I UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Explicações teleológicas no ensino de evolução: um estudo sobre os saberes mobilizados por professores de Biologia Maicon J. C. Azevedo NITERÓI 2007 I Explicações teleológicas no ensino de evolução: um estudo sobre os saberes mobilizados por professores de Biologia Maicon J. C. Azevedo Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Prof.a Dra. Sandra L. Escovedo Selles. Co-orientadora: Prof.a Dra. Ana Cléa M. Ayres NITERÓI 2007 I Explicações teleológicas no ensino de evolução: um estudo sobre os saberes mobilizados por professores de Biologia Maicon J. C. Azevedo Orientadora: Prof.a Dra. Sandra L. Escovedo Selles. Co-orientadora: Ana Cléa M. Ayres Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação. Aprovada por: _______________________________________ Presidente, Prof.a Dra. Sandra L. Escovedo Selles Faculdade de Educação/UFF ___________________________ Prof.a Dra. Ana Cléa M. Ayres Faculdade de Formação de Professores/UERJ ____________________________________ Prof.a Dra. Simone Salomão Faculdade de Educação/UFF ___________________________ Prof.a Dra. Dominique Colinvaux Faculdade de Educação/UFF (suplente) NITERÓI 2007 I RESUMO Explicações teleológicas no ensino de evolução: um estudo sobre os saberes mobilizados por professores de Biologia Maicon J. C. Azevedo Orientadora: Prof.a Dra. Sandra L. Escovedo Selles. Co-orientadora: Prof.a Dra. Ana Cléa M. Ayres Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação. AZEVEDO, Maicon Jeferson da Costa: Explicações teleológicas no ensino de evolução: um estudo sobre os saberes mobilizados por professores de Biologia. Orientadora: Sandra L.Escovedo Selles. Co-orientadora Ana Cléa M. Ayres. NiteróiRJ/UFF, 11/07/2007. Dissertação (Mestrado em Educação), 100 páginas. Campo de Confluência: Ciência, Sociedade e Educação. Linha de pesquisa: Formação de professores de Ciências e Biologia; Projeto de Pesquisa: A experimentação no ensino de Biologia: Matrizes históricas e curriculares na formação de professores. Descrição: Dissertação de Mestrado. O presente trabalho tem como finalidade investigar o pensamento teleológico em suas implicações para o ensino e a formação de professores de Biologia. Particularmente, visa a compreender como os professores utilizam os argumentos teleológicos na elaboração das explicações sobre temáticas de evolução no ensino de Biologia. Metodologia: O trabalho empírico focaliza as soluções apresentadas pelas docentes às diversas situações de ensino propostas para diferentes usos que o pensamento teleológico assume na aula. As bases teóricas para estudar o pensamento teleológico na escola articulam os sentidos filosóficos que a teleologia historicamente assume nas Ciências Biológicas com as formas específicas do conhecimento que circula na escola, o conhecimento escolar. A base analítica da pesquisa apóia-se tanto nas contribuições de Jean-Claude Forquin quando assume as transformações pelas quais passam os conhecimentos científicos na constituição da modalidade escolar, reconhecendo a escola como uma instância de produção de saberes e práticas, quanto nas de Maurice Tardif para compreender as explicações teleológicas na escola como expressão dos saberes docentes. Conteúdo: Partimos da definição filosófica para estudar argumentos teleológicos e explicações teleológicas em perspectivas didáticas. Assim, buscamos compreender como conteúdos de ensino expressam ações ou processos biológicos dispostos de acordo com um projeto para a obtenção de uma finalidade. A associação da teleologia com as ciências tem raízes profundas, remontando ao pensamento aristotélico. Nas Ciências Biológicas, nem mesmo os trabalhos de Darwin foram capazes de retirá-la e são inúmeros os relatos de temas tratados de forma teleológica nesta área. Apontaremos como o pensamento teleológico também está enraizado no Ensino de Ciências, demandando estudos e reflexões que explicitem os sentidos didáticos da apropriação teleológica. Para este estudo é preciso partir da associação entre pensamento evolutivo e pensamento teleológico. Conclusão: Encontramos nas docentes uma visão bem próxima do uso cotidiano que se faz do termo evolução e das teorias evolucionistas, um olhar linear e progressista. Observamos também que o processo evolutivo é visto como conseqüência de uma ação progressista; a evolução seria a forma com que o progresso opera, revelando uma íntima relação entre teleologia e progresso. O pensamento teleológico encontra-se presente nos discursos dos professores de Biologia por meio de diferentes argumentos que visam facilitar a compreensão dos alunos. Tomando como referência a análise realizada, entendemos ser improdutiva a retirada