Solange Menezes da Silva Demeterco SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 2.ª edição 2009 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br © 2003-2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ D449s 2.ed. Demeterco, Solange Menezes da Silva. Sociologia da educação / Solange Menezes da Silva Demeterco. - 2.ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2009. 352 p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-0265-8 1. Sociologia educacional. I. Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino. II. Título. 09-1973 CDD: 306.43 CDU: 316.74:37 Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Jupiter images / DPI images Todos os direitos reservados. IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Solange Menezes da Silva Demeterco Doutora e Mestre em História do Brasil pela UFPR. Especialista em Currículo e Prática (Tutoria a Distância) pela PUC-Rio. Graduada em Ciências Sociais pela UFPR. Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Sumário A sociologia e a educação...................................................... 13 O que é sociologia? .................................................................................................................. 14 A sociologia da educação e alguns conceitos básicos................................................. 19 A socialização e seus agentes................................................................................................ 20 A sociologia da educação....................................................... 33 Os primeiros grandes sociólogos: a educação como tema e objeto de estudo..................................................................... 34 As teorias sociológicas e a educação.................................................................................. 43 A sociologia da educação no Brasil.................................... 51 Formação da sociedade brasileira: economia agrário-exportadora e economia industrial................................................ 52 A sociologia continua seu caminho: dos anos 1970 aos dias atuais........................ 55 Educação e família.................................................................... 63 As transformações da família................................................................................................. 64 Educação e família no Brasil................................................................................................... 70 Concepções de infância e juventude................................. 81 O sentimento de infância – o trabalho de Ariès.............................................................. 82 O surgimento das escolas e as visões da infância.......................................................... 85 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br A escola como instituição social.......................................... 99 A escola como organização..................................................................................................103 Algumas possibilidades.........................................................................................................105 A escola e o controle social..................................................113 Padrões sociais de comportamento..................................................................................116 A escola e o desvio social.....................................................133 Comportamentos desviantes..............................................................................................135 Conformidade versus conformismo...................................................................................137 A mudança social....................................................................151 Fatores que desencadeiam a mudança............................................................................154 A ação pedagógica e a mudança social...........................................................................157 A estratificação social............................................................169 Formas de estratificação social............................................................................................173 A educação e a estratificação social..................................................................................177 A mobilidade social................................................................189 Tipos de mobilidade social...................................................................................................190 Educação como fator de mobilidade social....................................................................193 Educação e movimentos sociais........................................203 As formas de luta e ação coletiva.......................................................................................206 Alguns tipos de movimentos sociais e educação.........................................................210 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br A educação e o Estado..........................................................223 O conceito de Estado e suas funções................................................................................226 Estado e educação no Brasil.................................................................................................228 Educação e desenvolvimento.............................................241 As desigualdades sociais e o subdesenvolvimento.....................................................245 Origens históricas do subdesenvolvimento...................................................................247 As desigualdades sociais e o papel transformador da educação...........................248 Educação e cotidiano no Brasil...........................................259 O difícil cotidiano dos “menos