1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL Deusa Maria dos Santos O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - BPC: As condições de vida dos usuários no Município de Macau/RN Natal/RN 2005 2 DEUSA MARIA DOS SANTOS O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - BPC: As condições de vida dos usuários no Município de Macau/RN Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para a obtenção do Título de Mestre em Serviço Social. Orientadora: Profª Drª Denise Câmara de Carvalho. Natal/RN 2005 3 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Santos, Deusa Maria dos. O Benefício da Prestação Continuada – BCP: as condições de vida dos usuários no Município de Macau/RN / Deusa Maria dos Santos. - Natal, RN, 2005. 139 f.: il. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Denise Câmara de Carvalho. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pósgraduação em Serviço social. 1. Assistência Social - Idosos - Dissertação. 2. Prestação Continuada Benefício – Dissertação. 3. Portadores de deficiência - Idosos - Dissertação. 4. Necessidades humanas - Dissertação. I. Carvalho, Denise Câmara de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 364.4-053.9 4 5 Aos meus amados pais, Raimundo e Menininha (em memória). Minha eterna saudade. 6 Os seres humanos nunca estiveram tão próximos uns dos outros e tão distantes entre si. Dois homens separados por milhares de quilômetros podem se comunicar a um simples toque de uma tecla; uma notícia corre o mundo em segundos; mas a distância social entre uma minoria da humanidade e a maioria restante aumenta cada vez mais, a ponto de parecer dividir os homens em duas espécies diferentes. (Emir Sader) 7 AGRADECIMENTOS Este trabalho um dia já foi sonho; um sonho que outrora me parecia distante, e, muitas vezes, quase impossível. Mas, felizmente, esse sonho tornou-se realidade, e abriu precedentes para a realização de outros novos. É de suma importância ressaltar que a concretização do mesmo é resultado de muitas contribuições que começaram desde a minha formação enquanto pessoa com o apoio decisivo dos meus pais, até o meu feliz ingresso na universidade, onde tive a oportunidade de conhecer pessoas admiráveis e inteligentes que me ensinaram a enfrentar desafios, com suas experiências, e me inspiraram a conquistar os meus ideais. A estas, venho agora depositar o meu mais estimável reconhecimento. No limite deste espaço, agradeço particularmente: Ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social, pela oportunidade; À CAPES, pela oportunidade da bolsa; Aos professores do Mestrado em Serviço Social, responsáveis pelo crítico e rico aprendizado; e, em especial, Profª Drª Célia Nicolau, Profª Drª Severina Garcia e Profª Drª Izete Dantas, pelo incentivo e apoio; 8 À minha orientadora, Profª Dra. Denise Câmara de Carvalho, pela orientação indispensável; Aos sujeitos da pesquisa – usuários do BPC – pela imprescindível colaboração e receptividade; Aos amigos e colegas da minha estimável turma de Mestrado, em especial, a Rose, Rita, Valéria, Ilena e Regina. À Francisco Silva Bezerra de Deus, de outros tempos, por propiciar o meu ingresso no universo acadêmico; À Chaguinha e D. Maria, amigos e conterrâneos, pela maravilhosa acolhida; À minha querida amiga Patrícia, irmã de estima; Ao meu querido e amado irmão, Francisco Antônio, pelo incentivo, apoio e amizade, sempre presentes. À minha amada filha, Sarah, razão de força e alegria. 9 LISTA DE SIGLAS APAE – Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais API – Programa de Atenção à Pessoa Idosa BPC – Benefício de Prestação Continuada COEGEMAS – Colegiado Estadual de Gestores Municipais da Assistência Social CORDE – Coordenadoria Nacional Para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CRESS – Conselho Regional de Serviço Social DATAPREV – Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social FEB – Força Expedicionária Brasileira LBA – Legião Brasileira de Assistência LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPS – Instituto Nacional da Previdência Social INSS – Instituto Nacional do Seguro Social IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada PPD – Pessoa Portadora de deficiência PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil REVAS – Revisão de Avaliação Social RMV – Renda Mensal Vitalícia SETHAS – Secretaria do Estado de Trabalho, Habitação e Assistência Social 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................12 1 - A ASSISTÊNCIA SOCIAL E O ATENDIMENTO ÀS NECESSIDADES HUMANAS 1.1 Necessidades Humanas: básicos e mínimos sociais........................19 1.2 Estado e Proteção Social no Brasil...................................................23 1.3 LOAS: A Assistência como um Direito?............................................30 1.4 A Assistência no contexto neoliberal: universalidade versus seletividade e focalização..................................................................33 2 - O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA 2.1 Emergência e Trajetória....................................................................49 2.2 Regulamentação e Efetivação: limites e perspectivas......................52 2.3 Renda Mensal Vitalícia: um auxílio à velhice e a invalidez..............60 2.4 Usuários do BPC: pessoas idosas e portadoras de deficiência.......65 3 - A PERCEPÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS DO BPC, FACE ÀS SUAS CONDIÇÕES DE VIDA 3.1 A caracterização dos beneficiários em Macau..................................77 3.2 As condições de vida dos beneficiários e suas famílias...................89 3.3 O BPC na ótica dos beneficiários e responsáveis............................96 3.4 Iconografia.......................................................................................108 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................119 11 REFERÊNCIAS...............................................................................................123 APÊNDICE.......................................................................................................128 ANEXOS..........................................................................................................135 12 RESUMO A pesquisa em questão compreende um estudo sobre as condições de vida dos usuários do Benefício de Prestação Continuada no Município de Macau/RN. O BPC foi previsto na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Mas, só teve sua concessão a partir de janeiro de 1996. Este benefício consiste no repasse de um salário mínimo vigente às pessoas idosas e portadoras de deficiência, cujas famílias se enquadram no critério de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Trata-se de uma política de renda mínima que se rege pelo princípio da menor elegibilidade. O espaço temporal compreendido abrangeu os idosos e portadores de deficiência que recebem o BPC entre o período de 1996 a 2004. Através do estudo quanti-qualitativo, buscou-se apreender e analisar criticamente a realidade da vida desses usuários. Para tanto, fez-se necessário realizar o perfil dos beneficiários, bem como sua caracterização sócio-econômica. Os resultados revelam as precárias condições de vida dos idosos e portadores de deficiência após a concessão do BPC, e apresentam a interpretação que os mesmos fazem desta política;Assim identifica-se a premência de serem revistos os critérios de elegibilidade dos beneficiários, objetivando uma política pública de atendimento integral às necessidades básicas do ser social. Unitermos: Benefício de Prestação Continuada, assistência necessidades humanas, idosos e portadores de deficiência. social, 13 ABSTRACT This rescearch comprises a study of the life condictions of the users of the Continuous Installment Allowance in the city of Macau, RN. This benefit has been predicted by the Federal 1988 Constitution and regulated by the Social Assistance Organic Law (LOAS), but it has been carried out only since january 1996. It consists of an amount of half a minimum salary given to old-age and handicapped peoplewhose families mathch the per capita income criterion of less than 0,25 minimum salary. It is a least-income policy relud by the principle of the smallest elegibility. The study focused on aged or handicapped people who were receiving the BPC from 1996 to 2004. Through a quatitative analysis, the life reality of these users has been critically examined. In order to achieve this, it has been necessary to trace their social and economical profile. The research revealed the precarious life conditions of the aged and handicapeed people after they were given the BPC, as well as their interpretation of this politcal directive, and also the need for revision of the eligibility criteria so that a public policy of integral service to the basic needs of the social being can be accomplished. Keywords: BPC, social assistance, humam needs, aged and handicapped 14 INTRODUÇÃO O trabalho em questão compreende um estudo sobre as condições de vida dos usuários do Benefício de Prestação Continuada no Município de Macau. Tal benefício consiste na transferência de um salário mínimo mensal, destinado aos idosos e portadores de deficiência que não têm condições de prover o seu sustento, ou, de tê-lo, provido por sua família. Embora este benefício tenha sido previsto na Constituição de 1988, compondo os direitos e objetivos da assistência social que passa a constituir pela primeira vez como um dever do Estado, só foi regulamentada em 1993, por meio da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, e efetivado a partir de 1996, sob a responsabilidade do governo Federal, por intermédio do Ministério da Previdência e Assistência Social. O Benefício de Prestação Continuada se torna bem mais seletivo que seu antecessor: a Renda Mensal Vitalícia – RMV, benefício previdenciário que implementou-se em 1975 e continuou até 1996. Seu critério de aquisição é bem mais excludente evidenciando o contexto em que se insere de desresponsabilização e minimização do Estado e sua conseqüente parceria com a rede de solidariedade para o atendimento aos segmentos mais espoliados da população. Ainda que excludente, quando assume como critério de seleção uma renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo por pessoa, o BPC tem como característica certa regularidade, diferenciando-se das demais ações 15 conferidas à assistência, constituindo-se em um direito reclamável, embora restrito. Em 1996, foram destinados R$ 177 milhões para o benefício o que faz o governo achar que os gastos estavam além do previsto. Algumas medidas provisórias, convertidas em Lei1 também visaram restringir o benefício, modificando a LOAS nos pontos: a adoção de um conceito de família mais excludente - o conceito de família previdenciária, contrariando o caráter das garantias da assistência social; estabelecimento de medidas restritivas, com a extinção das equipes multidisciplinares de avaliação, deixando a seleção a critério do médico perito do INSS; antecipação da revisão dos benefícios, prevista para ocorrer apenas dois anos após seu início. Diante dessas considerações, surgem os seguintes questionamentos: até que ponto o Benefício de Prestação Continuada contribui para o provimento das necessidades dos idosos e portadores de deficiência de baixa renda do Município de Macau/RN? Que mudanças ocorreram nas condições de vida da população usuária dessa política, a partir de sua concessão? A assistência social no Brasil tem se mostrado como um mecanismo econômico e político que assiste o trabalhador que tem pouca importância para o capital; ou seja, o que não tem a sua carteira assinada: o trabalhador desempregado, os indigentes, os portadores de situação específica. No contexto do neoliberalismo, a assistência social concretiza-se oficialmente como uma política para os excluídos, não se colocando como garantia de direitos universais. Com a naturalização da pobreza, considera1 Medida Provisória n° 1.473/97; Medida Provisória n° 1.599-04 de 5/3/98; Lei n° 9.720 de 30.11.98. 16 se, na atualidade, natural que a sociedade de mercado tenha um contingente de indivíduos excluídos do seu processo globalizante, conforme nos apontam estudos de Carmelita Yazbek, Alba Pinho de Carvalho, Aldaíza Sposati, Potyara Pereira, Ana Lígia Gomes, Ozanira Silva e Silva, entre outros. Cabe observar que a assistência social não tem dado conta de amortecer os impactos negativos da sociedade capitalista neoliberal sobre as populações, uma vez que aumenta cada vez mais os índices de pobreza, bem como o número de pedintes nas ruas. Diante da crescente situação de miséria da população, segundo dados do Instituto de Pesquisas Aplicadas – IPEA 23 milhões de brasileiros encontram-se vivendo abaixo da linha de pobreza, os programas desenvolvidos pela assistência têm se mostrado ineficientes ao seu enfrentamento efetivo. Decerto que não cabe à assistência social acabar com a pobreza, pois esta, diante de sua complexidade, requer profundas mudanças no âmbito estrutural da sociedade tanto na esfera econômica como política, social e ideológica. No entanto, esperam-se que os recursos destinados ao combate da pobreza tenham uma representatividade maior, abrangendo cada vez mais um número significativo de brasileiros; não apenas os que se encontram em situações extremas de vulnerabilidade. É imprescindível que através da Política de Assistência Social se desenvolvam estratégias implementadoras de políticas públicas universalizantes, mesmo dentro da conjuntura capitalista neoliberal. Devese exigir, que no processo de operacionalização da política, ações que dêem acesso aos indivíduos a uma melhor qualidade de vida, para que suas 17 necessidades básicas possam ser atendidas. Desta forma, para que esses segmentos, idosos e os portadores de deficiência, vislumbrem participar de um processo de conquista da sua cidadania. Ao fazermos esta reflexão, consideramos importante apreender e analisar as condições de vida dos idosos e portadores de deficiência usuários do Benefício de Prestação Continuada do Município de Macau/RN. Faz-se importante também salientar que as motivações para este estudo originam no curso de graduação quando das visitas domiciliares feitas aos usuários da Associação de Orientação aos Deficientes – ADOTE, a partir da experiência de estágio curricular em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O interesse pelo tema e pelo Município a ser trabalhado intensificou-se com a experiência adquirida com o processo da 4ª Revisão do BPC2, ocorrida de setembro a dezembro de 2004, no qual fomos selecionados para realizar visitas domiciliares no município de Macau com o objetivo de avaliar se o beneficiário tinha superado as condições que deram origem a concessão do benefício. A relevância do problema consiste em analisar as condições de vida dos beneficiários do BPC naquele município uma vez que se observou o estado de vida degradante daquela população. Diante desse quadro surge a seguinte indagação: esta política está provendo, de fato, o sustento do idoso e do portador de deficiência de baixa renda; ou seja, esta política está atingindo o objetivo para o qual foi proposta? o BPC estabelece como critério para a sua aquisição do mesmo, que as famílias da pessoa idosa e/ou portadora de deficiência tenham uma renda per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário 2 O Benefício de Prestação Continuada deve ser revisado a cada 2 (dois) anos para a avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. Artº 21 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. 18 mínimo. Mas, até que ponto o benefício é destinado ao atendimento de toda a família? Ou só ao atendimento às necessidades do beneficiário? Nesta direção, a nossa proposta de estudo teve como objetivo investigar e analisar até que ponto o Benefício de Prestação Continuada atinge o objetivo de prover o sustento das necessidades dos idosos e portadores de deficiência usuários desta política no Município de Macau/RN, através da apreensão das suas condições de vida. A fim de atingir os objetivos propostos neste pesquisa, realizou-se o levantamento bibliográfico e a revisão da literatura buscando aprofundar as categorias de análise deste estudo: Benefício de Prestação Continuada, assistência social, necessidades humanas, idosos e portadores de deficiência. A pesquisa documental efetivou-se em órgãos e instituições como o IBGE, INSS e Secretaria de Assistência Social do Município para adquirir dados que viessem a embasar a apreensão do objeto. Com base nos dados coletados no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS constatamos que O Benefício de Prestação Continuada atendia a 347 usuários: 313 portadores de deficiência e a 34 idosos. A partir de uma amostra de 11% do total de usuários (347) – delineamos o nosso universo de pesquisa, seguindo o princípio de que para as populações finitas de até 1000 (mil) pessoas, 11% é representativo de uma dada população. Assim sendo, o nosso universo foi representado por 34 (trinta e quatro) pessoas portadoras de deficiência e 04 (quatro) pessoas idosas. O universo foi acrescido das entrevistas junto a duas assistentes sociais, uma da área da assistência no município e a outra responsável pelo BPC no INSS, totalizando 40 entrevistas. 19 Foram entrevistadas, ainda, uma assistente social da área da assistência, e outra assistente social responsável pelo BPC no INSS, totalizando 40 entrevistas. Os entrevistados foram definidos de forma aleatória, com base nas listas cadastrais que nos foram fornecidas pelo INSS, com os endereços dos usuários. A pesquisa assumiu uma perspectiva qualitativa, porém sem rechaçarmos os dados quantitativos que permitiram a análise do objeto em suas múltiplas determinações. O tipo de abordagem metodológica pretendida circunscreveu-se como estudo de caso, uma vez que teve como foco a análise de situações concretas nas suas particularidades objetivando a investigação do objeto de estudo e a exposição dos resultados que dão contorno à realidade vivenciada pelos usuários do BPC. Para realização da pesquisa, utilizou-se a técnica da entrevista semiestruturada, assim como a técnica da observação, junto aos usuários do BPC através de visitas domiciliares, fazendo uso do gravador. É importante ressaltar que a identificação dos nomes dos entrevistados foi resguardado, optando-se pelo uso de nomes fictícios. Apresentamos, ainda, no final do terceiro capítulo uma representação iconográfica que teve a autorização prévia dos entrevistados. O espaço temporal compreendido neste estudo abrangeu os idosos e portadores de deficiência que receberam o BPC entre o período de 1996 a 2004. Este recorte justifica-se pelo fato de haver, neste espaço de tempo, maior possibilidade de constatação de possíveis alterações no modo de vida dos usuários, uma vez que entre o período de concessão do benefício (1996) 20 até o ano de 2002 transcorreram 08 anos. Os resultados da pesquisa serão apresentados em três capítulos que abordarão as categorias que deram sustentação a pesquisa: benefício de prestação continuada, necessidades humanas, assistência social, idosos e portadores de deficiência. No primeiro capítulo são abordadas as categoria assistência social e necessidades humanas, destacando a compreensão à luz da concepção dos autores que estudam a temática em torno da Seguridade Social. Destaca-se, ainda, o papel da LOAS na implantação da Assistência Social como Direito Social de Cidadania e as respostas que o Estado brasileiro vem dando historicamente a esta questão. Discorre-se, também, sobre a Assistência Social e Seguridade no contexto neoliberal. O segundo capítulo tem-se como indicação de análise a categoria central que envolve esta pesquisa: o Benefício de Prestação Continuada. Sua emergência e trajetória; seus limites e perspectivas e finalmente sobre os segmentos atendidos pelo BPC: idosos e portadores de deficiência. No terceiro e último capítulo, apresenta-se a análise e os resultados da pesquisa realizada junto aos usuários no Município de Macau. Como tem se manifestado as condições de vida dos beneficiários e que respostas que o município e o estado tem dado à situação de vulnerabilidade social dessas famílias. Buscou-se assim articular as reflexões que perpassaram toda a pesquisa, permitindo que o objeto se fizesse revelar. 