do pensamento teleológico da V Biologia escolar, dadas às vantagens didáticas que esta leitura dos fenômenos biológicos oferece. Apontamos para seu uso consciente e em situações específicas. Palavras chave: Ensino de Biologia; Saberes Docentes; Filosofia da Biologia. NITERÓI Julho/2007 V Abstract Teleological explanations in the teaching of evolution: a study of the Biology teachers’ knowledge Maicon J. C. Azevedo Supervisor: Prof. Dr. Sandra L. Escovedo Selles. Co-supervisor: Prof.a Dr. Ana Cléa M. Ayres Abstract of the Masters Dissertation submitted to the Post-graduation Program in Education, Faculty of Education, Universidade Federal Fluminense, as part of the requirements to obtain the certificate of Master in Education. AZEVEDO, Maicon Jeferson da Costa: Teleological explanations in the teaching of evolution: a study of the Biology teachers’ knowledge Supervisor: Sandra L. Escovedo Selles. Jointly supervisor Ana Cléa M. Ayres. Niterói-RJ/UFF, 11/07/2007. Dissertation (Master of Education), 100 pages. Area: Science, Society and Education. Research area: Training for Teachers of Science and Biology; Research Project: Experimentation in the teaching of biology: historical links between curriculum and teacher training. Description: Dissertation. This work aims to investigate the teleological thought in its implications for the education and training of biology teachers. In particular, the research seeks to understand the extent to which teachers use the teleological arguments while explaining topics of evolution. Methodology: The empirical work focuses on the solutions presented by teachers to the various instances and different uses of the teleological thought in classroom. The theoretical basis of the study articulates the philosophical sense that the teleology historically takes in the Biological Sciences with the specific form of knowledge that circulates in the school, the school knowledge. The analytical basis of the research is supported by Jean-Claude Forquin’s contributions when he assumes that the changes by which the scientific knowledge suffers in the formation of the school knowledge, make the school special place for the production of knowledge and practices. Also, the analysis has made use of Maurice Tardif’s contributions to understand the teleological explanations in school as an expression of the teachers’knowledge. Content: The research has looked for the philosophical definitions of the teleological arguments and teleological explanations in didactic perspectives. The association of teleology with science has deep roots, going back to Aristotelian thought. In the Biological Sciences or even in Darwin’s work it has not been possible to withdraw completely the teleological thought and there are numerous reports of themes that deal with this issue. The teleological thought is also rooted in the Science teaching, demanding further studies and reflections. Conclusion: The research has showed that teachers’s view is closer to a common sense definition for the term evolution and the evolutionary theories, suggesting a linear and progressive view. It was also noticed that the evolutionary process is seen as a consequence from progressive action. revealing a close relationship between teleology and progress. The teleological thought was present in the speeches of Biology teachers through various arguments justified by them as a way to facilitate students’ understanding. Based on the analysis, we suggest that it can be unproductive to withdrawal the teleological thought from teaching biology in schools, given the advantages that this didactic reading of biological V phenomena can offer. We recommend that it is necessary, though, to use the teleological explanation with caution and only in specific situations. Keywords: Biology Teaching; Teacher knowledge; Philosophy of Biology. NITERÓI Julho/2007 V Para Cléo. I O ser vivo representa a execução de um plano, mas um plano que nenhuma inteligência concebeu. Ele tende para um fim, mas um fim que nenhuma vontade escolheu. François Jacob, Prêmio Nobel (1965). X Agradecimentos Tenho muito a agradecer e a muitos. O fim de um trabalho é o fim de mais uma etapa vencida. Uma conquista que traz consigo reflexão, alívio e gratidão. Muito além de uma mudança profissional, a conclusão deste estudo é um ganho pessoal imensurável e representa o esforço de muitas pessoas, pessoas que confiaram na minha capacidade de realização. Citá-las será mesmo uma tarefa árdua que mesmo correndo o risco de cometer injustiças (por imperfeições de memória), é essencial fazê-lo e registrar o meu muito abrigado. À minha mãe, Iris, pelo exemplo de determinação e doação, que mesmo com as agruras que a vida lhe