iguais”...............................................................................263 Problemas da educação no Brasil......................................275 O fracasso escolar: uma tentativa de explicação..........................................................279 A profissão de professor.......................................................293 A questão da formação profissional..................................................................................295 O ofício de professor e seu papel na sociedade............................................................298 Perspectivas da educação no Brasil..................................311 A questão da diversidade cultural – o multiculturalismo..........................................315 A democratização da educação..........................................................................................317 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Apresentação O que você espera dessa disciplina? Quais são suas expectativas em relação à sociologia? No que a sociologia se aproxima da educação? Essas e outras perguntas nos acompanharão a partir daqui. Mas, antes disso, seria interessante esclarecer algumas questões que nortearão nosso trabalho. Inicialmente, deve-se destacar que o que se apresenta aqui é uma síntese dos temas mais relevantes da sociologia enquanto Ciência Social, preocupada em tentar explicar a vida social e as questões relacionadas à vida do homem em sociedade, em seus múltiplos aspectos. Não se pretendeu elaborar um manual e muito menos um compêndio que pretendesse dar conta de todos os temas e/ ou conceitos relacionados a essa ciência. Optou-se por privilegiar alguns tópicos que são considerados básicos e depois relacioná-los com a questão da educação. A sociologia da educação tem como objetivo pesquisar e analisar a educação em seus aspectos sociológicos, isto é, os fenômenos sociológicos. O objetivo maior é procurar conhecer e analisar a inter-relação entre o homem, a sociedade e a educação, à luz de diferentes teorias sociológicas, bem como das práticas pedagógicas ratificadoras e/ou transformadoras dos contextos cultural, social, político, econômico e ecológico. A proposta é despertá-lo para discussões futuras a partir do embasamento teórico que essa ciência oferece e, sempre que possível, trazer o debate para a realidade educacional brasileira. Para tanto, sugere-se alguns textos de apoio, bem como atividades para autoavaliação. Indicações de leituras complementares e filmes acompanharão o texto-base, e são importantes para aprofundar algum assunto/ tema que se considere relevante. Vale lembrar também que nada substitui a leitura dos próprios mestres, no caso aqui, os “fundadores” da sociologia e da sociologia da educação. Portanto, não desanime em buscar na própria fonte as respostas às suas inquietações. Vá em frente! A disciplina pretende desenvolver módulos que possibilitem a compreensão da constituição da realidade social e sua relação com a educação, por meio do estudo de aspectos dos processos sociais presentes na produção e configuração do sistema educacional. Assim, o livro está estruturado em 18 unidades, em que se propõe uma discussão sobre a relação entre a sociologia e a educação, apresentando as contribuições dos autores clássicos e sua percepção acerca das questões relacionadas à educação (A Sociologia da Educação) e contextualizando a ciência no Brasil (A Sociologia da Educação no Brasil). A partir daí, tem-se a discussão de alguns temas/conceitos fundamentais para a reflexão aqui proposta. Na unidade intitulada educação e família apresenta-se uma síntese das transformações pelas quais passou a família ao longo do tempo e sua importância quando se discute educação. Para tanto, também se faz necessário observar como o sentimento de infância surge e se modifica a partir do que se tem, inclusive o surgimento dos colégios e novas visões da infância e da juventude (concepções de infância e juventude). Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br A discussão sobre a escola à luz de alguns conceitos sociológicos compõe as próximas unidades: a escola como instituição social, a escola e o controle social e a escola e o desvio social. Em seguida, são abordados outros conceitos também importantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos sociais e a educação e o Estado. Finalmente, são apresentados alguns temas mais amplos que dizem respeito à realidade do país (educação e desenvolvimento, educação e cotidiano no Brasil e problemas da educação no Brasil), da escola e do professor (a profissão de professor), além de chamar a atenção para questões que exigem muita reflexão por parte do docente, no sentido de avaliar sua prática pedagógica (perspectivas da educação no Brasil). Vale ressaltar, enfim, que vivemos um momento privilegiado na história, uma vez que a presença da sociologia no currículo está intimamente ligada à democratização do acesso ao conhecimento científico, com vistas ao incremento da discussão consciente, racional e bem fundamentada do educador na realidade social. Bom trabalho! Solange Menezes da Silva Demeterco Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Concepções de infância e juventude O desenvolvimento do conceito de família sofreu, ao longo do tempo, várias modificações, de acordo com as mudanças que ocorreram na sociedade. Sabe-se, também, que mesmo sendo uma criação histórica e cultural, e não algo material, é um conceito que se relaciona com a sociedade e sua estrutura econômica e política. O século XXI trouxe a continuidade da discussão sobre a família, a criança, a adolescência e a juventude e, por extensão, da educação e do papel da escola no processo de socialização e controle social. Sabe-se que é analisando as práticas sociais, inclusive as educativas, que se torna possível