Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 22, no. 3, Setembro, 2000 299 As Propriedades Magneticas da Materia: um Primeiro Contato (The magnetic properties of matter: A rst contact) Giuliano Augustus Pavan Ribeiro Departamento de Fsica, UFSCar Caixa Postal 676, CEP: 13565-905, S~ao Carlos - SP, Brasil E-mail: [email protected] Recebido em 15 de Janeiro, 2000. Aceito em 20 de Julho, 2000 Utilizou-se um tratamento macroscopico n~ao rigoroso, para abordar alguns elementos basicos de magnetismo, na tentativa de entender as origens do magnetismo desde o incio dos seus estudos na idade antiga ate epocas mais recentes, discutindo as fases magneticas (Diamagnetismo, Paramagnetismo, Ferromagnetismo, Antiferromagnetismo). I Introduc~ao Os fen^omenos magneticos s~ao largamente utilizados no desenvolvimento de novas tecnologias, desde sistemas de gerac~ao e distribuic~ao de energia (hidreletricas, entre outros), a sistemas de convers~ao eletromec^anica (eletrodomesticos, automoveis), eletr^onicos e de telecomunicac~oes, transdutores, sensoriamento, prospecc~ao geologica, informatica, automac~ao industrial ate a medicina e a engenharia biomedica. Isto so foi possvel com o entendimento dos fen^omenos magneticos, e com a descoberta de novos materias magneticos. Fen^omenos estes que s~ao rigorosamente descritos pela mec^anica qu^antica e pela mec^anica estatstica, mas que podem ser compreendidos em uma primeira analise utilizando-se uma abordagem macroscopica, possibilitando assim a aplicac~ao de conceitos de fsica classica. Embora o magnetismo n~ao receba a ^enfase necessaria no ensino medio, esta muito presente em nossa vida. Pois desde o m~a que colocamos na porta geladeira ate a memoria (HD-hard disk) do computador, ou mesmo as tas cassete que utilizamos para armazenar as nossas musicas preferidas, utilizam fen^omenos e materiais magneticos. Neste trabalho utilizou-se um tratamento macroscopico n~ao rigoroso para abordar alguns elementos basicos de magnetismo, na tentativa de entender as origens do magnetismo desde o incio dos seus estudos na idade antiga ate epocas mais recentes, discutindo algumas fases magneticas como o Diamagnetismo, o Paramagnetismo, o Ferromagnetismo e o Antiferromagnetismo. Dando assim, uma vis~ao geral e introdutorio ao tema magnetismo que hoje e t~ao abrangente e esta t~ao presente em nossas vidas. II Aspectos Historicos A palavra magnetismo esta associada ao fen^omeno pelo qual um ente tem o poder de atrair e inuenciar outro ente. Sua origem esta ligada ao nome de uma cidade da regi~ao da antiga Turquia, que era rica em minerio de ferro, a Magnesia. Provavelmente foram os gregos, quem primeiro reetiram sobre as propriedades da magnetita (Fe2 O4 ). Este mineral que no seu estado natural, frequentemente t^em o poder de atrair o ferro e outros metais, era extrado na provncia da Magnesia. A magnetita e citada pelos gregos por volta de 800 a.C. O pensamento e a losoa grega, dominaram todo conhecimento neste tema nos vinte e tr^es seculos seguintes. Pois uma caracterstica da losoa grega era a de n~ao buscar a explicac~ao e predic~ao das maravilhas da natureza, mas sim compreend^e-las no campo das ideias. Os representantes de uma importante escola de losoa, os animistas, ao defrontarem-se com as extraordinarias propriedades da magnetita, as atribuiram a origem divina. Thales de Mileto, e posteriormente Anaxagoras e outros, acreditavam que a magnetita possuia alma, ou seja, possuia vontade propria. A escola dos mecanicistas, ou atomistas, cujas teorias eram deduc~oes de varias concepc~oes metafsicas, com pequena relac~ao com o que nos poderamos hoje considerar