impôs soube mostrar-me, com seu enorme coração, a beleza de viver em doação pela família. Ao meu pai, Jorge “Jeferson” (in memoriam), que com seu exemplo de determinação me mostrou que sonhos são possíveis. Ao meu irmão, Marcus, pela nossa cumplicidade e apoio inconteste. Ao meu grande amor, Silvia, pela simbiose que nos mantém vivos e pulsantes. Pelo fruto maravilhoso que nos une e fortalece. À minha orientadora, Sandra Selles, que mais que orientação trouxe carinho e afeto. Pelo exemplo a ser seguido e como disse a Ana: “É um privilégio conviver com você, com sua energia, disposição para o trabalho, compromisso com a escola, prazer pelos estudos...” Você é o alvo e a seta! Obrigado pela paciência e ajuda. À amiga e co-orientadora, Ana Cléa, pelo exemplo, pela enorme paciência que teve comigo desde o início de minha caminhada, pelo apoio sempre presente. Pelo carinho e pela amizade. Obrigado pelo zelo! À professora Simone Salomão, por aceitar participar de minha banca de defesa e pela imensa contribuição na construção deste trabalho. Às professoras Dominique Colinvaux e Nadir Ferrari, pelas importantes orientações que em momentos de grandes inquietações nortearam meus estudos. As professoras pós-graduandas do curso de especialização em Ensino de Ciências – modalidade Biologia, turma 2006/2007. Meu incomensurável agradecimento. Aos grandes amigos e parceiros de estudo que sempre estiveram ao meu lado. Cristininha, Danielle, Everardo, Dorvillé, Margarida e Mariana Vilela, Mariana Cassab e Roberto Bezerra. Obrigado pela confiança, pelo apoio e pela torcida. Ao amigo Luiz Felipe (Lufe), pelos momentos de descontração e pela valorosa ajuda em momentos preciosos. Aos grandes amigos do Colégio Municipal Irene Barbosa Ornellas, pelo prestimoso e valoroso auxilio, presente nas horas mais necessárias. Aos grandes amigos do Colégio Estadual Ismael Branco, pelo incentivo. Aos grandes amigos e atuais colegas de trabalho do CEFET-RJ, que tão bem me acolheram e tornaram aprazível a árdua e melindrosa tarefa de concluir este estudo. Aos meus alunos. No fim, a certeza de que muito aprendi. E a esperança de muito contribuir. X LISTA DE TABELAS e MAPA CONCEITUAL Mapa conceitual do tema Teleologia.............................................................................. 34 Tabela 1: Concepções das docentes sobre o tema evolução........................................... 54 Tabela 2: Soluções apresentadas no tratamento das questões que envolvem o pensamento teleológico.................................................................................................. 56 Tabela 3: Subcategorias que apresentam a identificação e a forma de atuação da teleologia nas situações de ensino.................................................................................. 57 X SUMÁRIO Introdução..................................................................................................................... 14 Capítulo 1 1. Um breve histórico..................................................................................................... 19 1.2. Darwin e a teoria da evolução................................................................................. 22 1.2.1 Darwin, Huxley e a suposta derrota da teleologia................................................. 26 1.3 Entendendo a Teleologia.......................................................................................... 27 1.3.1 Teleologia e o progresso........................................................................................ 35 1.3.2 O conceito de progresso........................................................................................ 37 1.3.3 O progresso na Biologia........................................................................................ 38 1.3.4 O progresso em Darwin......................................................................................... 40 1.3.5 O progresso depois de Darwin............................................................................... 41 1.3.6 O progresso na atualidade...................................................................................... 41 1.4. A persistência da Teleologia nas Ciências Biológicas............................................ 43 Capítulo 2 2. O percurso da investigação......................................................................................... 46 2.1 O contexto da pesquisa............................................................................................. 47 2.2 As docentes em seu espaço de formação.................................................................. 47 2.3 Os sujeitos da pesquisa............................................................................................. 