21 1 – A ASSISTÊNCIA SOCIAL E O ATENDIMENTO ÀS NECESSIDADES HUMANAS 1.1 – Necessidades Humanas: básicos e mínimos sociais Os “mínimos sociais” se constituem como medida cuja existência reporta-se à época em que as sociedades passaram a dividir-se em classes. É importante destacar que a provisão de mínimos de subsistência sempre fez parte da pauta de regulação dos diferentes modos de produção – sejam eles escravistas, feudais ou capitalista -, assumindo sempre uma postura emergencial e isolada para com os efeitos da pobreza e da miséria, conforme Pereira (2002). É pertinente ressaltar que, no contexto atual, tem sido referenciada comumente a discussão sobre os mínimos sociais, seja no campo institucional, na literatura da área e, sobretudo, na legislação social. A própria LOAS, em seu artigo 1º (primeiro), faz referência aos mínimos sociais, ao mesmo tempo em que se refere ao provimento das necessidades básicas através de um conjunto de ações articuladas tanto de iniciativa pública, como da sociedade com o intuito de garantir o suprimento dessas necessidades. Com efeito, tal vinculação tem gerado no plano políticodecisório, interpretações distorcidas e conturbadas, onde busca-se identificar o mínimo com o básico, como se ambos fossem termos equivalentes. Ambos têm diferenças marcantes do ponto de vista conceitual e político, tal como explicita Pereira (2002:26): 22 Mínimo e básico são, na verdade, conceitos distintos, pois enquanto o primeiro tem a conotação de menor, de menos, em sua acepção mais ínfima, identificada com patamares de satisfação de necessidades que beiram a desproteção social, o segundo não. O básico expressa algo fundamental, principal, primordial, que serve de base de sustentação indispensável e fecunda ao que ela se acrescenta. O mínimo pode pressupor, conforme a ideologia neoliberal, supressão ou cortes de atendimento; o básico requer investimentos de peso em políticas públicas a partir das quais serão prestados atendimentos com caráter de qualidade. Infelizmente, na literatura acadêmica ainda existem muitas imprecisões e ambigüidades acerca dessa temática. Na maioria das vezes, o termo necessidades humanas é mencionado de forma genérica e relativa, dificultando seu significado, sobretudo, no que concerne aos conteúdos e particularidades desse conceito. Daí a existência de correntes de pensamento, como por exemplo a corrente liberal, que rejeitam a idéia de que existam necessidades humanas básicas comuns a todos, de forma que tais necessidades poderiam servir de base para o planejamento das ações no âmbito das políticas públicas. Com base nessa tendência, têm proliferado interpretações de necessidades sociais que sistematicamente as confunde com outras noções, tornando-as inespecíficas. E, como já foi mencionado, a inespecificidade das necessidades determina formas de satisfação confusas e voluntaristas que não concretizam direitos. 23 Com efeito, muitos atores (intelectuais políticos, gestores e executores), apoiados em diferenças pessoais e culturais, têm privilegiado o subjetivismo e o relativismo no trato das necessidades humanas básicas, abrindo, com isso, flancos para o domínio intelectual da chamada Nova Direita (neoliberais e neoconservadores), ao contribuírem para o seguinte entendimento: se não há necessidades comuns que sejam vivenciadas coletivamente e que não sirvam de parâmetro para a formulação e implementação de políticas públicas, não haverá melhor mecanismo para satisfazê-las do que o mercado. É o mercado que se apóia no individualismo possessivo, nas aspirações subjetivas de interesses e, por isso, está mais apto do que o Estado para atender demandas que nem sempre refletem necessidades sociais, mas preferências, desejos, vícios, compulsões, sonhos de consumo (PEREIRA, 2002:29) Sendo assim, é o mercado que, apoiado no individualismo, nas aspirações subjetivas de interesses, que na maioria das vezes não refletem necessidades sociais e sim preferências, desejos, compulsões e sonhos de consumo, deve suprir, de acordo com essa lógica, as necessidades dos indivíduos. O posicionamento aqui defendido contrapõe-se à lógica do mercado que considera a sociedade como a soma aritmética dos indivíduos que a compõe em detrimento de uma outra que tenha como parâmetro a defesa das necessidades humanas sociais básicas, à qual defendemos. Para que haja o suprimento dessas necessidades, faz-se necessário que as políticas públicas estabeleçam articulações que visem a qualidade de 24 vida dos segmentos vulnerabilizados socialmente. Para tanto, é necessário que essas políticas produzam articulações positivas de modo que o usuário tenha acesso a uma rede de proteção social básica. De modo que sua adesão a um serviço, não o exclua de um outro. É o que acontece em relação ao BPC, que não pode acumular-se a nenhum outro benefício no âmbito da previdência social, salvo da assistência médica. O BPC somente poderá acumular-se a outro, numa mesma família, se uma vez calculada a renda per capita a distribuição for inferior a R$ 65 por pessoa. Para isto, o beneficio já concedido será computado para o cálculo da renda per capita. No caso de uma pessoa idosa que se candidate ao benefício, esta perderá o direito se o esposo for aposentado, ainda que esta aposentadoria seja de um salário mínimo. Este exemplo mostra que existem algumas formas de elegibilidade de programas de transferência de renda que, por serem guiados por critérios tão rigorosos, acabam condicionando os seus beneficiários a perderem a aquisição de outros benefícios que, se fossem acumulados, melhorariam as suas condições de vida. O nosso estudo, no entanto, defende que os benefícios, programas e projetos devem articular-se de modo a alcançar a universalidade e eqüidade a partir do levantamento das questões relacionadas às necessidades humanas básicas, buscando sempre a otimização dos recursos para o provimento dessas necessidades. De acordo com Potyara Pereira (2002:31), a referência ao ótimo, em relação aos mínimos sociais, não supõe a maximização da satisfação das 25 necessidades humanas básicas, pois na sua abordagem a autora coloca que: Sendo o ótimo um conceito que depende do código moral de cada cultura, ele não pode ser sinônimo de máximo, porque este é um objetivo constantemente “em fuga” e, portanto, inalcançável; mas, poderá ser identificado com patamares mais elevados de aquisição de bens, serviços e direitos a partir do estabelecimento de provisões básicas (grifo nosso). Segundo a mesma autora, essas aquisições irão propiciar aos indivíduos capacidade de escolha e de decisão, no âmbito de sua própria cultura, bem como condições de acesso aos meios pelos quais essa capacidade pode ser adquirida. É o que Doyal e Gough (apud, PEREIRA) chamam de ótimo de participação, que irão permitir-lhes alcançar o ótimo crítico, que segundo os autores, consiste em propiciar aos indivíduos condições de questionar suas formas de vida e de cultura, bem como de lutar pela sua melhoria de vida. Em suma, o básico é direito indispensável que tem que ser perseguido visando, simultaneamente, a melhoria da qualidade dos serviços públicos otimizando sempre as metas de satisfação dessas necessidades, considerando que as necessidades humanas básicas consistem na concretização dos direitos fundamentais por meio das políticas públicas. 26 1.2 Estado e Proteção Social no Brasil Para a reflexão e a discussão que envolve o Benefício de Prestação Continuada e a apreensão das condições de vida dos seus usuários, faz-se necessário retomar aspectos pertinentes à historicidade da proteção social, partindo de questionamentos que propiciem o entendimento, a apreensão e a análise de como se situa, nos dias atuais, o contexto do sistema de proteção social, e como se vê refletido no Brasil. Como se deu a proteção social no Brasil? Em que condições surge? A quem se destina? Ela de fato existe? Quais os seus fundamentos? Que desafios enfrenta a proteção social no nosso País? Com base nestes questionamentos, cumpre-nos, inicialmente, recuperar de forma mais geral, o panorama da proteção social na sua origem, e como esta tem influenciado as políticas de proteção social no Brasil. Assim sendo, faz-se necessário destacar como emerge a proteção social no mundo contemporâneo, no Estado Capitalista. O problema mais evidente do Estado contemporânea eclodiu com a “questão social” na segunda metade do século XIX. Anteriormente, em 1601, foi publicada oficialmente na Inglaterra a Nova Lei dos Pobres (Poor Law) conhecida também como lei “elisabetana” - que instituía uma taxa a ser paga para o benefício dos pobres e um sistema de subsídios em dinheiro, constituindo-se mais uma eliminação dos pobres do que da própria pobreza. Até o início do século XIX a assistência era confiada às corporações de artes 27 e ofícios que prestavam ações pontuais de cunho eminentemente filantrópico. A previdência social, então, se impôs como uma necessidade em face dos riscos acarretados pela Revolução Industrial, cujos resultados trouxe aos trabalhadores condições de pobreza e miserabilidade, relegando-os aos aglomerados urbanos, privados dos laços de solidariedade que encontravam na comunidade rural. Surgida como efeito, a “questão social” representou o fim de uma concepção orgânica da sociedade e do Estado e não permitiu que a formação econômico-política pudesse ser assegurada pelo desenvolvimento autônomo da sociedade com a simples garantia da intervenção política de “polícia”. Em vez disso, houve a necessidade de uma interferência social que determinasse as causas das divisões sociais e tentasse remedia-las mediante adequadas intervenções de reforma social. A primeira forma de proteção social institucionalizada foi o esquema Bismarckiano de proteção social que existiu na Alemanha, entre 1883 e 1889, instituído pelo governo conservador do Chanceler Otto Bismarck, cuja principal função era desmobilizar a classe trabalhadora, que se sentia atraída pelos ideais socialistas da social-democracia alemã. Este esquema contemplava o seguro saúde, o seguro acidentes de trabalho e a aposentadoria, que vinculava-se exclusivamente ao trabalho e, por isso, só atendia pessoas empregadas, mediante contrato e prévia contribuição. Em 1942, foi inaugurado na Grã-Bretanha o esquema beveridgiano de proteção social que caracterizou-se por ser unificado e universal, baseado em outros princípios e critérios, abrangendo não só trabalhadores, mas todos os que, 28 por uma questão de direito, deveriam ter as suas necessidades básicas satisfeitas. Trata-se, portanto, de um sistema de proteção social público que, apesar de privilegiar o seguro social, possuía uma vertente não-contributiva que se identificava com a assistência social (BOBBIO, 2000). O modelo bismarckiano é identificado como um sistema de seguro social que se destina a manter a renda dos trabalhadores em momentos de risco social. O acesso a este tipo de seguro é condicionado a uma contribuição anterior, e o montante das prestações é proporcional às contribuições efetuadas. Já o sistema beveridgiano tem um cunho mais assistencial, tendo como princípios que os direitos devem ser universais, destinados a todos os cidadãos em condições de necessidade. No Brasil, os princípios do sistema bismarckiano predominam na previdência social; enquanto que o modelo beveridgiano predomina no sistema público de saúde e de assistência social (POTYARA, 2002). É importante ressaltar que no nosso País, a constituição de um sistema de proteção social só ocorreu no período compreendido entre 1923 e 1943. A partir de 1923 foi lançada as bases para a futura política de Seguro Social com instituição da Lei Eloy Chaves. Esta Lei beneficiava setores específicos da força de trabalho englobando assalariados de empresas a partir de quatro benefícios: medicina curativa; aposentadoria por tempo de serviço, velhice ou invalidez; pensão para dependentes e auxílio funeral. Esse seguro tinha princípio contributivo financiado por empregador, empregado e Estado e exigia filiação obrigatória. O contexto da época era marcado por grandes transformações socioeconômicas no qual transitava do sistema agro-exportador para o 29 modelo urbano industrial. Em 1930 acontece uma acelerada ampliação do Seguro Social. As CAPs (Caixas de Aposentadorias e Pensões) deixam de ter por âmbito as grandes empresas individualmente, para abrangerem as Categorias de Profissionais, surgindo, então os IAPs (Instituto de Aposentadorias e Pensões) que passam paulatinamente a englobar grande parcela dos assalariados do setor privado e estatal (BOSCHETTI, 2003). O Plano Beveridge teve forte influência na constituição da Seguridade Social brasileira. Esta influência, entretanto, deu-se de forma lenta, parcial e limitada, porque muito princípios bismarckianos foram mantidos e nem todos os princípios beveridgianos foram devidamente incorporados, mesclando sempre características dos dois modelos. O processo de ampliação da cobertura e de expansão dos direitos, programas e serviços ocorreu gradativamente e jamais chegou a assegurar direitos iguais para todos os cidadãos. De acordo com Boschetti: Essa imbricação histórica entre elementos próprios à assistência e elementos próprios ao seguro social poderia ter provocado a instituição de uma de uma ousada seguridade social, de caráter universal, redistributiva, pública e com direitos amplos e fundados na cidadania. Não foi, entretanto, o que ocorreu, e a seguridade social brasileira, ao incorporar uma tendência de separação entre a lógica do seguro e a lógica da assistência, e não de reforço à clássica justaposição existente, acabou materializando políticas com características próprias e específicas que mais se excluem do que se complementam (2003, p.74). 30 Desse modo, enquanto a previdência se destinaria aos trabalhadores em condições de exercer atividade laborativa, e, assim, assegurar os direitos contributivos, ficaria a cargo da assistência oferecer cobertura aqueles que, por algum tipo de “incapacidade” seja em decorrência e/ou deficiência ou por insuficiência de renda, não teriam acesso aos benefícios previdenciários. É importante ter presente que o percurso da assistência, na história da proteção social brasileira, sempre guardou estreita relação com a prática da benemerência pela iniciativa de pessoas caridosas, sobretudo as ligadas à Igreja, e, por instituições de caridade, que por uma questão moral, prestava auxílio assistencialista aos segmentos fora do mercado de trabalho quer seja por motivos doença, abandono, velhice e invalidez. As características da prática assistencial, mediadas pelo favor e clientelismo no contexto da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial vão ganhar corpo institucional com a criação da Legislação Brasileira de Assistência – LBA em 1942. Sob a liderança da então primeira dama Darcy Vargas, a LBA tinha a atribuição de organizar voluntários para assistir aos portadores de deficiência, idosos e crianças carentes. Seu objetivo central consistia em dar apoio às famílias cujos chefes haviam sido convocados pela Força Expedicionária Brasileira – FEB, para atuarem na guerra. É pertinente colocar que: Na verdade, Getúlio cria uma instituição de bem-estar social para a atuação da primeiradama. Ele institui a sua esposa na presidência da LBA com o objetivo de buscar legitimidade 31 do seu governo mediante a tática assistencialismo como mecanismo dominação política (TORRES:2002, p. 86). do de Como se pode observar, a pretensa proteção social brasileira pautada em uma assistência social prestada aos desvalidos teve, ao longo de sua história, como marcas registradas: a filantropia, o clientelismo e o paternalismo personalista que reitera a dominação dos sujeitos e caracteriza-se por ser um campo de ações fragmentadas e descontínuas, pontuais, seletivas e emergenciais que são implementadas de acordo com os interesses de cada governo e não pelo reconhecimento das necessidades sociais básicas inerentes aos indivíduos. Face ao exposto, fica claro que o Sistema de Proteção Social, compreendido no período dos anos 1930 aos 1960, caracterizou-se como sistema corporativista por não contemplar o conjunto dos trabalhadores brasileiros, diferenciando-se, dessa maneira, do padrão universalista predominantes nos países de capitalismo avançado. No período da Ditadura Militar, efetivado com o golpe de 1964 e caracterizado pela consolidação do capitalismo monopolista no Brasil, o sistema de proteção social avançou rumo à consolidação e expansão durante as décadas de 1970 e 1980. Neste contexto, os programas sociais ampliaram-se como forma de compensação pela repressão aberta, direcionadas aos movimentos sociais. Ainda que o Estado tenha articulado as políticas sociais com o objetivo de controle social, não impediu a rearticulação da sociedade civil, 32 sobretudo a partir de meados da década de 1970, que tinha como elemento mobilizador novas demandas pelo resgate da dívida social agravada durante o período do regime militar, em um processo de ampliação da cidadania. A dinâmica desse movimento gera como resultado o advento da Constituição Brasileira de 1988 que constituiu um grande marco a conquista de direitos do povo brasileiro, principalmente no campo da Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social). A Nova Constituição demonstrou avanços expressivos, tais como: Ampliação e extensão dos direitos sociais; Universalização de acesso aos serviços sociais; Seguridade Social mais abrangente nas áreas de saúde, previdência e assistência social; Estabelecimento de patamares mínimos de valores dos benefícios sociais; Direitos e garantias para os trabalhadores. Outros benefícios estabelecidos garantiram: maior proteção aos segurados de baixa renda e seus dependentes através do salário família; reforço e proteção à maternidade estendendo para 120 dias a licença à gestante; licença ao pai quando do nascimento do filho; a proteção ao desempregado involuntário; reafirmação da aposentadoria por tempo de serviço e as aposentadorias especiais, incluindo as dos funcionários públicos. 33 Em relação à organização das políticas, houve a descentralização com forte indício de municipalização; a integração dos serviços e benefícios sociais diante das demandas existentes; a participação popular nos processos de decisão, implementação e controle dos programas sociais. Todavia, esse processo de ampliação dos direitos sociais, conquistados através do processo de redemocratização da sociedade brasileira, passou a ser fortemente boicotado no decorrer dos anos de 1990, quando o País investe na busca de sua inserção na chamada economia globalizada, sob a orientação da ideologia neoliberal. No que se reporta ao neoliberalismo, far-se-á uma reflexão no item 1.4, além de abordar-se sobre este pensamento no decorrer e no avançar deste trabalho. 1.3 – LOAS: A Assistência como um direito social? Ao instituir a assistência social como direito de cidadania, a nova Constituição Federal a reconheceu como política pública, como direito do cidadão e dever do Estado. De acordo com Carlos Nelson Coutinho (2000, p. 62) “Os direitos sociais são os que permitem ao cidadão uma participação mínima na riqueza material e espiritual criada pela coletividade”. Dessa forma, a assistência social que outrora era concebida como um dever moral para com os pobres, foi colocada na pauta da agenda pública, com direito a definição de diretrizes, regras, normas e princípios. Coutinho coloca que a presença de tais direitos nas Constituições, e, seu reconhecimento legal, não garante automaticamente a efetiva materialização dos mesmos (2000, p.63). Como sabemos, para que aconteça a concretização de um direito não basta que ele exista no papel, embora nas 34 democracias, esta seja uma condição pela qual as pessoas passam a ter condição de exigir o seu cumprimento. Historicamente no nosso País, o reconhecimento legal de um direito não tem sido suficiente para concretizar as ações que o tornaria legítimo. A Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, regulamentada em 1993, se caracteriza num dispositivo legal, regulamentador do direito à Seguridade Social, entendendo-o como direito a todos aqueles que estejam em condições de vulnerabilidade social, seja em decorrência de vulnerabilidade pelo ciclo de vida (crianças, adolescentes e idosos), seja pelas condições de desvantagem pessoal (pessoas com deficiência e doença), seja por vulnerabilidades diante de situações circunstanciais e/ou conjunturais (fome, mendicância, trabalho infantil, crianças e adolescentes vítimas de violência e de abuso sexual, mulheres pobres chefes de família, mulheres vítimas de violência, entre outras situações menos comuns. A legislação que visa regulamentar a política da assistência social, expressa nos artigos Art. 203 e 204 da última Constituição Federal Brasileira, como política pública, preconiza uma instância legal, responsabilizando o Estado na cobertura de medidas para a implementação dessa política, buscando-se a ruptura com a instância moral da filantropia, clientelismo, primeiro-damismo e assistencialismo; práticas enraizadas na cultura política brasileira. O sistema descentralizado e participativo idealizado prevê uma hierarquia de competências nas três esferas de governo, tratados nos Artigos 11, 12, 13, 14 e 15 da LOAS de forma articulada, cabendo a coordenação e execução dos programas, em suas respectivas esferas, aos Estados, ao Distrito Federal e 35 aos Municípios, sem desconsiderar entretanto o princípio de autonomia, mas alertando sobre o equívoco de superposição de programas e projetos nos diferentes níveis. Na IV Conferência Nacional de Assistência Social realizada em dezembro de 2003, afirmou-se a necessidade de construção das bases de um novo pacto entre as três esferas de gestão da assistência social para que de fato se assegure o caráter descentralizado e participativo de gestão. Assim sendo, a via de acesso ao exercício dos direitos sociais expressase na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que se caracteriza num dispositivo legal, regulamentador do direito à Seguridade Social, entendendo-o como direito a todos aqueles que estejam em condições de vulnerabilidade social. A promulgação da LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social – ( Lei 8.742 de 07/12/93 ) intencionou dar formatos mais concretos aos direitos estabelecidos na Carta Constitucional, embora tenha demorado cinco anos para ser sancionada. No entanto, os programas nela contidos para o enfrentamento da pobreza não foram implantados. A LOAS baseou-se, como já colocamos, no esquema beveridgiano de proteção social: inaugurado na Grã-Bretanha, em 1942, caracterizou-se por ser unificado e universal, baseado em outros princípios e critérios, abrangendo não só trabalhadores, mas todos os que, por uma questão de direito, deveriam ter as suas necessidades básicas satisfeitas. Trata-se, portanto, de um sistema de proteção social pública que, apesar de privilegiar o seguro social, possuía uma vertente não-contributiva que se identificava com a assistência social. 