foi estabelecida
uma prioridade entre essas, o que dificulta o ordenamento das ações na Lei de
Diretrizes Orçamentárias e no Orçamento Anual. Além disso, é importante ressaltar
que esse planejamento não foi realizado em consonância com o Plano Municipal de
Educação (PME), previsto pela Lei Orgânica Municipal, devendo fixar metas para o
acesso, permanência e progresso nos vários níveis de ensino no município. Na
realidade, o PME não foi ainda aprovado no município de São Paulo, apesar de já se
terem passado mais de 6 anos da determinação federal.
Ademais, os dois últimos PPAs permitem em seu artigo 4º a revisão e modificação
do plano em função de “alterações de prioridades ou do contexto econômico,
financeiro, social ou urbano”. Assim, é perceptível que tanto a Lei 13.257/01, quanto
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
232
a 14.123/05 deixam ampla margem para definições futuras de prioridades e ações,
fazendo com que o poder norteador do instrumento seja enfraquecido no processo
de planejamento e implementação de políticas públicas.
Nesse sentido, chama a atenção o fato de que nenhum dos três planos traz
indicadores de custo unitário para implementação das ações, projetos e atividades.
Quanto custa, afinal, a implantação de uma EMEF? E sua operação e manutenção?
É compreensível, no entanto, a dificuldade de estabelecer metas financeiras para
cada um dos projetos e atividades constante do PPA, para cada ano, sem que isso
implique seu engessamento, principalmente em um país onde ainda há instabilidade
relativa às perspectivas de crescimento econômico e de receitas públicas. Apesar
disso, é indispensável que se criem condições de trabalhar um sistema de
informações que permita saber com clareza os custos dos projetos e atividades da
administração pública, para que se possa decidir e optar sobre prioridades, dado o
volume de recursos disponível (NUNES, 2006 e VIGNOLI, 2004). Da forma como os
PPAs vem sendo apresentados, é difícil avaliar se o recurso previsto na meta
financeira é suficiente ou não à meta programática, sendo mais difícil ainda avaliar
se a execução orçamentária é adequada frente às metas estabelecidas no plano.
O segundo instrumento do ciclo orçamentário, visto no capítulo 2, é a Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO), que deveria estabelecer principalmente as
prioridades anuais da administração pública municipal, além de dar diretrizes para a
elaboração do orçamento anual, a legislação tributária e a política de pessoal.
No município de São Paulo, a exemplo do que ocorre em boa parte das
administrações municipais do país e também das outras esferas de governo, as Leis
de Diretrizes Orçamentárias guardam a generalidade necessária para a flexibilização
do orçamento anual, seguindo a mesma política de elaboração do PPA. Como se
verá, alguns elementos constantes dessas leis asseguram essa flexibilidade.
A Lei 12.395/97 que estabeleceu a LDO para o exercício de 1998 trazia, por
exemplo, a definição das seguintes prioridades na área de educação:
Art. 14 – Constituem prioridade da Administração Pública Municipal:
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
233
II – programas sociais, com ênfase às áreas de Educação, Saúde e
Bem-Estar:
a)
assistência à educação escolar fundamental e pré-escolar;
b)
aplicação de recursos adicionais na manutenção e
desenvolvimento do ensino fundamental e de educação infantil,
visando compensar os valores não aplicados em 1995 e 1996,
conforme Projeto de Lei específico a ser submetido à Câmara
Municipal;
(...)
c)
distribuição de merenda escolar e intensificação do Programa
Leve-Leite.
A partir dessa priorização observa-se que, com exceção do item b), que trata
justamente de correção da não aplicação de recursos em anos anteriores, não há
qualquer precisão na diretriz colocada para o ensino, pois inúmeros projetos ou
atividades podem estar compreendidos no item a). Quanto ao c), além de sua
generalidade, representa despesas que não podem ser executadas com os recursos
da vinculação de impostos e transferências.
Já a Lei 13.261/01, que instituiu a LDO para o exercício de 2002, avançou na
definição de prioridades para o orçamento anual, ao propor o processo participativo,
contando com a realização de audiências públicas para a indicação de demandas da
população. Dessa feita, houve a definição do Anexo I da Lei com 21 prioridades, das
quais a educação consta em quatro posições, conforme transcrito a seguir:
Anexo I
A-
Atividades Ligadas a Programas
3.
Programas na área de educação, com ênfase na melhoria do
ensino infantil e fundamental e implementação do período integral,
onde for possível;
(...)
B-
Projetos Ligados a Programas
3.
Construção e reforma de creches
8.
Construção de EMEIs
12.
Construção de EMEFs
Apesar da relevância da iniciativa, esta não eliminou a pouca efetividade deste
instrumento para a definição de políticas públicas; pois, na medida em que não há
indicação quantitativa, financeira e geográfica, há extrema flexibilidade para o
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
234
cumprimento das premências. Ademais, a lei assegurou no § 2º do artigo 2º, que
versa sobre as prioridades anuais da administração municipal, que “a execução
orçamentária do ano de 2002 deverá respeitar tais prioridades, sem que isso
comprometa a efetiva programação das despesas”. Esse parágrafo, portanto, dá
respaldo legal para que a elaboração e execução orçamentárias possam ser feitas
com independência das determinações do PPA e LDO.
No mesmo sentido de generalidade e flexibilidade, foi estabelecida a Lei 14.036/05,
que dispõe sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício de 2006. Nessa lei, o
poder executivo inovou ao não definir anexo de prioridades para a administração
pública municipal, indicando que seriam estabelecidas no PPA. Essa decisão tem
sua lógica pautada no fato de que o prazo de encaminhamento das diretrizes
orçamentárias à Câmara de Vereadores é 15 de abril e o do PPA é 30 de setembro
do primeiro ano do mandato; o que significa determinar prioridades orçamentárias,
no primeiro ano de gestão, sem a existência ainda do PPA. Dessa forma, é
compreensível que, em função do processo de planejamento, as metas estivessem
ainda em discussão quando do encaminhamento da LDO. Contudo, isso implicaria
que o PPA mostrasse claramente o grau de prioridade de cada ação, o que não foi
feito. Além disso, evidenciam-se dois fatos relativos à priorização de metas. O
primeiro é que os vereadores municipais, diante da falta de priorização da LDO,
inseriram emendas parlamentares para indicar as prioridades, que foram vetadas. O
segundo fato é que a Lei 14.190/06, que estabelece as diretrizes orçamentárias para
2007, também não apresentou as prioridades anuais para a administração pública
municipal, em evidente descumprimento legal, além de haver novamente veto às
tentativas do poder legislativo de estabelecê-las via emenda parlamentar.
Como se percebe dessa análise, as LDOs municipais têm pouca eficácia para
instaurarem a priorização anual das políticas públicas da administração municipal,
em geral, e, em particular, relativas ao ensino. Ressalte-se também que, mesmo
com
a determinação da Lei
de Responsabilidade Fiscal
a respeito da
obrigatoriedade do estabelecimento de sistemas de controle de custos, sobre os
quais a LDO deveria versar, não houve qualquer posicionamento da administração
municipal referente a essa questão nesses instrumentos nos últimos anos. Tal
omissão gera uma grande dificuldade tanto no estabelecimento quanto na
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
235
verificação de metas físicas e financeiras para projetos e atividades, como já
comentado.
A Lei Orçamentária Anual (LOA), apresentada no capítulo 2, é o instrumento no qual
são anualmente previstas as receitas e fixadas as despesas orçamentárias, em
atendimento às normas da LDO e com o intuito de cumprir as metas definidas no
PPA. Como reflexo dos formatos assumidos pelo PPA e pela LDO, a LOA ganha
grande flexibilidade para sua elaboração, tornando-se quase independente das
demais.
Ainda assim existem restrições legais que devem pautar a elaboração orçamentária,
para além do PPA e da LDO, como as regras formais da educação já discutidas.
Dessa forma, anualmente são previstas as receitas e despesas relativas aos
recursos vinculados à educação, em função dos impostos e transferências, do ganho
adicional do Fundef e outros programas. Essa previsão não implica, contudo, que a
execução orçamentária seguirá esse ordenamento; porque, conforme explicado no
quarto capítulo, o orçamento é uma lei autorizativa, cujas dotações não
necessariamente precisam ser executadas em sua totalidade e porque existe
também a possibilidade de alteração do que foi previsto no orçamento aprovado,
usando-se o percentual de abertura de créditos suplementares para remanejamento
das dotações.
O fato de a LOA ser autorizativa e de haver a possibilidade de remanejamento está
ligado à necessidade de ajustes dinâmicos em uma realidade econômica e fiscal
instável. O problema maior desses mecanismos, entretanto, é a permissividade
criada para alterar as prioridades aprovadas na lei orçamentária as quais, em tese,
obedeceriam ao ordenamento do PPA e da LDO. O uso em excesso dessas
prerrogativas acaba por transformar a execução orçamentária no locus de fato de
decisão das políticas públicas, reduzindo, assim, a importância do planejamento e a
possibilidade de interferência e controle do poder legislativo e da sociedade civil.
Nesse sentido, serão analisadas algumas LOAs aprovadas no período em questão.
A Lei 12.783/98 que fixou a LOA para 1999 previa, por exemplo, a possibilidade de
abertura de créditos suplementares até o limite de 15% da despesa fixada na lei,
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
236
conforme definido pelo artigo 18. Além desse percentual, que garantia a
possibilidade de alteração de R$ 1,5 bilhão - valor superior, à época, às dotações da
Secretaria de Educação, Esportes e Cultura juntas - a lei previa ainda que poderiam
ser abertos créditos adicionais para suprir despesas de pessoal, serviço da dívida,
precatórios, entre outras exceções, sem onerar o limite. Com essas permissões,
facilmente se poderia remanejar cerca de 50% do orçamento sem necessidade de
nova autorização legislativa126.
Essa possibilidade legal já existia em exercícios anteriores e mantém-se até o
presente momento. Exemplo disso é que na Lei 14.126/05, que aprovou o
orçamento para 2006, há também a previsão, no artigo 13, da abertura de créditos
adicionais até o limite de 15% das despesas, a exemplo do ocorrido em 1998. Além
de várias exceções contidas no artigo 14, que não oneram o montante de
remanejamento, foi previsto no artigo 15 que:
Art. 15. “Fica o Poder Executivo, observadas as normas de controle e
acompanhamento da execução orçamentária, com a finalidade de
facilitar o cumprimento da programação aprovada nesta lei,
autorizado a remanejar recursos, no âmbito de cada órgão, entre
elementos do mesmo grupo de despesa e entre atividades e projetos
de um mesmo programa, sem onerar o limite estabelecido no art. 13
desta lei.”
Com isso, no ano de 2006, além de se poder remanejar cerca de R$ 2,6 bilhões,
sem contar despesas de pessoal, dívida, precatórios e outras, era possível, dentro
de cada programa, rever as definições de projetos e atividades, majorando assim a
margem percentual de mudanças orçamentárias. Para se ter um exemplo desse
impacto, a tabela 30 abaixo revela o total remanejado do orçamento em 2006 e
quanto isso representou na educação127.
126 Não é demais lembrar que são os vereadores que aprovam na Lei Orçamentária Anual o percentual de remanejamento e suas exceções.
127 Para o cálculo do percentual de remanejamento efetivo da PMSP foram utilizados dados do Sistema de Execução Orçamentária da Prefeitura – Novo
Seo, assim como informações relativas aos decretos de créditos suplementares abertos em 2006 para educação, com as devidas suplementações e
reduções, publicados diariamente no Diário Oficial do Município.
,
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
237
Tabela 30 – Percentual de Remanejamento Orçamentário – Prefeitura do Município de São
Paulo – 2006.
Fonte: Novo SEO - Sistema de Execução Orçamentária da PMSP – 2006.
Observa-se que houve alteração em quase 1/3 do orçamento da Secretaria da
Educação. As tabelas a seguir dão maior especificidade às mudanças e seus
impactos para a efetiva execução de cada programa. A primeira traz a execução por
programas da Secretaria da Educação, sendo possível perceber, por exemplo, que
ao mesmo tempo em que houve uma execução de cerca de 87% do programa
ensino fundamental, o gasto com suporte administrativo alcançou 133%.
Tabela 31 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP –
Detalhamento dos Programas - 2006.
Fonte: Novo SEO - Sistema de Execução Orçamentária da PMSP - 2006.
Analisando as tabela 32 e 33 sobre execução por projetos e atividades, pode-se
observar mais claramente as alterações de suplementação e redução, além de notar
que houve um movimento de execução maior das atividades previstas no orçamento
da secretaria, em detrimento dos gastos com projetos, isto é, o gasto com custeio da
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
238
secretaria foi ampliado, enquanto o investimento previsto foi reduzido. Dos vários
projetos propostos no orçamento (muitos originários de emendas parlamentares,
como mostra o símbolo E ao lado da denominação dos projetos), a execução foi
concentrada em alguns, entre os quais a construção de unidades educacionais
integradas.