como fatos, atribuiam as propriedades da magnetita a exist^encia de umidade no ferro da qual a secura da magnetita (m~a) se alimentava. A ideia dos m~as se alimentarem da humidade do ferro era tambem 300 uma superstic~ao, mas ja se pensavam em dois elementos, ou seja, a umidade e a secura que representariam dois elementos opostos que se complementariam como os polos norte e sul. O poder que o ferro magnetizado t^em de atrair outros pedacos de ferro era bem conhecido por Plat~ao e Lucretius, mas talvez estes estivessem entre os primeiros a notar que os materiais magneticos poderiam se repelir tambem. A explicac~ao para este fato ainda aguardava a elaborac~ao do conceito de polo magnetico para uma melhor explicac~ao dos fen^omenos de repuls~ao e atrac~ao.[2] A primeira aplicac~ao tecnologica magnetica, e a bussola, o perodo e o lugar de seu surgimento e assunto de disputa entre historiadores. Parte consideravel arma que o lugar foi a China, em algum tempo entre 2637 a.C. e 1100 d.C.[2] Outras fontes assumem que a bussola foi introduzida na China no seculo XIII, e os pioneiros na sua utilizac~ao foram os A rabes. Entretanto todos concordam que a bussola era certamente conhecida no oeste da Europa por volta do seculo XII, pois a primeira refer^encia sobre a sua utilizac~ao foi feita por Alexander Neckma (1157-1217). A primeira e mais importante tentativa experimental de entender o magnetismo, foi devida a Pierre Pelerin de Maricourt(1240-?) tambem conhecido como Petrus Peregrinus, que escreveu o mais antigo tratado de fsica experimental em 1269. Este fez experi^encias com uma magnetita esferica, colocando pedacos de m~a em varias regi~oes, tracou as linhas de campo magnetico que se interceptavam em dois pontos. Estes pontos foram chamados de polos dom~a, como analogia aos polos (geogracos) da Terra, sendo que o polo sul de um im~a aponta aproximadamente para o polo norte do planeta. Dos losofos naturais que estudaram magnetismo, o mais famoso e William Gilbert de Colchester (15441603), chamado de \Pai do Magnetismo ", pois sistematizou as especulac~oes sobre o assunto. Vinte anos a frente de Sir Francis Bacon, foi um rme defensor do que nos chamamos hoje de metodo experimental. De Magnete foi sua obra-prima, dezessete anos do seu trabalho registrado, contendo todos os seus resultados. Nesta foi reunido todo o conhecimento sobre magnetismo digno de conanca de seu tempo, junto com suas maiores contribuic~oes. Entre outros experimentos, foram reproduzidos aqueles executados tr^es seculos antes por Peregrinus com a magnetita esferica que foi chamada de terrella (pequena terra), pois Gilbert a idealizou como sendo um modelo atual da Terra e assim foi o primeiro a armar que a Terra e um m~a, ou seja, possui um campo magnetico proprio. Os fen^omenos magneticos passaram a ser melhor modelados, a partir do seculo XIX, com a descoberta de sua correlac~ao com a eletricidade. Em 1820, Oersted descobriu que uma corrente eletrica passando por um o tambem produzia efeito magnetico, mudando a orientac~ao da agulha de uma Giuliano Augustus Pavan Ribeiro bussola. Posteriormente, Ampere formulou a lei que relaciona o campo magnetico gerado com a intensidade de corrente no o e em 1831, Faraday e Henry, descobriram que um campo magnetico variavel induzia uma corrente eletrica em um circuito. Apos a descoberta dos efeitos magneticos das correntes, foi sugerido por Ampere, que a magnetizaca~o de meios materiais (m~as permanentes) deveriam se originar de correntes microscopicas, que foram denominadas correntes de Ampere. Assim todos os fen^omenos magneticos seriam gerados por correntes, da mesma forma