Olá, pessoal!
Trago à reflexão um artigo em que abordo alguns aspectos relativos à etapa do Lançamento da
Receita Orçamentária. Convido todos a visitarem o meu blog (www.alipiofilho.blogspot.com),
no qual poderão acessar inúmeros outros temas. Não deixem também de conferir a 3ª edição
do meu livro “Orçamento Público para Concursos”, recentemente lançado pela Editora Ferreira.
Fraternal abraço e boa leitura!
Alipio Filho
Rua das Marrecas, 15 – Centro – CEP 20031-120. Rio de Janeiro – RJ. Telefax: (21) 2544-3752/2544-9202
Reflexões acerca do lançamento da receita orçamentária: lançamento
de natureza financeira e lançamento de natureza tributária
O conceito de lançamento da receita orçamentária (lançamento de natureza financeira),
referido no art. 53 da Lei 4.320/64 (ato da repartição competente que verifica a procedência
do crédito fiscal e a pessoa que lhe é devedora e inscreve o débito desta), é comumente
associado ao lançamento tributário, previsto no art. 142 do Código Tributário Nacional (Lei
5.172/66): “procedimento administrativo que verifica a ocorrência do fato gerador da
obrigação correspondente, determina a matéria tributável, calcula o montante do tributo
devido, identifica o sujeito passivo e, sendo o caso, propõe a aplicação da penalidade cabível”.
O próprio Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público faz essa associação (tópico
3.5.2.1, MCASP, 6ª edição). Muito provavelmente também foi esse ponto de vista que orientou
a disposição de algumas contas no Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (PCASP),
destinadas ao controle do crédito das organizações públicas.
No PCASP da Federação, a conta Créditos a Curto Prazo (1.1.2.0.0.00.00) possui seis
subdivisões: Créditos Tributários a Receber (1.1.2.1.0.00.00), Clientes (1.1.2.2.0.00.00),
Créditos de Transferências a Receber (1.1.2.3.0.00.00), Empréstimos e Financiamentos
Concedidos (1.1.2.4.0.00.00), Dívida Ativa Tributária (1.1.2.5.0.00.00), Dívida Ativa não
Tributária (1.1.2.6.0.00.00). Note-se o destaque dado pelo Plano para o crédito tributário, em
detrimento dos demais créditos da Fazenda Pública, que, aliás, representa em muitos entes
federativos a maior fatia dos créditos de curto prazo. A nosso ver, o mais lógico seria
particionar os Créditos a Curto Prazo em dois grandes grupos de créditos: os Créditos
Tributários (1.1.2.1.0.00.00) e os Créditos não Tributários (1.1.2.2.0.00.00), alocando-se, a
partir desses dois troncos, as respectivas contas representativas de cada natureza de crédito
em grau mais analítico.
Discussões à parte, não podemos perder de vista que, muito embora os conceitos referidos em
ambas as legislações se comuniquem (uma vez que o pano de fundo é o mesmo), a definição
referida no art. 53 da Lei 4.320/64 é muito mais abrangente do que aquela abrigada no art.
142 do CTN. Esta dirige-se ao crédito tributário; aquela, ao crédito financeiro, sabidamente de
contornos muito mais amplos e de conteúdo mais abrangente.
O crédito financeiro contém o crédito tributário. Este está contido naquele. Essa tese é
reforçada pelo fato de a legislação tributária ser um ramo da legislação financeira. Aqui, temos
o gênero; ali, a espécie. Postos nesses termos, não há como tomarmos o lançamento tributário
como
sinônimo
do
lançamento
de
natureza
financeira.
Todo
lançamento
tributário
corresponde, de fato, a um lançamento de natureza financeira, mas a recíproca não é
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verdadeira. Com efeito, o crédito fiscal não se resume ao crédito tributário. Este representa
apenas uma parcela daquele. Em decorrência, há créditos de natureza financeira que não são
de natureza tributária. A própria Lei 4.320/64 sutilmente fez essa distinção ao se referir à
dívida ativa. Distinguiu duas modalidades de dívidas: a tributária e a não tributária (art. 39).
Conquanto ambas sejam créditos da Fazenda Pública, a primeira possui raiz nas rendas
provenientes dos impostos, taxas e contribuições de melhoria; enquanto a última tem origem
nas demais categorias de ingressos públicos (receitas de contribuição, patrimonial, industrial,
agropecuária etc.). Não resta espaço para tomarmos o lançamento tributário como sinônimo
do lançamento financeiro. Enquanto o art. 142 do CTN alude tão somente ao lançamento
tributário, a referência feita no art. 53 da Lei 4.320/64 é muito mais abrangente, dirigindo-se a
toda e qualquer espécie de lançamento, tributário ou não.