Tabela 32 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP –
Detalhamento dos Projetos – 2006.
Fonte: Novo SEO - Sistema de Execução Orçamentária da PMSP – 2006.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
239
Tabela 33 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP –
Detalhamento das Atividades – 2006.
Fonte: Novo SEO - Sistema de Execução Orçamentária da PMSP – 2006.
Ao se analisarem as mesmas despesas pelo enfoque da natureza econômica, vê-se,
na tabela 34, a seguir, que a maior concentração de mudanças esteve ligada ao
aumento das despesas de pessoal e à redução dos gastos de investimentos, o que
é coerente com a análise das tabelas de projetos e atividades.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
240
Tabela 34 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP –
Detalhamento dos Elementos de Despesa – 2006.
Fonte: Novo SEO - Sistema de Execução Orçamentária da PMSP – 2006.
Tamanha movimentação ocorreu de forma independente a um cenário de contenção
de receitas, que em geral leva a mudanças de prioridades e maior restrição de
gastos. Ao contrário disso, as receitas consideradas para o cálculo da aplicação em
educação, isto é, a arrecadação de impostos e transferências, no ano de 2006,
ficaram 5,59% acima do previsto em termos nominais128 e, além disso, houve “sobra”
de recursos do Fundef e do FNDE, conforme apontado.
O quadro de alterações na execução orçamentária, principalmente da educação, é
bem mais complexo do que uma reação a mudanças no contexto socioeconômico
ocorridas durante o ano. Como se tem buscado demonstrar, tais alterações não
aconteceram em um exercício isolado, pois são, de fato, um processo constante na
execução orçamentária do município de São Paulo, no período analisado e,
provavelmente, em anos anteriores também. Esse processo é possibilitado pelas
128 Dados apresentados no Demonstrativo de Aplicação de Recursos em Educação da PMSP, publicado no Diário Oficial do Município de 16/03/07.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
241
brechas legais do arranjo institucional orçamentário e pelas regras informais criadas
para o PPA, LDO e LOA. A legislação do ensino também permite uma flexibilidade
grande para os gastos em educação que, associada à falta de clareza em sua
prestação de contas e ao baixo controle interno e externo resultam no
comprometimento da execução dos recursos financeiros da educação.
O fato de se saber de antemão que será possível alterar processos, programas e
projetos, durante o exercício orçamentário, desacredita o esforço pelo planejamento
adequado das políticas. Ademais, a elaboração orçamentária é também prejudicada
pela assimetria de informações entre as secretarias, em especial as áreas-fim, como
a educação, e as responsáveis pela concretização dos planos e orçamentos, as
secretarias de finanças e planejamento, o que leva a um jogo não cooperativo.
Nesse jogo, as áreas de controle buscam “esconder” a receita 129 , até o último
momento, enquanto as secretarias das áreas-fim usam de vários estratagemas
visando à proteção de suas despesas. Com isso, é normal que a elaboração
orçamentária por parte da Secretaria da Educação apresente proposta de gastos
superiores às receitas vinculadas, já antecipando o possível corte das áreas de
controle. A assimetria de informações e a desconfiança mútua levam, em geral, a um
orçamento mal-elaborado, com cortes em programas importantes e sobras em
outros menos prioritários, como previsto por Caiden e Wildavsky (1974). Esse
processo incorpora inúmeros custos de transação ao planejamento dos recursos e
torna a execução orçamentária, uma fase de reelaboração do orçamento.
No entanto, durante a execução orçamentária a assimetria de informações continua
a existir. Pois, apesar da educação ter recursos vinculados para seus programas, o
controle das receitas, tanto de impostos, quanto as receitas dos fundos (Fundef,
FNDE e QESE, entre outros) vinculados à educação, é realizado pela Secretaria de
Finanças e sua disponibilização depende também da liberação de cotas pela
Secretaria de Planejamento130. Assim, muitas vezes, embora tenha recursos, a SME
não pode gastá-los até que haja uma liberação dessas pastas. Outro fator
129 É interessante notar que isto se dá mesmo sendo a educação uma área de receita vinculada, pois há nesse processo a busca de controle do déficit e
também de decisão de prioridades, concentradas nas áreas de controle junto aos prefeitos. Assim, é reduzida a autonomia da secretaria de educação sobre
estes recursos. Em função disso, esta secretaria recebe informações reduzidas e controladas, evitando que a mesma avance nas despesas e comprometa
um volume além daquele que a cúpula do governo considera ideal.
130 Esta é a formatação atual do controle orçamentário. Nas gestões anteriores as receitas e o orçamento eram controlados pela secretaria de Finanças.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
242
importante é a prática das áreas de controle de segurarem as cotas orçamentárias e
congelarem os projetos, isto é, os investimentos, no início do ano, visto haver muita
incerteza acerca do comportamento da arrecadação anual. Do meio para o final do
ano, quando há mais segurança sobre o cenário econômico e fiscal, há a liberação
das cotas, porém, nesse momento, pode já não ser mais possível executar o
orçamento. Apesar de ser uma prática costumeira nas diversas esferas de governo,
essa retenção pode ser muito prejudicial para uma área complexa como a educação,
em uma cidade como São Paulo, o que, de certa forma, ajuda a explicar parte das
grandes alterações ocorridas na execução orçamentária e também as “sobras” de
receitas.
A complexidade do processo de gastos da educação em São Paulo é ainda maior
devido ao envolvimento de outras secretarias, também responsáveis por programas
executados com recursos vinculados à educação. A existência de vários atores
envolvidos e a grande assimetria de informações entre eles são algumas das
características da estrutura de governança do financiamento do ensino fundamental
na cidade, como se verá na próxima seção.
5.2 Estrutura de governança e custos de transação no financiamento do
Ensino Fundamental no município de São Paulo
Para a compreensão da estrutura de governança do financiamento do ensino
fundamental em São Paulo, seguindo o modelo analítico apresentado no capítulo 1,
é necessário o entendimento, em primeiro lugar, das principais motivações dos
atores envolvidos no processo, para depois avaliar a existência ou não das
características apresentadas por Dixit (2002), no que concerne às organizações do
setor público. Por fim, faremos uma leitura de como a interação existente entre os
atores e algumas características próprias dessa estrutura de governança, no cenário
institucional estudado, levam ao incremento dos custos de transação existentes no
sistema de ensino municipal.
5.2.1 Atores
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
243
Os atores a serem destacados nessa estrutura de governança são os mesmos vistos
até aqui: poder executivo, burocracia, poder legislativo e sociedade civil.
5.2.1.1 Poder executivo
Em relação ao poder executivo, além da importância do prefeito e do Dirigente
Municipal de Educação (DME), apresentados no capítulo 3, é importante ressaltar,
no estudo referente ao município de São Paulo, o papel dos secretários de outras
pastas, cujos programas fazem parte dos recursos da educação ou cujas ações são
fundamentais para a execução.
O chefe do poder executivo da cidade de São Paulo, diferentemente da maioria dos
municípios brasileiros, tem uma visibilidade e uma importância na política nacional,
muitas vezes, passível de ser comparada à de um governador de estado. O
município tem um dos maiores PIBs dentre as esferas de governo subnacionais e
um orçamento que gira em torno de R$ 17 bilhões. Isso torna o cargo um dos mais
disputados, fazendo com que tenha havido uma significativa alternância política da
coalizão majoritária nos últimos anos.
Nas três últimas gestões municipais, analisadas nesta tese, houve mudanças
importantes no perfil da coalizão vencedora e na gestão política adotada. A coalizão
governante de 1997 a 2000 norteou-se por uma composição de partidos de direita,
capitaneada pelo PPB - Partido Progressista Brasileiro, fortalecida pelo legado do
prefeito anterior, que “apadrinhou” seu sucessor, garantindo o sucesso de sua
eleição. Na gestão de 2001 a 2004, o foco foi a renovação política em que o PT –
Partido dos Trabalhadores, principal opositor do governo anterior, ganhou a eleição
em uma coalizão de partidos de esquerda. Já nesta última gestão, focou-se na
necessidade de renovação administrativa e gerencial no município e saiu vencedora
a coalizão do PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira e PFL - Partido da
Frente Liberal, na qual houve uma mudança importante, pois o prefeito eleito, do
PSDB, governou por apenas 1 ano e 4 meses, sendo sucedido por seu vice, do PFL.
Essa alternância no poder executivo municipal implica uma alternância também dos
segmentos sociais de apoio às coalizões e que são por estas contempladas nos
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
244
programas de governo. Verifica-se em São Paulo, por parte do chefe do poder
executivo, como ocorre na maioria dos municípios brasileiros, uma grande
preocupação com a aprovação do governo e a aceitação dos projetos de cada
mandato, pois isto significa para o prefeito a possibilidade ou não de reeleição ou de
projeção para outros cargos políticos.
Como mostrado no capítulo 1, esse incentivo forte da política (FRANT, 1996) pauta o
comportamento do ator em questão na estrutura de governança do ensino
fundamental. A enorme visibilidade, associada ao maior acirramento político dentre
os eleitores da capital, e a características próprias do orçamento de São Paulo
tornaram a educação uma área estratégica de governo.
Isso acontece não apenas pelos motivos costumeiros ligados à sua importância na
construção da cidadania, na qualificação de mão-de-obra e na possibilidade de
geração de renda individual e nacional, mas justamente pela existência de recursos
vinculados, que foram criados, por sua vez, para protegê-la dos incentivos forte da
política.
Conforme analisado no capítulo 3, o fato dos eleitores terem racionalidade limitada e
um acompanhamento apenas parcial dos programas de governo permite ao prefeito,
em muitas localidades, concentrar-se em ações de visibilidade, mais do que em
programas estruturantes e de planejamento de longo prazo (MENDES e ROCHA,
2004). Essa realidade associada ao comportamento de outros atores como os DME
e os vereadores, além das questões ligadas às regras formais do ensino, concede
ao chefe do poder executivo grande flexibilidade para o uso dos recursos vinculados
ao ensino fundamental, por exemplo.
Nesse sentido, em São Paulo, essa situação é complexa, sendo os recursos
vinculados ao ensino ainda mais importantes, dada a peculiaridade do orçamento
municipal e a rigidez de suas despesas. Por ser esta última questão a chave para a
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
245
compreensão da importância dos recursos da educação, a seguir tem-se um gráfico
explicativo dessa rigidez orçamentária no município paulistano131.
Pessoal Ativo e
*Inativo
20%
Lim peza e
Ilum inação Pública
6%
Recursos
Disponíveis
8%
Educação
28%
Saúde
17%
Dívidas
18%
Multas de Trânsito
2%
Convênios Sociais
1%
Op. Crédito
0%
Gráfico 9 - Rigidez Orçamentária no município de São Paulo - 2006/2007
Fonte: elaboração própria, a partir do Balanço Orçamentário de 2006 e da Lei Orçamentária Anual
2007 do município de São Paulo.
O gráfico acima, elaborado segundo as informações municipais de receitas e
despesas orçamentárias para os exercícios de 2006 e 2007, considera as definições
legais, federais e municipais, para vinculações orçamentárias e despesas
incomprimíveis.
O primeiro item de destaque do gráfico é o próprio gasto em educação, que
representa 28% do total das receitas orçamentárias. Esse valor tem como base a
vinculação de recursos de impostos, os recursos adicionais do Fundef e os repasses
131 Argumentar a respeito da rigidez orçamentária, ao mesmo tempo em que demonstramos a grande flexibilidade existente no processo e legislação do
orçamento, parece paradoxal. No entanto, o orçamento é rígido pela existência de despesas incomprimíveis, além de vinculações constitucionais e legais
antepostas ao processo orçamentário. Porém, o controle dessas despesas é feito relativamente a seus totais, isto é, a preocupação do controle é voltada
para “quanto” se gasta e não “como” se gasta. Assim, se por um lado o orçamento municipal deve conter recursos para pagamento de dívidas e despesas
de pessoal, além de outras obrigações das quais não é possível fugir; por outro, há que se gastar 31% de impostos em educação. A falta de clareza e de
amarras para o modo de se gastar esse montante, faz com que a área seja vista como uma possível forma de flexibilizar o orçamento frente às outras
despesas rígidas.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
246
de outras verbas vinculadas à educação, como os repasses do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), calculados como proporção da receita total.