que todos os efeitos eletricos s~ao gerados pelos portadores de carga (eletron). III Correntes de Ampere e Magnetizaca~o Deixando momentaneamente os aspectos microscopicos de lado, ou seja, a origem das correntes de Ampere, vamos considerar uma barra cilndrica uniformemente imantada na direca~o axial z^. Segundo Ampere, a magnetizac~ao resulta de correntes microscopicas, que podem ser correntes circulares e em um plano perpendicular a z^. A homogeneidade da distribuic~ao das correntes faz com que a corrente em qualquer curva interior seja zero, pois as contruibuic~oes internas s~ao canceladas aos pares. Como fora do material n~ao existem correntes para anular a contribuic~ao interna, resultara em uma corrente supercial, conforme a Fig. (1). Figura 1. Correntes de Ampere.[3] Seja jm a intensidade de corrente por unidade de comprimento, ent~ao a densidade de corrente supercial e denida como: di = jm dz sendo di '^ ;! j m = dz Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 22, no. 3, Setembro, 2000 Usando a denic~ao de momento de dipolo magnetico de uma espira anular de altura dz percorrida por uma corrente di, d;! m = (di) A^z d m ;! = jm dV sendo A e a area da espira e dV e o volume Sdz, veja Fig. (2). 301 Os fen^omenos magneticos podem ser expressos por duas grandezas: o vetor induc~ao magnetica ;! B e o vetor ; ! intensidade de campo magnetico H . Enquanto ;! H , e relacionado com a corrente que cria o campo (corrente de conduc~ao), ;! B , depende tanto da corrente de conduc~ao, quanto da magnetizac~ao do meio, ou seja, da correntes de Ampere (assim, B e a resposta a um campo externo (H) aplicado em um material magnetico). ;! B e ;! H se relacionam pela equac~ao (SI), ;! ; ! ; ! B = 0 H + M sendo 0 a permeabilidade magnetica no vacuo. A resposta do material a um campo magnetico apli! e cado ;! H , caracterizada pelo comportamento de ; M, representado pela susceptibilidade magnetica m do meio, que para meios de resposta linear (m e independente de H), homeg^eneos e isotropicos (caso contrario a susceptibilidade magnetica seria um tensor n~ao diagonal). ! = ;! Como; M H , ou seja, meio de resposta linear e ;! ; ! ; ! B = 0 H + M = 0 (1 + ) ;! H = ;! H ent~ao ;! B = ;! H Figura 2. Espira anular de altura dz.[3] O comportamento dos materiais magneticos em um campo magnetico externo e determinado pela origem de seus dipolos magneticos e pela natureza da interac~ao entre eles. Os dipolos magneticos t^em origem no momento angular orbital e no spin dos eletrons nos ons ou atomos que formam a materia, portanto depende da distribuica~o eletr^onica dos atomos e moleculas. A grandeza macroscopica que representa o estado magnetico de um material e o vetor magnetizac~ao, representado pela letra M e e denida como: m ; ! = d;! M dV : ;! ;! Como pode vericar-se ; j! m = M ^ = M n^ (pois '^ = z^ ^), onde n^ e a normal externa a superfcie, ; j! m e a densidade de corrente supercial de magnetizac~ao (corrente por unidade de comprimento). Para uma magnetizac~ao inomog^enea (que varie em ponto diversos ponto do material) M = M (x; y; z), corresponde a uma densidade volumetrica de corrente de magnetizac~ao ;! J m (corrente por unidade de area), z @My Jm jx = @M @y ; @z ; que corresponde a componente x de Jm , e que pode ser ! representada na forma vetorial (;! J m =r; M). onde e a permeabilidade magnetica. E a relac~ao entre e , = 0 (1 + ) que e a permeabilidade magnetica do material. IV Fases Magneticas Podemos classicar as diversas fases magneticas de acordo com a origem microscopica de sua magnetizaca~o e de suas interac~oes internas. Os principais tipos de fases magneticas s~ao o