transformar/rever conceitos como indivíduo, sociedade, família etc. É na modernidade que temas relacionados a essas questões tornam-se relevantes e passam a ser objetos de estudo da sociologia e da sociologia da educação. Assim, família e escola se estabelecem e se institucionalizam como espaço por excelência do zelar, cuidar, educar e ensinar as crianças e jovens. Ao lado da evolução da família e do desenvolvimento do sentimento de domesticidade, que se verificou no período compreendido entre o final da Idade Média e o final do século XVIII, observam-se também algumas mudanças nas formas de se perceber a criança, a infância e a juventude. Enquanto a família vivia, ora em grandes espaços, ora em casas pequenas abarrotadas de gente, não era fácil encontrar sentimentos como amor conjugal, amor filial ou a valorização dos laços afetivos entre seus membros. Isso se refletia na maneira de ver a criança. Ou melhor, refletia-se no anonimato da criança: ela praticamente não existia, não era “vista”. De certa forma, a promiscuidade reinava naqueles tempos e a criança crescia nesse meio. No momento em que se tem uma nova configuração espacial das casas, com áreas especializadas, como a sala de jantar e o quarto de dormir, são criadas as condições necessárias para o desenvolvimento de sentimentos como aconchego e domesticidade, que antes não existiam. Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Jupiter Images/DPI Images. Domínio público. Sociologia da Educação A família começa a dispensar seus vários hóspedes e busca a privacidade do “lar”, conceito que também não existia. A organização da família conjugal demanda novos rearranjos em termos de papéis sociais, bem como determina novas funções para essa família. Surge, também, a disciplina dentro da vida familiar e, em relação à juventude, sua duração dependia do tempo que o indivíduo levaria para assumir novas responsabilidades (como trabalhar e manter sua própria família). Destaca-se, a partir daqui, o progresso da domesticidade e o surgimento da família conjugal, nuclear e doméstica, que passa a ser o modelo predominante nas sociedades ocidentais até hoje. O sentimento de infância – o trabalho de Ariès Vamos esclarecer uma coisa: infância é uma concepção ou representação que os adultos fazem sobre os primeiros anos da vida do homem, bem como a noção de criança diz respeito ao sujeito real que vive essa fase. Portanto, pode-se dizer que tem uma função analítica, isto é, para facilitar a discussão e análise dessas questões. O trabalho de Philippe Ariès, intitulado História Social da Criança e da Família, trata da descoberta da infância na Renascença e do surgimento do que o autor chamou de sentimento de infância. O valor de sua tese relaciona-se ao fato de chamar a atenção para a importância da educação formal na própria elaboração do conceito de infância, entendida por ele como sendo o tempo de preparação moral do indivíduo. Quando analisa a iconografia da Idade Média e a compara 82 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Concepções de infância e juventude com aquela produzida na Renascença, Ariès conclui que o sentimento de infância era desconhecido na Idade Média, somente passando a ser expressivo no século XVII. O autor procura demonstrar como a existência da criança passava quase despercebida em função da brevidade do tempo que ela interagia com a família, uma vez que a mortalidade infantil era muito alta, assim como o número de filhos por mulher, o que fazia com que ambas vivessem pouco tempo. As pessoas procuravam nem se apegar às suas crianças, porque sabiam que as perderiam de uma forma ou de outra, fosse porque iam para a casa das amas de leite, fosse porque morreriam logo. Mas como o autor define sentimento de infância? Domínio público. Fala em paparicação (um sentimento superficial ligado à criança nos seus primeiros anos de vida, quando ainda é “engraçadinha”) e a percepção da inocência e fraqueza da infância. Ao longo de todo o seu texto, Ariès destaca que a infância era vista como um período muito curto, durando apenas o tempo em que a criança era mais frágil. Logo, era misturada aos adultos e passava a vivenciar as mesmas experiências que eles. Toda a socialização da criança se dava dessa forma e a educação era garantida pela aprendizagem na prática, isto é, a criança aprendia as coisas ajudando os 83 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Sociologia da Educação adultos a fazê-las. O amor podia existir, mas não era determinante nas relações da família com a criança. Não impedia, por exemplo, que ela fosse mandada embora para viver longe dos pais, muitas vezes para aprender um ofício. No final do século XVII é que se pode observar mudanças. De acordo com Ariès, tem início o que se convencionou chamar de escolarização, quando a escola substituiu a aprendizagem como meio de educação. Surgem os colégios, local para onde as crianças são mandadas, mais uma vez sendo separadas da família. A família havia se tornado um lugar de afetividade e isso repercutiu na vida das crianças na medida em que começou a haver uma preocupação com seu bem-estar e com a sua sobrevivência. Segundo Ariès (1981, p. 165), a história da educação mostra que a vida escolástica revela o progresso do sentimento da infância na mentalidade comum: como a escola e o colégio que, na Idade Média, eram reservados a um pequeno número de clérigos e misturavam as diferentes idades dentro de um espírito de liberdade de costumes, se tornaram, no início dos tempos modernos, um meio de isolar cada vez mais as crianças, durante um período de formação tanto moral como intelectual, de adestrá-las, graças a uma disciplina mais autoritária e, desse modo, separá-las da sociedade dos adultos. Domínio público. A família começou a se organizar e a viver em torno da criança e das suas necessidades. Essa polarização em torno da família e da profissão será um traço das sociedades ocidentais no século XIX e que se estenderia até o século XX. A ideia de adolescência e de juventude é mais recente e remonta mais ou menos ao século XVIII, a partir de toda a “descoberta” da criança. Mas o que é inegável é que a cada época corresponde uma idade privilegiada. Segundo Ariès, a juventude é a idade privilegiada do século XVII, a infância do século XIX e a adolescência do século XX. As mudanças podem ser observadas na forma como as crianças e os jovens eram vestidos e quais os jogos e brincadeiras que eram mais comuns. 