O segundo montante expressivo diz respeito aos gastos com pessoal ativo e inativo
da administração municipal, aí excluídos os funcionários da educação e o pessoal
ativo da saúde, pagos por suas respectivas vinculações orçamentárias. A despesa
de pessoal, apesar de vultosa (em torno de R$ 7,5 bilhões o total do gasto e cerca
de R$ 3,5 bilhões, excluindo saúde e educação), está abaixo dos limites legais da
LRF, que permite que o município gaste até 60% das Receitas Correntes Líquidas
(RCL) com pessoal132, o que somaria algo em torno de R$ 10 bilhões, utilizando a
RCL calculada em dezembro de 2006133.
Já o terceiro bloco de despesa é o destinado ao pagamento de dívidas, no qual
foram calculadas três tipos de obrigações. A primeira diz respeito ao Contrato de
Refinanciamento da Dívida Municipal 134 com a União, que obriga o município ao
pagamento mensal de 13% de sua RCL ao Tesouro Nacional, pelo menos até 2030.
A segunda obrigação refere-se ao pagamento de sentenças judiciais (precatórios)
alimentares e decorrentes de desapropriação, que hoje somam cerca de R$ 6,7
bilhões e há anos tem seus pagamentos postergados por insuficiência de
disponibilidade financeira e orçamentária do município 135 . Por fim, a terceira
obrigação é a relativa às Despesas de Exercícios Anteriores (DEAs), que são dívidas
referentes a despesas realizadas sem o devido processamento orçamentário, à
época de sua contratação, e que são pagas em exercícios posteriores, quando não
em gestões posteriores.
Por fim, o quarto grupo de despesas é o da saúde, cujo montante resulta da
vinculação legal de 15% das receitas de impostos (Emenda Constitucional nº 29/00)
132 O município tem o limite de 60% da RCL para gastos com pessoal sendo 54% para o poder executivo e 6% para o poder legislativo, inclusive o TCM,
conforme o artigo 20, item III da LRF.
,
133 Dados apresentados nos demonstratives da Lei de Responsabilidade Fiscal, na página: http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/financas/lrf
134 Esse contrato de refinanciamento foi firmado em função da situação de inadimplência do município com os pagamentos de sua dívida mobiliária,
principalmente com o Banco do Brasil e Banespa, no ano de 2000, depois de uma ciranda financeira de mais de 6 anos, resultado da emissão irregular de
títulos para pagamento de sentenças judiciais (precatórios). Para maiores informações sobre o contrato, ver a Resolução do Senado Federal nº 26/2000.
135 Os valores de sentenças judiciais que têm constado, nos últimos anos, nos orçamentos municipais, apesar de representarem um peso financeiro para o
município, não atendem à regra constitucional para pagamento de precatórios, dado o expressivo volume de seu estoque. Tal situação segue sem solução e
sem intervenção judicial, desse modo, a cada ano paga-se uma pequena parcela do estoque.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
247
e de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), transferidos pelo estado e
União136, o que leva a um gasto de cerca de 17% das receitas municipais.
Com esses quatro grandes grupos, tem-se 83% do orçamento vinculado. Esse
montante somado a outras despesas de destinação rígida, tais como convênios
sociais, principalmente os recursos do Fundo Municipal de Assistência Social; multas
de trânsito (existe a obrigação legal de aplicação no trânsito); despesas com limpeza
pública e iluminação, que representam um dos maiores contratos de manutenção da
cidade, cuja rigidez é dada pela essencialidade da despesa e pela força dos lobbies
privados aí envolvidos, chega-se a 92% da receita comprometida. Com os 8%
restantes, há que se programar a manutenção da máquina administrativa municipal
com todos os outros órgãos não relacionados e das subprefeituras, sem deixar de
buscar investimentos em infraestutura, habitação e meio ambiente.
Apesar desses dados terem sido calculados com base nos orçamentos recentes,
essa situação existe pelo menos desde o ano 2000. A dificuldade de manobra dos
recursos representa para o chefe do poder executivo, além de uma dificuldade
administrativa de gestão, para dar conta de todas as necessidades da capital, uma
dificuldade política para atender os interesses envolvidos na coalizão de governo e
na composição de maioria na Câmara, assim como para garantir governabilidade e,
sobretudo, boas perspectivas de reeleição. Com tudo isso, é mais fácil compreender
os interesses fortes, na visão de Frant (1996), envolvidos na gestão dos recursos do
ensino.
Com base na exposição desse cenário, a construção da estrutura de governança do
ensino no município será de grande complexidade, buscando viabilizar o
atendimento das regras formais existentes para o ensino e o planejamento da
Secretaria Municipal de Educação, mas, sobretudo, os interesses
do chefe do
executivo, que tentará uma coordenação direta dos recursos. Diante desses
interesses e da rigidez orçamentária, efetiva-se, por meio da alteração da referida
Lei Orgânica do Município, a construção de uma estrutura de gastos que atenda
outras áreas, além da Secretaria de Educação, e que programas prioritários do
136 Esse calculo é baseado no limite legal, contudo, nos últimos anos, a área da saúde tem extrapolado esse limite e utilizado mais de 15% dos impostos e
recursos do SUS.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
248
governo sejam aí executados, bem como outros gastos possam ser otimizados
dentro desse arranjo institucional.
Dessa forma, a estrutura de governança do ensino fundamental em São Paulo é
mais complexa que aquela discutida no capítulo 3. Pois, além das figuras do prefeito
e do secretário de educação como os principais responsáveis pelo planejamento e
implantação das políticas públicas de ensino fundamental no município, existe a
interação com outras várias secretarias municipais, que são também responsáveis
por parte dos recursos vinculados ao ensino, tal como definido no arranjo
institucional municipal. Dentre essas secretarias, destacam-se a Secretaria Municipal
de Gestão, que controla os gastos de pessoal ativo e inativo da educação, além dos
gastos com merenda escolar 137 ; a Secretaria de Municipal de Assistência Social,
responsável pelos programas de educação inclusiva138, como o Programa de Renda
Mínima; a Secretaria Especial para Participação e Parcerias, responsável pela
operação de telecentros 139 ; Secretaria Municipal de Transportes 140 , responsável
pelos transportes coletivos urbanos; Secretaria Municipal de Cultura, responsável
pelas despesas com bibliotecas infanto-juvenis 141 e, finalmente, as Secretarias de
Planejamento e Finanças, responsáveis pelo controle das receitas e despesas
relacionadas ao ensino, bem como sua prestação de contas142.
É evidente que diante da interação de todas essas pastas a administração dos
recursos ganhe maior complexidade. Nessa estrutura existe um jogo de poder que,
dependendo da clareza ou não da orientação do prefeito, pode suscitar disputas
internas por fatias do recurso vinculado, em que cada parte tenta bloquear
informações importantes das outras pastas, buscando maior espaço orçamentário e
agregando custos de transação ao processo de gastos. Nesse cenário, a posição da
Secretaria da Educação é fundamental, pois sua gestão, autonomia política e
137 Durante a gestão 2001-2004, essa despesa era atribuição da Secretaria Municipal de Abastecimento.
138 Na gestão de 2001-2004, essas despesas estavam a cargo da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade. A Secretaria Municipal de
Assistência, durante a gestão 1997-2000, era responsável pela execução do programa de creches.
139 Essa despesa, na gestão 2001-2004, era responsabilidade da Secretaria de Governo, Unidade do Governo Eletrônico.
140 Essa Secretaria, na gestão 2001-2004, era responsável pelo transporte escolar.
141 Na gestão 1997-2000, essa despesa fazia parte dos gastos alocados à conta dos 30% de impostos que deveriam atender ao disposto pela LDB. Por
indicação do Tribunal de Contas do Município, na gestão 2001-2004, essas despesas passaram a pertencer à parcela de gastos com educação inclusiva.
142 Nas gestões 1997-2000 e 2001-2004, esse controle era exercido apenas pela Secretaria de Finanças, que agregava a Assessoria Geral do Orçamento,
hoje subordinada à Secretaria de Planejamento.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
249
administrativa e a velocidade de seus gastos determinarão seu espaço nessa
estrutura de gastos.
5.2.1.2 Secretaria Municipal de Educação
Conforme destacado, a Secretaria Municipal da Educação não é a única secretaria
com competência para determinar e planejar os gastos vinculados ao ensino. Aliás,
sua autonomia no período analisado parece ser bastante limitada, não só pela
existência de gastos de outras pastas, que devem ser conjuntamente coordenados,
mas porque esta não parece ter a prevalência sobre o controle dos recursos
vinculados e sobre suas cotas de despesas, a despeito do que determina a LDB.
Essa é uma questão importante desde a promulgação da LDB e do Fundef. O
primeiro secretário da educação do município, na gestão 1997-2000, que vinha a ser
o vice-prefeito, em depoimento aos vereadores da Câmara Municipal denunciou que
os recursos da educação eram reiteradamente congelados pela Secretaria de
Finanças e nunca repassados em atendimento ao artigo 69 da LDB, que determina
prazos para esse repasse143. Durante a CPI da educação na Câmara Municipal, em
1999, também ficou comprovada a baixa autonomia dos secretários da educação, no
que diz respeito aos recursos, levando inclusive ao descumprimento reiterado da
aplicação naquela gestão.
Nas gestões seguintes parece ter havido aumento do entrosamento dos secretários
de educação, finanças e planejamento, mas a informação sobre recursos continuou
concentrada em na Secretaria de Finanças e, mais recentemente, na de
Planejamento. A autonomia relativa transparece, por exemplo, nos demonstrativos
bimestrais e anuais de gastos em educação, que são feitos pelas pastas
supracitadas, sem que, por vezes, o secretário de educação sequer tome
conhecimento disso.
Além desse fato, não pode ser desprezado o impacto da grande descontinuidade
política da pasta de educação. Em dez anos, de 1997 a 2006, houve, em São Paulo,
143 Essas informações constam de notas taquigráficas dos depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos recursos vinculados à educação,
instaurada na Câmra Muncipal de São Paulo em 1999.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
250
nove secretários 144. Essa descontinuidade enfraquece politicamente a pasta, cujo
comando administrativo fica comprometido, pois a cada troca de secretários há
também a mudança da cúpula da secretaria, fazendo com que se passe a sensação
de insegurança ao corpo burocrático, com reflexos óbvios nos programas de
educação, que nesse período sofreram muitas mudanças de direção.
Essas questões associadas às dificuldades de planejamento e orçamentação,
comentadas na seção 5.1.4, e a algumas características do corpo burocrático da
secretaria, que serão analisadas posteriormente, implicam uma complexa gestão
dos gastos realizados por esta pasta. Os processos de compras e aquisições que
dependem de licitações complexas e as contratações que se dão em função de
concursos públicos necessitam de um grau de planejamento e de coordenação
administrativa, que são incompatíveis com o cenário de grande rotatividade dos
gestores, o que pode levar à inércia na execução de programas de ensino.
Finalmente, não se pode deixar de mencionar que a baixa autonomia se dá também
pelo fato de que a Secretaria da Educação, em vários de seus processos, inclusive
para realizar gastos de sua pasta, depende da ação de outras secretarias, como
para a contratação de pessoal, havendo o envolvimento das Secretarias de Gestão,
Finanças e Planejamento; para a contratação de obras, questão ligada à Secretaria
de Obras e, também, à Secretaria de Negócios Jurídicos.
5.2.1.3 Burocracia
A Secretaria Municipal da Educação conta com um corpo de cerca de 73 mil
funcionários, dos quais 91%, 66 mil, são efetivos. Do total, 72%, ou seja, 52 mil, são
professores. A estrutura da SME não compõe um corpo burocrático homogêneo, ou
antes, é possível
identificar três grupos importantes, cuja lógica de atuação é
distinta. O primeiro grupo é formado pelo secretário municipal de educação, pelo
dirigente municipal do ensino e pelos gestores do gabinete, que comporiam, por
assim dizer, o núcleo duro da pasta. O segundo grupo é composto por 13
144 Foram três secretários de educação na gestão 1997-2000, quatro na gestão 2001-2004 e dois na atual gestão, o que implica, até agora, uma média de
três secretários por gestão.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
251
coordenadores145 e os diretores das escolas, que são também gestores, mas com
poder de decisão bem mais limitado sobre as políticas. Esse grupo posiciona-se
intermediariamente entre o núcleo gestor do secretário e o terceiro grupo
burocrático, que é composto pelos professores e outros funcionários administrativos
das escolas, sendo este, sem dúvida, o grupo mais numeroso.
Nessa estrutura bastante hierárquica, tem-se no gabinete do secretário as
assessorias técnicas e a Coordenação dos Núcleos de Ação Educativa (Conae) responsável pelo controle administrativo e financeiro (Conae 1); pelas políticas de
recursos humanos (Conae 2); pela coordenação de obras da secretaria (Conae 3) e
pelas diretrizes e orientações técnicas e pedagógicas (Conae 4) - as quais
administram cerca de 87% do orçamento da SME. As 13 coordenadorias,
responsáveis pelas unidades de ensino nas diversas regiões da cidade, são
subordinadas à Conae, mas com orçamento próprio, que implica no controle de 13%
dos recursos orçamentários da SME146.
