POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E AS PROPOSTAS DE REFORMA TRIBUTÁRIA APRESENTADAS PELO EXECUTIVO E PELA SUBCOMISSÃO TEMPORÁRIA DA REFORMA TRIBUTÁRIA DO SENADO COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TURISMO DO SENADO AUDIÊNCIA PÚBLICA EM 18 DE JUNHO DE 2008 1. Incentivo fiscal atrai investimentos porque torna rentáveis atividades que não o seriam naquela localidade, pela falta de ambiente favorável: falta de infraestrutura, especialmente de transporte, precárias condições de saúde e educação, inadequada oferta de mão de obra qualificada, etc. Todavia, cessado o incentivo, a atividade não permanecerá no local, se essas condições - que a tornam pouco atraente - não tiverem sido alteradas. Não é incomum empresas abandonarem os locais para onde foram atraídas, tão logo cessem os incentivos fiscais, porque sem eles, elas não sobrevivem. Para atrair investimentos duradouros para uma região, mais eficaz do que incentivos fiscais são as ações públicas que criem esse ambiente econômico favorável: adequada infra-estrutura, educação e saúde de boa qualidade, vias para o escoamento da produção, etc.. 2. Desse ponto de vista (criação de condições para que a atividade econômica se desenvolva), nosso sistema tributário não é funcional. Apesar da redistribuição de recursos que a União faz através dos fundos constitucionais e das transferências voluntárias, a disponibilidade de recursos por habitante é muito desigual entre os estados brasileiros (tabela 1): o maranhense tem 1/3 do recurso público disponível ao brasileiro que mora em Roraima; o morador do Pará dispõe de metade do recurso disponível ao morador do Tocantins. Essa disponibilidade é em parte determinada pelos impostos estaduais e municipais, que ficam onde são arrecadados, perfil distributivo que as transferências federais atenuam, mas não compensam, apesar de representarem 35% dos recursos totais disponíveis nos Estados e seus municípios. (Do total de recursos disponíveis para os Estados e seus Municípios, 54% têm origem nas arrecadações estaduais, 11% nas arrecadações municipais e 35% nas transferências da União para estados e municípios). 1 3. Atribuir ao estado de destino a arrecadação do ICMS é um critério justo quando se pensa os estados como unidades autônomas, porque são os consumidores que pagam o tributo. Mas pensando o Brasil como um único país, um único povo, com mesmos direitos à mesma qualidade de saúde, de educação parece difícil justificar porque o brasileiro do Maranhão ou Piauí ou Pará ou Ceará devem dispor de menos recursos públicos do que o brasileiro que mora em outros estados. Os centros mais desenvolvidos do país devem contar com mais recursos totais, porque oferecem serviços públicos para toda a população brasileira; mas, sendo mais populosos, isso ocorreria naturalmente, mesmo se houvesse perfeita equidade na distribuição dos recursos públicos. O difícil é encontrar justificativas para que existam diferenças de recursos por habitante, se o objetivo de distribuir melhor a renda no país. 4. Cada estado deve ter autonomia para alocar seus recursos de acordo com as aspirações de suas populações, mas elas não estão sendo beneficiadas pela autonomia dos seus estados em legislar sobre o ICMS. Nossas desigualdades pessoais e regionais dificilmente serão aplainadas nesse modelo federativo: precisamos de uma federação solidária... 5. É claro que não basta igualar os recursos públicos per capita disponíveis às esferas subnacionais de governo: a União sempre terá que participar do financiamento dos investimentos que atendem ao interesse de mais de um estado, ou a todo o país, do mesmo modo como cada estado cuida dos investimentos que atendem ao interesse de mais de um município ou a todo estado. 