84 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Concepções de infância e juventude Uma das mudanças mais importantes relaciona-se com a maneira como as crianças e os jovens eram tratados pelos adultos, no que diz respeito à sexualidade. Elas deixam de ser “brinquedos” dos adultos, os quais percebem a inocência infantil e procuram então preservar, sobretudo a criança, das “sujeiras da vida”. Assumem também maiores cuidados com a higiene e com a saúde das crianças. No final do século XIX, a criança efetivamente passa a ser o foco dos estudos históricos, acompanhados das descrições do comportamento e da mensuração da mente. O conhecimento decorrente das observações e experimentações com as crianças é visto como elucidativos das origens e dos processos de desenvolvimento humano, contribuindo para a noção de que a criança explica o homem, a criança é o pai do homem. (SMOLKA, 2002, p. 114) É nesse contexto que surgem os estudos de Henry Wallon, Jean Piaget ,Lev Vygotsky e as teorias psicogenéticas. Apesar de explorarem o tema criança/infância de maneiras diferentes, têm em comum o fato de chamarem a atenção para a relação entre compreender o desenvolvimento da criança, como se dão as mudanças biológicas e os processos mentais, e de que maneira tudo isso se reflete na educação. Compreender o desenvolvimento físico e psicológico da criança passa a ser quase que uma exigência para a escola e o professor. A partir daí, teria-se mais condições de realizar análises que dessem conta de explicar a sociedade na qual o aluno e o próprio professor estão inseridos. O surgimento das escolas e as visões da infância Como se disse, os colégios surgem a partir da ideia de que a criança precisava “ser formada”, uma vez que nascia totalmente despreparada para a vida em sociedade. Aliás, esses são os traços marcantes da infância: a falta. Falta de condições de sobreviver sozinha, de valores, de regras, de limites. Tudo precisa ser ensinado. E, a partir daqui, não será apenas no seio da família que esse processo de socialização acontecerá. O local adequado será a escola, que se transforma e deixa de ser uma comunidade democrática que acolhia a todos que necessitavam, para se constituir numa instituição com uma hierarquia autoritária, submetida a um regime disciplinar extremamente severo. A própria necessidade de disciplina é explicada pela noção de fraqueza da infância, aliada ao sentimento de responsabilidade moral que os mestres assumem diante das famílias que lhes confiam seus filhos. 85 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Sociologia da Educação Ao analisar a trajetória do surgimento dos colégios, Ariès (1981, p. 169-170) afirma que no século XIII, os colégios eram asilos para estudantes pobres, fundados por doadores. Os bolsistas aí viviam em comunidades, segundo estatutos que se inspiravam em regras monásticas. Não se ensinava nos colégios. A partir do século XV, essas pequenas comunidades democráticas tornaram-se institutos de ensino, em que uma população numerosa [...] foi submetida a uma hierarquia autoritária e passou a ser ensinada no local. [...] Essa evolução da instituição escolar está ligada a uma evolução paralela do sentimento das idades e da infância. Entre os séculos XVII e XVIII, observa-se uma laicização do pensamento e nesse processo passam a ser mais reconhecidos alguns valores de caráter social, tais como polidez, postura, civilidade, em contraposição à fé, à caridade (as chamadas virtudes cristãs). É na Renascença que se pode encontrar uma tendência predominante da educação humanista que é a ênfase na prudência e no controle dos instintos, como preparação para a cidadania. Contrariamente às normas da sociedade feudal, que valorizavam a impetuosidade do jovem guerreiro, os Estados bem organizados [...] exigiam dos seus cidadãos o autocontrole e a dissimulação. Os jovens precisavam ser educados na dura escola da disciplina. (CASEY, 1992, p. 187) A busca da contensão dos impulsos e dos instintos por meio de uma rígida e, por vezes, até cruel disciplina dá o tom do avanço do processo de escolarização. Tem-se, também, uma nova percepção das idades, começando a haver então uma separação das classes por faixa etária, procurando agrupar os alunos a partir desse critério. Com um sistema disciplinar cada vez mais rigoroso, os colégios assumem uma estrutura que em muito se aproxima da atual. Agora, a duração da infância equivale à duração da escolaridade, que no fim do século XVIII chega a quatro ou cinco anos. Os colégios passam a ser a moderna expressão de como se deve tratar as crianças. Ao seu lado se tem os chamados manuais de boas maneiras ou de civilidade, voltados para o público pueril, que visavam a apresentar as normas de conduta que deveriam nortear os comportamentos das crianças no mundo. Alguns desses manuais foram muito bem analisados, especialmente o de Erasmo, por Norbert Elias em O Processo Civilizador, em que a história dos costumes, focando seu interesse nas mudanças das regras sociais e no modo como o indivíduo as percebia, gerando mudanças de comportamento e sentimentos. Utilizando como fontes os livros de etiquetas e boas maneiras (editados entre o século XIII até a década de 1930), o autor mostra que desde a Idade