As escolas, desse modo, não são unidades orçamentárias autônomas, apesar de
receberem recursos diretamente pelo Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e
pelo adiantamento bancário, recursos destinados a pequenos serviços e compras147.
O organograma da Secretaria Municipal de Educação foi reestruturado em 1989 e, a
partir de então, sofreu diversas alterações, com criação de cargos, descentralização
e recentralização de políticas, além das regras formais determinadas pelas leis e
decretos que o alteraram e também das informais, graças aos usos e costumes dos
funcionários da secretaria. Um exemplo desse tipo de regra informal é o fato de que
a área de Recursos Humanos (Conae 2), formalmente subordinada ao Conae, na
prática, responde diretamente ao secretário.
Em função das regras informais, não são muito nítidas, para a avaliação externa,
quais as reais linhas de comando da secretaria, visto que esse organograma,
145 A Secretaria Municipal de Educação conta com 13 coordenadorias regionais de ensino que dividem a responsabilidade pelas escolas e demais
equipamentos de ensino, bem como todas as ações locais da secretaria em todos os distritos da capital.
146 Essa é a atual estrutura da SME, que já foi mais descentralizada no final da gestão anterior, quando parte de seu orçamento passou a ser administrado
pelas subprefeituras. Essa experiência, contudo, não será aqui analisada, por sua duração curta, que não chegou a mudar efetivamente a cultura da SME e
porque, na maior parte do período analisado, a estrutura da secretaria manteve-se com grau de centralização semelhante ao atual.
147 Essa questão será discutida na análise da sociedade civil.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
252
construído ao longo do tempo, não está à disposição do público. A compreensão da
hierarquia se dá apenas por quem está na organização e ainda assim, dependendo
de sua proximidade da cúpula gestora. Nas unidades mais descentralizadas não há
clareza de quem é quem no gabinete, o que é também em parte justificado pela
intensidade de alterações ocorridas nos cargos gestores em função da troca assídua
de secretários de educação no município. Esse processo reforça a assimetria de
informações entre gabinete, coordenadorias e unidades escolares, cuja distância,
por vezes física, por vezes ideológica, dificulta a comunicação interna.
No que diz respeito à definição de cargos na estrutura da secretaria, sabe-se que,
no gabinete, o corpo técnico e gestor das assessorias e do Conae é indicado em
cargos de comissão. Com relação às unidades descentralizadas, isto é, às
coordenadorias e diretorias das unidades escolares, os primeiros, os 13
coordenadores, são indicados pelo secretario148, a partir dos quadros funcionais da
carreira. Já os diversos diretores de unidade escolares são nomeados dentre os
cargos de carreira e mediante posição em concurso, seguindo então processo
interno de preenchimento de vagas.
Nessas unidades está a grande parte do corpo funcional da secretaria, cuja maioria,
como se viu, é formada por professores. Esse corpo docente segue normas
previstas no estatuto do servidor e sua progressão na carreira é dada em função do
tempo de serviço e provas de títulos, além de avaliação de desempenho, conforme
as definições das Leis municipais 13.695/03, 13.652/03 e 13.758/04. As últimas, em
conjunto com o Decreto 45.090/04 e a Portaria 487/SGP-G/04, alteraram as regras
para a avaliação de desempenho do funcionalismo municipal, prevendo que esta
seria vinculada à definição de um plano de metas elaborado em cada unidade de
trabalho por seu gestor e equipe, com base nas diretrizes definidas pelo PPA e pela
LDO, bem como àquelas dos programas da própria Secretaria da Educação.
Quanto a isso, é interessante tecer alguns comentários. Em primeiro lugar, a
vinculação do plano de metas de uma equipe de trabalho, ou mesmo individual, às
diretrizes do PPA e da LDO trará conseqüências significativas à avaliação de
148 Essa indicação nem sempre é livre para o secretário que, seguindo a lógica da relação executivo-legislativo, por vezes cede à indicações políticas
externas.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
253
desempenho dos funcionários, visto que o grau de generalidade e descumprimento
dessas leis torna tal avaliação, ineficaz. Além disso, as normas previstas nessa
avaliação de desempenho são bastante complexas e visavam claramente dar um
caráter mais técnico e organizativo à atribuição de notas aos funcionários; pois, no
método anterior, a constatação geral era de que as chefias simplesmente avaliavam
todos os funcionários pela nota máxima, independentemente de sua produtividade.
O problema, contudo, é que pelo formato da regra e pela própria cultura
organizacional, a mudança não ensejou alterar a prática de nivelamento de todos
pela nota mais alta149.
Além dessas regras de progressão na carreira, que implicarão o acréscimo gradual
dos vencimentos, a educação dispõe ainda para seu corpo de funcionários a
Gratificação de Desenvolvimento Educacional (GDE), que, desde 2001, faz uso, em
boa medida, dos recursos do Fundef. Essa gratificação, concedida aos servidores
das unidades escolares da rede municipal de ensino e também dos Núcleos de Ação
Educativa, era concedida em geral no final do exercício, mudando recentemente, em
2006, para o pagamento em duas parcelas, uma no meio do ano e outra no final.
São considerados para pagamento da GDE o desempenho da unidade escolar e
também o número de faltas dos servidores, podendo ocorrer um desconto de até
metade da gratificação em função disso.
Apesar da existência desse mecanismo, a questão da falta dos servidores tem sido
um grave problema da administração de pessoal da SME. Em 2000, segundo
informação da própria secretaria, cerca de 98% dos servidores fizeram uso de 90%
das possibilidades de faltas e abonos150. O maior nível dentre todas as secretarias
da administração pública municipal. Nos últimos anos, segundo cálculos da SME,
cerca de 56% dos professores faltam, em média, 9 dias, sem contar as licenças
médicas.
149 Alguns diretores de unidade confessam ser muito difícil não dar a nota máxima para algum subordinado, pois isso implicaria perda salarial e um
conseqüente atrito pessoal, levando a piora do clima entre os funcionários. A pressão pela manutenção dessa regra informal impede a avaliação de fato,
mesmo entre diretores novatos que se sentem “obrigados” a entrar no jogo para serem aceitos pelo grupo e conseguirem trabalhar. Há casos em que o
diretor já recebe a ficha de seus funcionários com a avaliação preenchida para simples assinatura.
150 Segundo o Estatuto do Servidor Público, o funcionário pode ter 10 abonos no ano, além de 5 faltas justificadas sem prejuízo dos vencimentos, desde
que haja autorização do chefe.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
254
Ainda uma questão interessante nesse tema é o grande número de faltas/aula
realizadas pelos docentes. Esse tipo de falta significa que das aulas que o professor
deveria dar no dia, houve falta em algumas horas. Como a falta é parcial, ele não
perde o dia de trabalho, tendo apenas parte do salário descontada. O Conae 2, no
entanto, é obrigado a colocar à disposição da escola um professor substituto para
que os alunos não percam essas horas. Assim, na análise da secretaria, paga-se
praticamente duas vezes pela mesma aula151.
Essa situação torna a administração de pessoal na Secretaria da Educação uma
tarefa que ocupa boa parte do tempo dos gestores, pois além de contar com um
número defasado de docentes, especialistas e quadro de apoio, segundo cálculos
da coordenadoria de RH, é necessário fazer reiteradamente a contratação de
professores temporários para atuarem como substitutos.
A defasagem de quadros existe segundo a SME por dois principais motivos, em
primeiro lugar pelo represamento das contratações realizado pelas áreas de
controle: Secretaria de Gestão, responsável pela política de pessoal; Secretaria de
Planejamento, responsável pela liberação das cotas orçamentárias e Secretaria de
Finanças, responsável pela liberação de cotas financeiras que, em geral, seguram
ou negam a maioria dos pedidos de contratação de pessoal. O segundo motivo é a
grande rotatividade de professores e especialistas nos quadros do magistério.
Assim, quando se termina um concurso e o preenchimento de vagas, dado o longo
tempo decorrente entre a autorização, realização e efetivação, já há nova
defasagem, seja porque o funcionário se desligou da prefeitura, ou pediu
afastamento, mudança de secretaria ou mesmo de área dentro da educação. É
bastante comum, por exemplo, os pedidos de afastamento ou mudança das
unidades escolares localizadas na periferia de São Paulo, segundo informações da
SME.
Diante disso, a coordenadoria de RH tem pouco tempo disponível para se preocupar
com o investimento na formação dos quadros, o que é, em geral, feito
individualmente por professores ou funcionários. Estes se preocupam em cuidar de
151 Essa situação poderia ajudar a entender que, apesar da maior contratação de professores de ensino fundamental no período analisado, não houve
grande impacto na média de crianças por sala de aula.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
255
seus planos de carreira e com uma formação que possa ajudá-los na progressão
salarial. Muitas vezes, os professores e demais funcionários contam também com a
ajuda do sindicato nessa tarefa; Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino
Municipal de São Paulo (Sinpeem) e Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do
Estado de São Paulo (Apeoesp). Os sindicatos constituíram-se nos últimos anos em
um importante canal de comunicação para os funcionários da educação no que diz
respeito aos seus direitos e também em relação à aplicação das regras do ensino
por parte da prefeitura. Segundo a própria SME, o fortalecimento da relação dos
funcionários com os sindicatos está relacionado à própria postura do poder executivo
municipal com os funcionários da educação. O fato dos salários e das contratações
não terem crescido na mesma medida da disponibilidade de recursos, de ter havido
descumprimento da aplicação dos recursos vinculados ao ensino em gestões
passadas, de terem sido instituídos programas de educação inclusiva na legislação
municipal de ensino e, finalmente, de ter havido muitas mudanças de gestão nos
últimos anos desagradaram o corpo funcional e aumentaram sua desconfiança em
relação às políticas municipais de ensino. Esse processo ajudou a fortalecer o
discurso dos sindicatos que cobram aumentos salariais e melhores condições de
trabalho.
Ainda de forma a complementar à caracterização desses atores importantes na
estrutura de governança do ensino municipal, é forçoso ressaltar que na visão das
outras secretarias que dividem a gestão dos recursos do ensino, em especial as de
controle, a SME parece estar mais ocupada com as questões concernentes a
contratações de pessoal, aumentos e gratificações do que com a gestão e o
desempenho dos programas da pasta. Seguindo essa visão, se fosse possibilitado à
secretaria
o
total
controle
sobre
os
recursos
do
ensino,
estes
seriam
majoritariamente utilizados para despesas de pessoal, comprometendo o equilíbrio
orçamentário e político do governo.
5.2.1.4 Sociedade civil
A participação da sociedade civil no controle do financiamento da educação se dá de
forma direta como usuária do sistema, de modo a ser fundamental a ação de pais e
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
256
mães de alunos, e também por meio do Conselho Municipal da Educação e do
Conselho de Acompanhamento do Fundef.
Pais e mães participam tanto na demanda e avaliação da oferta do serviço de
educação, quanto no controle dos recursos utilizados diretamente na escola, por
meio da Associação de Pais e Mestres (APM)152.
Com relação ao controle da oferta e qualidade dos serviços, não se tem
conhecimento acerca de pesquisa realizada especificamente em São Paulo sobre o
envolvimento de pais e mães na questão do ensino municipal. Apesar disso, há
informações de educadores e comunidade escolar que indicam que a participação
dos pais e mães no município está aquém da que eles julgam necessária para um
controle efetivo dos recursos da escola e da qualidade do ensino153. Há regiões da
cidade onde há um maior acompanhamento por parte dos pais e mães, mas, de
forma geral, os diretores de escola e professores se ressentem da falta de
acompanhamento periódico e mesmo da baixa cobrança por melhores condições da
escola. Alguns diretores, por exemplo, apontam que a maior preocupação dos pais
na hora da matrícula do aluno se dá com a possibilidade de recebimento do “LeveLeite” (programa municipal que consiste na distribuição gratuita de leite em pó aos
alunos) e do uniforme escolar e não com o professor indicado para a série do seu
filho ou com o currículo escolar.
Por outro lado, os pais e mães se ressentem da falta de compromisso dos
professores públicos do município, que, em sua opinião, faltam em demasia. Além
disso, esse público tem a sensação de que há desperdício dos recursos com
educação, principalmente na merenda municipal. Os pais e mães alegam que não
participam mais da vida escolar por falta de tempo.