Diamagnetismo, Paramagnetismo, Ferromagnetismo, Antiferromagnetismo, entre outros. A seguir vamos discutir estes, utilizando uma abordagem macroscopica para que se tenha uma ideia dos diferentes tipos de comportamento magnetico. IV.1 Diamagnetismo Diamagnetismo em geral corresponde ao tipo mais fraco de resposta magnetica de um sistema, caracterizado por susceptibilidade negativa e da ordem de m ~10;5 (SI) (o fato deste valor ser negativo e justicado pela Lei de Lenz: esta e uma lei que diz que um circuito submetido a um campo magnetico externo variavel, cria um campo contrario opondo-se a variac~ao deste campo externo). O seu efeito e diminuir o modulo campo no 302 Giuliano Augustus Pavan Ribeiro interior do material. Esta presente em todos os materiais, ou seja, todo material e diamagnetico, mas isto so e observado quando n~ao existem outros tipos de comportamento magneticos superpostos. Materiais diamagn tomost^em momento eticos os a ; ! ; ! ; ! angular total nulo J = L + S = ;! 0 , ou seja, n~ao possuem momento de dipolo magnetico intrnseco, ele e induzido pelo campo magnetico externo, sendo L o momento angular orbital e S o momento de spin IV.2 Paramagnetismo Paramagnetismo e o fen^omeno que ocorre em materiais que possuem momentos magneticos intrnsecos n~ao interagentes entre si. Na aus^encia de campo magnetico nestes materiais a magnetizac~ao e nula. A aplicac~ao de um campo externo ;! H tendera a alinhar os dipolos na direc~ao do campo magnetico, pois esta congurac~ao e energeticamente favorecida (o mnimo de energia ! e ;! e quando ; M H est~ao alinhados, cando evidente atraves da relac~ao U = ;;! m:;! H = mH(; cos()). Por isso, os materiais paramagneticos t^em susceptibilidade magnetica positiva, com ordem de grandeza entre 10;5 e 10;3(SI). A tend^encia ao alinhamento encontra oposica~o na agitac~ao termica, assim a susceptibilidade paramagnetica deve depender da temperatura (T), diminuindo quando esta aumenta. Alguns materiais paramagneticos s~ao os metais de elementos n~ao magneticos, isolantes, os materiais que contem atomos livres ou ons de elementos dos actindeos, entre outros. O paramagnetismo pode ter diferentes origens, dois aspectos s~ao frequentemente usados para determinar a origem do paramagnetismo: a magnitude de e a depend^encia da susceptibilidade com a temperatura (T ). Para o paramagnetismo de Curie, existe uma interaca~o que tenta alinhar os momentos magneticos nos atomos com o campo magnetico. A depend^encia com a temperatura e resultado da competic~ao entre a tend^encia que alinha os momentos paralelos ao campo e a tend^encia da agitac~ao termica em romper este alinhamento. A depend^encia de 1= com T e linear, ou seja, diminui quando T aumenta. Quando uma pequena interac~ao entre os momentos magneticos de diferentes atomos e adicionada a interac~ao com campo magnetico aplicado, temos o paramagnetismo de Curie-Weiss. Esta interac~ao entre os momentos (interac~ao de troca) pode ajudar a alinhar momentos adjacentes na mesma direc~ao ou pode ajudar a alinhar a vizinhanca na direc~ao oposta. A susceptibilidade de Curie-Weiss e dada por: CW = T C; sendo a chamada temperatura de Curie. esta relacionada com a intensidade da interac~ao entre os dipolos, e o sinal informa se esta interac~ao ajuda a alinhar os momentos na mesma direc~ao ( > 0), neste caso existe uma rede de interac~ao ferromagnetica e para Tc = , onde Tc e a temperatura de Curie o sistema sofre uma transic~ao ferromagnetica ou se ajuda a alinhar os dipolos na direc~ao oposta ao campo ( < 0), neste caso existe uma rede de interac~ao antiferromagnetica entre os momentos. Este caso se tornara mais claro