6. Em resumo, parece que a autonomia tributária dos estados não têm favorecido o desenvolvimento mais harmonioso de todas as regiões, e que o critério de distribuição dos recursos tributários nacionais - formado pelos atuais ICMS, IPI, PIS, Cofins, CIDE e outros previstos na proposta da Comissão da Reforma Tributária do Senado – poderiam, no médio prazo, utilizar como critério de distribuição o tamanho da população de cada estado. Essa visão não se ajusta à manutenção do ICMS sob competência estadual, como está na proposta do Executivo, mesmo delegando a regulação única do ICMS ao Confaz. 7. Um critério que igualasse a disponibilidade de recursos públicos per capita, impondo alíquotas uniformes em todo o território nacional, evitaria que os estados mais pobres tributassem seus pobres mais do que os estados mais ricos, por exemplo: os estados mais 2 ricos desoneram mais a cesta básica do que os estados mais pobres porque dispõem de uma base econômica mais ampla para tributar. Os dados não são atuais, mas não há razões para acreditar que tenham mudado (tabela 2): entre as famílias mais pobres, maior é a carga tributária sobre alimentação quanto mais pobre o estado. As diferenças da Tabela 2 se devem às diferenças regionais de hábitos de consumo e às diferenças de alíquotas de ICMS sobre produtos, entre estados. O resultado é que no Nordeste uma família com renda de até 2 SM gasta 39% de seu orçamento com alimentação, no Norte 37,5% contra 28% no S e SE e 26% no Centro Oeste (POF 2002/3). 8. Lembre-se também que são as populações pobres as grandes prejudicadas com a regressividade do sistema tributário e elas se concentram nos estados mais pobres: moram nas regiões Nordeste e Norte 59% das famílias brasileiras com rendimento de até 2 SM e 45% das com rendimento entre 2 e 3 SM. Nas regiões S e SE estão 80% das famílias com rendimentos superiores a 30 SM. 9. Concluindo a) incentivo fiscal não é o melhor instrumento de desenvolvimento regional a longo prazo; b) por isso, a reforma tributária deveria ser desenhada para impedir a guerra fiscal, como faz a proposta da CAERT o Senado; c) o Brasil deveria ser pensado como um país único, e nossos estados deveriam conviver num regime federativo solidário; d) por isso, a distribuição de recursos deveria ser proporcional à população de cada estado, com a União comparecendo com os investimentos que beneficiam a mais de um estado; e) os estados devem ter autonomia para gerir os recursos, de acordo com as necessidades e aspirações de suas populações; f) retificando a regressividade do sistema tributário nacional seria uma grande contribuição à melhor distribuição regional de renda. O Brasil está atravessando uma fase de seu desenvolvimento em que a necessidade de enfrentar a concorrência do mundo globalizado funciona como o inimigo externo que levou antigos estados independentes a se aglutinar em novos países e solidarizar. A autonomia 3 para tributar, conferida aos estados pelo ICMS, é uma ameaça concreta ao desenvolvimento de todos. Os custos impostos ao contribuinte pela complexidade do tributo, da guerra fiscal, da instabilidade normativa, das disparidades regionais, da intensificação da regressividade não justificam a autonomia dos estados nessa matéria: isso só retira competitividade da produção brasileira, distorce e reduz os investimentos, reduz a capacidade de o país inteiro criar empregos, tudo em prejuízo da população, especialmente da mais pobre. 