36 A LOAS é resultado de um amplo movimento da sociedade civil organizada, é resultado de mobilizações e negações que envolveram fóruns políticos, entidades assistenciais representativas dos usuários dos serviços de assistência social ( YAZBEK, 12:1995). Na LOAS, conforme os seus princípios, a assistência social tem por objetivos: a proteção à família, à maternidade, à infância à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção e integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e a promoção de sua integração à vida comunitária. O capítulo V da LOAS propõe o Benefício de Prestação Continuada, sendo este a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com mais de 65 anos e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família. São propostos no mesmo capítulo, serviços enquanto atividades continuadas e em redes voltadas à melhoria da qualidade de vida da população, programas e projetos de enfrentamento da pobreza. No entanto, é oportuno frisar que a concretização da assistência social como direito requer o cumprimento de todas as requisições citadas. As inovações na Lei, por si só, não são capazes de transformar as históricas práticas de benemerência que têm marcado a proteção social brasileira ao longo dos tempos. As novas propostas precisam ser incorporadas e assumidas de fato por todas as esferas de governo. 37 1.4 A assistência social no contexto neoliberal: universalidade versus seletividade e focalização. A assistência social, no contexto da LOAS, é trabalhada de acordo com as expressões da questão social na realidade brasileira com toda a sua complexidade e contraditoriedade. Na conjuntura neoliberalizante, tomando-se como referência a problemática da questão social em suas múltiplas expressões vai se observar a assistência social emerge e passa a se caracterizar como ajuda, benemerência, complementação sem a preocupação de resolver situações, mas só amenizá-las ”(...) como um pronto socorro, que não tem a preocupação com a doença, sua cura ou prevenção, mas com a redução, ainda que precária e imediata, do ‘grau de gravidade’ da situação do doente” (SPOSATI, 17: 1999). Ao longo de sua história, o conjunto de ações denominadas de assistenciais, embora nasçam de demandas sociais identificadas como necessidades ou privações e, objeto de intervenção estatal, não é reconhecido como direito. Constituem-se como ações concebidas como ajuda às necessidades e privações, atribuídas à vida individual de cada necessitado, e não campo de responsabilidade social do Estado, permanecendo como uma situação de ambigüidade entre a caridade pública e privada. Sujeita, portanto, à invisibilidade, seja pelo lado do Estado seja pelo lado da filantropia privada, campo em que surge. 38 Realizada pelo Estado com a mediação da filantropia, a assistência social institucionalizou-se e formatou-se como prática descontínua e desarticulada, com financiamento incerto e instável, para atender de modo precário a uma determinada parcela de necessitados – em geral, àqueles sem trabalho e incapacitados por determinadas contingências, como a infância e a velhice, ressaltando-se a doença e invalidez. Sua concepção e operacionalização foram sempre presididas pelo modelo político patrimonialista-clientelista, afirmando o controle e a dominação dos sujeitos. Com a Constituição de 1988, como já foi mencionado neste estudo, a assistência social é declarada como direito social, campo da responsabilidade pública, da garantia e certeza da provisão. É anunciada como um direito sem contrapartida, para atender a necessidades sociais, as quais, tem primazia sobre a rentabilidade econômica. Para tanto, é definida como política de seguridade, estabelecendo objetivos, diretrizes e financiamento, organização da gestão, a ser composta por um conjunto de direitos. A assistência social constitui-se em um direito do cidadão, dever do Estado, e tem de ser prestada a quem dela necessitar. Em verdade, essa inscrição formal enseja uma profunda e radical ruptura em relação à tradicional condição da assistência social, que transita do campo do dever moral de ajuda, para a obrigação legal do direito. No entanto, a forma em que o país se insere no contexto global associado a seus desajustes internos, a efetivação dessas leis torna-se quase que totalmente inviáveis. Sobretudo quando o Brasil passa a incorporar as proposições neoliberais que começam a nortear e embasar o 39 processo de globalização da economia. Tais proposições nascidas no pósguerra na região da Europa e da América do Norte surgiram como alternativa à crise do padrão do Estado intervencionista. O Caminho da Servidão de Friedrick Hayek escrito em 1994 traduziu a origem do pensamento neoliberal. “Seu propósito era o combate ao Keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases para outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras” (ANDERSON, 09:1995). O argumento de Hayek era que o igualitarismo promovido pelo Estado de Bem-Estar destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência da qual dependia a vitalidade de todos. Argumentava que a desigualdade é um valor positivo. Nos anos de 1970, quando o capitalismo avançado entra numa profunda recessão, o neoliberalismo é assumido de fato desarticulando o poder dos sindicatos, e impondo a política de ajuste monetário. No final da década de 1980, mais precisamente em novembro de1989, realizou-se uma reunião entre os membros dos organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional – FMI, Banco Mundial, funcionários do governo americano e economistas latino-americanos. O objetivo era avaliar as reformas econômicas empreendidas na América Latina. Esta reunião ficou conhecida como Consenso de Washington. Suas recomendações, obedecidas mais tarde pelos países subalternizados pela dívida externa, abrangem reformas estruturais para a estabilização da economia, tais como: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, liberalização financeira e comercial, investimento direto 40 estrangeiro, privatizações, terceirizações, desregulação, etc (ANDERSON, 1995). Aos poucos, os países do mundo capitalista passam a adotar tais medidas. No Brasil, o governo de Collor, na década de 1990, tratou de dar o ponta pé inicial e, assume, explicitamente, o neoliberalismo como alternativa de desenvolvimento, e adota uma agenda pública que prioriza o econômico, a dívida externa e a inflação. Seu governo se desempenha com êxito quanto à desregulamentação, liberação de importações e privatizações, etc. Agia de forma a retardar a regulamentação da Constituição de 1988. “A Constituição de 1988 é assumida como entrave à governabilidade, passando a ser considerada inviabilizadora do Estado, principalmente no que se refere aos direitos sociais conquistados” (SILVA, 55:1995). Uma das características básicas da trajetória das políticas sociais nos governos subseqüentes foi o enfraquecimento da dimensão pública, o que podemos também denominar de Estado mínimo. As reformas sociais de cunho neoliberal têm privilegiado, sobretudo, na conjuntura dos anos de 1990, as ações públicas voltadas para o atendimento dos pobres e miseráveis. Inserindo-se de forma subalternizada nessa dinâmica do capital, o Brasil como os demais países do Terceiro Mundo enlaçados pela dívida externa, tem se submetido ao programa de ajuste imposto, principalmente aos países latino-americanos pelas instituições internacionais: FMI (Fundo Monetário Internacional), BIRD ( Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), etc. Tal 41 ajuste prescreve o reordenamento das relações entre os países centrais e periféricos (ANDERSON, 1995). Em decorrência dessas determinações, observa-se a intensificação da retração do Estado na efetivação de políticas sociais, entendendo estas como um conjunto de ações desenvolvidas pelo Estado nas áreas de saúde, educação, assistência social, bem como programas sócio-assistenciais destinados a determinados segmentos da população, como: a mulher, a criança, o portador de deficiência, o idoso, etc. Sendo desenvolvidos, sobretudo, em países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, que apresenta políticas sociais focalistas de caráter não universal. Na atual configuração do Estado brasileiro, os gastos públicos ficam subordinados a interesses econômicos da nova ordem do capital dificultando, dessa forma, a efetivação das políticas sociais. Prioriza-se a economia, no sentido de torná-la competitiva dentro da economia mundial. Ao mesmo tempo em que o Brasil vai se ajustando a esse processo de forma subordinada, observa-se também a complexificação da questão social, sendo esta, um dos saldos negativos gerados pela sociedade capitalista e seu modo de produção entre países e grupos subalternizados. Carvalho conceitua a questão social como “a materialização histórica das desigualdades numa dada sociedade e as respostas engendradas pelos sujeitos a essas desigualdades” (1998:13). A questão social envolve todas as mazelas decorrentes das desigualdades, com sérias implicações para os trabalhadores de baixa renda, formais e informais; bem como para os grupos vulneráveis que vagueiam à margem da sociedade (negros, homossexuais, 42 a mulher, a criança, o portador de deficiência, entre outros), causando-lhes precárias ou nenhuma condição de sobrevivência. Dentro desse contexto, e reportando-o para a conjuntura brasileira, tendo em vista que todos esses processos têm implicações mais sérias principalmente em países de Terceiro Mundo, encontra-se um Estado provedor de políticas públicas destinadas a indivíduos que se encontram abaixo da linha de pobreza. “São políticas casuísticas, inoperantes, fragmentadas, sem regras estáveis ou reconhecimento de direitos” (Yazbek, 07: 1995). Isto se dá num contexto em que cada vez mais aumenta-se a demanda de indivíduos que dependem de serviços públicos. Essa postura de retração do Estado para com as políticas sociais, como se sabe, deriva das determinações impostas pelo Consenso de Washington aos países subordinados seu programa de ajuste que abrange: privatizações, redução com gastos públicos, disciplina fiscal, desregulação, terceirizações, etc. Diante desse quadro são reduzidas as chances de financiamentos dos serviços públicos o que afeta decisivamente a obtenção desses serviços como direitos e exercícios de cidadania. Na década de 1970, sob a égide do regime militar, houve uma abstração gradativa dos gastos com o social. A prioridade naquele momento estava voltada, de forma vigorosa, para o crescimento econômico via “milagre brasileiro”. Na década seguinte, a luta pela democratização impôs que os temas sociais ganhassem terreno na agenda política de reformas democráticas. 43 O início da década de 1980 representou uma certa e necessária ascensão no campo das políticas sociais sob a sombra do Welfare State3 europeu. Admitia-se, inclusive, sua existência aqui no Brasil quando se avaliava a presença do Estado na efetivação de programas e políticas sociais nas áreas de saúde, previdência, educação, assistência social e habitação. Algumas teses apontam uma parcial ineficiência do alcance dessas políticas. Pois o Brasil, ao contrário dos países europeus, não adotou a regulação Keynesiana da economia (Estado intervencionista) que garantia um mínimo padrão de vida que viabilizasse a reprodução da classe trabalhadora e regulava a economia de mercado de modo a assegurar o pleno emprego implementando políticas sociais universais na busca da fidelidade das massas e a legitimação da ordem burguesa. O Brasil, então, não vivenciou um Estado de Bem-estar de forma plena, tendo em vista sua condição subalternizada de Terceiro Mundo no contexto internacional. É inegável que a necessidade de retornar as questões sociais no cenário da democratização torna-se comprometida pela crise que assola o país na segunda metade dos anos 80 onde havia altos índices inflacionários e pela volumosa dívida externa. Esta, já reflexo em âmbito nacional, do crescimento do capital estrangeiro designada também como “milagre econômico” no período do autoritarismo militar. Dentro do contexto internacional a crise - O “welfare state” ou Estado de bem-estar social foi a forma assumida pelo Estado capitalista nos países do chamado 1º mundo, baseados no princípio de que os governos são responsáveis pela garanti de um mínimo de padrão de vida que viabilizasse a reprodução da classe trabalhadora. Então o Estado regulava a economia de mercado de modo a assegurar o pleno emprego e políticas sociais universais na busca da submissão das massas e conseqüente legitimação da sua órdem. 3 44 estrutural do capital no início dos anos 70 eclode como um dos fatores, a crise do petróleo em 1973 e a queda da taxa de lucro da produção industrial põem em cheque o padrão de acumulação taylorista/fordista que de acordo com Antunes (37:2000): Consistia em um sistema produtivo, que vigorou na grande indústria ao longo praticamente de todo o século XX, baseavase na produção de mercadorias (...) racionalizando ao máximo as operações realizadas pelos trabalhadores, combatendo o ‘desperdício’ na produção, reduzindo o tempo e aumentando o ritmo de trabalho (...) estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado, na decomposição das tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo produtor dos veículos. Esse processo produtivo caracterizou-se pela mescla da produção em série fordista com o cronômetro taylorista”. (ANTUNES. 36-37:2000). A Alemanha e o Japão tornam-se países fortes economicamente e os EUA deixam de ser a única potência econômica. Daí surge intensa concorrência a intercapitalista. por novos mercados aumentando competitividade Adota-se então o toyotismo japonês baseado na flexibilização da produção e das relações de trabalho. “A competitividade intercapitalista impõe a exigência de qualidade dos produtos para garantir a rentabilidade da produção em um contexto de globalização da produção e dos mercados” (IAMAMOTO, 31:1998). Diante desse contexto, a sociedade brasileira lutava pela “democracia”, pelo resgate do social e pela participação popular numa nova Constituição. “O ideário marcado pelo ‘tudo pelo social’ é comprometido pelo 45 agravamento da crise econômica e, conseqüentemente pela incapacidade de investimento do Estado, fazendo com que o discurso permaneça distanciado das metas” (SILVA, 48:1995). Todavia, paralelo a esse processo de crise sobressai o discurso da “cultura da crise” onde a burguesia busca camuflar a dicotomia entre as classes, bem como os projetos societais antagônicos, deixando a entender que para retomar o crescimento econômico seria necessário o sacrifício de todos os segmentos da sociedade, como se a crise afetasse homogeneamente a todos. Tal discurso almejava reelaborar a hegemonia do capital. Segundo Ana Elizabete Mota: “Na atual conjuntura, a burguesia para universalizar a sua ordem é necessário formar uma cultura geradora de consentimento das classes, isto é, constituidora de hegemonia” (2000:47). É apropriando-se do discurso da crise que a cúpula dos líderes políticos do Brasil busca alianças políticas para a retomada do crescimento econômico com o objetivo de inserir o país na economia globalizada, mesmo que, para isto, o prejuízo recaia sobre o segmento mais desfavorecido da sociedade através do solapamento das políticas sociais, do arrocho salarial, da desregulamentação dos direitos sociais. As condições sociais foram, a medida em que a crise se agravava, deteriorando-se, alicerçada na própria cultura como forma de consenso e participação das classes no enfrentamento da crise gerando um compromisso involuntário por parte dos quase futuros assistidos sociais. Enfim, a população brasileira, seria assistida socialmente se as políticas sociais garantidas constitucionalmente, fossem efetivadas à risca. 46 2 – O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA 2.1. A emergência e trajetória Com a Constituição de 1988, como já nos referimos neste trabalho, foi previsto Benefício de Prestação Continuada - BPC, que constitui um salário mínimo mensal, destinado às pessoas idosas de 65 anos ou mais e às pessoas portadoras de deficiência física ou psíquica, incapacitadas para vida independente e para o trabalho que não tenham condições de prover o próprio sustento, ou, de tê-lo provido por sua família. Trata-se de um Programa Federal de renda mínima, cuja característica principal é de ser uma pensão não contributiva. Que atende aos segmentos, que se encontram duplamente afetados, tanto pela deficiência ou idade, quanto pelo alto nível de pobreza. Em ambos os casos, devem pertencer a famílias com renda mensal inferior a ¼ do salário mínimo vigente o que equivale a uma quantia inferior a R$ 65 por membro familiar, no período em que foi realizada a pesquisa. Como já foi mencionado na introdução deste estudo, o Benefício de Prestação Continuada, só foi regulamentado em 1993, por meio da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, integrando-se à Política Nacional de Assistência, mas somente foi efetivado a partir de 02 de janeiro de 1996, determinado pelo Decreto 1.774, de 08.12.95 sob a responsabilidade do Governo Federal, por intermédio do Ministério da Previdência e Assistência Social. 47 O Benefício de Prestação Continuada também direciona-se aos portadores de doenças crônicas e doença mental (autismo, depressão em estágio avançado), Aids, câncer, AVC, entre outras, apesar deste fato não ser muito difundido. Isto é, desde que seja atestado que o candidato à concessão do benefício esteja incapacitado para o trabalho e encontre-se dentro dos critérios de renda estabelecidos. O Benefício de Prestação Continuada é completamente custeado pela União através do Fundo Nacional de Assistência Social do atual Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (antigo Ministério da Assistência Social). Tem como principal fonte de financiamento a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, com um percentual de 88,73%; Recebe ainda como fonte recursos ordinários 7,67%; e financiamento do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza 2,94%. O fato de podermos acessar um benefício não contributivo, ou seja, um benefício que não esteja vinculado às relações trabalhistas, constitui um marco significativo e inaugural na esfera da proteção social brasileira. É importante observar que essa forma não contributiva só surgiu no nosso país tardiamente, ou seja, meio século em relação a outros países, como a França (1940), a Alemanha (1960) e a Bélgica (1970). O montante de recursos destinado ao BPC tem aumentado a cada ano. Isto é bom, apesar de estar muito longe do ideal devido ao contexto de miserabilidade em que se encontra o beneficiário. A impossibilidade de se acumular o benefício a outra renda complementar regular, coloca o beneficiário numa situação de sobrevivência mínima. Um fator considerado positivo é o aumento de recursos financeiros destinados ao benefício que 48 cresce a cada mês, já que seu alcance depende da decisão do requerente e do preenchimento dos critérios para o acesso ao mesmo. Ainda que excludente, quando assume como critério de seleção que a família tenha uma renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo por pessoa, o BPC tem como característica a regularidade, diferenciando-se das demais ações conferidas à assistência, constituindo-se em um direito reclamável, embora restrito. Se um portador de deficiência ou uma pessoa idosa com idade igual ou superior a 65 anos tentar requerer o benefício junto ao INSS e se enquadrar nos critérios de aquisição, automaticamente ele terá a sua aquisição aprovada e concedida. A continuidade do benefício como provisão certa e garantida não o abstém do caráter focalista e seletivo reforçado pelo enxugamento do Estado para com as políticas públicas. Ou seja, o diferencia, mas não resolve a situação de exclusão na qual estão inseridos os beneficiários cobertos pelo BPC. Algumas medidas foram tomadas, no âmbito governamental, a fim de retardar o início da efetivação do BPC. Com intenção de tomar medidas financeiras e administrativas aferiram um novo prazo protelatório de um ano. Em dezembro de 1994 foi expedido o Decreto nº 1.330 que propunha o adiamento por mais um ano, sendo este revogado no início do governo de Fernando Henrique Cardoso. Houve, ao longo de oito anos, um significativo crescimento do número de beneficiários do BPC. Os dados oficiais demonstram que esse aumento quintuplicou no período compreendido de dezembro de 1996 a julho de 2004, tal como mostra a tabela a seguir: 49 TABELA I EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE BENEFICIÁRIOS DO BPC – Brasil (1996 á julho de 2003) Período PPD % Idosos % Total Evolução % Ano 1996 304.227 88 41.992 12 346.219 - - 1997 557.088 86 88.806 14 645.894 299.675 46,40 1998 641.268 76 207.031 24 848.299 202.405 23,86 1999 720.274 70 312.299 30 1.032.573 184.274 17,85 2000 806.720 67 403.207 33 1.209.927 177.354 14,66 2001 870.072 65 469.047 35 1.339.119 129.192 9,65 2002 976.257 63 584.597 37 1.560.854 221.735 14,21 2003 1.001.123 61 633.564 39 1.634.687 73.833 4,52 2004 1.126.721 62 945.961 41 2.072.682 43.799 2,32 Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/DATAPREV. Preparado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social da PUC-SP. Nota: todos os dados se referem ao mês de dezembro, à exceção de 2003 que se refere a julho. No ano de 2004, foram concedidos na Região Nordeste um total de 743.679 benefícios. Desse total foram destinados 455.109 benefícios para as pessoas portadoras de deficiência e 288.570 para os idosos. Até novembro de 2004 foram concedidos no Estado do Rio Grande do Norte 26.614 benefícios para as pessoas portadoras de deficiência e 7.209 para as pessoas idosas totalizando 33.823 benefícios que tiveram um custo de R$ 88.502005 sendo R$ 71.542.362 com benefícios B87 (referente ao portador de deficiência) e R$ 16.959.643 com benefícios B88 (referente às pessoas idosas), conforme os dados da DATAPREV. 