Revista Eletrônica Novo Enfoque, ano 2011, v. 12, n. 12, p. 15 – 22 INDICADORES NUTRICIONAIS NO ENVELHECIMENTO: UM DESAFIO PARA O DIAGNÓSTICO NUTRICIONAL PRECOCE Patrícia de Matos Fernandes - Nutricionista, Mestre em Fisiopatologia Clínica pela UERJ; Professora da Disciplina de Nutrição Clínica II da Universidade Castelo Branco; Nuticionista da EMTN do Hospital Municipal Miguel Couto. INTRODUÇÃO O envelhecimento mundial é fato incontestável no século XXI. Este fato gera maior necessidade em aprofundar a compreensão sobre o papel da nutrição na promoção e manutenção da saúde, independência e autonomia dos idosos. Espera-se que, em 2030, a população com mais de 65 anos, dobre de 36 para 72 milhões, aumentando de 12,5% para 20% da população (1). A maioria dos profissionais de saúde concorda que o adequado estado nutricional é fator determinante para uma vida longa e saudável. Porém o aumento da expectativa de vida está associado à menor prevalência de doenças crônicas. Condições como demência, fraturas, doenças reumatológicas acidente vascular cerebral, doenças visuais, cardiovasculares e pulmonares, têm levado ao aumento do número de idosos com incapacidades cognitivas e mecânicas e um quadro de sobrevivência de idosos dependente de terceiros (2). A identificação precoce de condições de risco para doenças crônicas e incapacitantes comuns aos idosos é de extrema importância e pode contribuir para a busca de meios mais saudáveis de vida, que incluem preservação da capacidade funcional, autonomia e independência. Isso é possível a partir da avaliação adequada do estado nutricional, a qual deve considerar as especificidades de cada indivíduo idoso, uma vez que este é parte de um grupo bastante heterogêneo (3). A determinação do diagnóstico nutricional e a identificação dos fatores que contribuem para tal diagnóstico no envelhecimento são, portanto, processos fundamentais, mas complexos. Incluem alterações, tanto fisiológicas quanto patológicas, além de modificações de aspectos econômicos e de estilo de vida, entre outros, que afetam o indivíduo idoso. Portanto é de suma importância um maior entendimento dos indicadores de estado nutricional e dos critérios de avaliação nutricional mais apropriados para este grupo etário, considerando as modificações inerentes ao processo de envelhecimento (3, 4). INDICADORES DE DIAGNÓSTICO NUTRICIONAL Dentre os indicadores de estado nutricional, podemos dizer que os mais adequados para avaliar este grupo são exames bioquímicos, sinais clínicos nutricionais, antropometria, composição corporal e distribuição de gordura corporal (4). Vários exames bioquímicos são importantes na identificação do estado nutricional e utilizados para detectar deficiências sub clínicas e confirmação diagnóstica. Vale ressaltar a atenção especial que deve ser dada para interpretações desses exames, pois, apesar de detectar problemas nutricionais precocemente, os indicadores bioquímicos podem ter sido influenciados por enfermidades, uso de drogas ou estresse, condições estas bastante frequentes no indivíduo idoso. Os exames laboratoriais de uso mais frequente na prática clínica são os descritos abaixo. Os parâmetros hematológicos mais utilizados em avaliação nutricional são hematócrito (HT), hemoglobina (HG) e linfócitos totais (LINF) (5). Os valores de hematócrito e hemoglobina são dependentes da idade e gênero. A contagem total de linfócitos (CTL) expressa condições imunológicas e também os valores normais variam conforme o autor. A avaliação do estado proteico é possível através da mensuração de algumas proteínas séricas. As proteínas são essenciais para as funções reguladoras (ex. hormônios e enzimas) e estruturais (ex. colágeno e elastina). As proteínas séricas mais frequentemente avaliadas para determinação do estado nutricional são albumina, transferrina e préalbumina (5). A albumina é a proteína mais abundante do plasma e dos líquidos extracelulares, sendo uma das mais extensamente estudadas. Tem importância preponderante na determinação da pressão coloido-osmótica do plasma, exercendo função de proteína de 16 transporte (cálcio, ácidos graxos de cadeia longa, medicamentos etc.). A concentração sérica de albumina depende de muitos fatores: a) síntese hepática: depende da função do hepatócito e da ingestão e absorção de substratos proteicos, encontrando-se diminuída no hipotireoidismo quando há níveis circulantes excessivos de cortisol durante estresse e em doença parenquimatosa hepática; b) perdas anormais de albumina: doença renal (síndrome nefrótica), eclâmpsia, enteropatia perdedora de proteína e queimaduras; c) catabolismo aumentado: estresse, hipermetabolismo, síndrome de Cushing e algumas neoplasias; d) trocas entre os compartimentos: alteradas em situações patológicas, com sequestro para o extravascular (ex. trauma, infecção); e) volume de distribuição: afetado pelo estado