quando falarmos sobre ferromagnetismo, conforme a Fig. (3). Figura 3. Paramagnetismo de Curie-Weiss. Outra forma de paramagnetismo e o de Pauli, que e observado em metais e e devido ao fato dos eletrons de conduc~ao terem momentos magneticos que podem ser a linhados com o campo aplicado (a banda de conduc~ao e separada em duas com aplicac~ao do campo, uma com eletrons de spin 1=2 e outra com eletrons de spin ;1=2, o momento magnetico resultante dessas bandas tem a direc~ao do campo, caracterizando o paramagnetismo). Uma caracterstica do paramagnetismo de Pauli e que e aproximadamente independente da temperatura e em muitos casos tem valor muito pequeno. IV.3 Ferromagnetismo Alguns elementos do grupo de transica~o, como o ferro, nquel e cobalto puros ou em ligas com outros elementos, apresentam uma alta magnetizac~ao espont^anea abaixo da temperatura de Curie (TC ). Essa alta magnetizac~ao nos materiais ferromagneticos esta relacionada ao fato destes possurem momentos de dipolo magnetico intrnsecos altamente interagentes que se alinham paralelamente entre si. Exemplos de elementos ferromagneticos s~ao o Ferro (numero at^omico 26), Cobalto (27), Nquel (28), Gadolnio (64), Terbio (65), Dyprosio (66), Holmio (67), E rbio (68), Tulio (69). O modulo da magnetizac~ao em materiais ferromagneticos e varias ordens de grandeza maior do que Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 22, no. 3, Setembro, 2000 303 em materiais paramagneticos e diamagneticos, e a sua relac~ao com o campo ;! H e n~ao linear. A curva de magnetizac~ao n~ao depende somente do material, mas do tratamento (termico, magnetico) a que este foi submetido, ou seja, de sua historia anterior. Por isso, costumam-se dizer que os materiais ferromagneticos possuem memoria ou uma func~ao memoria (H). Figura 5. Magnetizac~ao em func~ao da temperatura.[4] Figura 4. Ciclo de Histeres.[3] Na Fig. (4), o comportamento de M em func~ao de H e caracterstico de um material magneticamente duro como o aco temperado (preparado por aquecimento seguindo de resfriamento brusco). Aplicandose um campo no material inicialmente desmagnetizado, este seguira a curva pontilhada ate atingir um patamar constante chamado de magnetizac~ao de saturaca~o (MS ). Diminuindo o campo a partir deste valor, M descresce mais lentamente seguindo a sentido dado pela seta ate um valor residual da magnetizac~ao para um campo nulo chamado de magnetizac~ao remanente (Mr ), onde o material permanece magnetizado sem aplicac ~ao de campo como os m~a de geladeira. Invertendo o sentido do campo segue no mesmo sentido da curva para valores de M menores que Mr ate que a magnetizac~ao se anule para um determinado valor de campo chamado de campo coercivo (HC ). E se continuarmos a variar o modulo do campo chegaremos novamente a uma regi~ao de saturac~ao e repetindo o ciclo no sentido inverso obtemos uma curva fechada que e o chamado ciclo de histerese. Para um material como o ferro doce, em geral preparado por aquecimento ate uma temperatura elevada, seguida de resfriamento lento (processo de recozimento) tambem possui um ciclo de histerese, mas a sua largura e muito pequena aparentando ser uma curva unvoca. A magnetizac~ao diminui com o aumento da temperatura e anula-se acima de TC , conforme a Fig. (5). Uma aplicac~ao da memoria caracterstica destes materiais e a gravac~ao de mdia magnetica, memorias permanentes, dispositivos eletr^onicos e outras. Os materias ferromagneticos s~ao os materiais mais utilizados na industria eletr^onica, juntamente com os semicondutores. A primeira explicac~ao do ferromagnetismo foi dada em 1907 por Pierre Weiss. Este prop^os que o campo