50 O BPC é concedido a todas as pessoas incapacitadas para a vida independente e para o trabalho, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Conforme dispõe a LOAS, são contemplados: os portadores de deficiência, independente da idade; pessoas idosas com 65 anos ou mais; brasileiros, inclusive indígenas não amparados por nenhum Sistema de Previdência Social; estrangeiros naturalizados e domiciliados no Brasil, não cobertos por sistema de previdência do país de origem; e os abrigados em instituições públicas e privadas no âmbito nacional que comprove carência econômica na forma da lei. É importante ressaltar, como nos referimos anteriormente, que o BPC tem como característica a regularidade, o que o diferencia das outras ações conferidas à assistência o que o constitui como um direito reclamável ainda que bastante restrito, ou seja, nesta condição o beneficiário tem a oportunidade de lutar para que o seu benefício seja concedido, como já fizemos referência ao longo deste estudo. Cerca de 70% dos recursos do Fundo Nacional da Assistência Social – FNAS são destinados ao BPC. Ainda assim, o seu alcance é restrito se levarmos em conta a existência no país de 19.580.228 (Dados do Síntese/dataprev/INSS/MPAS) pessoas com renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (dados do IBGE), enquanto que o BPC atinge apenas 7,17% desse universo. Ao observarmos esses dados percebemos que a proteção social do BPC não atinge grande relevância, principalmente pela seletividade imposta pelos critérios de aquisição do mesmo, destacando-se a per capita familiar 51 inferior a ¼ do salário mínimo, a idade (com relação aos idosos) e o conceito limitado de deficiência, uma vez que, não poderá ser qualquer deficiência, mas uma deficiência que incapacite para a vida independente e para o trabalho. A seletividade do BPC deixa de fora muitos indivíduos que poderiam enquadrar-se como beneficiário quando atribui a família o papel de provedores limitando, assim, o direito da pessoa ao benefício. Outro ponto seletivo do BPC está no fato deste não poder acumularse a nenhum outro benefício no âmbito da seguridade social, salvo da assistência médica. O BPC somente poderá acumular-se a outro, numa mesma família, se uma vez calculada a renda per capita a distribuição for inferior a R$ 65 por pessoa. Para isto, o beneficio já concedido será computado neste cálculo. Este item torna-o arbitrário, pois a Constituição não assegura o benefício para a família e sim para a pessoa. Existe também um caráter contraditório, pois a renda de um idoso beneficiário não computa na aquisição de um outro benefício para outra pessoa idosa, podendo-se assim acumular-se dois benefícios em uma mesma residência desde que sejam ambos para pessoas idosas. Ao contrário ocorre quando um dos cônjuges é aposentado pela previdência. Neste caso, o outro passa a não se encaixar nos critérios de aquisição do benefício, uma vez que este benefício não pode ser acumulado a outro de regime contributivo previdenciário. O caráter seletivo da assistência social estabelece como critério para a aquisição de benefícios as situações agudas. Para a criança ter acesso ao programa do leite é necessário que se encontre em determinado estado de 52 desnutrição. Ora, quantas crianças não atingem esse grau, mas sofrem privações alimentares. É absolutamente notório que os critérios de seletividade deixam à margem um contingente bastante considerável de pessoas que, diante das necessidades, poderiam inserir-se em tais programas. O critério da renda per capita torna-se o mais excludente quando inclui a família para o cálculo da renda. Para o candidato ao benefício ser incluído no programa é necessário que o mesmo prove o baixo nível de pobreza da sua família, além da sua própria. Segundo Sposati (2004:127) O usuário vem sendo duplamente vitimizado: ”Não basta o fato de ser idoso ou deficiente; são necessárias duas exclusões, além da sua, a da família”. A Segunda Conferência Nacional de Assistência Social ocorreu em dezembro de1997, após dois anos de adiamento sob a alegação de que era muito cedo para avaliar a implantação da política. As mobilizações e resistências traduzidas na organização das conferências municipais e estaduais em maior número, em relação as anteriores, levaram o governo a rever a decisão de adiamento e foi então possível a Conferência, com expressivo debate público, acumulação de forças e enfrentamento das progressivas iniciativas de desmonte de uma política em impreciso processo de construção. Essas manifestações de caráter político tiveram o mérito de impedir que progredissem ainda mais os retrocessos em relação à concessão do BPC, tendo como exemplos: a desvinculação do salário mínimo, tentativas de suspensão, congelamento da idade, etc. 53 As conferências têm se constituído em momentos significativos de denúncia e combate às iniciativas de descumprimento da LOAS, como também às omissões e protelamentos à sua efetivação. Possui ainda o mérito de contribuir, sobremaneira, para a publicização da política e para o crescimento qualitativo e quantitativo dos Conselhos de Assistência, instrumentos imprescindíveis do sistema. Por fim, observam-se durante os anos de 1997 a 1998, iniciativas que por um lado consolidam, quanto a alguns aspectos o sistema descentralizado e participativo, registrando-se além da existência de significativo número de conselhos, fundos e planos a aprovação de Norma Operacional Básica para a assistência social; no final do ano de 1999 registrava-se a existência de 27 conselhos estaduais com os respectivos fundos e planos e 4.231 conselhos municipais, 3.964 fundos e 3.674 planos municipais, conforme dados do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. No tocante ao conteúdo, aprova-se, em 1998, um documento que consubstancia uma política nacional; mas de outra parte dar-se seqüência ao desmonte: reduzem-se os quadros de funcionários das secretarias de assistência social; acentuam-se os cortes orçamentários, sobretudo em relação à crise existente do órgão gestor. Com a conseqüente limitação dos programas, busca-se, inclusive, empréstimos de agências internacionais para financiar programas emergenciais, como o combate ao trabalho infantil. O orçamento disponível que é ínfimo e ainda sofre cortes e contingenciamentos, permanece comprometido em mais de 70% com a manutenção do Benefício de Prestação Continuada. Logo tem-se o comprometimento da Política Nacional que se torna apenas uma carta de intenções, posto que não se realiza sem o 54 financiamento de serviços, programas e projetos, para enfrentamento das crescentes e mais agudas expressões da exclusão. 2.2 Regulamentação e efetivação A regulamentação do BPC através da LOAS se processa, em um contexto de reestruturação da ordem capitalista e efetivação do projeto neoliberal. Ao mesmo tempo em que se percebia uma abertura aos direitos sociais, estes eram tolhidos por significativas revisões. Neste sentido, observa-se uma grande distância entre o que foi escrito na Carta Constitucional e na LOAS e o que se tornaram ações realizadas. (...) a LOAS seria um ordenamento jurídico que mais contém potencialidades do que garantias, exceto quanto ao Benefício de Prestação Continuada. Os demais direitos seriam tão somente declaratórios, sendo o BPC a única provisão certa e garantida, constituindo-se em um direito reclamável (GOMES, 2001: 114). Como já mencionamos, a continuidade do benefício como uma renda garantida não o abstém do caráter focalista e seletivo, ou seja, o diferencia, mas não resolve a situação de exclusão a qual estão inseridos os usuários do BPC. 55 Por determinação do Decreto nº 1.744, aqui já explicitado, ficaram estabelecidos alguns pontos referentes a concessão, revisão, manutenção e suspensão do BPC: Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idoso, a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo; O benefício não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o da assistência médica; O Benefício de Prestação Continuada não é aposentadoria nem renda mensal vitalícia. Será revisto a cada dois anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem; O benefício não está sujeito a descontos de qualquer contribuição, nem gera direito a abono anual (13º salário); O benefício é intransferível, não gerando direito a pensão, mas, gera pagamento de resíduo a herdeiros e sucessores; A situação de internado de curta ou longa duração não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício; O benefício será devido a mais de um membro da mesma família, enquanto estiver atendendo ao contido no parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS (renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo); Os programas voltados a integração da pessoa portadora de deficiência serão devidamente articulados com o Benefício de Prestação Continuada; 56 O benefício deverá ser suspenso ou cessado se comprovada qualquer irregularidade; Verificada a irregularidade, será concedido ao interessado o prazo de trinta dias para prestar esclarecimentos e produzir, se for o caso, prova cabal da veracidade dos fatos alegados; Apresentada a defesa, no prazo legal, esta será avaliada e realizados os encaminhamentos pertinentes, pelo INSS; Se forem cumpridas as exigências apontadas no indeferimento, será concedido/mantido o benefício. Se não suprida, será aberto prazo de 30 dias para interposição de recursos à junta ou turmas de julgamento do CRPS. O Decreto nº 1.744 inclui, ainda, para fins de enquadramento, além da condição de incapacidade para a vida independente e para o trabalho, as expressões severa e profunda. O que demonstra a intenção de restringir mais ainda o acesso ao benefício. O mesmo decreto exige que se prove a inexistência de renda enquanto que a LOAS requer apenas a comprovação da renda per capita de ¼ do salário mínimo. A Resolução do INSS, nº 435, estabelece que os laudos de avaliação de deficiência emitidos pelo SUS e por outras entidades amparadas por lei se submeta à perícia do INSS. Chegou a ser enviado para o Congresso Nacional, dentro do esquema da Reforma da Previdência Social, uma proposta de desvinculação 57 do salário mínimo com o intuito de o transformar em um “auxílio”. No entanto, movimentos de resistência, com destaque para a intervenção do Conselho Nacional de Assistência Social, fez com que o Congresso desconsiderasse a proposta. No final do ano de 1997, no contexto do ajuste fiscal, o governo tentou suspender o pagamento do benefício enquanto fosse feita uma auditoria com o intuito de corrigir possíveis fraudes e contraria à Constituição Federal no quesito da progressiva redução da idade para a concessão dos benefícios às pessoas idosas deixando permanecer a idade em 70 anos. Como conseqüência da reação da sociedade e da repercussão na mídia, o governo voltou atrás na decisão mas impediu a redução da idade para 65 anos, conforme preconiza a lei, reduzindo e mantendo a idade de 67 anos. Nota-se que várias restrições, têm contribuído para seletividade do BPC, inclusive as ações administrativas. Explicita Gomes, que: Nesse e em outros aspectos, os atos administrativos que tão-somente têm atribuição de viabilizar a garantia formal assumem o papel de restringir o acesso ao direito. Isso acontece particularmente no INSS, no qual se constata que a burocracia dar suas interpretações arbitrárias e muito próprias aos princípios da lei (2001, p.13). Em 1996, foram destinados R$ 177 milhões para o benefício o que fez o governo achar que os gastos estavam além do previsto. Algumas medidas provisórias, convertidas em lei também visaram restringir o benefício, 58 modificando a Loas em alguns pontos como a adoção de um novo conceito de família4 ainda mais excludente. O conceito de família previdenciária, contrariando o caráter das garantias da assistência social. Um outro ponto foi o estabelecimento de medidas restritivas como a extinção das equipes multidisciplinares de avaliação, deixando a seleção a critério do médico perito do INSS. Acontecendo também a antecipação da revisão dos benefícios, prevista para ocorrer apenas dois anos após seu início. Já o Decreto nº 3.298 de 20.12.199 determinou um conceito mais abrangente de pessoa portadora de deficiência: (...) como sendo aquela pessoa que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gera incapacidade para desempenho de atividades dentro do padrão considerado normal para o ser humano. Como já foi colocado neste trabalho, para efeito de concessão e avaliação do Benefício de Prestação Continuada a pessoa portadora de deficiência é aquela cujo nível de incapacidade impede para a vida independente e para o trabalho. Com relação à pessoa idosa, no início da concessão dos benefícios de acordo com o art. 20 da LOAS, só tinha direito ao benefício a partir de 70 anos. A Medida Provisória nº 1.599.39 de 11.12.97, transformada em Lei nº 4 Medida provisória nº 1.473-34, de 11.08.97 – Transformada em Lei nº 9.720, em 30.11.98 alterou o conceito de família passando a considerar o “conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213, de 24.07.91, desde que vivam sobre o mesmo teto”, assim entendido: o cônjuge, o(a) companheiro(a), os pais, os filhos e irmãos e os comparados a essas condições, não emancipados e menores de 21 anos ou inválidos. 59 9.720, em 30.11.98, alterou o Art. 38 da LOAS, fixando a idade em 67 anos a partir de 1º de janeiro de 1998. Com o Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741 de 03.10.2003 a idade para requerer o BPC passa a ser de 65 anos, estabelecendo, ainda, que o BPC já concedido a um idoso não será computado na renda familiar para conceder o BPC a outro idoso que viva sobre o mesmo teto. Podemos observar que as alterações ocorridas na trajetória do benefício deram-se de diferentes formas no sentido de restringi-lo ainda mais com exceção da medida tomada para a redução da idade da pessoa idosa. As diferentes determinações internacionais via Consenso de Washington5 têm conseguido, entre outras coisas, interferir nas políticas sociais de maneira a desviá-las de seus objetivos, como é o caso da LOAS, reduzindo progressivamente o seu alcance. Isto se traduz na formulação e execução dos benefícios, dado o seu grau de seletividade, abrangendo apenas situações de vulnerabilidades. À medida que se faz as constatações do processo de criação do Benefício de Prestação Continuada, situando os avanços e retrocessos da sua implementação, tornam-se evidentes os critérios de seletividade para o idoso e para o portador de deficiência ter acesso ao BPC, e as dificuldades que permeiam todo o processo de aquisição deste benefício. Em continuidade a análise da documentação referente a Lei de Assistência Social, apreende-se das informações que a partir de 1999, foi implementada a revisão do BPC previsto no art. 21 da Lei nº 8.742/93 5 Reunião ocorrida na estação de Mont Pèlerim, na Suíça onde foram deliberados os ditames para implantação do neoliberalismo impondo aos países subdesenvolvidos um programa de ajuste que abrange: privatizações, redução com gastos públicos, disciplina fiscal, desregulação, terceirizações, etc. 60 (LOAS), cujo objetivo é constatar se permaneceram as mesmas condições do início da concessão do benefício. E ainda, com relação ao portador de deficiência, fica a cargo do INSS, por meio de perícia médica verificar se há incapacidade para vida independente e para o trabalho. Cabe ao INSS, por intermédio de sua agência, a decisão final sobre o cancelamento ou manutenção do BPC. Desde a sua concessão, o BPC passou por constantes etapas de revisão que mais visavam o cancelamento do que a concessão de novos benefícios. A primeira revisão imposta pela Medida Provisória destinada aos portadores de deficiência atingiu pouco mais de 10% do total dos benefícios concedidos a esse segmento, não gerando impacto relevante no número de cancelamentos. Contudo, a restrição imposta de que somente os peritos do INSS poderiam emitir laudos resultou em impactos significativos, apresentando, em 1998, um crescimento de cessações de benefícios de quase 40%. Daí em diante, afetando novos ingressos, em vista da natureza da avaliação médico-pericial estabelecida. Em 1996, foram concedidos aos portadores de deficiência cerca de 377 mil benefícios, reduzidos em 2000 cerca de 140 mil, consumando-se uma queda de quase 60% (GOMES, 2001). Considerando o seu caráter seletivo, cobrindo apenas necessidades meramente biológicas, como o ato de alimentar-se, por exemplo, o BPC, na maioria das vezes, não tem sequer cumprido esse papel por ser o beneficiário quase sempre provedor único ou parcial de toda família. A Revisão do Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS a cada dois anos atende a determinação do artigo 21 da LOAS. O processo de 61 revisão realizado em todo território nacional avalia por etapas os benefícios com mais de dois anos de concessão. O primeiro processo de revisão do BPC teve início em outubro 1999 e incluiu 458.024 benefícios concedidos no período de janeiro de 1996 a abril de1997. O segundo processo de revisão teve início em dezembro de 2000 e foram incluídos 452.926 benefícios concedidos no período de maio de 1997 a dezembro de 1998. O terceiro processo incluiu cerca de 320.241 benefícios concedidos no período de 01.01.1999 a 31.07.2000. Teve início em julho de 2002, totalizando desta forma 1.231.191 benefícios revisados nas três etapas. O quarto processo de revisão foi realizado de janeiro a dezembro de 2004 avaliando os benefícios concedidos no período de 01.08.2000 a 30.11.2001. A Revisão do Benefício de Prestação Continuada no Rio Grande do Norte é realizada em parceria entre a Secretaria de Estado, do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social – SETHAS, INSS, DATAPREV e Colegiado Estadual de Gestores Municipais da Assistência Social – COEGEMAS. O Conselho Regional de Serviço Social – CRESS também é parceiro no processo, atuando nos aspectos que envolvem a valorização do profissional da Assistência Social. No RN foram revisados na primeira etapa do processo de revisão 12.716 benefícios emitidos entre 02.01.96 a 30.04.97. 62 Na segunda etapa foram revisados os emitidos entre 01.05.97 a 31.12.98, totalizando 9.760 benefícios. A terceira etapa teve 3.209 benefícios, emitidos entre 01.01.99 a 31.07.00 e revisados. Na quarta e última etapa que teve início em janeiro de 2004, compreenderam 2.190 benefícios emitidos entre 01.08.200 a 31.10.2001, totalizando, em todas as etapas ocorridas no Estado, 27.875 benefícios, conforme dados da DATAPREV. No Município de Macau, lócus específico do nosso trabalho, o acesso a esse benefício tem sido cada vez mais restringido em virtude dos constantes cortes através dos processos de revisão. Em dezembro de 2002, havia no município de Macau 351 usuários do Benefício de Prestação Continuada. Dentre estes, 336 eram benefícios concedidos às pessoas portadoras de deficiência e 15 concedidos às pessoas idosas, totalizando 351 beneficiários no município. Ao passo que em dezembro de 2004, esse total era de 347 usuários, sendo 313 portadores de deficiência e 34 idosos. O processo de revisão do benefício tem dois focos de análise: o social e o médico pericial. O foco social é realizado por meio de visita domiciliar de um assistente social, com o objetivo de colher informações sociais, pessoais, culturais e da comunidade sobre o nível de pobreza e vulnerabilidade e o impacto dessas situações na vida do idoso, ou o agravamento da incapacidade para a vida independente e para o trabalho das pessoas portadoras de deficiência. 63 Já o foco médico-pericial avalia o enquadramento do beneficiário aos critérios legais estabelecidos pela LOAS, sob a responsabilidade do INSS. Ambas as avaliações são realizadas através de instrumentos criados para esta finalidade, são eles: Formulário “Composição do Grupo e Renda Familiar do Beneficiário”; Formulário “Informações Sociais Complementares sobre o Beneficiário e seu Núcleo Familiar”; Tabela de dados de “Avaliação Social”; Relatório Mensal com os dados dos beneficiários revisados no município. Tais informações são sistematizadas no Programa REVAS, que além de determinar a manutenção ou não do benefício, subsidia o planejamento de ações e serviços para idosos e portadores de deficiência na área da assistência social. A avaliação social contempla alguns aspectos como: situação familiar (situação de abandono, velhice dos pais, etc.); oferta de serviços comunitários (inexistência, insuficiência ou inadequação de serviços); carência econômica; idade; Análise da história da deficiência (congênita ou adquirida); labor e potencial para o trabalho (fora da idade laboral, sem qualificação, nunca trabalhou, etc.). No início do processo de concessão utilizou-se um instrumental para auxiliar a avaliação das condições de deficiência denominado, acróstico 64 avaliemos que consiste em uma tabela de dados para avaliação da deficiência: instrumento auxiliar para o preenchimento da conclusão da perícia médica. Este estabelece um conjunto de indicadores técnicos para o enquadramento da deficiência visando orientar a emissão do laudo. Tais indicadores dispostos em forma de acróstico, denominado “avaliemos”, prescrevem um teste de elegibilidade, com rigorosa pontuação, destinada a avaliar a deficiência a partir de critérios exclusivamente médicos e físicos. Tal acróstico surgiu no início da concessão como um quarto subsídio, posteriormente foi instituído pela Resolução/INSS Nº 435/97 instrumento auxiliar, com a observação de que não substituiria o laudo de avaliação, ainda naquele momento assistido por dois profissionais. Contudo, na prática, o acróstico foi adotado como instrumental de enquadramento, até porque os processos obedecem ao critério de pontuação da tabela, sendo o laudo tão somente uma conclusão resumida. De fato, há limitações por parte deste tipo de instrumental, já que corre o risco de nem sempre dar conta da diversidade das situações, especialmente quando tratado por profissionais não especializados e que não acompanham a problemática da deficiência. Decerto, trata-se de um instrumento para guiar os peritos do INSS, acostumados a lidar com situação de invalidez e incapacidade para a vida laboral dos segurados. A partir da Revisão prevista na LOAS, surgiu um outro acróstico denominado de social - tabela de dados para avaliação da condição social da pessoa portadora de deficiência e da pessoa idosa. Sua função no procedimento de revisão, no caso da pessoa portadora de deficiência, é impedir que haja somente a avaliação médica, o que seria do ponto de vista 65 legal uma irregularidade, já que estes beneficiários acessaram o benefício quando vigorava a avaliação através de equipe multidisciplinar. Em outras palavras, por ora, este acróstico social funciona para restabelecer, apenas na revisão, as mesmas regras pelas quais o benefício foi concedido, e, portanto, assim deve ser revisado. Quanto ao acróstico para as pessoas idosas, seu objetivo é oportunizar a pesquisa de dados, sem qualquer interferência na manutenção ou cancelamento do benefício. A nossa avaliação e análise do processo de revisão do BPC é que ele consiste em um instrumento que segrega e humilha o beneficiário; uma vez que o mesmo é submetido por uma segunda vez a comprovar a sua condição de pessoa miserável, sujeitando-o a uma situação de pavor ou medo de perder aquela que consiste em única provisão regular e garantida da família. Pois, como bem sabemos, ainda que sua renda venha a alterarse no período compreendido entre a concessão e a revisão, ela nunca vem a aumentar de modo a alterar significativamente as condições de vida daquelas famílias. Altera para efeito de calculo da renda per capita, mas não agrega melhoria no seu modo de viver. 