152 Em São Paulo as unidades escolares recebem recursos que são administrados na escola, por meio do Conselho da APM com a participação dos
diretors, professores, pais e mães de alunos, como o PDDE –Programa Dinheiro Direto na Escola, apresentado no capítulo 2 e também os recursos para
manutenção da rede escolar e repasses do PTRF - Programa de Transferência de Recursos Financeiros às APMs das Unidades Educacionais da Rede
Municipal de Ensino, criado em 2005
153 Parte das informações apresentadas nesta seção foram obtidas por meio de oficinas com educadores - dentre os quais professores, diretores,
auxiliares de ensino e agentes escolares – além da comunidade escolar formada por pais, mães e alunos. Essas oficinas foram realizadas nos anos de 2006
e 2007 e contaram com a participação de aproximadamente 110 pessoas, em sua maioria de zonas periféricas das regiões norte, sul, leste e oeste da
cidade de São Paulo. É importante ressaltar que, apesar do número expressivo de atores envolvidos e da provável fidedginidade das informações obtidas,
as oficinas não foram organizadas segundo uma amostragem estatística.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
257
A participação no Conselho da Escola e no da APM é uma questão de suma
importância para os pais participantes, estes entendem esse espaço como uma
possibilidade de melhoria da escola de seu filho e reconhecem que são poucos os
pais comprometidos. Entendem ainda que essa situação decorre da falta de tempo e
excesso de trabalho, mas também da falta de visão dos pais sobre a importância de
estar presente e controlar os recursos e a qualidade da educação dos filhos. No
controle dos recursos que vão direto para escola, os pais criticam a complexidade
das regras para gastá-los, que além de difíceis tecnicamente, mudam muitas vezes
em função de alterações na legislação municipal e federal. Eles vivenciam, assim, o
dilema entre executar os recursos do adiantamento direto e o receio de serem
questionados na prestação de contas. Essa preocupação não é só dos pais, mas
também dos diretores e outros funcionários da administração escolar, que temem
ser processados e/ou exonerados, por algum problema no uso dos recursos. Há
casos em que os diretores dizem preferir “compras mais fáceis”, ou até mesmo não
gastar o recurso, do que se comprometer em um processo complexo de despesa.
Muitos apontam a falta de informação e as dificuldades na comunicação com a SME,
como um dos problemas relacionados ao controle dos recursos.
No que concerne à participação nos outros conselhos, vale a análise de algumas
questões. O Conselho Municipal de Educação foi criado em São Paulo, em 1988,
sendo referendado na Lei Orgânica do Município, em 1990, e alterado depois por
meio de decretos municipais. Segundo Rocha (2003), os principais problemas
referentes ao funcionamento do conselho seriam: i) sua definição como órgão de
assessoramento do executivo municipal e não como fiscalizador e responsável por
elaboração de propostas a partir das demandas dos diversos setores sociais; ii) até
hoje, apesar da previsão da LDB e LOM, o conselho não foi regulamentado por lei,
mas apenas por decreto, o que o mantém em desacordo legal; iii) não ter como
atribuição o papel de fiscalização dos recursos orçamentários da educação, o que
reduz sua importância enquanto ator com poder de intervenção na área; e iv) a
representação da maioria de seus membros é dada por indicação do executivo154.
154 Dos nove membros que compõem o Conselho, apenas 3 são representantes da comunidade, indicados por entidades representativas dos diversos
segmentos da cidade, mas escolhidos pelo executivo a partir de lista tríplice (ROCHA, 2003).
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
258
Tais questões apontam a existência de falhas na organização e operacionalização
dos Conselhos de Educação, possíveis soluções para estas parecem ainda
inconclusas, conforme apresentado no capítulo 3, até porque não há clareza nesse
debate se, por exemplo, em uma democracia representativa, os conselhos devem ou
não ser deliberativos (TATAGIBA, 2004).
Com referência ao Conselho do Fundef, criado em 1998, em atendimento à
legislação federal, como visto no capítulo 2, deve estar encarregado de efetuar o
acompanhamento e controle social sobre a divisão e transferência dos recursos do
Fundo, acompanhar e supervisionar o censo escolar anual que é informado ao MEC
e apreciar a prestação de contas da utilização dos recursos recebidos e executados
na conta do Fundo no município (ROCHA, 2003).
Além desses dois conselhos e dos conselhos de escola, é importante mencionar que
foi criado também um Conselho da Alimentação Escolar, com sete membros,
representantes do poder executivo, legislativo, dos professores, pais e alunos e um
representante do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
A partir dessa legislação existente para os conselhos na área de educação no
município de São Paulo, Rocha (2003) argumenta que a multiplicidade destes
dificulta o acompanhamento por parte da sociedade civil, impedindo, por vezes,
diversos de seus segmentos de interferirem de fato na política educacional e
obviamente na discussão dos recursos da educação.
A fragmentação decorrente dessa situação leva a uma baixíssima, senão
inexistente, visão de conjunto das políticas de educação. Essa visão só é possível
ao poder executivo e, mesmo assim, somente a uma cúpula, pois mesmo na SME
boa parte dos servidores (docentes ou não) não tem a compreensão do processo
como um todo. Essa fragmentação, isto é, a falta de relação entre os conselhos,
segundo Rocha (2003), reduz a possibilidade de a sociedade civil poder exercer de
fato sua participação, fiscalizando, cobrando, denunciando e formulando propostas
para o aperfeiçoamento das políticas de educação.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
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Além desse problema, a democratização do processo é prejudicada também por
questões de representatividade e pela complexidade das regras legais. Quanto à
representatividade, como adiantado no capítulo 3, a força da indicação do poder
executivo dilui a possibilidade de uma representação paritária, de fato, com a
sociedade civil 155 ; ademais, a falta de regras para o representante e seus
representados torna a ação do primeiro muito mais individual e voluntarista do que
efetiva em relação aos anseios dos diversos segmentos sociais. Com respeito às
regras legais, a dificuldade de compreensão das leis e processos, principalmente
ligados ao orçamento, receitas e despesas da educação, distancia muito a
interpretação da sociedade civil sobre o que está acontecendo com os recursos do
ensino no município e da própria escola. Há uma grande carência de informação e
capacitação para estes representantes nos conselhos, para que possam realmente
fiscalizar e acompanhar as políticas.
5.2.1.5 Poder legislativo
O poder legislativo, descrito no capítulo 1 e analisado no capítulo 3, deveria ter como
compromisso o acompanhamento e a fiscalização das ações do poder executivo,
visando garantir a adequação legal no uso dos recursos e a adequação
programática das políticas públicas às necessidades da comunidade representada
por estes. Esse processo diz respeito a todas as áreas de governo e em especial à
educação, área de prioridade programática nacional, em que a vinculação de
recursos orçamentários deve ser acompanhada também pelos vereadores, havendo
uma comissão temática exclusiva para tratar de educação na Câmara Municipal.
Apesar disso, no entanto, percebe-se que nos anos estudados parte dos problemas
e falhas nas regras formais do ensino e do orçamento ocorreu no município a
despeito do controle que deveria ser exercido pelos vereadores. Em nosso entender,
isso se deu na medida em que o apelo pela construção de uma política de
aproximação entre executivo e legislativo, baseada em barganhas individuais e
também na compra e venda de votos entre membros do poder legislativo –
155 Quanto à representação paritária entre sociedade civil e governo pode haver questionamentos se esta é devida frente ao fato de que os governos são
legitimamente eleitos para governar. Contudo, se o questionamneto estiver correto é preciso repensar as regras formais de criação dos conselhos que,
legalmente, os constituíram de forma paritária, no intuito de aumentar a participação social nas política públicas, apesar de que, na prática, esta não se
verifica.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
260
logrolling156, teve reflexo importante para reduzir um trabalho profundo e sistemático
de fiscalização e controle dos atos da administração pública municipal.
Durante as três gestões analisadas, o poder legislativo municipal manteve
comportamentos distintos na relação com o executivo, sendo que se observa uma
constância da prerrogativa individual do vereador mais do que um comportamento
partidário, isto é, boa parte dos vereadores paulistanos é suscetível a apoios
individuais às iniciativas do executivo, em troca de benefícios pessoais e para sua
base eleitoral (FIORILO, 2006).
As negociações entre executivo e legislativo foram necessárias e importantes nas
três gestões, visto que em nenhuma delas o prefeito conseguiu eleger os vereadores
de sua coligação em número suficiente para garantir aprovação de seus projetos na
Câmara Municipal. Com relação à gestão realizada entre os anos de 1997 e 2000, a
tabela 35, a seguir, apresenta a composição legislativa eleita em 1996.
Partido
PPB
PT - PCdoB - PSB - PMN - PCB
PSDB - PPS - PV - PSL
PDT - PL - PST
PMDB - PSDC
PTB - PAN - PSP
PFL
PRONA
TOTAL
No. Vereadores Eleitos
19
11
8
7
4
3
2
1
55
Tabela 35 – Vereadores por Partido ou Coligação - Câmara Municipal de São Paulo – Eleição de
1996
Fonte: Fiorilo (2006, p.76)
Como se vê no quadro acima, na gestão 1997–2000, o PPB, partido do prefeito à
época, obteve 19 cadeiras legislativas. O grupo de partidos que apoiavam o governo
(PDT-PL-PST; PMDB-PSDC; PTB-PAN-PSP; PFL, PRONA), contudo, obtinha um
total de 36 votos, o que permitiria, a princípio, ao executivo uma tranqüilidade de
aprovações na Câmara (FIORILO, 2006). O prefeito buscou, no entanto, alterar a
lógica da relação política com os vereadores da base, existente no governo anterior,
156 Para uma descrição de logrolling, ver BORSANI (2004).
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
261
que era pautada pela possibilidade de os vereadores influenciarem decisivamente a
organização das Administrações Regionais (ARs). A mudança tentava reduzir o
controle das ARs pela legislativo, medida que desagradou a base governista. Esse
fato, somado à inexperiência e à baixa representatividade política daquele prefeito,
provocou uma ruptura do equilíbrio até então existente na relação executivolegislativo. O poder executivo passou a ser, de certa forma, o lado mais frágil da
relação, cedendo muitas vezes a pressões fisiológicas, o que levou à grande
instabilidade política nas votações do período (FIORILO, 2006).
Na gestão de 2001 a 2004, o PT assume novamente o comando da cidade, após
oito anos fora da administração pública local. O cenário era de desgaste político e a
Câmara havia sofrido grande renovação de vereadores. Na visão de Fiorilo (2006), a
estratégia de governabilidade assumida pelo executivo, na busca de maioria
legislativa, passou a considerar uma concepção ampliada de alianças políticas e de
partidos, quando comparado ao governo petista anterior. Essa estratégia contou
com a possibilidade de nomeação de pessoas indicadas pelos partidos aliados para
o segundo escalão do governo e, mais adiante, para as AR’s, depois, subprefeituras.
Essa estratégia se deu ao mesmo tempo em que o PT preservava para os partidos
membros da coligação principal (PT–PC do B) o cargo de titular das secretarias
(FIORILO, 2006).
Com isso, procurou-se criar uma maioria estável para o governo, visto que, da
mesma forma que ocorrera na gestão anterior, a coligação eleita para o poder
executivo não conseguiu um número de cadeiras na Câmara suficiente para a
aprovação dos projetos do governo, como mostra a tabela 36 a seguir.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
Partido
262
No. de Vereadores Eleitos
PT
16
PSDB
8
PPB
6
PMDB
6
PCdoB
3
PTB
3
PL
3
PRONA
2
PSB
2
PPS
2
PDT
2
PSDB
1
PFL
1
TOTAL
55
Tabela36 – Vereadores por partido - Câmara Municipal de São Paulo – Eleição de 2000.
Fonte: Fiorilo (2006, p.99).
A política de governabilidade conseguiu manter uma maioria legislativa para votação
de todos os projetos prioritários de governo, garantindo estabilidade política com os
partidos aliados. Nesse processo, apesar da importância da negociação partidária
para os apoios, parte das alianças dependia da negociação e intervenção individual
de alguns vereadores que, sem grande pressão ou fidelidade partidária, apoiaram o
governo. Como contrapartida esses vereadores contavam com a possibilidade de
indicação de cargos, obras e serviços em sua região eleitoral, ou mesmo de
indicação de emendas orçamentárias pontuais que lhes possibilitassem dividendos
políticos rumo à reeleição ou projeção política para outros cargos eletivos (FIORILO,
2006).
Esse tipo de vereador, na análise de Fiorilo (2006), é característico do modelo
distributivista, no qual a principal motivação é a busca da reeleição e de mecanismos
internos à Câmara Municipal que favoreçam e dêem poder de barganha com o
executivo. Na tradução da relação política executivo-legislativo feita por Wadih
Mutran, antigo vereador paulistano, encontra-se o vereador típico apenas
mencionado:
“O que o prefeito faz é sempre ter um bom relacionamento com
a Câmara Municipal, porque todos os vereadores têm interesse
em resolver o seu problema na região. É um asfalto, é uma
iluminação, é uma canalização de córrego, enfim, é um campo
de futebol, então, nós, como vereadores, queremos ter um bom
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
263
relacionamento na nossa região e o prefeito sabendo dominar
essas condições, ele terá sempre a maioria aqui na Câmara
Municipal. Eu sempre participei de governo que ajuda o povo.”