efetivo (tambem chamado de campo interno, ou campo molecular) que atua sobre cada atomo deveria considerar a interac~ao entre os momentos de dipolo magnetico dos outros atomos, sendo assim proporcional a magnetizac~ao. ;! ! H ef = ;! H + W; M onde W um constante positiva. Substituindo-se na lei de Curie para uma temperatura inferior a temperatura de Curie (TC ). ;M ! = C ;! T H ef e resolvendo em paraM, que podemos indenticar com ; ! ; ! C a lei de Curie-Weiss M = T ;C H C = CW Esta relac~ao permite obter o valor de W e da contribuic~ao campo interno, pois TC pode ser obtido experimentalmente e C e um constante fundamental conhecida. A natureza do campo interno so foi entendida com o advento da mec^anica qu^antica, quando foi proposta uma explicac~ao por Heisenberg em 1927 que obteve grande ^exito. Se olharmos microscopicamente o ferromagnetismo e em grande parte devido ao spin dos eletrons, ou melhor, da interac~ao entre estes (interaca~o de troca). Para T >TC , embora exista interaca~o entre os spins, esta interac~ao e suprimida pela agitaca~o termica e assim n~ao comportam-se cooperativamente, 304 Giuliano Augustus Pavan Ribeiro aparentando que n~ao existe interac~ao entre os spins, dando origem ao paramagnetismo de Curie-Weiss. Se abaixarmos a temperatura a interac~ao entre os spins passa a ser cada vez mais relevante, e para T TC os efeitos da agitac~ao termica s~ao pequenos em relac~ao as forcas de interac~ao entre os momentos magneticos e os spins devem se alinhar ( aumentando as forcas de interac~ao e assim o campo interno). Este alinhamento faz com que exista um campo interno sem a presenca de um campo externo, que e a magnetizac~ao espont^anea dos m~a de geladeira. Assim o fator que determina a magnitude da magnetizac~ao e o numero de spins eletr^onicos por unidade de volume da subst^ancia que somados contribuem para a magnetizac~ao resultante. Para o ferro o numero medio de spins eletr^onicos por atomo e hni = 2:2 possuindo um magneton de Bohr B = 9:27 10;24 J/T, e o numero de atomos por m3 no ferro e N = 8:3 1023. A magnetizac~ao espont^anea pode ser estimada da seguinte maneira: M = N B hni ; ; = 8:3 1020 : 9:27 10;24 :(2:2) 1:7 10;2 A=m Figura 6. Domnios Magneticos.[3] A forma e o tamanho dos domnios s~ao determinados pela condic~ao de menor energia, a fronteira entre os domnios magneticos n~ao e brusca, pois caso contrario haveria uma energia de interac~ao entre as diferentes orientac~oes muito grande, por isso na fronteira existe a formac~ao de uma camada onde a orientaca~o dos momentos magneticos varia gradualmente, minimizando a energia de interac~ao necessaria para manter tal congurac~ao. Essa fronteira e a chamada parede de domnio, ou parede de Bloch, veja Fig. (7). IV.3.1 Domnios de Weiss A magnetizac~ao total de um material ferromagnetico sem campo aplicado e em geral muito menor do que a estimativa da magnetizac~ao calculada na sec~ao anterior. Isto se deve ao fato de uma ser uma soma vetorial e a outra escalar dos momentos de dipolo magnetico cuja diferenca pode ser entendida com o conceito de domnios magneticos. Em um material ferromagnetico a uma temperatura bem abaixo da temperatura de Curie, os momentos magneticos tendem a se alinhar, mesmo na aus^encia de campo externo. Se este alinhamento ocorrer em todo material, a magnetizac~ao sera uniforme, como na Fig. (6-a). Neste caso e criado um campo macroscopico externo, cuja energia magnetica necessaria para mant^e-lo em todo o volume V e dada por: Em = Z Z Z v o H 2dv 2 que e uma quantidade de energia relativamente grande se comparada a outras congurac~oes possveis, de um modo geral e uma congurac~ao instavel. Se metade da amostra possuir magnetizac~ao num sentido e metade na outra, como na Fig. (6-b), essa energia tambem deve ser reduzida . No caso da Fig. (6-c) a magnetizaca~o total e nula, ou seja, n~ao existe campo magnetico no exterior do material. Figura 7. Variac~ao gradual no entorno das paredes de domnio.