2.3 Renda Mensal Vitalícia: um auxílio à velhice e à invalidez Anterior ao Benefício de Prestação Continuada existia a Renda Mensal Vitalícia – RMV, criada em dezembro de 1974, prevista na Lei nº 6.179, a qual instituiu o amparo previdenciário para maiores de 70 anos de 66 idade e para inválidos definitivamente incapacitados para o trabalho que, num ou noutro caso, não exercessem atividade remunerada, não auferissem rendimento sob qualquer forma, superior ao valor da renda mensal fixada (metade do salário mínimo), não fossem mantidos por pessoa de quem dependessem obrigatoriamente e não tivessem outro meio de prover ao próprio sustento. Os idosos com mais de 70 anos e portadores de deficiência eram amparados desde que se enquadrassem em umas das três situações seguintes: 1) Tenham sido filiados ao regime do INPS, em qualquer época, por pelo menos 12 meses consecutivos ou não, vindo a perder a qualidade de segurado; ou 2) Tenham exercido atividade remunerada atualmente incluída no regime do INPS ou do Funrural, mesmo sem filiação à Previdência Social, no mínimo de 5 anos, consecutivos ou não; ou ainda 3) Tenham ingressado no regime do INPS após completar 60 anos de idade sem direito a benefícios regulamentares. Também chamado de auxílio previdenciário, a RMV equivalia, na época, à metade do salário mínimo vigente no país, não sendo admitido ultrapassar 60% do referido salário. Com a Constituição Federal de 1988, ficou proibida a fixação dos benefícios em valores inferiores ao salário mínimo; somente a partir de 1991, com a regulamentação da previdência social pela Lei 8.213, a Renda Mensal Vitalícia teve seu valor alterado para um salário mínimo. A Renda Mensal Vitalícia aparece num contexto político econômico de crise e esgotamento do chamado milagre brasileiro e da lenta e gradual distensão do regime militar, no governo Geisel, no que se operava a política social do controle da política, como objeto de legitimação do governo da 67 ditadura (Vieira, 1997). Destinou-se assim, a um significativo contingente de trabalhadores rurais e urbanos, no caso de idosos e inválidos, os quais, ainda que tivessem direito, não tinham acesso à previdência social pelo seu caráter não universal. Desse modo, a instituição da Renda Mensal Vitalícia passa a compor um certo aparato assistencial da previdência, que pode ser atribuída a certa complacência ou flexibilidade de um sistema contributivo, que se deslocava da lógica restrita do seguro, estendendo um braço assistencial para amparar a velhice e a invalidez com um auxílio, por princípio e valor diferenciado dos demais aposentados. Como vemos, por sua concepção e por seu conteúdo, A Renda Mensal Vitalícia era considerada um auxílio, uma ajuda, um amparo, uma concessão. Não identificada no campo do direito, ainda que se constituísse em uma garantia prevista em lei. A RMV, por ser dirigida aos pobres, àqueles que não tinham como prover o seu sustento, era considerada como benefício do campo assistencial entendido como concessão e não direito, dissociada do típico modelo do sistema de seguro brasileiro. Foi este concepção que, posteriormente, extinguiu a Renda Mensal Vitalícia nas disposições da Lei Orgânica da Assistência Social, ao regulamentar o Benefício de prestação Continuada, posto assim como seu substituto. Embora sem a exigência tipicamente contributiva, há que se notar a sua clara relação com o trabalho, já que seus destinatários teriam de, em quaisquer das situações para comprovar sua condição de ex-trabalhador ou ex-filiado ao regime, além da incapacidade laboral, posta pela situação de 68 velhice ou invalidez. Então a contrapartida é o trabalho e a situação de pobreza. Do ponto de vista da concepção, como já referimos, embora ambos tenham sido previstos em lei, portanto garantias formais, carregam significados e princípios diferentes, o que nos leva a afirmar que o BPC é reconhecido explicitamente como um direito social, enquanto a RMV exige contribuição, ainda que diferenciada, em dois casos, ou comprovação de exercício anterior de alguma atividade laboral do regime previdenciário. O fato do benefício, ter migrado para o campo do direito constitucional, como é o caso do BPC, que não necessita ter contribuído previamente na condição de trabalhador constitui um grande avanço, que é sem dúvida um marco da proteção social brasileira. Um aspecto importante que reforça a diferença de concepção é que a RMV embora prevista em Lei não tinha fonte de custeio definida o que não acontece com o BPC. Ressalta uma entrevistada que a RMV, proporcionava cobertura àquelas doenças definitivamente incapacitantes para o trabalho, destinandose à incapacidade adquirida pelo exercício do trabalho, enquanto o BPC avalia pela funcionalidade, atendendo-se ao exame do grau de incapacidade naquele momento, o que não significa necessariamente que tal situação seja definitiva, bem como abrange a incapacidade congênita, adquirida, orgânica. A respeito do conteúdo, temos que ambos repassam uma renda, sendo que dos seus 21 anos de existência, durante 17 anos, a RMV foi estipulada em metade do salário mínimo, em consonância com o princípio 69 de certo auxílio insuficiente, e o BPC foi desde então previsto na Constituição com o valor de um salário mínimo. Uma particularidade observada em relação aos dois benefícios é que ambos, nos seus processos de regulação e concessão, passaram por momentos distintos de maior ou menor alcance, de compressão e descompressão de acesso em razão das dadas conjunturas políticoeconômicas que definiam e subordinavam a concessão a alegada disponibilidade orçamentária. Em relação aos destinatários, a Renda Mensal era devida às pessoas inválidas incapacitadas para o trabalho e aos idosos com mais de 70 anos; o BPC é devido às pessoas portadoras de deficiência incapacitante para a vida independente e para o trabalho e aos idosos, inicialmente com 70 anos, sendo que a partir de 1998 a idade foi reduzida para 67 anos. Quanto aos critérios de elegibilidade, os dois benefícios eram destinados aqueles sem condições de prover o seu sustento, ou de tê-lo provido por sua família, atribuindo à família a responsabilidade primeira pela manutenção da pessoa. Contudo, temos algumas diferenças: para a comprovação da necessidade, a RMV não definia explicitamente um corte de renda, muito menos per capita. Embora na prática possamos inferir que era de meio salário mínimo, a renda admitida. Isto porque a RMV não impedia o acesso do beneficiário que auferisse alguma renda, desde que esta não ultrapassasse o seu valor, que inicialmente correspondeu a meio e depois a um salário mínimo. 70 O BPC define um seletivo e excludente corte de renda per capita, no valor de um salário mínimo, exige por decreto, a comprovação da inexistência de renda por parte do candidato, juntamente com a responsabilização da família de modo mais amplo e rigoroso, ou seja: toda a família participa do cômputo da renda para definir a elegibilidade do beneficiário. Por outro lado a RMV possuía uma vinculação mais estreita com o trabalho pois destinava-se além dos idosos, aos incapacitados para o trabalho em razão de algum tipo de deficiência física ou mental ou doenças adquiridas que fossem incapacitantes. Nesse caso tratavam-se de beneficiários em idade laboral, os quais encontravam-se definitivamente incapacitados para o trabalho mas não necessariamente para a vida independente. O BPC trata, além da situação de velhice, da condição de deficiência incapacitante para a vida independente e para o trabalho, independentemente da idade, ou seja, alcança beneficiários de qualquer faixa etária indiscriminadamente, mesmo que nunca tenham trabalhado, como é o caso de crianças e adolescentes. Assim, se a renda alcançava mais pessoas em situação de invalidez, agregando algumas doenças que afetam a capacidade laboral, mas não necessariamente impossibilitando uma vida independente, segundo o critério, o Benefício de Prestação Continuada, por um lado, alargava o alcance para as pessoas portadoras de deficiência, e, por outro, restringia ao qualificar com rigor o tipo de deficiência. 71 Ainda que se tenha apontado a existência de critérios mais rigorosos e seletivos para o BPC, não estaria no seu alcance a todos os portadores de deficiência, independentemente da sua vinculação com o trabalho a sua maior cobertura e por outro lado a partir de 1998, com o ingresso dos idosos de 67 anos, em vez de 70, não estaria aí uma maior extensão do benefício? Certamente a renda mensal atingia maior cobertura quanto aos critérios de renda, enquanto o BPC é nesse ponto, por demais seletivo. Uma outra questão a ressaltar é que uma vez concedida, a RMV não estabelecia formalmente a obrigatoriedade de revisões periódicas do benefício, até porque a situação de invalidez deveria ser definitiva. No caso do BPC, a revisão é formalmente prevista a cada dois anos, a fim de verificar tanto a situação de deficiência como da permanência da situação da renda para ambos os segmentos. 2.4. Usuários do BPC: pessoas idosas e portadoras de deficiência Os destinatários do BPC, as pessoas idosas acima de 65 anos e as portadoras de deficiência, constituem segmentos que vivem em situação de vulnerabilidade social; seja pela situação da deficiência, seja pela idade que estão. Em ambos os casos, a situação se agrava pelas precárias condições de sobrevivência decorrente da renda per capita que alinha-se à situação crítica de extrema pobreza. 72 Somente a partir da década de 1970 é que a sociedade começa a acordar para a problemática da pessoa portadora de deficiência, dando início aos movimentos em defesa dos direitos desse segmento. Tais movimentos se consolidaram e ganharam espaço na década de 1980 apoiados pelos organismos internacionais. A caracterização do que se entende por deficiência tem sido alvo discussões e controvérsias, em virtude da dificuldade de obter uma definição que contenha todos os aspectos relevantes a esta complexa questão. Alguns países e entidades passaram a preocupar-se com uma definição ou termo que abarcasse a realidade concreta das pessoas deficientes. Com esse objetivo, a Organização das Nações Unidas (ONU), bem como outras organizações internacionais lançaram mundialmente o termo “pessoas deficientes”, com o intuito de amenizar a imagem esteriotipada dessas pessoas, taxadas de “cega”, “surda”, inválida”, “louco”, “aleijada”, “anormal” etc. A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, aprovada pela Assembléia Geral da ONU, em 9 de dezembro de 1975, proclama em seu artigo I, que o termo “pessoas deficientes” refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS): “Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividades dentro do padrão social considerado normal para o ser humano”. 73 Algumas instituições e profissionais que trabalham com o tema em questão passaram a utilizar o termo “portador de necessidades especiais” objetivando a não discriminação, tendo em vista que a palavra “deficiente” se contrapõe a palavra eficiente. O ser “capaz” contra o “não capaz”. Assim, atribui-se ao termo “deficiente” uma terminologia muito marcante, taxativa e discriminatória. Em contrapartida, o termo “portador de necessidades especiais”, engloba, além das pessoas portadoras de deficiência, as pessoas portadoras de outras necessidades tais como: as obesas, as super-dotadas e as portadoras de determinadas doenças que requerem alguns cuidados específicos. Daí, a não utilização do termo acima referido no corpo deste trabalho. Este requer a terminologia específica, legal, levando-se em conta que o tema trabalhado trata-se da Assistência Social expressa na Constituição Federal e sua implicação na vida das pessoas impossibilitadas, por uma deficiência congênita ou não, de exercer uma vida “normal” dentro dos padrões estabelecidos pela sociedade. Em 1989, foi instituída a Lei da Pessoa Portadora de Deficiência 6, onde ficam estabelecidas as normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência assim como sua efetiva integração social. As normas desta lei visam garantir a este segmento as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento nas mais variadas áreas, dentre elas: Educação, Saúde, Formação Profissional e do Trabalho, Recursos Humanos, Edificações. 6 A Lei nº7.853, de 24 de outubro de 1989 dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes e dá outras providências. 74 A luta para garantir os direitos dos portadores de deficiência tem sensibilizado todos aqueles que lidam com esse segmento. A partir da Nova Constituição, intensificou-se o movimento no sentido da inserção da pessoa portadora de deficiência à sociedade, principalmente no que se refere às questões ligadas ao acesso à educação ao trabalho, à saúde a previdência e a assistência social. Isto fez da nossa Constituição Federal uma das mais avançadas do mundo em relação aos direitos do portador de deficiência. Deficiência exprime a idéia de limitação, portar uma deficiência e estar sujeito a limites que vão desde os corporais, ligados a incapacidade física de andar, executar determinados movimentos, à imperfeição corporal e estética, que reduz possibilidades afetivas e sexuais, até as barreiras arquitetônicas que dificultam e muitas vezes, impossibilitam a locomoção dessas pessoas, limitando seu acesso a estabelecimentos públicos, pois embora hajam leis a nível Federal (lei n 7.405) e Municipal (lei 4.090/92) referentes a esta causa, bem como normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que abrigam a adaptação dos edifícios e logradouros de uso público para o acesso, circulação e utilização das pessoas portadoras de deficiências, as mudanças vem se processando de forma tímida. A perda de uma determinada capacidade seja ela de ordem física ou mental acarreta muitas conseqüências negativas, dando origem a problemas sociais, psicológicos, econômicos que certamente incide na qualidade de vida da pessoa portadora de deficiência, que pode implicar na perda da auto-estima, do status, restringindo suas capacidades ocupacionais que certamente repercute no sobrevivência. seu cotidiano aumentando, assim, as dificuldades de 75 Estima-se que 10% da população brasileira são portadoras de algum tipo de deficiência. Aproximadamente 26,6 milhões de brasileiros (levando-se em conta que a população brasileira é de aproximadamente 183 milhões de habitantes) com o seguinte perfil: 5% da população apresentam deficiência mental; 2% deficiência física; 1,5% deficiência auditiva; 1% deficiência múltipla; 0,5% deficiência visual (dados da OMS). Apresentamos a tabela com índices referentes à distribuição dos beneficiários do BPC por tipo de deficiência, de acordo com os dados da terceira etapa de revisão do Benefício de Prestação Continuada. DISTRIBUIÇÃO POR TIPO DE AVALIAÇÃO – BRASIL – 2003. TABELA II DEFICIÊNCIA, DE ACORDO COM O RESULTADO DA TIPOS DE DEFICIÊNCIA % Deficiência mental 31 Deficiência múltipla (+ de uma deficiência) 20 Deficiência física (paralisia ou amputação dos membros) 17 Doença mental (quadros psiquiátricos) 12 Doenças crônicas e incapacidades (AIDS, câncer, AVC e 10 outros) Deficiência auditiva 5 Deficiência visual 5 TOTAL 100 Fonte: Ministério da Previdência e Assistência Social – 2002. Avaliação. Nota: Este resultado refere-se a 40 mil pessoas com deficiência. Esta população, além da situação de limitação física ou mental e de miserabilidade em que se encontram, deparam-se ainda, constantemente com a discriminação e o preconceito; a começar dentro do próprio lar. A família, com seus costumes e valores é a reprodução viva dos valores, que norteiam a nossa sociedade. Neste sentido, pode incidir sobre o portador de deficiência as 76 mais variadas manifestações, como: rejeição, segregação, superproteção, paternalismo, piedade, etc. Culturalmente não se está preparado para receber um filho portador de deficiência, “(...) não estão preparadas, principalmente porque receberam toda carga ideológica que reina no interior da nossa cultura” (RIBAS, 52:94). A sociedade é permeada de valores que ressaltam o “belo”, o “perfeito”, o “normal”, o “certinho” e as pessoas que não se enquadram nesses padrões ficam, de certa forma, estigmatizadas e conseqüentemente marginalizadas. Uma criança que nasceu cega, nunca enxergou e por isso não tem por que sofrer. Uma criança paraplégica, que sempre andou com aparelho ortopédico, dificilmente sofrerá por não andar sem ele. Somente a partir de uma certa idade, quando o mundo descobrir que ela é deficiente e começar a mostrar-lhe que ela é “diferente”, então sim esta criança se verá mal com a sua deficiência, e provavelmente sofrerá. Ninguém sofre com a deficiência, todos sofrem com o estigma. (idem, ibidem. p. 55) Piorando a situação dessas pessoas, associa-se o preconceito ao fato de a maioria dos portadores de deficiência encontrar-se na população de baixa renda. Pois, as pessoas mais pobres estão mais sujeitas à falta de alimentos, à falta de saneamento básico, aos acidentes de trabalho, e, conseqüentemente, mais expostas a doenças, contaminações e acidentes que podem trazer como conseqüência a aquisição da deficiência ou o nascimento de crianças portadoras de deficiência. Outro ponto importante é que, embora na atualidade a sociedade esteja mais alerta para a problemática do portador de deficiência, embora haja muitas palestras, conferências, seminários e todo um aparato legal que buscam derrubar o preconceito e inserir a pessoa portadora de deficiência na 77 sociedade, o que constitui um grande avanço em relação ao passado, a verdadeira inserção caminha a passos lentos dada a conjuntura que nos cerca. Tem-se, como exemplo, o projeto de inserção do portador de deficiência no mercado do trabalho através do sistema de cotas estabelecidas por lei para concursos públicos, que reservam um percentual de 3% (três por cento) das vagas para a pessoa portadora de deficiência (Art 10 Lei Municipal n0 6.257/92) e de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos, proporcionalmente, para empresas com mais de 100 (cem) empregados (Art.93 Lei Municipal n0 8.213/91). O mercado de trabalho se encontra saturado e, cada vez mais, exigente diante da estrutura econômica e social excludente que requer alto grau de competitividade, tornando-se aí segregativo para todos. A desvantagem do portador de deficiência, nesse sentido, torna-se ainda mais acentuada. Embora haja uma aparato legal, nem sempre a lei é cumprida. “Os empresários, em sua maioria, garantem de antemão que as pessoas deficientes são, enfim, trabalhadores que não correspondem as exigências do ritmo imposto pela produtividade” (RIBAS p.85, 1998). Seguindo essa lógica preconceituosa, consistem em acreditar que os portadores de deficiência são lentos e ineficazes para o trabalho. É preciso acabar com esse tipo de discriminação e pensar uma sociedade melhor para todos, mas integrada, menos excludente, mais humana. Para isso, é necessário que o Estado e todo o conjunto da sociedade se empenhe nesse processo. O portador de deficiência é um ser humano que tem necessidades básicas inerentes à condição humana que precisam ser supridas tais como: saúde, alimentação, educação, trabalho, moradia digna, lazer, entre 78 outras. É preciso que as políticas sociais saiam do assistencialismo e transitem para o assistencial para que essas necessidades sejam cobertas de forma universal. Consideramos de fundamental importância que o BPC amplie cada vez mais o contingente de beneficiários, desvinculando o seu acesso ao critério de renda per capita, estendendo-se de forma universal a todos aqueles que possuam uma determinada deficiência que o incapacite para a vida laboral. É necessário que a luta venha fazer parte do cotidiano de todos, contra a discriminação dessas pessoas. O outro segmento coberto