Média, quando o controle das pulsões era bastante reduzido, até os nossos dias, as classes dirigentes foram aos poucos sendo modeladas pela vida social e a espontaneidade deu 86 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Concepções de infância e juventude Nicolau Carissimo. lugar à regra e à repressão na vida privada. A universalização dos códigos ocidentais de conduta significa que esses passam a ser sinônimos de refinamento e o padrão a ser seguido por aqueles que almejavam ascender socialmente. Escola Superior de Agricultura e Veterinária em Viçosa. De modo geral, pode-se dizer que os humanistas do século XVI rejeitavam com vigor a alternativa escolar. Acreditavam que não se conhecia a criança direito, não se sabia exatamente como ela era, o que pensava e quais eram os seus limites. Diante disso, consideravam quase que uma violência impor-lhe qualquer tipo de educação formal. Seria uma agressão à sua natureza pura e àquilo que se comentou – a ideia de insuficiência ou do caráter incompleto da criança. Domínio público. Mas antes disso, tem-se a contribuição de Jean-Jacques Rousseau (17121778) para a discussão das concepções de infância e o surgimento dos colégios. Rousseau ressalta as relações entre natureza e Jean Jacques-Rousseau. sociedade e a moral fundada na liberdade; destaca, sobretudo, a primazia do sentimento sobre a razão e acredita na bondade natural do homem. Diante disso, a civilização é vista por ele como a grande responsável pela degeneração da natureza humana e sua substituição pela cultura intelectual. Em sua obra mais voltada para essas questões, Emílio, de 1757, planta as bases da sua filosofia, que por muito tempo influenciaria vários outros autores que estudariam a criança, a infância ou a educação. Defende ardentemente a pureza infantil e vê o sentimento como o verdadeiro instrumento do conhecimento e o mundo interior (humano) é que deve ser buscado, e não o mundo da razão, sempre com o objetivo de transformar a criança num adulto bom. 87 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Sociologia da Educação Assim, conforme Arbousse-Bastide e Machado (1978, p. 18), Rousseau tem como pressuposto básico a crença na bondade natural do homem e atribui à civilização a responsabilidade pela origem do mal. Afirmam que, para o autor de Emílio, a educação [...] deve ser progressiva, de tal forma que cada estágio do processo pedagógico seja adaptado às necessidades individuais do desenvolvimento. [...] Liberta da tirania das opiniões humanas, a criança por si mesma, e sem nenhum esforço especial, identifica-se com as necessidades de sua vida imediata e torna-se autossuficiente. Vivendo fora do tempo, nada precisando das coisas artificiais e não encontrando qualquer desproporção entre desejo e capacidade, vontade e poder, sua existência vê-se livre de toda ansiedade com relação ao futuro e não é atormentada pelas preocupações que fazem o homem adulto civilizado viver fora de si mesmo. É necessário, contudo, prepará-la para o futuro. Isso porque ela tem uma enorme potencialidade, não aproveitada imediatamente. A tarefa do educador consiste em reter pura e intacta essa energia até o momento propício. Nesse sentido, é particularmente importante evitar a excitação precoce da imaginação, porque esta pode tornar-se uma fonte de infelicidade futura. Outros cuidados devem ser tomados com o mesmo objetivo e todos eles podem ser alcançados ensinando-se a lição da utilidade das coisas, ou seja, desenvolvendo-se as faculdades da criança. Apenas naquilo que possa depois ser-lhe útil. Você conseguiu perceber como algumas dessas ideias acompanham a pedagogia até hoje? Nesse momento, o processo educativo para Rousseau é visto como algo negativo, no sentido do que não deve ser feito. Para ele, somente quando a criança cresce um pouco e começa a ter consciência de que interage com as outras pessoas é que se torna capaz de ser educada formalmente. Na verdade, acredita que a educação seja um processo contínuo que se prolonga pela vida inteira. A criança, de acordo com Rousseau, aprende por meio do exemplo, por palavras e por práticas que observa nos adultos. Daí a necessidade dos pais se preocuparem com as normas de civilidade e boas maneiras de seus filhos, que deveriam ser preparados para viver em sociedade e “ser civilizados”. Entramos no século XIX tendo como premissa básica a proteção da infância, da criança e do adolescente. Surgem instituições para cuidar disso e a educação aparece como um fator estruturante da sociedade, a partir desse momento. Kuhlmann (2002, p. 464-465) afirma que [...] essa distribuição de competências não é algo estanque e corporativo, como se nota pela ampla gama de setores sociais que interagem em torno das propostas para a infância. Do ponto de vista da abrangência e do conteúdo das suas propostas, a educação – pelo que é e pelo que deixa de ser, pelo que significa e pelo que produz – aparece como um fator estruturante da sociedade “moderna”. Os cuidados com a infância passam a ser um traço das sociedades e do Estado moderno e a escola como locus privilegiado para se colocar em prática essa concepção de criança e infância. 