E quais são as transações do setor público que devem ser objeto do lançamento de natureza
financeira? Quem responde a esse questionamento é o art. 52 da Lei 4.320/64: São objeto de
lançamento os impostos diretos e quaisquer outras rendas com vencimento determinado em
lei, regulamento ou contrato. Ou seja, tanto os créditos tributários quanto os créditos não
tributários serão objeto de lançamento. Vê-se, por aí, a abrangência da legislação financeira.
Dois anos antes da edição do CTN ela já fazia referência aos créditos tributários. E não poderia
ser diferente dada, como vimos, a sua maior abrangência no tratamento da atividade
financeira estatal. O que fez o CTN dois anos depois foi detalhar melhor o conceito, lapidandoo, já que se tratava (como também na atualidade) de uma legislação mais específica.
Analisemos brevemente esse dispositivo.
O conteúdo é taxativo: são objeto de lançamento (...). Não há meio-termo. O lançamento tem
de ser feito. É um imperativo legislativo. Não há como lhe recusar a aplicação. A ordem é
dirigida tanto ao contador público quanto ao servidor das unidades tributárias.
Em seguida, o dispositivo determina qual o universo de incidência do lançamento (de natureza
financeira): os impostos diretos e quaisquer outras rendas com vencimento determinado em
lei, regulamento ou contrato.
Os impostos diretos são aqueles que recaem diretamente sobre a riqueza estática, isto é,
enquanto não movimentados. É a hipótese do imposto sobre a renda e proventos de qualquer
natureza, do imposto predial e territorial urbano, do imposto territorial rural e do IPVA.
Claramente o dispositivo faz referência a elementos tributários representados aqui pelos
impostos. Mas sabemos que os impostos não são constituídos unicamente pelos tributos
diretos. Convivem com eles os impostos indiretos, incidentes sobre a riqueza em circulação
(ICMS, ISSQN, ITBI etc.). Ao lado deles, há, ainda, as taxas e as contribuições de melhoria.
Portanto, qualquer que seja a renda tributária, desde que possua vencimento determinado em
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lei, regulamento ou contrato, deverá ela ser objeto de lançamento (tributário). E sabemos que
a carga tributária possui data para ser recolhida pelas pessoas físicas e jurídicas. Ela ocorre,
normalmente, no mês subsequente à ocorrência do fato gerador. Alguns outros tributos, como
o IPTU e o IPVA, cobrados uma única vez por ano, são encaminhados para pagamento único
ou parcelado, com datas preestabelecidas. Serão, portanto, objeto de lançamento tributário (e
de natureza financeira).
Todavia, o dispositivo não se referiu apenas às arrecadações de natureza tributária. Sua
concepção foi muito mais ampla. Abrigou toda e qualquer renda (cujo vencimento fosse
determinado em lei, regulamento ou contrato). E quais são essas rendas? Vamos a algumas
exemplificações.
Rendas provenientes de autorizações de uso de bem público: “A autorização constitui
ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração faculta ao
particular o uso privativo de bem público, o desempenho de atividade material, ou a prática de
ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos”1. É comum os órgãos públicos
cederem espaços de sua sede para lá os particulares instalarem cantinas e restaurantes, a fim
de atender às necessidades de seus servidores. A relação é regulada mediante um contrato no
qual são postas as obrigações/direitos das partes contratantes. Pois bem. Caso o Poder Público
cobre algum percentual de tais estabelecimentos (calculados sobre o faturamento ou outro
parâmetro), tais receitas terão de ser recolhidas aos cofres públicos em data predeterminada,
a cada mês. Note-se que se trata de renda com vencimento fixado em contrato, sujeito,
portanto, ao lançamento de natureza financeira (não tributário). Com efeito, caberá ao
contador público registrá-lo na contabilidade do órgão contratante logo no início do ano, a
título de créditos a receber. Mês a mês, na medida em que tais rendas forem sendo pagas,
haverá a competente baixa do crédito em contrapartida com a conta Caixa e Equivalente de
Caixa.
Rendas provenientes de taxas de ocupação, foros e laudêmios: todas são rendas
patrimoniais, isto é, de natureza não tributária. Correspondem a receitas patrimoniais
imobiliárias. Na União, são administradas pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
Segundo a SPU, o laudêmio é uma taxa a ser paga à União quando de uma transação com
escritura definitiva de compra e venda, em terrenos de marinha. Os terrenos de marinha são
caracterizados pelo Decreto Federal 9.760/46: “são terrenos de marinha em uma profundidade
de 33 metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, da posição da linha da preamarmédia de 1.831: a) Os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e
lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) Os que contornam as ilhas, situados
1
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2000, p. 211.