[4] Essas paredes de domnios se movimentamquando a amostra esta sob a ac~ao de um campo externo. Se partirmos da condic~ao campo igual a zero e comecarmos a aumentar o campo numa dada direc~ao, as paredes v~ao se deslocando, ou seja, ir~ao prevalecer as regi~oes que possuem uma maior componente da magnetizaca~o na direc~ao do campo e suprimindo as regi~oes que possuem maior componente da magnetizac~ao no sentido oposto ao campo externo aplicado. Dependendo do modulo do campo externo (intensidade), alguns domnios deixar~ao de existir, e quando o campo for grande o suciente restara um unico domnio magnetico, um mono-domnio, como mostrado na Fig. (8). Um exemplo seria um m~a com os polo norte e polo sul bem denidos. Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 22, no. 3, Setembro, 2000 305 Um bom exemplo de antiferromagneto e o cromo. Figura 10. Antiferromagnetismo. Figura 8. Movimento das paredes de domnio. IV.4 Antiferromagnetismo O antiferromagnetismo, como o ferromagnetismo e originado pela interac~ao entre os spins, mas esta tende a alinhar os momentos magneticos (spin) em direc~oes opostas ( = CW < 0) , assim os momentos vizinhos se cancelam mutuamente. O comportamento da magnetizac~ao em func~ao do campo (M (H)) e semelhante a de um paramagneto, mas as origens deste comportamento para um antiferromagneto s~ao totalmente diferentes, pois este e um estado ordenado de longo alcance, enquanto o paramagnetismo e um estado desordenado. Os momentos magneticos s~ao alinhados em uma congurac~ao alternada, como na Fig. (9). V Considerac~oes Finais A abordagem utilizada neste trabalho visou fornecer uma vis~ao mais abrangente e menos tecnica, pois apresentamos de uma maneira informal como o pensamento sobre os fen^omenos magneticos evoluiu desde a idade antiga ate epocas recentes, e usamos argumentos macroscocopicos para entender algumas das fases magneticas e as diferencas entre estas. Esta abordagem, embora simplista concorda razoavelmente bem com os resultados da Mec^anica Qu^antica (na mesma ordem de grandeza), e e muito util para as pessoas terem um primeiro contato com o topico magnetismo possibilitando uma interpretac~ao mais clara, ou seja, menos matematica, dos fen^omenos envolvidos. Agradecimentos Agradeco ao Adilson J. A. de Oliveira do Grupo de Supercondutividade e Magnetismo do Departamento de Fsica da UFSCar, por sua orientac~ao, suas crticas e sugest~oes a este trabalho e ao PET/CAPES que me fomentou durante o perodo de realizac~ao deste estudo. Refer^encias Figura 9. Ordenamento dos momentos de dipolo magneticos em um antiferromagneto. A depend^encia com a temperatura de um antiferromagneto e mostrada na Fig. (10), onde a N = CW determina a intensidade de interac~ao entre os momentos de dipolo e TN e a temperatura de Neel, onde ocorre um transic~ao de fase do antiferromagnetismo para o paramagnetismo de Curie-Weiss = T ;C N [1] LEE, E. W., Magnetism: An introdutory Survey, Dover Books, New York, 1970. [2] MATTIS, D. C., The theory of Magnetism I, SpringerVerlag Berlin Heidelberg, New York, 1932. [3] NUSSENZVEIG, H. Moyses, Fsica Basica v. 3, Ed. Edgar Blucher Ltda, 1997. [4] REZENDE, Sergio M., Fsica de Materiais e Dispositivos Eletr^onicos, Ed. UFPE, 1996. [5] REITZ, John R., Fundamentos da Teoria Eletromagnetica, Ed. Campos, Rio de Janeiro, 1982.