47 2.4 As etapas da pesquisa............................................................................................... 48 2.4.1 Primeira etapa: discussão sobre evolução e júri simulado.................................... 48 2.4.2 Segunda etapa: a temáticas evolutivas.................................................................. 49 2.4.3 Terceira etapa: explicações teleológicas em situações de sala de aula................. 50 2.4.4 Quarta etapa: analisando teleologia em livros didáticos....................................... 52 2.5 Procedimentos de análise......................................................................................... 49 2.5.1 Organizando em categorias................................................................................... 50 X Capítulo 3 3. Saberes docentes e argumentos teleológicos: analisando os dados da pesquisa........ 59 3.1 O entendimento das docentes sobre evolução.......................................................... 60 3.2 Discutindo as explicações teleológicas em um júri simulado.................................. 64 3.3 Analisando situações de ensino................................................................................ 69 3.4 Analisando os registros de regência......................................................................... 71 3.5 Analisando explicações teleológicas em livros didáticos......................................... 75 3.6 Buscando sentidos nos saberes das professoras....................................................... 77 3.7. Identificação da teleologia...................................................................................... 78 3.7.1 Quando a explicação teleológica não é identificada.............................................. 78 3.7.2 Quando a Teleologia é identificada....................................................................... 78 3.8 A Teleologia em situações de aprendizagem........................................................ 80 3.8.1 Explicações teleológicas como um fator limitante na aprendizagem................... 80 3.8.2 Explicações teleológicas como um fator que não compromete as situações de ensino.............................................................................................................................. 80 3.8.3 Explicações teleológicas como um fator facilitador de aprendizagem.................. 81 Capítulo 4 4. Considerações finais................................................................................................... 83 Referências Bibliográficas.............................................................................................. 91 Anexo I........................................................................................................................... 95 Anexo II........................................................................................................................ 100 14 INTRODUÇÃO O uso da explicação teleológica no ensino de ciências é o tema geral deste estudo. Considerando que a teleologia é o princípio filosófico que trata a natureza como um sistema que relaciona meios e fins, esta dissertação focaliza o emprego das explicações ou argumentações teleológicas em conteúdos biológicos de Ensino Médio por professores de Biologia. Neste trabalho, partimos da definição filosófica para estudar a temática em perspectivas didáticas. Assim, buscamos compreender como conteúdos de ensino expressam ações ou processos biológicos dispostos de acordo com um projeto para a obtenção de uma finalidade. Em outras palavras, quando encontramos afirmações tais como: árvores perenes desenvolveram raízes mais profundas para sobreviverem em ambientes de pouca chuva, identificamos uma explicação ou argumento teleológico, pois tais afirmações parecem negar por completo todo o processo de seleção natural pelo qual os vegetais foram submetidos ao longo da história da vida. Desta forma, as relações de causa e efeito de caráter evolutivo de todo sistema são desconsideradas. A associação da teleologia com as ciências tem raízes profundas e longínquas, remontando ao pensamento aristotélico. Nas Ciências Biológicas, nem mesmo os trabalhos de Darwin1 foram capazes de retirá-la de forma peremptória e não são raros os relatos de temas que são tratados teleologicamente nesta área do conhecimento. Ao longo desta dissertação apontaremos como o pensamento teleológico também está enraizado no Ensino de Ciências, demandando estudos e reflexões que explicitem os sentidos didáticos da apropriação teleológica neste campo de conhecimentos e práticas. Para este estudo é preciso partir da associação entre pensamento evolutivo e pensamento teleológico o que, obviamente, nos leva ao lugar que as idéias de Darwin ocuparam no desenvolvimento das Ciências Biológicas. Quase 150 anos se passaram desde a divulgação das primeiras idéias de Charles Darwin, sistematizadas na obra clássica A Origem das Espécies e, ainda hoje, continuam a incitar grandes polêmicas2, sobretudo porque a teoria evolutiva por ele 1 Embora muitos estudos reconhecem o darwinismo como um marco na retirada do pensamento teleológico da Biologia. Ver Foster (2005) pág. 263. 