pelo Benefício de Prestação Continuada são as pessoas idosas. A Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, considera idosa a pessoa maior de sessenta anos de idade. Todavia para fins de acesso ao BPC, a idade mínima exigida inicialmente foi de setenta anos, a qual, a partir de janeiro de 1998, passou a ser de 67. Pelos dados do INSS, os cinco estados que apresentam os menores índices de concessão do benefício destinados ao idoso, comparando a sua respectiva população idosa, em ordem crescente são: Santa Catarina, Acre, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Paraná. Como podemos perceber, os Estados que se encontram entre aqueles que possuem os melhores níveis de desenvolvimento humano do PNUD – Santa Catarina, Rio grande do Sul e Paraná – é aqueles que se colocam entre os que possuem os mais baixos níveis – Acre e Rio Grande do Norte. Isto demonstra que a população dos Estados cujos níveis de desenvolvimento humano e patamares de longevidade são melhores, não conseguem ter acesso ao benefício pela restrição da per capita familiar. Enquanto a população dos estados que possuem os piores níveis de 79 desenvolvimento humano atende ao per capita familiar, e não alcançam a idade mínima exigida. Vale registrar que segundo o IPEA, usando como fonte originária o IBGE, as estimativas de esperança de vida ao nascer, no Brasil são diversificadas de uma região para outra, localização domiciliar e sexo; oscilando entre a mínima 58,4 anos para os homens rurais do Nordeste e a máxima de 81 anos para as mulheres urbanas do Sul (IPEA, 1997:25). Um acelerado crescimento demográfico tem mostrado uma inversão na faixa etária da população. O Brasil já não tem mais sua população tão jovem. Neste caso vem-se focalizando, através de ações governamentais e filantrópicas, mais atenção ao idoso. Assemelhando-se a outros países em desenvolvimento, o contexto da realidade brasileira vem mostrando que o processo de envelhecimento na nossa sociedade vem se intensificando. Tal fenômeno emerge num contexto de profunda crise sócio-econômica em que os problemas sociais crescem aceleradamente. Os países desenvolvidos possibilitaram avanços consideráveis, no que diz respeito aos direitos de proteção social dirigidos à população, incluindo, obviamente, a população idosa. O Brasil tem apresentado um crescimento no número de idosos. A sociedade tem mobilizado e demonstrado determinados avanços em relação a este segmento. São exemplos a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso que representa o “reconhecimento” da importância de proporcionar uma melhor qualidade vida a essa população. Grande parcela da população brasileira sobrevive em precárias condições, em um contexto de aprofundamento da política neoliberal que 80 fragiliza o Estado no que se refere à efetivação de políticas públicas. É nesse quadro que encontramos pessoas envelhecendo precocemente, ao mesmo passo em que vão sendo excluídas. O crescimento do número de idosos é um fenômeno mundial: uma em cada dez pessoas está acima de 60 anos. Segundo a Organização das Nações Unidas – ONU, no ano 2000 o número de pessoas idosas no mundo chegou a 590 milhões, tendo uma estimativa para o ano de 2025 de um 1 bilhão e 100 milhões de idosos. Haverá, na metade deste século, mais de dois bilhões de pessoas com mais de100 anos. Segundo estimativas do IBGE, o país tem envelhecido a passos largos: na década de 90 atingiu o percentual de 8,3% de pessoas idosas e no ano de 2025, segundo projeções, haverá 34 milhões de idosos. Assim, assumirá a posição do sexto país do mundo em números de idosos. No Brasil, os programas sociais para idosos começaram a ser implantados, mais precisamente, na década de 1960. No entanto, somente no ano de 1990 são criados conselhos e comissões para orientar a administração pública com propostas de ações, visando a melhoria da qualidade de vida relacionada à pessoa idosa. A Legião Brasileira de Assistência – LBA, o Serviço Social do Comércio – SESC e as Universidades para a Terceira Idade foram pioneiras no trabalho com a pessoa idosa. Estes programas atendiam idosos com perfis sócioeconômicos diferenciados. A LBA atendia os setores das classes populares com massiva participação de idosos do sexo feminino, uma vez que as atividades desenvolvidas nesses programas envolviam trabalhos manuais, bailes, passeios, ginástica, aulas e conferências. 81 Com a aprovação da Política Nacional do Idoso7, aponta-se as competências dos órgãos e entidades públicas, nas diferentes áreas que devem ser implantadas e/ou implementadas pelo Estado e pela sociedade civil, com o objetivo de garantir ao idoso o que lhe é de direito. A política propõe que a sociedade passe a conceber uma nova postura frente à velhice, exigindo, assim, mais competência nas pesquisas, estudos, recursos, planejamento e avaliação, como também a organização de uma infra-estrutura básica que venha a atender as demandas relativas ao idoso, que venha os oferecer proteção e inclusão. A aprovação do Estatuto do Idoso8 em outubro de 2003 teve por objetivo regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta), reafirmando as políticas referentes aos direitos básicos da pessoa idosa, tais como: saúde, educação, trabalho, previdência social, assistência social, cultura, esporte, lazer, acesso à justiça, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Em seu Artigo 2º, o Estatuto estabelece que: O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para a preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (Lei nº 10.741/2003). A população idosa usuária do BPC tem crescido a cada ano, sobretudo após o advento do Estatuto do Idoso que reduziu a idade de 67 para 65 anos. 7 8 Política Nacional do Idoso, Lei nº 8.842/94. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. 82 A tendência é este número aumentar cada vez mais, conforme ilustra a tabela a seguir: TABELA III EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE BENEFICIÁRIOS DO BPC IDOSOS – BRASIL (1996 A JULHO/2003). Período Beneficiários Evolução % Ano 1996 41.992 - 0 1997 88.806 46.814 52,71 1998 207.031 118.225 57,10 1999 312.299 105.268 33,71 2000 403.207 90.908 22,55 2001 469.047 65.840 14,04 2002 584.597 115.550 19,77 2003 633.564 48.967 7,73 Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/DATAPREV. Preparado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social da PUC-SP. O fato de ter sido instituído no Brasil políticas referentes à pessoa em condição de idade já avançada, por si só, já constitui um grande avanço no que se refere à proteção social deste segmento. No entanto, o fato da existência destas leis especificas não tem garantido de forma ampla e eficiente, o seu cumprimento. Já que os governos não assumiram, de fato, a velhice como um setor essencial a ser assistido e/ou atendido devidamente no que diz respeito aos investimentos e ações mais ampliadas, como forma de dar cobertura às reais necessidades. O atendimento aos idosos, assim como ao portador de deficiência, pela Assistência Social, não tem sido capaz de alterar as condições de vida desses 83 usuários, que continuam marginalizados pela pobreza e a mercê de precários atendimentos na esfera da assistência e principalmente na esfera da saúde pública. Para que a população brasileira que se encontra em situação de vulnerabilidade social, tais como os idosos e as pessoas portadoras de deficiência, sejam protegidas são necessários grandes investimentos que prezem pela qualidade dos serviços destinados à população, tanto nas esferas Municipais, Estaduais e Federais para que as leis sejam, de fato, efetivadas. 84 3 – A PERCEPÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS DO BPC, FACE ÀS SUAS CONDIÇÕES DE VIDA 3.1 A caracterização dos beneficiários em Macau A pesquisa junto aos usuários foi realizada no Município de Macau. Fundada em 1847, a cidade de Macau tem uma extensão territorial de 835 km2, equivalente a 1,58% da superfície do Estado do Rio Grande do Norte e, conforme a divisão territorial do Brasil, pertence a mesoregião Central Potiguar, inserida na microrregião Macau. O município limita-se ao norte com o Oceano Atlântico; ao sul com os municípios de Pendências, Afonso Bezerra e Alto do Rodrigues; ao leste com os municípios de Guamaré e Pedro Avelino, ao oeste com o município de Carnaubais. Trata-se de um município de médio porte, com 25.554 habitantes. Sua distância em relação à capital é de 178km. Rico em ocorrências minerais, o município ocupa um dos primeiros lugares da América Latina na produção de sal marinho. Sendo produtor também de petróleo e gás natural. A pesca artesanal também faz parte da economia do município em menor escala. É de suma importância ressaltar que embora Macau ocupe o primeiro lugar na produção nacional de sal marinho e seja produtor de petróleo, recebendo da Petrobrás os royalties equivalente a R$ 1.719.124,96 mensais: só no ano de 2004 recebeu o montante de R$ 10.800.000,00 (Fonte: assessoria de imprensa da Petrobrás), isso não tem se revertido em melhorias para a população, havendo precariedade no atendimento dos serviços essenciais, como saúde, educação, assistência, entre outros. O Índice de 85 Desenvolvimento Humano – IDH é de 0,690, abaixo da média nacional que é de 0,792. A periferia do Município, onde se concentra a maioria dos beneficiários do BPC, é composta pelos bairros do Valadão, Porto de São Pedro, Maruim e Porto de Pescaria. Nos dois últimos, aglomeram-se os bolsões de pobreza mais visíveis do município. Reside, nestes locais, uma população que vive nas situações mais abruptas da miséria humana; onde lhes faltam comida, saúde, educação de qualidade, um teto decente para morar, condições sanitárias condignas com a sobrevivência humana; onde reina o analfabetismo e com ele a esperança de uma vida melhor. Neste contexto, muitos chefes de família entregam-se ao álcool enquanto seus filhos adolescentes se entregam às drogas e à prostituição. Diante dessa realidade, vale salientar que essa população vivencia o desespero do dia-a-dia de uma vida de carências, enquanto os representantes do poder público parecem desconhecer o quadro de miserabilidade que reina nos arredores da cidade. De acordo com o usuário “(...) quando um prefeito se elege nesta cidade, minha filha, a primeira providência que eles toma é comprar uma mansão bonita em Natal” (Severino Melo, 74 anos). O pai de outro usuário nos informou que na saúde, em determinado período “(...) falta remédio, luva, seringa e outras coisas pra atender os paciente no hospital” (Manoel Garcia, 43 anos). Por tratar-se de um Município produtor de petróleo, sal marinho e gás natural, existem muitas empresas instaladas na região, o que favorece uma grande circulação de pessoas na cidade. Observa-se que há uma maior 86 proliferação do uso de drogas e da prostituição, se compararmos a outros municípios do Estado. O Município de Macau não tem uma zona rural propriamente dita. Os seus distritos compreendem, na sua maioria, praias de pescaria como Diogo Lopes, Barreiras e Soledade. Estas comunidades, que têm suas populações entre dois (02) e quatro (04) mil habitantes, sobrevivem basicamente da pescaria artesanal. Todos os programas existentes no município na área da assistência social, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI; Agente Jovem; Programa de Atenção à Pessoa Idosa – API, são financiados pelo Governo Federal, ficando a cargo da Secretaria de Assistência Social do município apenas ações pontuais como a distribuição de enxovais de recém-nascido e de cestas básicas, conforme nos foi informado pela assistente social desta secretaria. A prefeitura não dispõe de um programa próprio de apoio à pessoa portadora de deficiência. Apenas é parceiro de uma organização nãogovernamental (ONG): a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, que atua nesta área, disponibilizando professores e fornecendo combustível para o transporte dos usuários. Isso demonstra que o poder público investe minimamente na qualidade dos serviços prestados à população. Não se denota uma ação efetiva da Prefeitura junto às populações que sobrevivem precariamente, sem emprego ou com trabalho precarizado. Como nos mostra Yasbek: Os impactos destrutivos do sistema vão deixando marcas exteriores sobre a população empobrecida: o 87 aviltamento do trabalho, o desemprego, a debilidade da saúde, o desconforto, a moradia precária e insalubre, a alimentação insuficiente, a ignorância, a fadiga, a resignação, são alguns sinais que anunciam os limites da condição de vida dos excluídos e subalternizados da sociedade (YAZBEK, p. 61, 1999). Lembra ainda esta autora que a questão da naturalização da pobreza pela sociedade coloca cada vez mais os que vivem esta experiência num lugar social que se define pela exclusão. Essa realidade é observada nas periferias do Município de Macau, em especial. É o que vem sendo evidenciado pelos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada – BPC, que se encontram expostos a três frentes de exclusão retratadas pelo estigma da pobreza, da deficiência e da idade avançada. Diante dessas considerações, buscamos caracterizar os sujeitos da pesquisa situando o local de moradia, dados de identificação, escolaridade, ocupação e renda. Na introdução deste trabalho observamos que no Município de Macau o Benefício de Prestação Continuada – BPC, atende a um total de 347 beneficiários, sendo 313 portadores de deficiência e 34 idosos. Em virtude das dificuldades de acesso aos usuários (endereços não encontrados, localizações dificultosas), e da limitação de tempo para a realização das entrevistas aos 347, definimos uma amostra de 11% representativa desta população. Tendo assim um universo de 38 usuários: 34 portadores de deficiência ou seus responsáveis e 04 idosos, respectivamente. Além dos 38 participantes, entrevistamos uma assistente social responsável pelo BPC no INSS, e uma outra da Secretaria de Assistência Social do município com o objetivo de 88 apreender a percepção da mesma, no que se reporta ao BPC. O entendimento de uma das assistentes sociais, em relação ao BPC é de que o benefício atende ao provimento das necessidades básicas dos usuários. Assim se expressando: O BPC trata-se de um benefício assistencial não contributivo para idosos e portadores de deficiência considerados carentes. E em razão disto, considero que atende as necessidades, sim, tanto de idosos como de portadores de deficiência. (...) o BPC é positivo porque sua cobertura que é dada desde o nascimento, diferentemente da Renda Mensal vitalícia, sua antecessora, que era dada somente depois dos dezoito (18) anos (assistente social do INSS). Comparando esta posição sobre o BPC e, as observações realizadas junto aos sujeitos pesquisados, percebemos que este entendimento distanciava-se do que constatamos ao longo da pesquisa. A mesma compreendia o BPC no que ele apresenta de avanço em relação à Renda Mensal Vitalícia, mas, sem observar as limitações dos critérios de seletividade. As entrevistas com as assistentes sociais, não nos permitiu coletar informações objetivas sobre o benefício e as condições de vida dos usuários, que permitissem aprofundar a análise sob uma perspectiva da observação e de experiência do técnico, do seu parecer. Neste sentido, objetivamos enfatizar as observações junto aos beneficiários do BPC. 89 O processo de investigação nos conduziu, inicialmente, a caracterização dos usuários. Prosseguimos a análise com o processo de exposição do desvendamento das suas condições de vida, das contradições que se apresentam no dia-a-dia dos que vivem deste benefício. Assim sendo, para a caracterização dos usuários do BPC, tomou-se como referência os dados obtidos com base nas entrevistas realizadas junto aos 38 beneficiários que participaram como sujeitos desta pesquisa. Verificou-se, inicialmente, que a população beneficiária concentra-se principalmente na zona urbana, 82%; enquanto que 18% residem nos distritos do município, conforme demonstra o gráfico nº 1: Gráfico 1 Distribuição por Zona 18% Zona Urbana Zona Distrital 82% No que tange ao fato da maioria desta população está concentrada na zona urbana (82%), não significa, necessariamente, que disponham de mais equipamentos comunitários tais como hospitais, escolas,praças, entre outros, ou que disponham de melhores condições de vida. Concentrados, principalmente, na periferia do município, nos bairros de Porto de São Pedro, Valadão, Maruim e Porto de Pescaria, estes beneficiários sobrevivem em 90 precárias condições de vida, com privações alimentares, em habitações deterioradas, sem saneamento, em ruas enlamaçadas, com esgotos e lixo a céu aberto (ver iconografia), sem equipamentos comunitários nas proximidades que pudessem facilitar e melhorar as suas vidas. Os bairros acima citados caracterizam-se por concentrar a população de baixa renda, com a existência de grande demanda e ausência de ações no campo da saúde, educação e assistência social. Com relação aos beneficiários moradores da zona distrital (18%), estes residem nas localidades de Barreiras e Diogo Lopes que ficam à 25km da sede do município. A distância entre as duas localidades é de 2km. Ambas apresentam características naturais e econômicas similares. Tratam-se de comunidades de nativos que sobrevivem da pesca, sobretudo da pesca da sardinha, e da extração de mariscos e crustáceos (búzio, ostra, caranguejo, camarão e lagostas) existentes em abundância na região. Suas populações giram em torno de 4 mil habitantes em cada comunidade. Nestas pequenas e belas comunidades, cercadas por marés, mangues, praias e coqueiros, a atividade pesqueira associada ao espírito de solidariedade de seus membros faz com que os moradores tenham condições de vida menos ruim do que os moradores de periferia da cidade. Os pescadores dividem, muitas vezes, parte do produto da pesca com os seus compadres e vizinhos que não tem, por hora, como se alimentar. O fato, também, de Barreiras e Diogo Lopes terem uma extensão territorial menor facilita o acesso dos beneficiários e suas famílias aos equipamentos comunitários existentes na comunidade, tais como postos de saúde, escolas, etc. 91 Observou-se, assim, que os beneficiários moradores dessas comunidades dispõem de realidades menos sofridas que os moradores da periferia da sede do município, conforme acima mencionado. Com relação a distribuição dos beneficiários por sexo, percebeu-se um equilíbrio numérico, uma vez que 55% dos beneficiários entrevistados são do sexo masculino, enquanto 45% são do sexo feminino, de acordo com o gráfico nº 2: Gráfico 2 Distribuição por sexo Feminino 45% 55% Masculino No que se refere ao estado civil, de acordo com a pesquisa, dos 38 beneficiários entrevistados, 28 declararam-se solteiros, 5 são viúvos, 3 declararam-se separados e apenas 2 encontram-se casados, conforme ilustra o gráfico a seguir: Gráfico 3 Estado civil 30 25 20 15 10 5 0 28 2 5 Série2 3 92 A maioria de solteiros, em relação ao estado civil dos beneficiários, justifica-se, principalmente, por haver um maior número, entre os entrevistados, de pessoas portadoras de deficiência mental. Não foi registrado na pesquisa nenhum caso de pessoas portadoras de deficiência mental ou múltipla, com estado civil casado. Entre os 5 viúvos entrevistados, 4 eram idosos acima de 65 anos que foram contemplados pelo Benefício de Prestação Continuada, que fazem parte como sujeitos em nossa pesquisa. Entre os casados e separados encontravam-se beneficiários portadores de deficiência do aparelho locomotor (deficientes físicos) e portadores de doenças crônicas. No que se refere aos tipos de deficiências, constatou-se entre os 38 entrevistados que 14 são portadores de deficiência mental, 8 são portadores de deficiência do aparelho locomotor e o restante estão divididos em partes iguais entre deficiência visual e auditiva, doença mental e doenças crônicas, tal como expõe o gráfico 4: Gráfico 4 Tipos de deficiência Beneficiários Def. mental 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Def. múltipla 14 Def. locomotora 8 3 3 3 1 Deficiências 3 4 Def. visual ou auditiva Doença mental Doenças crônicas Sem deficiência 93 Para efeito de esclarecimento, faz-se necessário colocar que a coluna azul do gráfico acima, com o título “sem deficiência” faz referência aos 4 (quatro) beneficiários idosos, acima de 65 anos, participantes da amostra dos 38 entrevistados contemplados na nossa pesquisa; mas, não portam nenhum tipo de deficiência. De acordo com a caracterização dos beneficiários, constatou-se que o seu nível de escolaridade é extremamente baixo. Dos 38 entrevistados, 26 (vinte e seis) não sabem ler nem escrever; 8 (oito) entrevistados cursaram, até a 5ª série, dentre estes, a predominância é dos que cursaram até a 3ª série; 3 (três) beneficiários foram um pouco mais além, cursando até a 8ª série do ensino fundamental, e apenas 1(um) conseguiu alcançar e concluir o ensino médio (antigo 2º grau), conforme demonstra o gráfico 5: Gráfico 5 Escolaridade 3 1 Não alfabetizados Até a 5ª série 8 26 Até a 8ª série Até o 2ª grau Cabe frisar que são muitos os determinantes que contribuem para o baixo nível de escolaridade dessa população. Dentre eles, podemos destacar: as limitações impostas pela deficiência; a baixa escolaridade dos pais; o despreparo das escolas no que se refere à inclusão dos portadores de 94 deficiência; a ausência do poder público em relação à educação; a dificuldade de acesso às unidades de ensino (barreiras arquitetônicas), entre outros. Dos resultados referentes à ocupação dos pais ou responsáveis pelos portadores de deficiência, constatou-se que dos 38 entrevistados 10 (dez) são donas de casa ou do lar e vivem basicamente dos cuidados com o filho(a) portador de deficiência; 8 (oito) são pescadores; 9 (nove) realizam