(FIORILO, 2006, p.119)
A atual gestão, iniciada em 2005, também a exemplo das demais, não conseguiu
eleger um número de vereadores na coligação principal que garantisse maioria na
Câmara Municipal. Como se vê na tabela 37 abaixo, os vereadores dos partidos
PSDB-PFL somaram 17 cadeiras.
Partido
No. de Vereadores Eleitos
PT
13
PSDB
13
PP
4
PC do B
1
PL
3
PMDB
4
PPS
2
PDT
2
PFL
4
PV
2
PTB
6
PSB
1
TOTAL
55
Tabela 37 – Vereadores por Partido - Câmara Municipal de São Paulo – Eleição de 2004.
Fonte: Assessoria Técnica da Câmara Municipal de Vereadores (2007).
A estratégia inicial deste governo para a construção de maioria e atração de partidos
aliados foi pela não participação desses partidos nos quadros de primeiro escalão e
também não parece ter havido abertura para as subprefeituras. Essa última diretriz
foi alterada posteriormente, com algumas indicações pontuais, não se constituindo,
contudo, como política de governabilidade. A decisão da atual gestão parece ter sido
a de abrir mão de uma maioria estável e trabalhar a busca de maioria nas votações
dos projetos de interesse. Essa estratégia tem certa instabilidade política e implica
negociações relativas a concessões nos próprios projetos votados na Câmara e
discussões individuais com os parlamentares na barganha por benefícios regionais.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
264
Dessa forma, é mais difícil ter clareza de qual a base governista, que varia conforme
o momento político157.
Diante dessa situação, é possível perceber, na Câmara de Vereadores do município
de São Paulo, apesar de sua grande visibilidade e da possibilidade de
acompanhamento público dos atos do legislativo via imprensa, o comportamento
individualizado de boa parte dos vereadores paulistanos dentro de uma política que
tende a ser paroquial. Essa se dá ao sabor da barganha com o executivo, reduzindo
em conseqüência as prerrogativas legislativas da Câmara enquanto órgão
fiscalizador das políticas públicas locais. Dessa forma, os projetos de planos e
orçamentos, além do controle dos recursos da educação, têm sua fiscalização
reduzida, resultado da ausência desse poder em cumprir seu papel constitucional.
É ainda forçoso afirmar que esse cenário só é completo pela atuação conjunta do
Tribunal de Contas do Município de São Paulo que, enquanto órgão auxiliar da
Câmara de Vereadores, tem a prerrogativa de acompanhar, avaliar e controlar a
legalidade e a eficiência dos atos da administração pública municipal, tecendo
pareceres para o julgamento dos vereadores. Este, contudo, em muitos episódios,
tem sido omisso na avaliação dos processos, o que colaborou para o
descumprimento da legislação do ensino em vários anos, sem maiores
conseqüências. Em outras vezes, há que se ressaltar que, a despeito do parecer da
área técnica do Tribunal apontar problemas na gestão de recursos, o parecer final
dos conselheiros158 tende a amenizar os problemas mencionados pelos técnicos, em
um posicionamento bastante questionável.
5.2.2 Características
As características básicas apresentadas no modelo de análise de estruturas de
governança no setor público, constante no capítulo 1 desta tese, também estão
presentes nessa estrutura de governança do ensino fundamental do município de
157 Não se percebem, contudo, dificuldades de apoio legislativo, visto que o governo conseguiu votar, por exemplo, a reforma previdenciária municipal,
projeto extremamente polêmico e impopular entre o funcionalismo público. Outro exemplo são os vetos relativos à priorização de políticas pública nas Leis
de Diretrizes Orçamentárias, comentado na seção 5.1.4, que não foram derrubados na Câmara.
158 Os conselheiros do Tribunal de Contas do Município são indicados pelo prefeito municipal para o cargo vitalício.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
265
São Paulo, isto é, a multiplicidade de tarefas e de principais, a baixa competitividade
e a complexidade na motivação dos agentes.
Com relação à primeira questão, a multiplicidade de tarefas a ser enfrentada pela
organização, além dos pontos enfocados no capitulo 3 referentes aos municípios
brasileiros em geral, tem-se, em São Paulo, algumas dificuldades a mais nessa
questão. Isso acontece porque as unidades escolares assumiram novas tarefas, em
função do redesenho do arranjo institucional do ensino no município, e passaram a
controlar os programas relativos à educação inclusiva, como o Bolsa-Escola, a
distribuição de uniformes e o “Leve-Leite”, entre outros. Tais tarefas, muitas vezes,
sobrecarregam os diretores e professores que devem dividir parte do seu tempo
também com o controle desses programas.
A multiplicidade de principais é também potencializada no município de São Paulo,
pois para além dos atores clássicos discutidos nos capítulos 1 e 3, tem-se aqui uma
série de outros atores, representantes dos interesses das demais secretarias da
administração municipal que administram parte dos recursos vinculados ao ensino,
como a Secretaria Municipal de Assistência Social, a Secretaria Municipal de
Transportes e as demais citadas.
A baixa competitividade nesse nível de ensino se dá por alguns motivos. Em
primeiro lugar está o fato de que apesar da maior parte da oferta de vagas no
fundamental ser ainda da rede estadual, a participação da rede municipal é muito
significativa e crescente nos últimos anos. Além disso, não há, no cômputo geral,
excesso de ofertas, na medida em que as duas redes, estadual e municipal,
trabalham para o atendimento da necessidade existente de vagas159. A oferta de
vagas na rede privada não é opção para boa parte das famílias, pois estas não têm
condições de pagar uma escola particular e, ainda que haja em algumas regiões da
cidade a possibilidade de vagas em uma escola pública municipal e estadual, não há
transparência e controle da qualidade de ensino oferecido por ambas, que
pudessem clarificar a escolha das famílias. Na rede municipal, a partir da análise
realizada, é possível perceber um modelo de organização coping, segundo a visão
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
266
de Wilson (1989), apresentada no capítulo 1, no qual é difícil o controle das ações
dos agentes e resultados, dificultando sua avaliação externa e caracterizando uma
baixa competitividade. Soma-se a essa característica, a postura dos pais e mães
que têm uma visão apenas parcial da educação, sendo que grande parte não
acompanha de perto o desempenho escolar dos filhos.
A complexidade na motivação dos agentes acontece na justa medida da intrincada
estrutura de governança construída no município, em particular, na Secretaria
Municipal de Educação. O desempenho individual é bastante obscurecido pelas
construções coletivas dos servidores, motivadas muitas vezes pelo corporativismo,
em uma intensidade que dependerá do governo e da gestão. Além disso, as regras
de controle do desempenho individual são falhas, na tentativa de reduzir
comportamentos corporativistas ou descomprometidos com a gestão dos programas
da educação.
As regras de valorização do funcionalismo da educação, além de pouco claras e
instáveis, sofrem o controle rígido das Secretarias de Finanças e Planejamento, que
evitam tanto os aumentos quanto as novas contratações, dentro de um espírito de
controle financeiro. Ainda que por vezes haja um arbítrio do prefeito, possibilitando
uma liberação de gratificação ou concurso, no período analisado, percebe-se a
inconstância dessa política e o crescimento dos cargos docentes, em especial no
ensino fundamental, aquém da disponibilidade de recursos.
Em virtude disso, a burocracia da educação, seja o núcleo intermediário ou o de
professores, tende a antecipar que sua remuneração não será proporcional ao
crescimento das receitas disponíveis para o ensino. É possível, a partir disso, que
seu comprometimento e expectativa individuais sejam afetados, dando margem a
que o comportamento oportunista individual seja superior ao comprometimento com
o interesse público.
Além dessas constatações, é ainda relevante analisar que a existência de grande
rotatividade na cúpula da Secretaria Municipal de Educação enfraquece seu poder
159
Segundo informações da SME, a coordenação nesse processo é relativa, pois apesar de haver
atendimento global, em algumas regiões existe excesso de vagas e em outras há falta, nas duas
redes..
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
267
hierárquico, conforme a visão de Miller (1992). As várias regras informais de gestão
de cargos, a dificuldade nos canais de comunicação interna da secretaria e a
ausência de um sistema adequado de incentivos ao desempenho individual
constituem também elementos que, somados aos anteriores, fazem dessa estrutura
de governança hierárquica uma construção inadequada à redução da informação
assimétrica entre os agentes e ao controle dos custos de transação existentes no
sistema municipal de políticas públicas do ensino em São Paulo.
5.2.3 Custos de transação
A partir da análise do arranjo institucional do ensino fundamental no município de
São Paulo e sua estrutura de governança, é possível verificar a existência de
diferentes tipos de custos de transação, com base no modelo apresentado no
primeiro capítulo.
O primeiro custo de transação existente origina-se na busca de negociação das
políticas públicas entre os poderes executivo e legislativo e ocorre a cada discussão
de projeto de lei que envolva mudança institucional, como a aprovação da Lei
12.340/97, que permitiu parcelar as dívidas com educação de governos anteriores, e
as mudanças na Lei Orgânica Municipal, que alteraram o padrão de gasto com
ensino, por meio da Emenda 24/01. Para além dessas mudanças, a cada
negociação do PPA, da LDO ou da LOA há também outros custos de negociação
envolvidos que serão proporcionais sempre ao número de vereadores que compõe a
base governista na Câmara e a forma escolhida de governabilidade. Em função
disso, as mudanças ou aprovações de projetos demorarão mais ou menos tempo na
tramitação legislativa e sofrerão ou não alterações e emendas.
Um segundo custo de transação é relacionado à incerteza e à descontinuidade das
políticas públicas. Como observado nos últimos anos, a partir da análise das tabelas
de receitas e despesas do ensino no município de São Paulo, houve uma série de
alterações na política de gastos com ensino, havendo, em cada gestão, e mesmo
dentro das gestões, a inclusão ou retirada de programas, projetos e atividades
implicando a interrupção das políticas públicas de ensino. A própria alteração no
comando da SME, com a passagem de 9 secretários em 10 anos, reflete esse
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
268
processo. O custo dessas alterações e a incerteza aí envolvida refletem-se na falta
de eficiência das políticas públicas que, muitas vezes, não são planejadas e
implantadas a tempo de obterem os resultados desejados e também têm reflexo na
estrutura de governança, pois o comportamento dos agentes será o de se precaver
e desconfiar de novas políticas. Os atores, principalmente a burocracia da educação,
envolvidos no processo, antecipam que a cada mudança de governo é provável que
tudo seja recomeçado, além de não terem garantia de que as conquistas de classe,
como gratificações e planos de carreira, serão mantidos. Assim, esses atores
tornam-se mais reticentes em se comprometer com a execução de novos programas
e projetos, o que dificulta a busca de resultados e eficiência. Essa incerteza e
volatilidade trazem também um custo de transação político importante, visto que não
há garantia para a comunidade de que uma determinada política pública terá ou não
continuidade.
Há ainda outro tipo de custo de transação que é determinado pelo tempo gasto no
monitoramento da burocracia para a execução das políticas públicas. Como
apresentado no capítulo 1, tem-se aqui um problema principal-agente, com um alto
custo de agência, tanto no que diz respeito ao monitoramento da administração
pública pela sociedade civil, quanto no controle pelo poder executivo do
desempenho da burocracia. No caso analisado, mostramos a extrema complexidade
desse processo em São Paulo, visto que a estrutura de governança construída para
o ensino e que se reflete para o ensino fundamental, envolve várias secretarias e
órgãos e, por decorrência, diferentes corpos burocráticos, como gestores públicos,
professores, procuradores
e contadores
entre outros. As
dificuldades
de
relacionamento entre esses corpos burocráticos e a complexidade das transações
entre estes implica custos no monitoramento dos processos, nos quais por vezes
não se identifica quem é o responsável pela execução e desempenho dos
programas.
A sociedade civil em geral só consegue perceber a prestação de serviços na ponta
do processo e não tem perfeito conhecimento de “quem” presta o serviço. Os atores
mais próximos e, obviamente, mais cobrados são os professores e os diretores
escolares. Estes, contudo são apenas uma parte da estrutura existente por trás das
políticas públicas. Mesmo assim, é difícil o controle do desempenho desses atores
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
269
pelos pais e mães, em função das possibilidades de faltas e licenças dos
professores, da noção parcial sobre a qualidade de ensino oferecida e das
dificuldades existentes no processo de participação na escola por meio dos
conselhos, como apresentado. Nesse cenário, há uma grande assimetria de
informação entre esses atores que torna falho o que poderia ser o controle externo
desta estrutura de governança.