de hidratação. Apesar da limitação decorrente da meia vida prolongada, interferindo na detecção de alterações agudas do estado nutricional, e de sofrer alterações por diversas outras razões não nutricionais, os níveis séricos de albumina são fortemente relacionados com aumentos na morbidade (tempo de internação prolongado, cicatrização deficiente de feridas) e da mortalidade. Por isso, é uma das variáveis mais frequentemente utilizadas para compor índices prognósticos sendo também considerado o melhor índice isolado de predição de complicações. A transferrina é uma beta globulina transportadora de ferro no plasma, sendo uma proteína de vida média intermediária (aproximadamente oito dias) entre a albumina e as proteínas de rápido turnover. Apesar do fato de que a vida média mais curta seja, teoricamente, uma vantagem sobre albumina, estudos clínicos não observaram diferenças significativas. Por isto, alguns autores afirmam que sua medição habitual, sem finalidade de pesquisa, não apresenta vantagem sobre a dosagem da albumina e outros já não incluem a transferrina na avaliação do estado proteico. A pré-albumina é uma proteína de transporte de hormônios tireoideanos que existe na circulação, formando um complexo com a proteína transportadora de retinol. Tem uma vida média de 2 a 3 dias, porém estudos não mostraram vantagem sobre a albumina, sendo considerada por outros autores como não confiável como índice de estado nutricional. 17 O Índice Creatinina-Altura é um método para avaliar a massa muscular corpórea baseando-se no fato de que 98% da creatinina está localizada nos músculos. É calculado a partir da dosagem da creatinina na urina de 24 horas, a qual deve ser rigorosamente coletada, impossibilitando seu uso em pacientes com insuficiência renal ou em uso de diuréticos, como na falência cardíaca ou hepática. A dependência de uma coleta de urina acurada e completa, e a exigência de dieta desprovida de carne podem dificultar a realização deste exame na prática clínica. O balanço nitrogenado permite monitorizar a adequação de terapia nutricional, avaliando o grau de equilíbrio entre a ingestão e a excreção urinária de nitrogênio. Quando a ingestão é suficiente para cobrir as perdas, obtém-se um balanço positivo (e.g. fase anabólica sucessiva a um evento catabólico, crescimento, atletas). Se, ao contrário, as perdas superam as introduções, verifica-se balanço negativo (e.g. trauma, sepse, queimaduras, fístulas etc.). Pelas dificuldades técnicas, sua precisão somente se viabiliza em pacientes internados em unidades metabólicas (5). O colesterol sérico compreende todo colesterol encontrado em várias lipoproteínas. É o componente estrutural importante da membrana celular e precursor para biossíntese de ácidos biliares e hormônios esteróides. A hipocolesterolemia (abaixo de 150mg/dl) tem sido estudada como índice prognóstico em desnutrição, com detecção de aumento da mortalidade e tempo de permanência hospitalar. Nível aumentado de colesterol sérico, é considerado fator de risco para doença coronariana (5). Os sinais clínicos nutricionais apresentam baixa especificidade para identificação de problemas nutricionais no indivíduo idoso. Isto ocorre porque muitos sinais podem ter como causa alterações fisiológicas decorrentes do processo de envelhecimento ou, ainda, a instalação de algum processo patológico não-nutricional (5). A antropometria no idoso é um importante indicador nutricional, mas as alterações biológicas que ocorrem com o envelhecimento modificam a composição corporal. As principais alterações são: diminuição da massa muscular, aumento da gordura corporal, e em alguns casos encurvamento da coluna e/ou o encurtamento das vértebras. Alguns autores sugerem que a flacidez da pele pode interferir na mensuração das dobras cutâneas, com resultados muitas vezes errôneos (6). 18 Dentre os parâmetros antropométricos utilizados para avaliação do estado nutricional, o mais utilizado na prática clínica atualmente é o Índice de Massa Corporal (IMC), por ser prático, de manejo simples e capaz de identificar facilmente a obesidade generalizada. Considera-se excesso de peso em paciente idoso quando os níveis de IMC situam-se acima de 27 kg/m2 (7). Em adultos, valores de IMC acima de 25 kg/m2 estão associados, de forma significativa, com maior risco de DCV, de forma independente do Escore de Framingham, e com aumento de morbidade, principalmente relacionada à Diabetes Mellitus (DM) e Doenças Cardiovasculares (DCV). Níveis de IMC acima de 30 kg/m2 levam a um aumento de mortalidade e morbidade associadas à DM, DCV e acidente vascular cerebral. O IMC não perde seu valor na avaliação de risco cardiovascular também quando associado à medida da obesidade abdominal. Em idosos pouco se tem estudado em relação aos pontos de corte do IMC para determinação de excesso de peso e sua associação com riscos à