2 Inúmeras polêmicas vêm se travando no âmbito de círculos religiosos cristãos que, desde o início, viram nas idéias darwinianas a negação das verdades bíblicas. No que diz respeito ao ensino darwinista, as polêmicas se notabilizaram nos Estados Unidos ao longo de todo o século XX e se arrastam pelos dias atuais. No Brasil, recentemente, encontramos a expressão destas polêmicas em particular no Rio de Janeiro, a partir das declarações da ex-governadora do Estado, Rosinha Matheus, afirmando que as idéias criacionistas deveriam ser ensinadas na escola, durante as aulas de religião (ver Pontual e Selles, no 15 proposta deslocava a centralidade do homem no universo e introduzia o elemento acaso nas possibilidades futuras do desenvolvimento biológico. Tais idéias atingiam os pressupostos finalistas e colocavam a teleologia em xeque. Nos quatro séculos anteriores a Darwin, a ciência estava atrelada à religião e o homem conservava seu lugar no centro do universo, obra sublime da criação divina. A viagem Darwinista levou toda humanidade a repensar seu papel na história da vida: depois de Darwin somos apenas mais uma entre as muitas espécies do planeta, uma espécie como as outras, sem nada de especial, sem o toque deificador. Mais do que isso, as teorias de Darwin além de esvaziar a criação divina, nos retira todo o alento de uma vida cálida e aconchegante. Isso porque no cerne das teorias evolutivas de Darwin está o acaso, “regendo” o processo evolutivo. Tomar o acaso como âmago de todo o processo significa creditar todo o futuro na imprevisibilidade dos fatos, sem qualquer indício da segurança que nos sustente. Então, como viver sem acreditar que somos especiais que a natureza - e tudo que há nela - não foi pensado e arquitetado para o nosso usufruto? Certamente, estas questões permeiam o cotidiano escolar e encontram no ensino de evolução um espaço curricular para o qual convergem e se complexificam. Não são raros os relatos de que alguns estudantes, mesmo ao final do ensino médio, constroem seus conhecimentos científicos relativos à teoria da evolução mesclando ciência e religião o que parecem gerar idéias, no mínimo, conflituosas (Dorvillé, no prelo). À medida que a ciência se apresenta aos estudantes, eles a percebem como um desafio às suas crenças religiosas e, por meio de complexos processos de elaboração sóciocognitiva, reelaboram os conteúdos biológicos aprendidos mantendo suas crenças e valores e assumindo as referências teleológicas de suas denominações religiosas3. Talvez seja por conta disto, que muitos autores relatam que estudantes de diferentes níveis escolares mantêm idéias diferenciadas a respeito do processo evolutivo. Chi e Ferrari (apud Pinto, 2003) destacam que alguns estudantes entendem a evolução como um evento e não como um processo. Já Santos e Bizzo (2000) afirmam que uma parcela considerável de estudantes acredita que a mudança, durante a evolução, ocorre em virtude da necessidade gerada pelo meio e que os seres evoluem progressivamente até se transformarem em outros seres. Trigo et al. (2003) indicam que uma possível causa das distorções é a tentativa dos estudantes de compatibilizar os campos científicos e religiosos na formação dos conceitos evolutivos. Neste caso, uma das distorções mais prelo). 3 Essa questão tem sido estudada, a princípio, como expressão de concepções alternativas, e mais recentemente, como processos sócio-educacionais com implicações culturais (ver Dorvillé, no prelo). 16 freqüentes é a interpretação finalista dada aos fenômenos evolutivos, ou seja, a crença de que as modificações ocorrem sempre orientadas por uma força imaterial no sentido da perfeição em níveis mais elevados. No entanto, esta interpretação finalista não pode ser creditada simplesmente como um erro conceitual ou elaboração equivocada de estudantes religiosos. É preciso destacar que a visão finalista dos processos evolutivos encontra eco dentro do próprio pensamento biológico. De acordo com Tamir & Zohar (1991) a Biologia adota dois parâmetros para construir suas explicações: a teleologia e o antropomorfismo. A tradição teleológica nas ciências teve seu início com Aristóteles, que recorreu as “causas finais”, não apenas para explicar processos individuais de