4 Tabela 1 RECURSOS PÚBLICOS PER CAPITA média do período 2001-2005* R$/hab-ano Total Roraima Acre Amapá São Paulo Tocantins Distrito Federal Espírito Santo Mato Grosso Mato Grosso do Sul Rio Grande do Sul Sta. Catarina Rio de Janeiro Amazonas Rondônia Sergipe Goiás Paraná Minas Gerais Rio Grande do Norte Pernambuco Paraíba Alagoas Bahia Ceará Piauí Pará Maranhão Média 3.136 2.668 2.555 2.287 2.213 2.185 2.090 2.068 2.049 1.927 1.891 1.859 1.778 1.761 1.745 1.672 1.669 1.599 1.488 1.334 1.288 1.270 1.267 1.205 1.157 1.116 1.028 1.744 Arrecadação Arrecadação Transferências Tributária Tributária da União Municipal Estadual 535 520 412 1.445 561 1.561 1.324 1.170 1.166 1.149 1.055 1.099 1.023 761 632 926 858 907 556 650 406 364 611 470 274 408 262 944 73 46 49 358 53 337 157 115 175 198 209 360 113 70 77 133 196 145 74 91 48 62 74 78 34 63 36 193 2.527 2.102 2.095 484 1.599 287 609 783 708 580 627 400 643 929 1.036 613 615 548 859 593 835 844 582 657 849 645 731 606 FONTE: Balanço Geral da União; STN; SRF; Anuário Estatístico da Previdência Social; Ministério da Saúde - FNS; Ministério da Educação - FNDE Elaboração: economista Cecília Cukierman (1) deflator IPCA (2) Transferências da União a estados e municípios: a) constitucionais e legais: recursos do FPE, FPM, FUNDEF, CIDE, ITR, IOF-ouro, FPEX, Lei Compl. 87/96, Cota-parte do SalárioEducação e SUS; b) voluntárias. - 5 Tabela 1 A Transferências da União a estados e municípios média 2001 a 2005, a preços de 2005 R$/hab-ano Roraima Acre Amapá São Paulo Tocantins Distrito Federal Espírito Santo Mato Grosso Mato Grosso do Sul Rio Grande do Sul Santa Catarina Rio de Janeiro Amazonas Rondônia Sergipe Goiás Paraná Minas Gerais Rio Grande do Norte Pernambuco Paraíba Alagoas Bahia Ceará Piauí Pará Maranhão Média Constitucionais e Voluntárias legais 2.318 210 1.872 230 1.995 99 461 23 1.413 186 263 24 584 24 732 51 644 65 562 18 593 34 382 17 603 40 868 61 968 68 578 35 589 26 519 29 792 66 543 50 773 62 775 70 547 35 612 45 774 75 601 44 684 46 570 36 soma 2.527 2.102 2.095 484 1.599 287 609 783 708 580 627 400 643 929 1.036 613 615 548 859 593 835 844 582 657 849 645 731 606 FONTE: Balanço Geral da União; STN; SRF; Ministério da Saúde - FNS; Ministério da Educação - FNDE Elaboração: economista Cecília Cukierman (1) deflator: IPCA (2) Transferências constitucionais e legais: FPE, FPM, FUNDEF, CIDE, ITR, IOFouro, FPEX, Lei Compl. 87/96, Cota-parte do Salário-Educação e SUS. 6 Tabela 2 Conteúdo de Tributos Indiretos nas Despesas de Alimentação das famílias com até 2 Salários Mínimos de rendimentos Região Metropolitana % da renda disponível das famílias Fortaleza 13,23 Belém 12,38 Curitiba 11,00 São Paulo 8,34 Fonte: POF /IBGE (1996) microdados, elaborado por Vianna, S.W., Magalhães, L.C.G; Silveira, F.G.; Tornich,F.A., “Carga Tributária Direta e Indireta sobre as unidades familiares no Brasil: Avaliação de sua incidência nas Grandes Regiões Urbanas em 1996”, IPEA, Texto para Discussão nº 757, Brasília, setembro de 2000. Nota: Inclui ICMS, IPI, PIS e Cofins: as diferenças apontadas na tabela se devem às diferenças regionais de hábitos de consumo e às diferenças de alíquotas de ICMS sobre os produtos, entre estados. Tabela 3 Distribuição das Famílias por região e faixa de renda Total Nordeste 50,3 36,2 24,2 18,6 15,2 14,7 13,3 11,6 10,8 11,0 Norte 8,8 8,6 7,5 6,1 5,4 4,8 4,5 3,7 3,2 3,2 Centro oeste 7,1 8,2 8,1 7,0 6,9 6,3 6,0 5,9 5,8 7,8 total das famílias 25,2 Fonte: IBGE/ POF 2002/3 6,5 7,2 até 2 SM de 2 a 3 SM de 3 a 5 SM de 5 a 6 SM de 6 a 8 SM de 8 a 10 SM de 10 a 15 SM de 15 a 20 SM de 20 a 30 SM mais de 30 SM Sudeste 24,9 34,0 42,3 51,0 53,0 54,1 56,1 61,7 63,9 61,9 Sul 8,8 12,9 17,9 17,3 19,5 20,1 20,1 17,1 16,3 16,1 45,1 16,0 % do número de famílias Número de famílias no Brasil Brasil 100,0 7.949.351 100,0 6.747.422 100,0 10.181.484 100,0 3.528.909 100,0 5.086.642 100,0 3.349.073 100,0 4.571.410 100,0 2.416.194 100,0 2.236.892 100,0 2.467.261 100,0 48.534.638 7