saúde. Assim sendo, valores inadequados poderiam estar sendo utilizados para pacientes geriátricos (7). Com o envelhecimento, ocorre aumento na gordura corporal total e redução do tecido muscular. Essas modificações no tecido muscular ocorrem, principalmente, em virtude da diminuição da atividade física e da taxa metabólica basal (3,4). A reserva de tecido muscular pode ser estimada pela circunferência muscular do braço (CMB) e circunferência da panturrilha (CP). A CMB, apesar de não levar em consideração a irregularidade no formato dos tecidos do braço, deve ser o indicador de escolha, tendo em vista que o Third National Health and Nutrition examination Survey (NHANES III) apresenta dados de referência para este indicador. A circunferência da panturrilha é considerada um indicador sensível de alterações musculares nos idosos e deve ser utilizada para monitorização dessas alterações. Quanto ao tecido adiposo, apesar das limitações, recomenda-se a utilização da prega cutânea triciptal (PCT) (8). Outras medidas utilizadas nos idosos são as circunferências da cintura (CC) e do quadril (CQ), já que com o envelhecimento há um maior acúmulo de gordura na região central. Os valores de circunferência da cintura são analisados isoladamente nos idosos (9). 19 Pontos de corte: Valores de Circunferências da Ccintura (CC) / cm considerados como risco para doenças associadas à obesidade CC Risco elevado Risco muito elevado Mulheres >= 80 >= 88 Homens >= 94 >= 102 (Fonte: World Health Organization, 1997) A Relação Cintura-Quadril (RCQ) é utilizada também, mas têm associação moderada com o acúmulo de gordura corporal (3, 10). Pontos de corte: Valores de risco da RCQ - Relação Cintura-Quadril (RCQ)/cm considerados como risco para doenças associadas à obesidade RCQ Risco elevado Mulheres < 1,00 Homens < 0,80 (Fonte: Bray, 1989). Por fim, a mensuração das dobras cutâneas também é muito utilizada pela facilidade e baixo custo. As dobras tricipital e subescapular têm relação direta com a quantidade de gordura total no corpo (12). Porém existem limitações que atrapalham a verificação dessas medidas em idosos, tais como edema, perda de peso e flacidez acentuada da pele. CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS Como podemos observar, a avaliação nutricional do idoso é bastante limitada no que diz respeito aos padrões de referência para exames bioquímicos, sinais clínicos e as medidas antropométricas, já que neste grupo etário várias são, as alterações nas medidas de composição corporal, estrutural e funcional. Os critérios de diagnóstico e dados de referências devem ser bastante específicos em razão das alterações que geralmente 20 acompanham o processo do envelhecimento. Neste sentido observamos a necessidade de maiores estudos para que a avaliação nutricional seja cada vez mais ajustada a este grupo, objetivando um diagnóstico nutricional mais preciso permitindo um planejamento de assistência nutricional adequado permitindo uma vida mais saudável e independente. REFERÊNCIAS 1- WELLMAN, NS & KAMP, BJ. “Nutrição e Edaísmo”. In MAHAN, KL & ESCOTT-STUMP, S. Krause: Alimentos, Nutrição & Dietoterapia. 12 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, 286-308. 2- OLIVEIRA, MRM & GALESI, LF. Capacidade funcional: indicador de estado nutricional entre idosos. Nestlé bio nutrição e saúde, 2010, 12 p23. 3- SAMPAIO, LR. Avaliação nutricional e envelhecimento. Rev.Nutr., Campinas, 2004, 17(4): 507-514. 4- PERISSINOTTO, E; PISENT, C; SERGI, G; GRIGOLETTO, F & ENZI, G. Anthropometric measurements in the elderly: Age and gender differences. Br J Nutr, 2002, 87: 177- 86. 5- Acuña K; Cruz T. Avaliação do estado nutricional de Adultos e Idosos e situação nacional da população brasileira. Arq Brás Endocrinol Metab, 2004, 48/ 3: 345-361. 6- Vitolo MR. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. Rio de Janeiro: Ed. Rubio, 2008. p 435 – 48. 7- CERVI, A; FRANCESCHINI, SCC; PRIORE, SE. Análise crítica do uso do índice de massa corporal para idosos. Rev. Nutr. Campinas, 2005,18/ 6. 8- ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (WHO). World Health Organization. Physical Status:The use and interpretation of anthtopometry. Genebra: World Health Organization, 1995. 9- WORLD HEALTH ORGANIZATION. Obesity: Preventing and managing the global epidemic. Geneva; 1997. 10- POULIOT, M-C, després, J-P, LEMIEUX, S, MOORJANI, S, BOUCHARD, C, Tremblay A, et al. Waist circunference and abdominal sagittal diameter: Best simple anthropometric indexes of abdominal visceral adipose tissue accumulation and related cardiovascular risk in men and women. Am J Cardiol 1994; 73(1):460-8. 21 11- BRAY, GA. Classification and evaluation of the obesities. Med Clin North Am 1989; 73:161-84. 12- CHUMLEA, WC & GUO, S. Equations for predictying stature in white and black elderly individuals. J Gerontology, v. 47, p. 197-203, 1992. 22