Quanto ao monitoramento da burocracia pelo poder executivo também existem
grandes falhas em função das relações construídas a partir das regras do jogo,
formais e informais. O processo de avaliação de desempenho é um exemplo da
dificuldade de se controlar os agentes, que criam suas próprias regras de autoproteção, ao estabelecerem, por exemplo, que todos terão avaliação de 100% de
cumprimento das metas. Na compreensão desses agentes, essa é uma forma de
garantir as gratificações por desempenho que compensariam os baixos salários (na
opinião da burocracia) pagos pela administração. Na visão do poder executivo, esse
comportamento conjugado com as faltas e licenças excessivas tornam os salários de
fato muito elevados. Como já afirmado, esse comportamento torna o sistema de
incentivo ao desempenho dos agentes de ensino (sejam diretores, professores ou
auxiliares) ligado puramente a gratificações financeiras, ineficaz, na medida em que
não se consegue, a partir deste, controlar de fato as ações e o comprometimento
dos agentes.
5.3 Conclusão
A análise do arranjo institucional do financiamento do ensino fundamental, em São
Paulo, nos permite perceber que existem peculiaridades tanto das regras formais do
financiamento do ensino fundamental, quanto da estrutura de governança do ensino
no município, que não contribuem para que essa política pública seja realizada
segundo planejamento e execução adequados aos recursos disponíveis e às
necessidades da comunidade escolar. A mudança constitucional que priorizou o
ensino fundamental em 1996, por meio da promulgação da LDB e da Emenda 14/96
e que deu origem ao Fundef, beneficiou o município de São Paulo financeiramente,
no sentido de que este passou a contar com uma considerável receita adicional do
Fundo. O fortalecimento do processo de municipalização da rede de ensino foi, no
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
270
entanto, realizado, a exemplo de vários outros municípios brasileiros, sem o devido
planejamento da rede, concentrado, nesse período, principalmente entre os anos de
1997 a 1999. O ganho adicional do Fundef, por opção do município, parece ter
servido mais para compensar a folha de pagamentos já existente no ensino
fundamental e, assim, liberar os recursos da vinculação de impostos para outras
despesas, do que para novas contratações e valorização dos docentes.
A falta de controle efetivo sobre as regras do ensino no município, por parte do
poder legislativo, conjugada com a grande flexibilidade permitida pelas regras do
processo orçamentário, possibilitou que, por vários anos, se descumprisse a
aplicação mínima de recursos em educação prevista na Constituição Federal e na
Lei Orgânica do Município. Também a aplicação de recursos adicionais do Fundef e
de outras receitas do ensino fundamental mantém-se até hoje prejudicada.
A estrutura de governança criada para a organização do ensino no município é
bastante complexa e, apesar de ter como base principal a SME, várias outras
secretarias participam desse processo, como responsáveis por parte do gasto ou
como atores necessários para o planejamento e execução das despesas.
Nessa estrutura, é fundamental o papel do chefe do executivo. Por ser a maior área
de concentração de receitas do município, a educação suscita interesses políticos
fortes (FRANT, 1996) que poderão fazer com que haja a busca de realização de
programas de grande visibilidade política para o governo, por vezes em detrimento
de programas estruturantes para a educação. É também relevante ressaltar que, no
município de São Paulo, tem peso para a construção dessa estrutura de
governança, a existência de rigidez orçamentária. Esse fato faz com que possa
haver o posicionamento do governo pela realização de programas de outras
secretarias com os recursos da educação, de forma a reduzir a rigidez na utilização
dos recursos. A decisão sobre o grau de alocação de recursos do ensino nesse tipo
de programas, projetos e atividades dependerá, em última instância, do chefe do
executivo e de seu núcleo estratégico de governo. Nas gestões avaliadas, isso
ocorreu reiteradamente, com a importante diferenciação de que, a partir de 2001, as
inclusões deram-se dentro do aparato legal definido no município, ao contrário da
gestão anterior.
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
271
O controle da funcionalidade e eficiência desses programas é ainda uma questão
chave a ser resolvida. A análise custo-benefício para a decisão de quais deles irão
compor as políticas públicas de ensino é precária, como também não há uma cultura
de avaliação programática. Não existe à disposição dos gestores das políticas
públicas um sistema de controle de custos integrado da administração municipal,
que permita essa avaliação e, muito menos, o acesso da comunidade escolar e da
sociedade civil como um todo.
Dessa feita, a fiscalização externa é prejudicada pela falta de informações e também
pela baixa transparência e permeabilidade do orçamento público e das prestações
de contas dos recursos da educação, que, apesar de permitir o acesso a quanto se
gasta, não permite ainda saber “onde”, “como” e “por que” se gasta. Esse controle
carece também de maior organicidade visto que tanto o poder legislativo,
responsável legal por essa tarefa, quanto a sociedade civil, não a exercem ainda na
sua integralidade.
A Câmara Municipal, como se viu, com base em uma série de características e de
interesses próprios, abre mão de sua prerrogativa de fiscalizar os planos,
orçamentos e prestações de contas do poder executivo, em função da barganha
política, partidária e principalmente individual. A sociedade civil, por sua vez, tem
grande dificuldade em exercer seu poder fiscalizador, tanto da qualidade do serviço
prestado, quanto da utilização dos recursos da educação por meio dos vários
conselhos existentes. Essa dificuldade está associada à fragmentação do controle
em um grande número de conselhos, com baixa representatividade efetiva e
também a participação aquém do necessário, de pais e mães, na vida escolar.
A baixa visibilidade existente das ações dos atores escolares, como professores e
todo corpo funcional da educação, é reforçada pela falta de controle externo sobre
os resultados do ensino. Com isso, a estruturação fortemente hierárquica dessa
secretaria, na qual convivem diferentes grupos burocráticos, tende a ser ineficiente,
pois seus sistemas de incentivo são falhos, além de apresentar dificuldade em
direcionar o comportamento dos agentes para a ação idealizada pela cúpula da
organização. Os canais de comunicação internos são prejudicados pela existência
Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no
período de 1997-2006
272
de grande assimetria de informações entre os grupos e entre as diversas secretarias
com as quais a educação se relaciona.
Nesse processo, nota-se a existência de diversos custos de transação que são, na
verdade, acirrados pela estrutura de governança criada e não reduzidos, o que faz
com que seja extremamente difícil controlar essa organização, da mesma forma
como seus recursos.
Dessa maneira, a partir da análise realizada neste estudo de caso, é possível
perceber que no município de São Paulo, o arranjo institucional criado para o
financiamento das políticas públicas de ensino possui falhas tanto na definição de
suas regras formais, quanto na constituição da estrutura de governança da
organização do ensino. Dessas falhas derivam as regras informais criadas para
permitir aos agentes lidar com as amarras existentes no arcabouço legal. A estrutura
de governança constituída de forma hierárquica não consegue, pelos motivos
expostos, controlar o comportamento oportunista dos agentes e reduzir a assimetria
de informações e os custos de transação existentes no processo de construção e
execução das políticas públicas de ensino no município de São Paulo.
Considerações Finais
273
Considerações Finais
O objetivo desta tese foi estudar a existência de falhas no arranjo institucional do
financiamento do ensino fundamental no Brasil que contribuem para que a
vinculação orçamentária de receitas seja uma regra insuficiente para garantir a
eficiência das organizações desse nível de ensino público nos municípios brasileiros.
Para realizar essa avaliação, partiu-se do referencial teórico da Nova Economia
Institucional, que propõe uma análise institucional em dois níveis, macroinstitucional
e microinstitucional. Assim, à luz dessa abordagem teórica, os municípios brasileiros
e, principalmente, São Paulo, como o estudo de um caso concreto, foram
analisados.
No que concerne à análise macroinstitucional, buscou-se avaliar as regras formais e
informais relativas ao financiamento do ensino fundamental. Essas regras estão
primordialmente estabelecidas pela Constituição Federal, que determina como
devem ser planejados e executados os recursos públicos como um todo e, em
particular, os da educação.
Com relação ao planejamento e execução dos recursos públicos no Brasil, foram
estudadas as mudanças introduzidas pela Lei 101/2000, a Lei de Responsabilidade
Fiscal, que visa a regulamentar algumas questões tratadas de forma vaga pela
Constituição Federal, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Esta tese procurou
mostrar que apesar das regulamentações da LRF terem trazido maior transparência
ao processo de financiamento público, permitindo o acompanhamento das receitas e
despesas dos entes federados, esses entes ainda têm muito a avançar em termos
de planejamento das receitas e despesas referentes às políticas públicas, inclusive
às da educação.
Buscou-se demonstrar na tese que, mesmo com todo o regramento formal instituído
por meio do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei
Orçamentária Anual, ainda existe uma grande tendência nos governos a
concentrarem as decisões do financiamento das políticas públicas na execução
orçamentária. Esse deslocamento da tomada de decisão de gasto é permitido pela
regra existente na Lei 4.320/64, que regula os orçamentos no país e prevê que o
Considerações Finais
274
poder executivo pode contar com um percentual de remanejamento dos recursos
orçamentários durante o ano, para melhor adequação das despesas. Uma regra
criada para dar flexibilidade orçamentária, necessária ao ajuste dinâmico das
políticas públicas, principalmente em ambientes de instabilidade econômica, na
prática, constitui-se como importante regra informal para refazer boa parte do
orçamento durante o exercício. A utilização excessiva dessa regra informal fragiliza o
processo de planejamento e as instituições responsáveis pela elaboração e
aprovação das políticas públicas.
Esse processo só pode existir, contudo, em função do posicionamento do poder
legislativo que permite a excessiva flexibilidade do processo orçamentário, em razão
de seus próprios interesses e devido também a outras duas questões. A primeira é o
fato de o orçamento não ser impositivo no Brasil. A segunda advém da falta de
transparência e controle externo das metas de desempenho físico e financeiro dos
programas e políticas. Essas questões fazem do PPA um plano muitas vezes
ineficaz e da LDO e LOA instrumentos de controle mais financista do que de política
alocativa, isto é, a preocupação primordial passa a ser apenas o equilíbrio
orçamentário e o cumprimento de metas de superávit fiscal.
Em relação ao fato do orçamento ser apenas autorizativo, essa regra é alterada no
caso da educação, para a qual há a previsão de vinculação orçamentária de
recursos, especialmente no caso do ensino fundamental, que contou, no período de
1998 a 2006, com a subvinculação do Fundef. Essas regras criadas para o ensino
fundamental possibilitaram o incremento do acesso às escolas, aumentando o
número de matrículas, sobretudo nas redes municipais. Apesar disso, os indicadores
de eficiência e rendimento, além do desempenho dos alunos, mostram que a
qualidade do ensino não é adequada para a formação das crianças e jovens nos
requisitos mínimos de português e matemática, por exemplo. Parte desse problema
está associada às falhas citadas anteriormente no processo de planejamento e
orçamentação das políticas, visto que também aqui a preocupação com o
cumprimento de metas de desempenho é baixa, e até mesmo a elaboração do Plano
Municipal de Educação, que deveria nortear os objetivos e diretrizes dos municípios
na área, não foi cumprida por boa parte dos municípios.
Considerações Finais
275
Porém, vimos que houve outras falhas nas regras formais, que também colaboraram
para a pouca eficiência dos sistemas municipais de ensino, no que diz respeito à
qualidade deste e ao desempenho de seus alunos. Buscamos mostrar que a própria
construção da reforma do ensino fundamental, centralizada no governo federal, e os
traços predominantes do federalismo brasileiro tiveram grande influência no
processo de reforma do ensino fundamental, com foco na municipalização. Como
descrito por Rodriguez (2001), a municipalização do ensino fundamental deu-se de
forma acelerada, pois foi concentrada em cerca de 3 anos, com baixa cooperação
entre as redes estaduais e municipais e pouco controle externo, seja das
organizações oficiais de fiscalização ou da sociedade civil.
A elaboração da política não esteve focada para as disparidades regionais
existentes entre os vários municípios brasileiros, além de não ter havido grande
preocupação com a capacidade institucional dos atores que seriam os principais
responsáveis por sua implementação, principalmente, as secretarias municipais de
educação. A maioria dos municípios brasileiros, apesar de ser de fato unidade da
federação com autonomia orçamentária e legal, tem pouca redundância, nos termos
da análise de Landau (1969) e de Caiden e Wildavsky (1974), para a construção de
políticas públicas eficientes e transparentes. E aqui percebemos que a escolha do
formato da reforma do ensino fundamental teve em sua origem uma falha
institucional importante, de acordo com Clune (1987), pois os atores envolvidos não
estavam devidamente capacitados para a mudança estabelecida, além da estrutura
federativa também não propiciar a coordenação e o controle necessários. Assim, a
municipalização ocorreu praticamente em razão da garantia dos repasses
financeiros do Fundef e não pela construção de uma rede municipal adequada à
formação dos novos alunos ingressos.