88 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Concepções de infância e juventude Uma das consequências dessa mentalidade é o fato de que, daqui em diante, o Ensino Primário e a sua universalização, bem como o saneamento e a higienização, tudo de acordo com a nova racionalidade científica e tecnológica, estarão a serviço do cuidar, do proteger, do educar e do ensinar a criança. Ao se pensar a criança/a infância, o adolescente/a adolescência e o jovem/ a juventude, o que se percebe é que houve muitas mudanças na forma de ver, tratar, analisar e explicar cada uma dessas etapas da vida de um indivíduo. É interessante observar, também, que essas análises vêm acompanhadas de certa angústia em relação ao futuro das crianças e dos jovens. Isso acontece exatamente pela impressão que se tem de que, novamente, estão no centro do palco algumas questões relacionadas à visão que se tem da criança e da escola. Não se sabe muito bem o que fazer com todas as novidades impostas pelo avanço tecnológico, as novas configurações da família, o aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho, a falta de tempo disponível por parte dos pais para a criança e para o jovem, enfim, com o estilo de vida da sociedade ocidental. Jupiter Images/DPI Images. O avanço da tecnologia, as inovações tecnológicas, a globalização, os novos arranjos familiares e, até mesmo, as novas funções da família, trouxeram de volta a discussão sobre qual seria o tempo de duração de cada uma dessas fases da vida do homem. Para concluir, depois da humanidade percorrer um longo caminho até perceber que a criança existia e que exigia novas maneiras de organização da vida social, chegamos aos dias atuais, tendo em mente certas representações da criança e do jovem, que não diferem muito daquelas herdadas dos séculos XIX e XX. Depois de vários autores, de diferentes áreas do conhecimento, produzirem suas teorias sobre a criança, seu desenvolvimento mental e psicológico, tem-se uma ampla gama de imagens e saberes sobre o assunto. Para tanto, procure conhecer um pouco dos trabalhos de Piaget, Wallon, Montessori, Vygotsky, entre outros. 89 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Sociologia da Educação Finalmente, o que não se pode esquecer é que a infância deve ser entendida como um tempo social, construído historicamente, de acordo com as condições materiais e culturais que caracterizam determinado tempo e espaço. Desse modo, é possível haver diferentes concepções de criança, infância e juventude. De acordo com as estruturas econômicas e sociais da época, surge uma ideia de criança e do papel da educação. O que se observa é que surgem instituições que serão consideradas “adequadas” para a criança e, aos poucos, a escola passa a ser um caminho para “formar” as crianças e os jovens, tornando-os “aptos” ao convívio social. Ao longo do tempo, ocorreram várias mudanças tanto no conceito quanto na forma de organização da família. Esse processo histórico acabou, também, por definir novas formas de se perceber a criança e a infância, dando origem a uma área específica dentro da sociologia para tratar desses temas: a sociologia da infância. Texto complementar Breves reflexões sobre o surgimento da ideia de infância (DELGADO1, 2009) Há inúmeros estudos que resgatam as concepções de infância na história da humanidade (ARIÈS, 1980; CHARLOT, 1983; SNYDERS, 1984; SARMENTO e PINTO, 1997). De forma geral, esses estudos esclarecem que crianças sempre existiram, desde os primeiros registros históricos. Mas o sentimento de infância, de preocupação e investimento da sociedade e dos adultos sobre as crianças, de criar formas de regulação da infância e da família são ideias que surgem com a modernidade. Estudiosos do campo da sociologia da infância têm afirmado que a infância, enquanto categoria social, é uma ideia moderna (Sarmento, 1997; 2002). Desde a Antiguidade, as crianças, as mulheres e os escravos eram considerados seres inferiores e em relação de dependência com os seus senhores 1 Professora adjunta do Departamento de Educação (DECC), da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). 90 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Concepções de infância e juventude (ARIÈS, 1981; Snyders, 1984). [...] O que se passou historicamente para que silenciassem as vozes das mulheres, das crianças, dos escravos, dos negros, daqueles considerados loucos, das filósofas e poetas? Por que alguns textos são reconhecidos e outros são desprezados? Falo não somente dos textos acadêmicos, mas de outros textos expressos nas diferentes formas de linguagem. [...] Será que eles têm relação com o que estamos vivendo, com a crise da ciência moderna e pautada em uma razão universal, masculina e branca? Por que tentamos resgatar essas vozes, seja nos escritos poéticos, na música, nas pesquisas, nos espaços acadêmicos? Por que insistimos em ganhar tempo num mundo que esfacelou nossas experiências e transformou nosso tempo em coisa, em mercadoria? Por que hoje procuramos resgatar, em inúmeros estudos, as culturas infantis, as concepções de infância, as vozes das crianças, ou por que hoje falamos e escrevemos sobre pluralidades, relações de gênero, em uma ciência menos andocêntrica? Essas, seguramente, são questões sem respostas definitivas. É tão somente nas caminhadas que vamos construindo, nas pegadas que vamos deixando, nos rastros que assinalam para novos horizontes que encontramos respostas, sem contudo tratarmos de respostas homogeneizadoras. [...] é possível recordar o que escreve Ariès (1981) acerca da Idade Média. Os quadros e a iconografia da época demonstram que ser criança era algo muito próximo e vinculado ao mundo dos adultos. Tratava-se de promiscuidade? Certamente que não. O que acontecia é que as noções de tempo e espaço e as existências humanas se organizavam de formas distintas da modernidade. Na Europa (séculos XVI e XVII) e um ou dois séculos mais tarde (séculos XIX e XX) na cidade do Rio de Janeiro (Abreu; Martinez, 1997), as ruas estavam povoadas de crianças abandonadas, escravos, imigrantes pobres, enfim, de uma massa de excluídos perambulando pelas ruas, cujos valores, hábitos e comportamentos eram estranhos ao ideal burguês de sociedade. Isso provocava um sentimento, qual seja o de moralizar os costumes, confinar, regular essa população e evitar possíveis revoltas. Assim, o sentimento de infância também surge no Brasil, com a necessidade de instrução e ampliação da escola de massas (Martinez, 1997). O ideal de moralização dos costumes passava