seres vivos, mas também para o conjunto do universo (Mayr, 1998b). Para o filósofo grego, o universo seria como um organismo que se desenvolve segundo um propósito. A finalidade não dependeria de uma mente ou intenção, mas da capacidade dos seres vivos de buscar e manter certa organização (Martinez e Barahona, 1998). As formulações teleológicas são aquelas em que os fins são utilizados como a base para a explicação, ou seja, o argumento teleológico baseia-se na noção de que as entidades foram construídas para atender a um determinado fim (Souza, 1999), como no exemplo: a pele do urso branco tornou-se grossa para proteger o animal das baixas temperaturas. Atuando como professor Biologia no ensino médio desde 1997, pude perceber o impacto que questões ligadas ao tema evolução têm em sala de aula. Contudo, foi somente nos estudos de minha formação continuada que tive a oportunidade de identificar, de forma mais clara, o pensamento teleológico. Digo isso considerando o caráter tácito que o pensamento teleológico assume tanto na Biologia acadêmica quanto na Biologia escolar. Parece muitas vezes furtar às vistas. Entretanto, um olhar um pouco mais esmerado faz desvelar os argumentos teleológicos. Presente, sobretudo na escola, nos discursos de alunos e professores, na sala de aula, os docentes se valem de diferentes argumentos para facilitar a compreensão dos alunos. A princípio, a utilização do pensamento teleológico me parecia, de forma geral, deletéria, já que, em boa parte dos casos, contradiz os conceitos evolutivos. Entretanto, com o avanço dos estudos pude perceber a complexa rede de raciocínios que estrutura o pensamento teleológico, amalgamada por elementos histórico-filosóficos, políticos e religiosos. Esta constatação instigou-nos a procurar compreender como professores de Biologia utilizam os argumentos teleológicos na elaboração das explicações sobre temáticas de evolução. Com esse intuito, a pesquisa foi desenvolvida, no contexto do 17 Curso de Mestrado, desejando contribuir para a compreensão sobre a forma com que a escola se apropria do pensamento teleológico. Em termos gerais, a pesquisa tem como finalidade investigar o pensamento teleológico em suas implicações para o ensino e a formação de professores de Biologia. Isto implica em assumir que as bases teóricas para estudar o pensamento teleológico na escola, não podem referenciar-se unicamente na ciência. É preciso articular os sentidos filosóficos que a teleologia historicamente assume nas Ciências Biológicas com as formas específicas do conhecimento que circula na escola, o conhecimento escolar (Forquin, 1992). Isto porque não apenas assumimos as transformações pelas quais passam os conhecimentos científicos na constituição da modalidade escolar quanto reconhecemos a escola como uma instância de produção de saberes e práticas. Neste sentido, os sujeitos professores ocupam um papel de destaque nesta produção e compreender as explicações teleológicas na escola demanda estudá-las como expressão dos saberes docentes. Meu entendimento a respeito dos saberes docentes provém da busca de diálogo com o instrumental teórico oferecido por diferentes autores como Shulman, Tardif, Lessard e Lahaye (1986, 1991, 2002 & 2005) entre outros. Com esses pesquisadores, procuro construir pontes que permitam compreender os saberes que subjazem à prática e ao discurso dos docentes que participam da investigação. Busco também na produção destes autores, ferramentas conceituais que me possibilitem entender as operações realizadas por professores no processo de ensino da temática de evolução, destacando como usam os argumentos teleológicos, como esses são vistos e utilizados pelos docentes e ainda em que contextos se aplicam. O diálogo que busco se dará, efetivamente, na porção final deste estudo onde, munido de depoimentos e relatos das docentes envolvidas neste estudo, discuto e registro meu entendimento. Esta dissertação é, portanto, o resultado do trabalho de pesquisa desenvolvido, focalizando o uso de explicações teleológicas para ensinar evolução por professores de Biologia e encontra-se organizada em quatro capítulos. No capítulo 1 traçamos uma breve história do pensamento evolutivo, destacando o pensamento teleológico como elemento constitutivo da Biologia, delineando suas tênues relações com o conceito de progresso para por fim, destacar a persistência da teleologia nas Ciências Biológicas. O capítulo 2 é reservado à Metodologia. Traz o percurso investigativo do estudo, apresentando os sujeitos da pesquisa, o contexto em que a mesma se desenvolve e as 18 etapas da investigação. Apresenta ainda os procedimentos de análise e o processo de categorização que serviu de base ao esforço interpretativo da investigação. O capítulo 3 constitui-se o cerne da dissertação em que analisamos e discutimos as diferentes situações de ensino apresentadas às docentes, considerando os saberes mobilizados para lidar com o pensamento teleológico em sala de aula. Finalmente, o quarto capítulo apresenta as últimas considerações e algumas conclusões derivadas da investigação. Realizamos uma síntese dos resultados, buscando associá-los às questões norteadoras da pesquisa. 