esporadicamente biscates para complementar a renda familiar, não tendo ocupação definida; 5 (cinco) são aposentados ou pensionistas e 6 (seis) são beneficiários provedores das suas próprias famílias ou moram sozinhos, portanto, não dispõem de pais ou responsáveis, de acordo com o gráfico a seguir: Gráfico 6 Ocupação dos pais ou responsáveis Biscateiro Beneficiários 9 6 Pescador 8 1 5 10 0 5 10 Aposentado/pension ista Do lar Faz-se importante ressaltar que não foi encontrado uma ocupação e/ou profissão entre os usuários. A própria Lei estabelece que o BPC destina-se “(...) a pessoa portadora de deficiência ou idoso com 65 anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família” (Art. 20 da LOAS). Como se pode observar, a Lei é bastante clara quando vincula a aquisição do benefício à incapacidade produtiva. Fica demonstrado, então, a ausência de ocupação/profissão entre os 95 beneficiários entrevistados. Havendo a necessidade, neste caso, de caracterizar a ocupação dos pais ou responsáveis pelos beneficiários, uma vez que estes constituem peças chaves, pode-se assim dizer, na composição do grupo familiar. Como era de se esperar, os beneficiários do BPC no município de Macau são provenientes de famílias de baixíssima renda. Tal como já foi colocado neste trabalho, a Lei estabelece como critério para a aquisição do BPC famílias com renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Em conseqüência desse critério, dos 38 entrevistados em Macau, 20 (vinte) sobrevivem apenas do Benefício de Prestação Continuada, o que significa que, anteriormente, estas famílias não possuíam renda alguma. Dezesseis dessas famílias tem uma renda de até 2 (dois) salários mínimos. Enquanto apenas 2 (duas) famílias detém uma renda de até 3 (três) salários mínimos ou mais, conforme demonstra o gráfico nº 7: Gráfico 7 Renda familiar 2 Até 3 ou + 16 Até 2 S/M Série1 20 1 S/M (BPC) 0 5 10 15 20 É importante ter presente que as 16 (dezesseis) famílias que tem renda de até dois salários mínimos, na sua maioria, o segundo salário não é nem regular e nem completo (provenientes de biscates e de pescarias). O que significa 96 dizer que o BPC constitui-se, quase sempre, como a única renda de caráter regular e continuado dessas famílias. Com relação às 2 (duas) famílias que têm renda igual ou superior a 3 (três) salários mínimos, presumimos que no ato de concessão desses benefícios a renda familiar das mesmas condizia com os critérios estabelecidos em lei. Apreender as condições de vida dos beneficiários e suas famílias constitui-se o foco de nossa pesquisa. A medida em que a caracterização dos beneficiários e suas famílias vai se dando a revelar, apresentamos no item a seguir às percepções dos entrevistados e análise das contradições que se fazem presentes na cotidianidade dos beneficiários do BPC. 3.2 As condições de vida dos beneficiários e suas famílias Como já observamos neste trabalho, são poucos os estudos que vêm se desenvolvendo sobre o Benefício de Prestação Continuada. Neste sentido, procuramos apreender e analisar as condições de vida dos portadores de deficiência e idosos usuários do BPC no Município de Macau/RN, tendo em vista evidenciar a situação de extrema pobreza dessas famílias e dar visibilidade ao processo de funcionamento do BPC neste município – avanços e retrocessos. Investigamos até que ponto este benefício atinge o objetivo de prover o sustento das necessidades básicas de seus usuários, tais como moradia alimentação, saúde e lazer. Enfatizou-se na pesquisa a apreensão da visão 97 que os beneficiários têm sobre o BPC e a análise da importância deste benefício para os usuários e suas famílias. O tipo de estudo em questão trata-se de um estudo de caso, onde se deseja analisar situações concretas nas suas particularidades, objetivando a exploração e o aprofundamento dos resultados que dão contorno a realidade do nosso objeto. As técnicas de observação e as entrevistas junto aos usuários foram realizadas no período de março a abril de 2005, através de visitas domiciliares na sede e nos distritos do município. Embora mantendo prioridade para a manifestação direta do beneficiário, a maioria das entrevistas foram realizadas diretamente com os responsáveis pelos beneficiários por impossibilidade de manifestação do mesmo. Ao retomarmos o fio condutor deste estudo de desvendamento das condições de vida dos beneficiários do BPC, constatamos que estes são provenientes de famílias que têm em média cinco membros. A escolaridade varia de não alfabetizado até a 5º série, tendo apenas 3 casos acima desta série, e 1 (uma) exceção de ingresso no nível médio, conforme já mencionado no perfil do beneficiário. Dos 4 idosos beneficiários entrevistados no município, todos são analfabetos. De acordo com o Censo 2000, ainda existe no Brasil 5,1 milhões de idosos analfabetos. Ao compararmos com o índice nacional de alfabetização que é de 87,2%, podemos observar que os idosos encontram-se em grande desvantagem. Com exceção de 1(um) idoso que tem como sua curadora uma senhora de família razoavelmente abastada, os demais são provedores de suas famílias 98 constituídas de filhos adultos desempregados e, na sua maioria, com netos, vivendo em precárias condições de vida. Em relação a esta constatação, Berzins (1996: p.30) nos mostra que: A crise econômica e de desemprego que o país vem sofrendo nas últimas décadas tem provocado alterações nas condições de vida das famílias brasileiras. Muitos filhos casados e com suas famílias têm voltado a morar com seus pais, por não terem condições de arcar com as despesas do orçamento. Como resultado desta crise econômica os pais/avós têm se responsabilizado pelo orçamento ou auxílios aos filhos e netos, participando com uma elevada contribuição no orçamento familiar. Associada à realidade sócio econômica, visivelmente precária, esses idosos ainda encontram-se com sua capacidade funcional relativamente comprometida, enfrentando problemas de saúde, tendo que se submeter ao precário sistema de saúde do município. Sem uma renda suficiente e sem a presença efetiva do poder público local, os beneficiários sofrem com privações de uma alimentação adequada e de medicamentos. Os resultados desta pesquisa evidenciam que os usuários do Benefício de Prestação Continuada, pessoas idosas e pessoas portadoras de deficiência no município de Macau, convivem com a pobreza em moradias com péssimas condições de conservação, com, em média, 4 cômodos, afastadas do centro da cidade. Dentre os 38 entrevistados, 6 moravam em residências que não possuíam sequer unidades sanitárias (banheiros). Este grave fator faz com que os beneficiários e seus familiares percam a sua dignidade enquanto pessoas 99 humanas, colocando-os em comparação aos animais irracionais, quando estes são obrigados a fazerem as suas necessidades fisiológicas em valas e buracos próximos às suas casas. Diante de tal constatação, fica evidenciado a insuficiência da renda do BPC, que em alguns casos, não cobre minimamente o nível da sobrevivência biológica desses beneficiários: Ah, minha filha, eu já tive muita vontade de construir um banheirozinho prá acabar com essa agonia. É muito ruim não ter um banheirinho, né? mas o dinheiro da aposentadoria dele só dá mesmo pra gente fazer a feirinha da gente” (Celeste Medeiros, 36 anos). Este depoimento da mãe de um usuário deixa claro, a condição de miserabilidade dessas famílias e ausência de políticas públicas na área de habitação de interesse social no município. É oportuno frisar que as condições de saúde, assim como as condições sanitárias, não são muito favoráveis. Muitos portadores de deficiência que não tem acesso a tratamento de habilitação e reabilitação. Entre os beneficiários sujeitos de nossa pesquisa, 24 fazem algum tipo de acompanhamento médico. Todos, sem exceção, fazem esse acompanhamento na rede pública, seja no posto de saúde do município, ou em Natal. No entanto, em relação à medicação dos 38 entrevistados, 23 informaram que necessitam comprar medicamentos pelo fato de não conseguir gratuitamente na rede pública; os 8 entrevistados restantes informaram que têm acesso a medicação gratuita na rede pública. Cabe ressaltar, que a medicação disponível na rede pública refere-se à medicação de atenção básica; a medicação de ordem mais complexa, como os psicotrópicos, por exemplo, tão necessários aos portadores 100 de deficiências e doenças mentais, como é o caso da maioria dos beneficiários, não são facilmente encontrados na rede pública do município. Assim, os beneficiários do município de Macau têm a sua renda ainda mais subtraída no final do mês, pela necessidade de comprar medicamentos para tratamento de saúde. “(...) todo mês eu tenho que tirar um pedaço desse benefício pra comprar meu remédio, porque toda vez que eu vou no posto nunca tem. Esse remédio que eu compro, Gardenal, não é muito baratinho, não!” (Maria da Paz, 45 anos, portadora de doença mental). É lícito supor que se houvesse em Macau uma verdadeira articulação entre as políticas públicas, sobretudo, entre a educação, saúde e assistência, tal como preconiza um dos princípios da Política Nacional de Assistência Social quando estabelece que deve haver “Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas” (PNAS, outubro de 2004), o usuário do BPC, no município de Macau, e com certeza em outros municípios do Estado do Rio Grande do Norte, não seria tão penalizados, ainda que sua renda fosse por demais restrita. A situação econômica dessas famílias é de uma precariedade alarmante. São famílias provenientes de uma situação de indigência (renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo) e tem, hoje, o benefício como única renda de caráter regular ou, quando muito, está somada a alguma proveniente do trabalho informal (pescarias e biscates), tal como já foi referenciado. Dos 38 entrevistados, 23 informaram que enfrentam problemas de endividamento, principalmente na mercearia do bairro. (...) todo mês quando eu recebo o dinheiro eu tenho que fazer uma feirinha na bodega que eu já tô devendo, aí eu pago um pedaço, mas sempre fica o 101 resto, junto com a feira, pra eu pagar o outro mês. Fico lisa, lisa e assim vou passando até quanto Deus quiser (Josefa Ferreira, 54 anos). Dado o caráter e objetivos da nossa pesquisa, considera-se oportuno indagar a estes beneficiários se os mesmos já haviam passado algum tipo de privação ou necessidade após a concessão do benefício. Dentre os 38 entrevistados 23 informaram que já haviam, sim, passado algum tipo de necessidade após o benefício; 9 disseram que não passaram, e 6 não responderam. Dos 23 que nos informou que haviam passado necessidade, 18 eram necessidades de alimentação, ou seja, passaram ou ainda estão passando fome. “Ave Maria, minha filha, tem dia aqui que eu passo é de fome, sem botar comer nenhum na minha boca” (José Enedino, 76 anos). Outros depoimentos demonstraram que as privações alimentares são mais suscetíveis em casos de doenças na família, quando surge a necessidade de comprar medicamentos para realizar o tratamento: Pelas condições de saúde, sim, às vezes a gente tem passado até fome. Quando acontece de adoecer uma pessoa, aqui em casa, a gente corre atrás de um e de outro, e nada! Aí o jeito é tirar do comer mesmo e, ainda, dar graças a Deus! (D Célia Farias, 49 anos, mãe de um beneficiário). Este depoimento, mais uma vez, evidencia a necessidade de articulação entre as políticas públicas, para que essas ações não sejam efetivadas de forma isoladas, tornando em uma espécie de caridade, determinadas ações 102 que, articuladas umas às outras, poderiam produzir um resultado, de fato, satisfatório entre o público alvo dessas políticas. Sobre esse contexto Renato Janine Ribeiro acrescenta: Assim se mede a distância que vai da sociedade ao social: este adjetivo indica tanto as carências quanto o socorro que, sem lhes pôr fim, apenas as minora. Fica na esfera do paliativo. A caridade pode ter mudado de alcance nas últimas décadas, mas permanecem alguns de seus traços essenciais. Estes são os que determinam uma hierarquia na sociedade como sendo desejada por Deus, determinada pela natureza (...) ou, pelo menos, como resultado normal do jogo das relações sociais de mercado (2000, p. 20). Concordamos com o referido autor quando o mesmo enfatiza que as ações do poder público agem apenas como um paliativo sem a intenção de erradicação do problema, naturalizando a pobreza e a miséria como algo determinado por um ser supremo ou como resultado normal do sistema vigente. Prosseguindo com a nossa reflexão acerca das condições de vida dos usuários do BPC em Macau, constatamos que essa população além das privações alimentares, do enfrentamento de um sistema de saúde precário e de condições financeiras negativas, não dispõe de cultura e lazer. Questionamos os usuários e seus responsáveis se eles tinham acesso a algum tipo de lazer. Dos 38 entrevistados, 29 afirmaram que não. Os 9 usuários restantes que deram respostas positivas informaram que somente têm acesso ao lazer no 103 período de carnaval e iam a praia uma vez ou outra devido a distância que esta tem em relação à sede do município. Diante da dura realidade da vida desses beneficiários, onde percebeu-se que inexiste a satisfação das suas necessidades básicas elementares; pois vivenciam a supressão de condições mínimas de sobrevivência, dentro de um patamar de dignidade humana. Assim a possibilidade de uma vida digna dá lugar à pobreza e à miséria. A resignação predomina, e, lamentavelmente, nada mais lhes restam além da fé (presente em muitas entrevistas) de vivenciar uma realidade favorável em uma outra dimensão: “(...) eu vivo muito aperriada aqui, só com esse dinheirinho, mas a gente só veve como Deus quer, né? Se ele achar que eu mereço, ele vai guardar um lugazinho pra mim! (D. Rosa, 56 anos, portadora de doença crônica). Considerando a reflexão de Nietzsche: Os sofredores devem ser amparados por uma esperança, a qual não pode ser contestada por qualquer realidade, que não pode ser extinta por uma realização: uma esperança de outro mundo. Exatamente por causa dessa capacidade, ou seja, de entreter os infelizes, a esperança era considerada pelos gregos como o mal de todos os males, como o mal pérfido por excelência (1895, p. 44). Partindo desse entendimento, Ribeiro (2000, p.20) afirma que o pensamento tradicional dominante “(...) determina uma hierarquia na sociedade como sendo desejada por Deus, determinada pela natureza”. Quando os beneficiários e/ou seus responsáveis passam a naturalizar as suas péssimas condições de vida como uma situação determinada por um “ser 104 supremo”, eles deixam de acreditar na possibilidade de mudanças dentro dos limites da vida real, e, conseqüentemente, desistem de lutar por uma vida mais justa; de lutar pelos seus direitos, cobrando do poder público, ações efetivas. Embora não queiramos nos aprofundar nesta polêmica, não iremos nos eximir de expor o nosso posicionamento acerca desta questão. Acreditamos que essa fé histórica que produz resignação ao longo dos tempos é coadjuvante, entre outros processos, da produção dos maiores índices de pobreza e desigualdade social do mundo. O Brasil apresenta um dos maiores índices de desigualdade social do mundo. Segundo o Instituto de Pesquisas Aplicadas – IPEA, em 2002, os 50% mais pobres detinham 14,4% do rendimento e o 1% mais ricos, 13,5%. Com o intuito de captar a expressão concreta dessas desigualdades através da análise das condições de vida dos usuários do BPC, prossegue-se a percepção dos beneficiários sobre suas vidas após a concessão deste. 3.3 O BPC na ótica dos beneficiários e responsáveis A visão que o beneficiário tem sobre sua vida após a concessão do benefício; qual a importância que este benefício representa para ele e sua família; o que ele interpreta por Benefício de Prestação Continuada são aspectos que serão tratados neste item. Entendeu-se que a expressão de percepção do beneficiário e/ou seu responsável é de fundamental importância para a compreensão da contribuição do BPC para a qualidade de vida dos mesmos. 105 Com base no roteiro de pesquisa, questionamos os beneficiários ou responsáveis se houve mudanças após a concessão do benefício e quais mudanças foram verificadas por eles, em suas vidas. A grande maioria demonstrou que as condições melhoraram depois do benefício, conforme os depoimentos a seguir: A mudança foi total, eu vivia dependendo dos outros. Morava de favor com uma prima minha, era terrível, eu sofria muito. Depois desse benefício, eu passei a ter condições de morar só. Aí a coisa melhorou um pouquinho (José Bento, 37 anos, portador de doença crônica). Um outro entrevistado acrescenta: Houve muita mudança, muita mesmo. A mudança que mudou foi que agora eu tenho como comprar um bocadinho pra comer com os meus filhos que antes eu não tinha com que comprar (Augusta, 35 anos, mãe de um beneficiário). Observa-se em algumas falas que o nível de satisfação dos beneficiários está diretamente ligado ao grau de vulnerabilidade que os assolava anteriormente. Percebe-se que essas pessoas se encontravam em estado de 106 desespero ou de indigência, dependendo exclusivamente de outras pessoas, ou ainda, havia aqueles que não tinham, com quem contar: Eu não tinha condição de nada, renda de nada, não tinha ajuda de família nem de ninguém, então ele chegou numa hora boa (Gustavo, 43 anos, portador de deficiência física). A entrevistada Maria de Lourdes, 54 anos, portadora de doença mental, retrata a situação vivenciada antes do benefício: Graças à Deus as coisa mudou assim, depois desse benefício, porque antes eu não tinha com quê comprar nada na minha vida, viu? Meu esposo trabalhava assim... como pescador, mas ele não sentava um centavo na minha mão. Pegava o dinheiro somente pra tomar cachaça. Vivia muitas vezes à custa da minha mãe que era aposentada. Jesus levou ela, aí foi que a coisa piorou. O depoimento da entrevistada a seguir revela uma certa indignação diante do que recebeu. Mesmo parecendo contraditório, é mais uma expressão de resignação ao dizer: Mudou muita coisa depois desse benefício, porque triste de mim se não fosse ele, né? Porque é com essa mixaria que eu compro meu remédio porque eu não posso trabalhar. Minha felicidade foi ele, esse dinheiro. Porque como era que eu ia comprar agora o meu remédio, diga aí, agora como é que eu estava. Não sei não, eu estava sofrendo no mundo, não é? 107 (Suzana Martins, 41 anos, portadora de doença crônica). Com efeito, alguns depoimentos expressam total insatisfação com a insuficiência da renda: “Para mim não mudou nada, ficou a mesma coisa. Porque nem uma casa eu possuo que eu não tenho condições de possuir” (Geralda, 37 anos mãe de um beneficiário). As declarações demonstram que o destino do dinheiro é somente para a alimentação: “Não mudou nada com esse benefício, mulher, porque a roupa é os outros que dá, o calçado é os outros que dá!” (Augusta, 35 anos, mãe de beneficiário) A pesquisa revelou que o destino do benefício no município de Macau é usado preponderantemente para a aquisição de alimentos, seguido pelos gastos com remédios, e, em menor escala, com água, luz e gás de cozinha. Conforme demonstra o gráfico a seguir: Gráfico 8 Destino do BPC 30 25 20 15 10 5 0 Série1 O restrito critério de elegibilidade para a aquisição do BPC que é destinado as famílias em estado de indigência, com renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, deixa claro que a utilização da renda do benefício será destinada, quase que exclusivamente, para suprir a carência da alimentação. 