pela família burguesa e nuclear e centralizava na figura da mãe e mulher a responsabilidade pela amamentação, pelos cuidados e educação das crianças. Nesse período, as condições de higiene eram péssimas e 91 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Sociologia da Educação as mães criadeiras, as amas, ou fazedoras de anjos – geralmente vinculadas à roda dos expostos –, recebiam crianças abandonadas, que, muitas vezes, não completavam três anos (Marcílio, 1997). Houve, dessa forma, um longo processo histórico até a sociedade valorizar a infância. Entretanto, a particularidade da infância não será reconhecida e nem mesmo realizada para todas as crianças. Na prática, esse caráter universal vai perdendo sua extensão com as diferenças de classe, de gênero e de raça. Todas são concebidas como crianças, no que diz respeito ao dado biológico, mas nem todas vivem a infância da mesma forma, no que diz respeito às condições sociais, culturais e econômicas. A infância é construção histórica e por isso nós, profissionais e pesquisadores da infância, também não estamos isentos do processo de construir concepções e representações das crianças, que nos fazem agir de forma preconceituosa, quanto mais estereotipado o corpus de ideias que fomos armazenando sobre o que significa ser criança. É preciso aprofundar que crianças são essas, o que elas têm em comum, o que partilham entre si, em várias regiões do Brasil e em outros países, e o que as distingue umas das outras. É preciso romper com representações hegemônicas. Elas se distinguem umas das outras no tempo, no espaço, nas diversas formas de socialização, no tempo de escolarização, nos trabalhos, nos tipos de brincadeiras, nos gostos, nas vestimentas, enfim, nos modos de ser e estar no mundo. O resgate das infâncias e culturas infantis na formação de educadoras Partindo dessas reflexões, é possível pensar sobre as repercussões desse sentimento de infância ou dos significados que nós adultos atribuímos às crianças e às suas culturas. [...] Compreendo a formação docente como um conjunto de experiências sociais e culturais, individuais e coletivas, que vamos acumulando e modificando ao longo de nossa existência pessoal e profissional. Entendo que esse processo é inacabado e consiste, portanto, de constantes indagações, incertezas e ambiguidades. Como professora e pesquisadora vinculada à educação de crianças, percebo o quanto ainda desconhecemos os saberes que as crianças têm sobre o mundo e até mesmo sobre nós adultos, saberes que são construídos 92 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Concepções de infância e juventude socialmente e conferem identidades culturais às crianças. Paradoxalmente, algumas vezes temos negado as experiências e os saberes dos alunos, que constituem, entretanto, excelentes instrumentos de reflexão sobre suas concepções de infância e educação. São justamente essas experiências que viabilizam reflexões sobre as crianças e suas culturas ou sobre nosso “ethos cultural2 de classe média” quando classificamos algumas experiências sociais e culturais como estranhas e exóticas, porque são diferentes daquilo que instituímos como verdades. Segundo Charlot (1983), as pedagogias tradicional e nova se apoiam na ideia de natureza infantil, e não a partir da condição infantil. Essas pedagogias influenciaram nosso corpus de representações acerca das crianças. Nós ainda as representamos ora como reis, ora como vítimas, mas somos incapazes de percebê-las como são de fato. Nos tornamos adultos e adultas, mas esquecemos que nesse processo enclausuramos nossos imaginários. O sentimento de realidade, que nada tem em comum com o sentimento de fantasia vivido pelas crianças (elas não distinguem fantasia da realidade), possivelmente constrange nossa capacidade de perceber as crianças como elas “são e estão” em interações com seus pares e adultos no mundo. Profissionais da educação, pedagogas/os, psicólogas/os, sociólogas/ os, enfim todas/os nós esbarramos ora nas representações de paparicação, ingenuidade, graciosidade, pureza e inocência vividas na poesia de Abreu, “Oh! Que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida/ Da minha infância querida/ Que os anos não trazem mais [...]”, ora nas representações de futuros adultos, como vir a ser, incompletos, que necessitam da moralização e da educação ministrada pelos adultos. E nem mesmo as lições diárias que a vida nos ensina e que fragilizam uma a uma das nossas certezas, como peças de um jogo de dominó que vão se sucedendo, nos fazem compreender que a realidade é dinâmica e ainda sabemos pouco sobre as crianças e suas culturas. É provável que elas saibam bem mais sobre nós adultos/as, sobre as instituições que ajudamos a construir, embora ainda não tenhamos parado para escutá-las, para compreender suas ideias acerca das nossas pedagogias, ou sobre o que elas pensam de nós, das escolas infantis, das creches e pré-escolas, que criamos pensando nelas e nas suas necessidades. 2 Utilizo a definição de ethos cultural, fundamentada em Bourdieu (1998), como um sistema de valores implícitos e interiorizados, que definem as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. 