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em zonas onde se faça sentir a influência das marés”. Há incidência do laudêmio quando há
transferência desses bens localizados nos terrenos de marinha. O foro é o que se paga à União
por não se ter o domínio pleno do imóvel, enquanto a Taxa de Ocupação refere-se a um direito
precário sobre um imóvel e caracterizado pela existência de benfeitorias. Pois bem.
Anualmente, a União cobra os foros e as taxas de ocupação. O pagamento poderá ser feito por
intermédio de parcela única ou dividido em mais de uma parcela, semelhante ao que ocorre
com o IPTU. Note-se que tais rendas também possuem vencimentos prefixados. Todas são
reguladas pelo Decreto-Lei 2.398/87. O art. 2º desse normativo determina que o ministro da
Fazenda, mediante portaria, estabelecerá os prazos para o recolhimento de foros e taxas de
ocupação relativos a terrenos da União, podendo autorizar o parcelamento em até oito cotas
mensais. Foi a hipótese da Portaria 127, de 23 de abril de 2014, que disciplinou a cobrança
dos foros e taxas de ocupação naquele ano. Com efeito, também aqui como ali, a renda
proveniente de tais institutos também deverão ser objeto de lançamento pela contabilidade
(seguindo o lançamento de natureza financeira).
Rendas provenientes de aluguéis: também são rendas que ingressam periodicamente nos
cofres públicos, sujeitas, portanto, a vencimento fixado em leis, regulamentos ou contratos.
Caso existam rendas provenientes dessa fonte de recursos, também deverão ser objeto do
lançamento contábil como as demais.
Rendas provenientes de aplicações de recursos em fundos de investimentos: é
comum as organizações públicas aplicarem recursos no sistema financeiro, a fim de garantir
algum rendimento. Os bancos creditam o valor dos rendimentos periodicamente. A
contabilidade deverá fazer o registro antecipado do crédito a receber baixando-o sempre que a
instituição financeira creditar o valor correspondente nas disponibilidades do órgão.
Essas são algumas das rendas que poderão ser objeto de registro contábil. Todas de natureza
não tributária, mas que se enquadram perfeitamente nas condições descritas no art. 52 da Lei
4.320/64. E qual o parâmetro que a Contabilidade Aplicada ao Setor Público toma para fazer o
registro contábil do crédito da Fazenda Pública? O lançamento de natureza financeira ou o
lançamento de natureza tributária? Conforme referido no início desses nossos comentários,
historicamente falando, a doutrina contábil sempre se orientou pelo lançamento de natureza
tributária para proceder à contabilização do lançamento (da receita orçamentária). O problema
é que essa conduta acabou gerando uma grande lacuna na contabilidade dos entes
federativos, já que, conforme comentado, muitas rendas não tributárias deixaram de ser
escrituradas como créditos a receber, a exemplo das rendas por nós referidas nesses nossos
comentários (rendas provenientes de autorizações de uso de bem público, rendas provenientes
de taxas de ocupação, foros e laudêmios, rendas provenientes de aluguéis, rendas
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provenientes de aplicações de recursos em fundos de investimentos). Em relação a tais
categorias de créditos da Fazenda Pública, a Contabilidade Governamental ainda pratica o
regime de caixa: somente quando ingressam nas disponibilidades é que são objeto de registro
contábil. Não há (como ocorre com as rendas tributárias, notadamente os impostos) o registro
prévio do crédito da Fazenda Pública (regime de Competência). Se fosse aplicada a mesma
metodologia de tratamento, o registro contábil do Crédito da Fazenda Pública relativo às
rendas provenientes das autorizações de uso de bem público seria o seguinte:
D – Créditos de Natureza não Tributária (Classe 1)
C – Variações Patrimoniais Aumentativas (Classe 4)
Posteriormente, ao longo do exercício, na medida em que o autorizatário fosse quitando o seu
débito para com o órgão contratante, o lançamento seria:
D – Caixa e Equivalente de Caixa (Classe 1)
C – Créditos de Natureza não Tributária (Classe 1)
Esperamos que num futuro próximo a falha seja corrigida, a fim de que a Contabilidade
Aplicada ao Setor Público efetivamente contribua para a geração de informações fidedignas no
setor governamental.
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