19 CAPÍTULO 1 1. Um breve histórico Talvez nenhum dos conceitos fundamentais da Biologia provoque tanta inquietação quanto as teorias evolutivas. Segundo Gould (1997), a evolução dos seres vivos é o mais importante e também o mais mal compreendido de todos os temas da Biologia. Desta forma, qual (is) seria(m) o(s) motivo(s) de tanto(s) desconcerto(s)? De acordo com este mesmo autor, a idéia de evolução é relativamente simples e é bastante provável que a dificuldade não resida exatamente na complexidade de sua estrutura lógica, já que a base da seleção natural está calcada em dois fatos incontestáveis: 1) os seres vivos mudam e essas variações são herdadas (pelo menos em parte) por seus descendentes; 2) os organismos produzem mais descendentes do que aqueles que podem sobreviver. A partir destes dois fatos há uma conclusão: as variações favoráveis crescerão nas populações reguladas pela seleção natural (Gould, 1999). É provável que o motivo das grandes controvérsias que envolvem o tema evolução, não esteja exatamente no caráter científico do assunto, e sim, na enorme gama de implicações que o tema desperta em diferentes áreas do conhecimento humano. De acordo com Mayr (2005), nenhum outro livro, exceto a Bíblia, teve um impacto maior em nosso pensamento moderno do que Origem das espécies, de Charles Darwin (1859). Temas ligados à evolução geralmente causam polêmicas, porque estão invadidos e permeados por questões sócio-culturais e de ordem religiosa. Assim, quando nos 20 defrontamos com a maior de todas as questões evolutivas - a origem do homem - nossos preconceitos e temores podem nublar nossa limitada informação. As questões como as levantadas por Darwin trazem recônditas em si uma escolha bastante arriscada: se por um lado nos arrebata com a sensação de domínio e poder sobre a natureza, por outro, nos impele para um estado de separação bastante incômodo. Sugerem que troquemos a tradicional fonte de conforto humano – o nosso reservado isolamento e superioridade – por um ponto de vista peculiar: o da vida em união com os outros seres e como elemento contingente de uma história em que perdemos a exclusividade. E ainda, esta “nova” opção traz entranhada em si um desconfortante sentimento de solidão e desamparo, sobretudo quando nos deparamos com a nossa condição simplória neste contexto, o que nos traz a possibilidade de retroceder na nossa história de forma a (re) arrumá-la para que o nosso lugar cálido e aconchegante na história da vida seja preservado. (Gould, 2001) Antes de Darwin, porém, nossa aconchegante posição no mundo natural, nunca havia sido tão seriamente questionada. Até aproximadamente 1830, a visão do mundo comum e aceita era a de que vivemos em um planeta estável, povoado por espécies imutáveis. Entretanto, essa história começa a se modificar bem antes desta data. Segundo Mayr (1998a), nenhum outro naturalista gozou de tão grande fama durante a sua vida como Carl Lineu. Com um interesse especial pela botânica, em 1735 publica Systema Naturae, em que elaborou um método claro e eficiente de nomear todos os animais e plantas. Brody (1999:229) nos conta que, nas primeiras edições do Systema, Lineu manteve a idéia da imutabilidade das espécies, entretanto, conforme seu trabalho amadurecia, emergia o paradoxo. Lineu encontrou uma dificuldade crescente para manter firme a sua tese original, de que as espécies são imutáveis. À medida que o tempo passa, ficavam cada vez mais sugestivas as evidências de que as espécies se modificam ao longo do tempo. Em 1749, George-Louis Leclerc de Buffon publicou o primeiro livro de sua obra de 44 volumes sobre História Natural. Buffon concluiu que parte da vida animal estava extinta e sugeriu discretamente que os animais talvez houvessem sofrido algum tipo de mudança evolutiva. Afirmou também, considerando as semelhanças entre homens e macacos que alguns mamíferos poderiam ter ancestrais comuns fisicamente diferentes dos mamíferos da época em que ele vivia. (Brody, 1999) James Hutton, em 1785, em uma obra de dois volumes, Teoria da Terra propôs que a Terra tinha pelo menos centenas de milhares de anos de existência. Hutton abriu 21 essa janela ampliada do tempo, criando o conceito de tempo profundo, dando a outros a oportunidade de