93 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Sociologia da Educação [...] temos constatado que nossas concepções de infância atravessam nossas trajetórias de vida e profissão. Debater nossas experiências e culturas possibilita compreender como nosso espaço profissional é perpassado pelos espaços de vida, bem como construir práticas pedagógicas de enfrentamento das ideologias que nos moldaram como indivíduos e, assim, entender como as questões de classe, gênero e raça deixaram marcas sobre nossas formas de pensar e agir (Giroux, 1997, p. 40). Temos igualmente percebido que nossas conceituações sobre infância estão submersas em visões de adultos que viveram suas infâncias em outros tempos e espaços, principalmente quando trabalhamos com a imaginação e a realidade de forma a superar os binarismos culturais. Nos acostumamos a pensar nas crianças enquanto alunas e alunos, geralmente em escolas ou espaços educativos formais ou, ainda, nas crianças dentro de creches e pré-escolas. Nos acostumamos a pensar em educação como algo institucionalizado e vivido em espaços escolares. Na verdade, temos pesquisado e produzido muito pouco sobre outros espaços educativos como a televisão, os jogos de videogame, as salas da internet, os movimentos sociais, as ruas, as vilas e favelas com seus espaços informais e clandestinos de educação, as academias, os shoppings, as escolas de samba ou as danceterias. Enfim, pouco nos interessamos pelas crianças e suas culturas interagindo em espaços que nós adultos ainda desconhecemos, ou pelos quais temos passado sem refletir de forma mais prolongada. São ainda rastros do projeto de modernidade que absorvemos? No Brasil, temos um longo caminho a percorrer, no que se refere às pesquisas sobre as crianças, suas experiências e culturas. O campo da sociologia da infância tem nos ensinado que as crianças são atores sociais porque interagem com as pessoas, com as instituições, reagem frente aos adultos e desenvolvem estratégias de luta para participar do mundo social. Mesmo assim, ainda necessitamos construir referenciais de análise que nos permitam conhecer esses atores sociais, que nos colocam inúmeros desafios, seja na vida privada ou na vida pública. (Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/034/34cdelgado.htm>. Acesso em: fev. 2009.) 94 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Concepções de infância e juventude Dicas de estudo Para compensar você por seu esforço, que tal assistir a alguns filmes que, de alguma forma, retratam o cotidiano infantil e a infância e vários momentos da história? Escolha um (ou veja todos) e depois tente fazer uma síntese do que pode perceber do universo infantil. Quais imagens da criança aparecem em cada um deles? Elas são diferentes umas das outras? Central do Brasil Ilha das Flores Minha Vida de Cachorro A Vida é Bela Nem um a Menos A Princesinha Sugestões de leituras O processo histórico que instituiu uma nova concepção de criança, de infância, de adolescência e de juventude pode ser analisado a partir de diversas abordagens. Assim, apresenta-se uma relação de algumas obras que hoje são referência nessa área. FREITAS, Marcos César de. História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2006. FREITAS, Marcos Cezar de. (Org.). História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez/USF, 1997. _____; KUHLMANN JR., Moysés. (Orgs.). Os Intelectuais na História da Infância. São Paulo: Cortez, 2002. KUHLMANN JR., Moysés. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 2004. DEL PRIORE, Mary. (Org). História das Crianças no Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2000. 95 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Sociologia da Educação GHIRALDELLI JR., Paulo. Infância, Escola e Modernidade. São Paulo: Cortez, 1997. GONDRA, José G. (Org.). História, Infância e Escolarização. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002. NOVAIS, Fernando (Org.). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; 1998. (Coleção em 4 volumes) POSTMAN, Neil. O Desaparecimento da Infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999. Seria bem interessante se você procurasse conhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente para saber como a Legislação Brasileira procura proteger e garantir os direitos da criança no país. (Lei Federal 8.069 de 13 de julho de 1990). Atividades 1. O conceito de família sofreu, ao longo do tempo, várias modificações, de acordo com as mudanças que ocorreram na sociedade. Sabe-se também que, mesmo sendo uma criação histórica e cultural, e não algo material, é um conceito que se relaciona com a sociedade e sua estrutura econômica e política. O mesmo ocorre com a concepção de infância. Como se pode relacionar a ideia de família moderna com as concepções de criança e infância da atualidade? 96 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Concepções de infância e juventude 2. Entramos no século XIX tendo como premissa básica a proteção da infância, da criança e do adolescente. Explique qual é o papel da educação nesse processo. 97 Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br Gabarito Concepções de infância e juventude 1. Depois de muito tempo sem valorizar a criança, quando praticamente ela não existia, não era “vista” e sem a noção de que a vida do indivíduo pode ser dividida em etapas, e que a infância seria uma delas, tem-se uma nova concepção de infância e juventude. A longa trajetória da concepção de família traz como resultado (ainda que provisório, porque esse é um conceito que está sempre em construção) a imagem da família nuclear, com funções diversas, relacionadas à privacidade do lar e a um sentimento de aconchego e domesticidade. Isso colabora para o desenvolvimento do sentimento de infância e a família começa então a se organizar e a viver em torno da criança, e das suas necessidades. 2. A tomada de consciência acerca da criança, suas particularidades físicas, biológicas e emocionais provocavam um sentimento, qual seja o de moralizar os costumes, confinar, regular essa população e evitar possíveis revoltas. Assim, o sentimento de infância também surge com a necessidade de educação, de instrução e leva à ampliação da escola de massas, dentro do ideal de moralização dos costumes e que passava pela família burguesa e nuclear e inicialmente centralizava na figura da mãe e mulher a responsabilidade pela amamentação, pelos cuidados e educação das crianças. Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br