108 Os dados mostram que essas famílias vivem apenas no nível da sobrevivência biológica; considerando que o BPC cobre minimamente as suas necessidades de alimentação. Ao refletir sobre esse assunto, Potyara Pereira (2002, p.58) coloca em evidência que as necessidades alimentares, “Estas em nada diferiam das necessidades animais e, portanto, não exigem para o seu atendimento nada mais do que um mínimo de satisfação, como prega a ideologia liberal”. Muitas vezes não chega a suprir, com eficiência, nem mesmo as necessidades de alimentação, como vê-se expresso na fala da entrevistada Dona Geralda, 66 anos, mãe de um beneficiário: O dinheiro desse benefício só dá pra comer mesmo. A casa tá quase caindo na nossa cabeça e a gente não tem condições de ajeitar. Hoje em dia tudo é caro, né? O que é que eu posso fazer com um salário desse... não dá, minha filha, não dá nem pra comer. Tem dia que eu não como porquê não chega. Eu digo a verdade! É porque não dá. Muitas vezes a gente só come o feijão com o arroz porque não dá pra comprar a mistura. A pesquisa revelou que o Benefício de Prestação Continuada, direito garantido constitucionalmente ao beneficiário idoso e ao portador de deficiência, tem se destinado ao provimento da família como um todo. Com efeito, este fato tem interferido para o não acesso do beneficiário ao seu benefício (pois depende da renda familiar) mesmo sendo destinatário legal desta política, portanto, incidindo de forma desfavorável nas suas condições de vida. Mostra-nos Sposati (2004, p.126) que “O acesso ao BPC, vinculado operativamente a renda per capita da família, restringe o direito individual do cidadão”. E isto é facilmente justificável pelo critério de elegibilidade 109 estabelecido para a aquisição do benefício (famílias cuja renda per capita é inferior a ¼ do salário mínimo). sendo assim, fica evidente a sua distribuição para a família como um todo, tal como demonstra o gráfico a seguir: Gráfico 9 Destinação do BPC 3 Ninguém 5 Usuário Série1 30 A família 0 10 20 30 Como na maioria dos casos, essas famílias dispõem do BPC como única renda regular e garantida. Ao indagarmos os beneficiários sobre a destinação do benefício, ou seja, a quem o benefício sustenta, dentre os 38 entrevistados, 30 responderam que o benefício “sustenta” toda família; 5 responderam que sustenta apenas ao beneficiário e 3 informaram que não sustenta ninguém, pois o dinheiro é pouco. As falas abaixo justificam, respectivamente, os dados expostos no gráfico: A ninguém, ninguém! Uma galinha eu não sustento. Não dá pra sustentar nem eu!” (Josiel, 74 anos, beneficiário idoso). A entrevistada Francisca Oziel, 37 anos, mãe de uma usuária acrescenta: 110 Esse benefício é pra sustentar ela, porque se fosse pra sustentar todo não dá. Eu não vou dizer que esse benefício dá pra sustentar a família que eu vou ta mentindo, né? Observa-se, ainda, que a fala a seguir diz do destino do benefício: atender a necessidade básica primeira do ser social – alimentação. É como eu tô dizendo a senhora, são três pessoas, eu, ele (usuário), o primo dele que mora comigo, que é meu neto também, e esse meu filho aqui que mora em Pendências, mas tá desempregado que, vez por outra ele ta por aqui com a mulher e os filhos, quando chega nós come tudo junto (Maria Pacheco, 67 anos, avó de um beneficiário) Esse benefício sustenta a nós todos, a gente come numa panela só (Geralda, 66 anos, mãe de um beneficiário). Em relação à visão que o beneficiário tem sobre o benefício, indagamos sobre o que eles entendiam por Benefício de Prestação Continuada. Dos 38 entrevistados, temos que: 21 responderam que era uma ajuda do governo, 4 responderam que era um direito, 3 informaram que era uma aposentadoria, outros 3 expressaram que se tratava de uma ajuda divina e 7 não souberam responder: 111 Gráfico 10 Significado do BPC para o usuário Ajuda do governo Um direito 7 3 21 3 4 Aposentadoria Ajuda divina Não sabe Conforme pode-se constatar, a maioria dos beneficiários concebe o benefício como um ajuda do governo, observando-se que o termo ajuda tem uma representação simbólica no imaginário desses usuários; foi construído ao longo de nossa formação histórica através da nossa cultura patrimonialista permeada pelas relações de favor e compadrio, conforme podemos observar na fala do beneficiário: “Eu acho que é uma ajuda do governo pra essas pessoa que são doente e não consegue trabalhar” (Josiel, 74 anos, beneficiário). Para estes usuários o trabalho é a referência. Este é o meio de acesso; quem não pode trabalhar deve receber o benefício: “É uma ajuda muito grande porque eu não posso trabalhar” (Roberto Carlos, 32 anos, portador de deficiência física). Considerando a fala a seguir, percebemos que na opinião da mãe de um usuário o BPC extrapola o caráter de ajuda, constituindo-se em uma “bondade do governo” associada ao seu eterno sentimento de gratidão: Eu acho que foi uma bondade do governo, de quem deu esse benefício. Eu fiquei maravilhada quando chegou. Pra mim foi tudo na minha vida, mulher, 112 porquê ele deu uma ajuda. Esse sacrifício que eu tinha de levantar e não saber o que ia fazer pra almoçar, essas coisas assim, sabe? Essas pessoas assim tem que comer umas coisinhas mais forte por causa dos remédio controlado que eles tomam. Eu dei muitas graças à Deus. Aí eu acho assim, né? Eu devo isso a essa pessoa que fez, ao governo que teve a idéia de fazer essa caridade muito grande, eu devo tudo a essa pessoa que fez isso. Eu acho que foi no governo de Fernando Henrique que apareceu esse benefício, não foi? Isso pra mim tem sido tudo na minha vida, que Deus me livre de faltar um negócio desse, eu não sei o que será da minha vida até porque ele precisa de tudo, né? (D. Aurinda, 61 anos, mãe do beneficiário). Sobre o significado e a visão que se tem do benefício, observa-se através dos discursos apresentados que o benefício é a representação da caridade. Tal como expressa Maria Ozanira da Silva e Silva (2004, p. 73): “O benefício era visto não como uma política de Estado, mas, sobretudo, como ato pessoal do governante, movido pela vontade (...) estabelecendo uma confusão entre o público e o privado”. É oportuno frisar que para eles a definição de ajuda nem sempre se coloca em oposição ao direito: “Eu acho que é uma ajuda do governo, é um direito que os governante tem que dar pra essas pessoas, né?” (Rita Barros, mãe de um beneficiário) Ainda quando o usuário afirma que o benefício é um direito, sua interpretação consiste em enquadrar-se dentro dos critérios estabelecidos para a aquisição do mesmo; significa para este ter precisão de acessar o benefício. A noção de direito é esvaziada do seu conteúdo de medida de justiça e igualdade – capaz de dar cobertura 113 a um conjunto de necessidades sociais universais e viabilizado e através de políticas constituídas por um conjunto de provisões, contemplando o direito a uma renda suficiente. Não se trata pois, da medida de um padrão ético, civilizatório. (GOMES, 99:2001). O depoimento que mais chamou atenção, porém, foi o da mãe de um beneficiário onde ela expressava o seguinte pensamento: O que eu entendo é que pra mim esse benefício foi uma benção que veio do céu e outra que eu entendo é que veio da parte dele (beneficiário) porque ele é assim, né? Porque se ele não fosse assim eu não tinha esse benefício hoje” (D. Margarida, 44 anos). O que percebe-se no discurso da entrevistada é que ela parece manifestar uma espécie de gratidão a uma divindade pelo fato do filho ser portador de deficiência e por esta razão poder acessar o benefício. Esta colocação nos leva imediatamente a indagar até onde a violência da miséria, da ignorância, da alienação do mundo e de si mesmo pode levar um indivíduo. O que está implícito na fala da mãe do usuário não está desvinculado do contexto relacionado ao grau de vulnerabilidade que se encontrava a família antes de adquirir o benefício, passando pelo rigoroso processo seletivo do mais miserável entre os miseráveis. Dessa maneira, ao questionarmos os usuários ou responsáveis sobre “qual a importância do BPC para suas famílias”, fica evidenciado o vínculo que as respostas tinham com a situação anterior: “Ave Maria! Triste de nós se não 114 fosse esse benefício, sem esse dinheiro eu não sei o que seria de nós. Nós já passamos muitas necessidades, com o benefício melhorou uma coisinha” (Maria da Paz). Para Marx (2002, p. 100) “Após o alimento, as duas maiores necessidades humanas são o vestuário e a habitação”. No entanto, a pesquisa revelou que a importância do benefício para os seus usuários, dado as circunstâncias, está em mais de 50% das entrevistas unicamente relacionado às necessidades de alimentação. Como nos acrescenta a entrevistada: A importância é essa, minha filha, é receber e ajudar a comer o pão pra não morrer de fome e não pedir esmola na rua porque antes de receber esse benefício eu pedia esmola pra ele (o beneficiário) comer porque só o meu era pouco, aí depois quando começou a receber esse dinheirinho aí eu deixei de tá assim, né? E com o dinheiro dele junta com o meu e dá pra comprar umas coisinhas. Não é muito não, mas ajuda! (Francisca Avelino 63 anos, avó do beneficiário). Percebemos que dentre os entrevistados emerge uma certa capacidade crítica ao mencionar que apesar do benefício constituir-se como uma renda por demais significativa, eles reconhecem a insuficiência do mesmo, por exemplo: “Que é pouco, é, mas eu acho que é muito importante, porque ela tem como sobreviver, comprar as coisinhas pra ela” (Elisabete, 24 anos, mãe de uma beneficiária). Para estas famílias que sobreviviam sem uma renda de caráter continuado, o benefício chega como um alento em suas vidas; ainda que este 115 não dê cobertura às suas necessidades de forma condigna. Significa para os mesmos o conforto de uma renda certa e garantida “É uma ajuda muito grande, é pouco, mas, todo mês tem” (Glória, 28 anos, mãe de um beneficiário). Observa-se que o caráter de regularidade da renda interfere de forma positiva nas condições de vida dos usuários, se comparada à sua condição anterior. A importância do benefício significa dispor de um orçamento, ainda que não possibilite suprir todas as suas necessidades, conforme demonstra as seguintes falas: Ah! Tem muita importância porque desse dinheiro, eu compro remédio, compro alimentação, pago minha água, pago a minha luz num sacrifício danado. Às vezes eu deixo de comprar um pedacinho de carne e como só feijão com arroz pra poder pagar a água e a luz. Às vezes compro os remédios fiado pra pagar no outro mês... pago um pedacinho aqui, outro aquolá... e assim eu vou vivendo até quando Deus quiser” (D. Socorro, 54 anos, portadora de câncer). É importante ressaltar que durante o processo desta pesquisa houve casos em que os beneficiários se intimidavam, desesperados, com a nossa presença, temendo ser a revisão do benefício que ocorre a cada dois anos, tal como já foi colocado neste trabalho. Observemos a fala a seguir: Eu nunca quero que corte meu benefício (chorando). Meu marido me deixou sem nada, me trocou por outra por causa da minha doença, porque eu não podia mais fazer as coisas em casa. Esse benefício é tudo na minha vida, é muito importante porque com esse benefício eu como, eu compro meu medicamento, pago 116 a água e a luz. Mesmo, assim, às vezes eu fecho a minha porta e vou lá pra casa da minha mãe porque não tenho o que comer aqui” (D. Nazaré, 44 anos, portadora de doença crônica). Essas falas expressam que o Benefício de Prestação Continuada constitui uma política de renda mínima numa perspectiva liberal, e, portanto, traduz-se em um mínimo de subsistência, seletiva, atendendo de forma precária uma das necessidades básicas dos indivíduos – a alimentação. Como já foi visto neste trabalho, básico expressa algo fundamental, principal, primordial. Sendo assim, se restringe unicamente a satisfação das necessidades alimentares (mínimas), sem levar em consideração as demais necessidades como a moradia digna, acesso aos equipamentos de saúde, boa educação, ou seja, a esfera social e cultural dessas pessoas. Esses usuários do Benefício de Prestação Continuada, sujeitos de nossa pesquisa, residentes no Município de Macau/RN, sobrevivem precariamente. No dizer de José de Souza Martins (2002), no limiar do processo de exclusão/inclusão precarizado Observa-se, assim, ao longo deste trabalho e do que apreendemos, que para estes que nada tinham, o pouco significa muito; ainda que suas necessidades não sejam supridas, ainda que o benefício não venha a alterar significativamente o seu modo de vida. 117 3. 4 ICONOGRAFIA Para efeito de conclusão deste capítulo, realizou-se uma leitura iconográfica, ou seja, representou-se através da imagem de vinte e três (23) fotografias, um pouco do ambiente e da situação vivenciada pelos usuários do Benefício de Prestação Continuada no Município de Macau. As imagens dos usuários e suas moradias foram fotografadas pela própria pesquisadora com o consentimento prévio dos beneficiários e/ou responsáveis. Em função da ética profissional e do respeito para com os sujeitos de nossa pesquisa, estes foram devidamente consultados e orientados acerca do direito de aceitar ou recusar nossa solicitação. O estudo iconográfico, logo apresentado, encontra-se sistematizado em quatro (04) categorias: A cidade de Macau e comunidades; Aspectos físicos dos bairros; Condições estruturais das habitações; Beneficiários: idosos e portadores de deficiência. A cidade de Macau e comunidades Foto: internet 118 Vista aérea de Macau Distrito de Diogo Lopes 119 Diogo Lopes Distrito de Barreiras FOTOS: Getúlio Moura 120 Aspectos físicos dos bairros 121 122 Condições estruturais das habitações 123 124 125 Beneficiários: idosos e portadores de deficiência 126 127 128 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa buscou apreender a analisar as condições de vida vivenciadas pelos usuários do Benefício de Prestação Continuada no Município de Macau/RN. Dessa forma, procurou-se investigar os condicionantes que envolviam o cotidiano dos idosos e portadores de deficiência titulares desse benefício, a fim de apropriar-se de sua forma de vida. Tal como já foi evidenciado neste trabalho, o BPC foi previsto na Constituição de 1988, compondo os direitos e objetivos da assistência social que passa a constituir pela primeira vez como um dever do Estado. Só foi regulamentada em 1993, por meio da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, integrando-se à Política Nacional de Assistência tendo sua concessão a partir do ano de 1996. A continuidade do benefício enquanto provisão certa e garantida não o abstém do caráter focalista e seletivo reforçado pelo enxugamento do Estado para com as políticas públicas; ou seja, o diferencia, mas não resolve a situação de exclusão a qual estão inseridos os beneficiários cobertos pelo BPC. A seletividade do BPC deixa de fora muitos indivíduos que poderiam enquadrar-se como beneficiário quando atribui a família como provedores destes limitando, assim, o direito da pessoa ao benefício. Outro ponto seletivo do BPC estar no fato deste não poder acumularse a nenhum outro benefício no âmbito da seguridade social, salvo da assistência médica. Este ponto é atribuído também à família, pois mesmo 129 que haja numa mesma família dois portadores de deficiência ou um idoso e portador de deficiência, somente um terá acesso ao benefício. Este item torna-o arbitrário, pois a Constituição não assegura o benefício para a família e sim para a pessoa. Pode-se observar que as alterações ocorridas na trajetória do benefício deram-se de diferentes formas no sentido de restringi-lo ainda mais. As diferentes determinações internacionais via Consenso de Washington têm conseguido, entre outras coisas, interferir nas políticas sociais de maneira a desviá-las de seus objetivos, como é o caso da LOAS, reduzindo progressivamente o seu alcance. Isto se traduz na formulação e execução dos benefícios, dado o seu grau de seletividade, abrangendo apenas situações de vulnerabilidades. “Configura-se em direito de provisão mínima de sobrevivência, posto que permite o acesso aos mínimos vitais, ou seja, às necessidades de alimentação” (GOMES, 2001:132). O BPC é a primeira política de renda mínima não contributiva que independe da condição de vínculo com o trabalho; no entanto, depende da condição de renda familiar. Como foi demonstrado, o BPC tem como característica a regularidade, o que o diferencia das outras ações conferidas à assistência o que o constitui como um direito reclamável ainda que bastante restrito embora tenha ainda como característica o seu caráter restrito e seletivo. Portanto, é excludente quando assume como critério de seleção, indivíduos pertencentes a famílias que tenham a per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Em conseqüência disso, corroboramos com Sposati quando coloca que: 130 Para ser incluído, o requerente precisa mostrar a miserabilidade da sua família, além da sua miserabilidade. Necessita ser duplamente vitimizado. Não basta uma exclusão ser idoso ou com deficiência; são necessárias duas exclusões, ou seja, além da sua, a da família. (SPOSATI, p. 127, 2004) O Benefício de Prestação Continuada trata portanto, de um direito inserido na concepção liberal em que a responsabilidade é atribuída à família, sendo o papel do Estado subsidiário. Ficou evidenciado, nesta pesquisa, que o seu caráter seletivo cobre apenas necessidades meramente biológicas, como o ato de alimentar-se, por exemplo. O BPC, na maioria das vezes, não tem sequer cumprido esse papel devido o seu caráter de rendimento mínimo e por ser o beneficiário, quase sempre, provedor único ou parcial de toda família. Este fator deixa claro que o destino do benefício naturalmente se distribui para o provimento da família como um todo, já que a maioria das famílias dispõe do benefício como única renda de caráter regular e continuado, o que vem dificultando ainda mais o acesso do beneficiário ao beneficio. Diante dessa realidade, ficou constatado que as condições de vida dos beneficiários são precarizadas, desprovidas da possibilidade de uma vida digna. Trata-se de indivíduos que, além da sua condição de vulnerabilidade pelo fator da idade avançada ou da deficiência, ainda sobrevivem numa situação de extrema pobreza ou miséria. A fome, a carência, a insuficiência, a precariedade, ainda assim, o benefício “É tudo na vida”; é tudo para aqueles que o pouco é muito, para quem nada possui. É 131 neste contexto que o direito torna-se desprovido da noção de igualdade e justiça social dentro de um padrão civilizatório, vinculando-se por excelência aos princípios da caridade humanitária. A discriminação e o preconceito, em relação ao portador de deficiência e ao idoso, caminham juntos. Ao revelar as precárias condições de vida dos beneficiários, esta pesquisa possibilita o levantamento de subsídios que podem contribuir com as reflexões acerca do Benefício de Prestação Continuada, constituindo, assim, a síntese das indagações e considerações sobre esta temática. Espera-se que este estudo possa contribuir como subsídio para novas pesquisas e principalmente que possa trazer elementos de reflexão na construção de critérios menos excludentes, que venham contemplar o ser social numa perspectiva de totalidade. 132 REFERÊNCIAS AMARAL, L. A. Conhecendo a deficiência. São Paulo: Robe Editorial,1995 ANDERSON, Perry (Orgs). Balanço do Neoliberalismo. Pósneoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático São Paulo: Paz e Terra, 1995. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a negação do trabalho. 3ª ed. São Paulo: Boitempo, 2000. BEHRING, Elaine. 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Serviços de atenção à pessoa portadora de deficiência? Escolas adaptadas para receber portadores de deficiência? 138 CONDIÇÕES SANITÁRIAS Qual a forma de abastecimento de água? A água é tratada? Como é o escoadouro: rede de esgoto ( ) fossa rudimentar( ) vala ( ) rio/lago/mar ( ) Possui banheiro com vaso sanitário? O que é feito com o lixo: enterrado ( ) coletado por serviço de limpeza ( ) jogado em terreno baldio ( ) queimado ( ) jogado em rio/lago/mar CONDIÇÕES DE SAÚDE É portador de que tipo de deficiência? À deficiência é congênita ou foi adquirida? Quais problemas de saúde o senhor (a) enfrenta? Faz algum tratamento médico? Como se dá o acesso a assistência médica? Tem acesso a medicação gratuita ou há necessidade de comprar? O município oferece serviço de habilitação e reabilitação? Há necessidade de obtenção de órteses/próteses (cadeira de rodas, aparelho auditivo, muletas, bengalas, próteses dos membros, etc). A renda do benefício é suficiente para adquirir tais recursos? SITUAÇÃO ECONÔMICA O benefício é a única renda de caráter continuado recebido pela família? Existe alguma atividade produtiva que auxilia na complementação da renda familiar? Obtém ajuda financeira de familiares ou terceiros? Há problemas de endividamento? Tem passado algum tipo de necessidade? Quais? CULTURA E LAZER Participa de atividades culturais? Quais? Realiza passeios, viagens? Se não, por quê? Lança mão de quais recursos para se distrair, aliviar as tensões? IMPORTÂNCIA DO BPC NA VIDA DOS USUÁRIOS A partir da concessão do benefício, que mudanças foram verificadas em sua vida? Adquiriu algum bem material? O dinheiro do benefício é usado, preponderantemente, para que? 139 A quem o benefício sustenta? O que é o Benefício de Prestação Continuada para o senhor (a)? Qual a importância do BPC para a família? 140 Roteiro de entrevista para o beneficiário idoso IDENTIFICAÇÃO Beneficiário: Responsável: Grau de escolaridade: COMPOSIÇÃO FAMILIAR Grau de Sexo parentesco Beneficiário Sexo: Idade: Profissão: Idade Escolaridade Ocupação Renda R$ 260,00 CONDIÇÕES DE MORADIA Zona Urbana ( ) Zona distrital ( ) A residência localiza-se em uma área de: Difícil acesso ( ) localizada em morro ( ) favela ( ) A residência é própria ou alugada? Se alugada, dá para pagar com a renda do benefício? Observar as características do domicílio: Quantos cômodos? Quantos dormitórios? Possui energia elétrica? De que material é feito o telhado? As paredes? O piso? OFERTA DE SERVIÇOS COMUNITÁRIOS A comunidade oferece sistema de transporte gratuito para a pessoa idosa, como o senhor (a) faz para se locomover? Tem posto de saúde nas proximidades? Serviços de atenção à pessoa idosa, tais como grupos de convivência, abrigos, etc? Alfabetização de adultos? 141 CONDIÇÕES SANITÁRIAS Qual a forma de abastecimento de água? A água é tratada? Como é o escoadouro: rede de esgoto ( ) fossa rudimentar( ) vala ( ) rio/lago/mar ( ) Possui banheiro com vaso sanitário? O que é feito com o lixo: enterrado ( ) coletado por serviço de limpeza ( ) jogado em terreno baldio ( ) queimado ( ) jogado em rio/lago/mar CONDIÇÕES DE SAÚDE Quais problemas de saúde o senhor (a) enfrenta? Faz algum tratamento médico? Como se dá o acesso à assistência médica? Tem acesso a medicação gratuita ou há necessidade de comprar? Há necessidade de obtenção de órteses/próteses (cadeira de rodas, aparelho auditivo, óculos, muletas, bengalas, próteses dos membros, etc). A renda do benefício é suficiente para adquirir tais recursos? SITUAÇÃO ECONÔMICA O benefício é a única renda de caráter continuado recebido pela família? Existe alguma atividade produtiva que auxilia na complementação da renda familiar? Obtém ajuda financeira de familiares ou terceiros? Há problemas de endividamento? Tem passado algum tipo de necessidade? Quais? CULTURA E LAZER Participa de atividades culturais? Quais? Realiza passeios, viagens? Se não, por quê? Lança mão de quais recursos para se distrair, aliviar as tensões? IMPORTÂNCIA DO BPC NA VIDA DOS USUÁRIOS A partir da concessão do benefício, que mudanças foram verificadas em sua vida? Adquiriu algum bem material? O dinheiro do benefício é usado, preponderantemente, para quê? A quem o benefício sustenta? O que é o Benefício de Prestação Continuada para o senhor (a)? Qual a importância do BPC para a família?