Além das falhas nas regras formais relativas ao financiamento das políticas públicas,
a análise microinstitucional do comportamento dos atores envolvidos no processo
nos revela importantes disjunções que levam a uma construção de estrutura de
governança com baixa capacidade de redução dos custos de transação e com
pouca permeabilidade ao controle externo, caracterizando-se como uma estrutura
hierárquica, conforme descrição de Miller (1992).
Considerações Finais
276
Nessa estrutura de governança, deve-se destacar que a vinculação orçamentária
criada para o ensino tinha como objetivos iniciais a redução dos incentivos fortes da
política, seguindo o raciocínio de Frant (1996), e a proteção da educação frente ao
comportamento oportunista dos atores políticos. O intuito dessa construção
institucional era garantir um fluxo constante e crescente de recursos para o ensino.
Apesar disso, as falhas institucionais nas regras formais já citadas e as
características internas dessa estrutura de governança hierárquica dificultam o
alcance do objetivo em sua totalidade.
Conforme esses elementos da estrutura de governança, temos que, além da
existência do comportamento oportunista por parte dos agentes do poder executivo
e legislativo, dado em função da busca “natural” de manutenção de poder político,
há também a baixa autonomia dos dirigentes municipais de ensino, que são atores
chave na condução da política de ensino fundamental. Essa baixa autonomia dos
DME, na cidade de São Paulo, por exemplo, está atrelada à complexidade da
estrutura de governança constituída para o controle e execução dos recursos do
ensino, em especial, os relativos ao ensino fundamental. A existência de várias
secretarias e unidades responsáveis por programas que fazem uso dos recursos da
educação, além de reduzir a capacidade de governança do secretário municipal de
educação, torna mais complicada a coordenação de pessoas e de recursos na
busca de eficiência nos resultados.
Em relação a outros municípios brasileiros, a pesquisa realizada por Waiselfisz e
Silva (2000) revela que os dirigentes municipais de ensino, além da dificuldade de
não terem total controle dos recursos, devem lidar também com a heterogeneidade
do corpo burocrático da educação, associada à complexidade em sua motivação
(DIXIT, 2002). Esses elementos são ainda mais complicados pelo fato das políticas
públicas sofrerem grande descontinuidade administrativa e pouco controle externo.
No caso do município de São Paulo, a questão da descontinuidade administrativa e
de planejamento fica clara nas três últimas administrações do ensino. A troca
constante do núcleo de comando da secretaria, as mudanças nas diretrizes previstas
e executadas relativas aos programas prioritários do governo na área e,
principalmente, a ausência até o momento do Plano Municipal de Educação dão a
Considerações Finais
277
dimensão do problema. Ressalte-se que isso tem ocorrido a despeito da existência
de regras formais que garantem recursos vinculados à educação e ao ensino
fundamental.
Outro assunto relevante para a estrutura de governança dessas organizações diz
respeito à avaliação das políticas públicas no Brasil. Em relação especificamente ao
ensino, vemos que esta é ainda bastante precária, apesar do visível avanço trazido
com a implementação do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), cujo
principal foco é o desempenho dos alunos em português e matemática, sendo
realizado por amostragem nas regiões, estados e municípios. A Prova Brasil avança
um pouco mais ao controlar todas as redes de ensino e avaliar cada unidade
escolar. Falta, contudo, avaliar a organização de ensino como um todo e não apenas
parte deste como o professor, o aluno e as instalações da escola. O modo de
implementação das políticas, seus programas, sua gerência, suas metas, seus
custos unitários e o retorno do recurso investido precisam ser avaliados, pois são
fundamentais para a construção de uma política adequada de ensino e para que se
possa ter parâmetros de comparação entre as regiões do país, marcadas pela
desigualdade econômica e social.
Como vimos no estudo de caso do município de São Paulo, uma avaliação global da
organização de ensino, feita por órgãos de controle interno, em conjunto com a
comunidade escolar, de forma perene e abrangente, é inexistente. Excetuando-se as
avaliações dos alunos mencionadas, o foco recai sobre o desempenho individual
dos funcionários, o qual é, todavia, prejudicado por elementos característicos da
estrutura de governança hierárquica do ensino. Exemplos disso são a grande
assimetria de informação entre cúpula e base da organização e a pressão existente
entre grupos de funcionários, professores, diretores e coordenadores, com vistas a
reforçar a cultura de avaliação positiva de forma generalizada entre indivíduos e
equipes. Além disso, a própria falta de comprometimento da administração com o
cumprimento dos programas propostos no mandato a cada ano, torna a avaliação de
desempenho uma atividade desacreditada, pois, muitas vezes, os projetos e
atividades não chegam nem sequer a acontecer, uma vez que seus orçamentos são
deslocados ou anulados.
Considerações Finais
278
Os órgãos oficiais de controle assumem freqüentemente um comportamento mais
político do que técnico em relação à fiscalização do desempenho das administrações
públicas no que tange ao ensino. Isso ocorre tanto no que diz respeito ao
cumprimento das normas legais e formais, quanto ao desempenho qualitativo e
programático.
O caso do município de São Paulo deixa perceber que, mesmo em uma metrópole
onde há intensa cobertura jornalística acerca dos atos públicos e inúmeras
organizações não governamentais preocupadas com o controle das políticas
públicas, a possibilidade de comportamento oportunista dos vereadores da Câmara
Municipal faz-se presente. Eles se omitem de uma análise e fiscalização adequadas
dos planos e orçamentos da educação, apoiados, não raro, pelo Tribunal de Contas
do Município, em função de um jogo de interesses existente com o poder executivo e
da “compra e venda de votos” entendida como logrolling entre os membros do
legislativo.
Esse comportamento possibilita, então, que haja descumprimento das regras
referentes
ao
ensino
fundamental,
sem
grandes
conseqüências
para
a
administração pública municipal. Mesmo o controle federal, realizado por meio do
MEC, por exemplo, é bastante omisso com relação a isso. Essa omissão também é
constatada no trabalho de Mendes (2004) referente às irregularidades no uso de
recursos do Fundef, pois apesar de ter havido um levantamento extenso de
irregularidades em vários municípios, não houve um posicionamento adequado do
Ministério que deveria ser guardião dos recursos do Fundo.
Além disso, assim como constatado na pesquisa realizada por Pacheco e Araújo
(2005), a sociedade civil e principalmente a comunidade escolar estão muito
ausentes do controle das políticas públicas de ensino. Isso acontece em função das
mudanças sociais e no mundo do trabalho, as quais, conseqüentemente, reduziram
o tempo disponível para participação na escola dos filhos, e também pela dificuldade
de construção de canais claros de comunicação entre pais, mães, alunos e poder
público. Como vimos em São Paulo, a sobreposição de inúmeros conselhos ligados
à educação, juntamente com a complexidade das regras formais, leva a uma
Considerações Finais
279
fragmentação da participação social no processo que redunda em pouca eficácia do
controle social na educação.
Dessa feita, a avaliação e o controle externos, que constituiriam um elemento
importante na determinação da eficiência na execução das políticas públicas, em
uma estrutura hierárquica, conforme apontado por Miller (1992) e Horn (1995), ficam
prejudicados. Os custos de transação existentes, dada a grande assimetria de
informação entre os agentes, e decorrente também das disjunções das regras
formais de financiamento da educação, mantêm essa estrutura em um modelo
coping, no qual há dificuldade para controlar as ações e os resultados dos agentes,
conforme Wilson (1989).
A partir da análise realizada nesta tese, não é possível afirmar que os elementos
identificados no município de São Paulo ocorrem em todo país. Podemos, todavia,
inferir, a partir das informações levantadas para os outros municípios, que no
financiamento das políticas públicas de ensino fundamental, apesar das regras
formais terem permitido uma elevação real das despesas, de forma contínua, não se
conseguiu garantir uma universalização desse nível de ensino combinada com a
melhoria no desempenho dos alunos, que pudesse indicar aprimoramento da
qualidade do ensino.
Como procuramos mostrar, essa questão está ligada a falhas na concepção da
própria política que induziu a um processo acelerado de municipalização das
matrículas, de forma descoordenada entre os entes da federação, sem garantia de
planejamento prévio e sem a devida capacitação institucional dos municípios para o
desafio colocado pelo governo federal. A estrutura federativa brasileira não prevê
uma coordenação adequada dos agentes para agirem solidariamente nas políticas
públicas de ensino, apesar dessa questão estar colocada tanto na Constituição
Federal, quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Nesse processo, a existência de multiplicidade de principais envolvidos na definição
de prioridades e programas leva a uma multiplicidade de tarefas colocadas para o
ensino e torna ainda mais complexo o cenário dessas políticas públicas. Como
grande parte da população tem no ensino público fundamental, hoje principalmente
Considerações Finais
280
municipal, a única opção de educação para seus filhos, essa organização enfrenta
pouca competitividade, o que reforça o difícil trabalho de motivar e controlar a
burocracia do ensino.
A sobreposição dessas características da organização de ensino às falhas nas
regras formais do financiamento do ensino fundamental serve a uma situação em
que os custos de transação existentes e o comportamento oportunista dos atores
políticos não são reduzidos e não há garantia de que o volume de recursos
disponibilizado ao ensino seja utilizado de forma eficiente. O maior volume de
recursos leva, ao contrário, a que a área de educação seja mais alvo do
comportamento oportunista do que protegida pela vinculação. A inexistência de
coordenação do processo e, sobretudo, de elementos externos de avaliação e
controle do uso dos recursos e das ações e desempenho das organizações
municipais de ensino são elementos essenciais que permitem a ocorrência desse
tipo de procedimento.
Dessa forma, com o intuito de melhorar a situação do ensino fundamental e da
educação pública como um todo, as regras formais precisam ter em conta que o
arranjo institucional compreende variáveis para além das regras específicas do
ensino e que a alteração na estrutura de governança das organizações de ensino
nos municípios é fundamental na busca da eficiência dessas políticas públicas.
A mudança de regras deve focar o controle da qualidade do gasto público,
dimensionando, além do controle financeiro, o desempenho físico e programático
das despesas públicas. Porém, mesmo que se criem novas regras para isso ou se
aperfeiçoem as já existentes, a partir, por exemplo, da votação da Lei Complementar
de Finanças Públicas prevista na Constituição Federal, é preciso rever o
comportamento dos atores envolvidos no processo, dentro das estruturas de
governança criadas para a execução e controle dos recursos do ensino nos
municípios.
Há a necessidade de controlar e reduzir o comportamento oportunista dos agentes
com relação aos recursos da educação. Como se procurou demonstrar, a vinculação
de recursos não é suficiente nesse controle, apesar de ser extremamente importante
Considerações Finais
281
para priorizar a educação, pois é fato que todos os países que conseguiram
revolucionar seus sistemas de ensino aplicaram fortemente nessa área. É preciso,
além disso, reforçar as regras para a accountability e responsabilização política da
área. Essa mudança passa não só por uma maior transparência na prestação de
contas, mas também por mudanças na coordenação do sistema e no controle social.
Quanto à coordenação do sistema, pode-se perceber que o atual arranjo federativo
não colabora para um ajuste e padronização do sistema de ensino nas diversas
regiões brasileiras e tampouco garante a integração das redes de ensino,
principalmente as estaduais e municipais. Por isso, é fundamental que sejam
revistos e/ou elaborados os planos estaduais e municipais de educação, de modo a
que sejam coerentes e interligados. É necessário criar a obrigatoriedade de
planejamento em conjunto e que haja, de fato, coordenação entre os entes da
federação de todo o sistema.
O controle local precisa ser reforçado por meio da simplificação dos Conselhos de
Educação, tendo em vista uma representação e participação social efetiva. Mudar as
regras para a indicação dos representantes, criar cursos de capacitação e garantir o
acesso a todas as informações é fundamental.
A maior clareza nas regras, a existência de avaliação de resultados programáticos e
o efetivo controle social poderão facilitar também o dinamismo no ambiente interno
da organização de ensino, envolvendo os dirigentes, coordenadores, supervisores,
diretores e professores. É possível, nesse aspecto, conseguir ganhos no
desempenho dos agentes ao melhorar o relacionamento com a comunidade escolar
e assim garantir que a participação externa no planejamento das ações e na
avaliação do desempenho dos alunos permita dar maior transparência ao trabalho
de professores, diretores e outros funcionários.
Esses elementos, trabalhados de forma conjunta com mudanças nas regras formais,
podem colaborar para a construção de organizações de ensino municipais que
possibilitem um aprimoramento da qualidade do ensino público no Brasil.
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