situar o número crescente de descobertas fósseis em seu contexto apropriado. Suas idéias deram surgimento ao uniformitarismo4 tendo influenciado Lyell e mais tarde, Darwin. Em 1796, o zoólogo e estadista francês Georges Cuvier descobriu ossos de mamutes lanosos nas proximidades de Paris, salamandras gigantes, répteis voadores e outras espécies extintas. Cuvier concluiu que o conceito popular de catastrofismo era correto e que James Hutton, com seu conceito de uniformitarismo, estava errado. Para Brody (1999), o alicerce mais sólido para uma teoria da evolução anterior ao século XIX desenvolveu-se por meio das pesquisas e escritos de Erasmus Darwin5. Sua versão da teoria evolucionista afirmava que as espécies se modificavam adaptandose ao meio graças a algum tipo de esforço consciente, esse conceito era conhecido como a doutrina das características adquiridas. Para Mayr (1998a), Erasmus Darwin via “na faculdade de seguir melhorando” era uma das propriedades básicas da própria vida. Entretanto, o autor nos conta que no contexto inglês do século XVII e começo do século XVIII, o trabalho de Erasmus Darwin, representava uma exceção, pois não havia interesse pelas questões evolucionistas. O autor nos informa que neste período havia grande pujança do empirismo e consequentemente, uma grande valorização das Ciências Físicas e experimentais. Isto sem considerar que as questões de História Natural estavam a cargo de ministros ordenados, que conduziam seus estudos, inevitavelmente, a um mundo perfeitamente criado e incompatível com o conceito de evolução. Nem mesmo com os estudos de Lamarck (1744-1828), estivemos tão ameaçados de perder nossa posição privilegiada na natureza. Lamarck nas primeiras edições de sua obra de 1809, Filosofia zoológica, expôs dois princípios. O primeiro é que os animais revelam uma série graduada de perfeição. Para Mayr (1998a: 387), Lamarck entendia por perfeição crescente o aumento gradual de complexidade. Havia uma gradação que ocorria dos animais mais simples até os mais complexos, culminando no homem. A idéia de que um órgão se fortalece pelo uso contínuo, e que enfraquece pelo desuso, 4 Segundo Mayr (1998) os termos uniformitarismo e catastrofismo foram cunhados pelo filósofo britânico William Whewell, em 1832. O termo uniformitarismo ou uniformidade, de acordo com Brody (1999), afirma que as rochas e outros materiais inorgânicos da Terra são formados e modificados por uma série contínua e uniforme de fenômenos naturais. 5 Avô de Darwin, que no seu livro Zoonomia (1794) tratou de algumas especulações evolucionistas. Segundo Mayr (1998a: 381-382), atribui-se a Erasmus Darwin influências que ele certamente não exerceu. Para o autor, Erasmus Darwin era antes de tudo um sintetizador e um popularizador e suas idéias evolucionistas poderiam ser encontradas em autores que o precederam. 22 aliado à idéia da transmissão de características adquiridas, eram na verdade, uma combinação das idéias que já existiam com idéias do próprio Lamarck. Esta visão nos remete, inevitavelmente, a uma imagem progressista e linear do processo evolutivo, idéia que gradativamente foi sendo descartada em edições posteriores do próprio Lamarck. Mayr (1998b) reforça este fato e nos conta que, gradativamente a idéia de linearidade progressiva foi substituída pela imagem de uma árvore que se ramifica. Isto não significa, necessariamente, dizer que Lamarck admitia a produção de diversidade das espécies a partir do processo evolutivo. Lamarck entendia a ramificação como um processo de adaptação. Ainda de acordo com o autor, Lamarck não acreditava que moléculas orgânicas pudessem dar origem a animais complexos como os elefantes. Assim, desta forma, nossa posição humana privilegiada era mantida, mesmo com os estudos de Lamarck. O fato é que as teorias de Darwin para a transmutação das espécies caíram como uma bomba em uma sociedade habituada a buscar a verdade nas páginas da Bíblia. 1.2. Darwin e a teoria da evolução A mãe de Darwin morreu quando tinha oito anos de idade e assim, ele cresceu sob a proteção de sua irmã mais velha, Caroline. Depois de ter abandonado aos estudos de Medicina, Darwin formou-se em Teologia na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, na turma de 1831. Segundo Brody (1999), Darwin saíra-se bem em suas aulas sobre naturalismo e admirava Henslow, seu professor de Botânica, do qual se tornou amigo. Recebeu a carta de um alto funcionário do governo, George Peacock, que acabaria por mudar todo o curso da história das Ciências Biológicas. Gould (1999) nos conta que, a princípio, Darwin havia sido convidado para integrar a tripulação do H.M.S. Beagle apenas como companheiro do capitão Fitzroy, um jovem aristocrata que pretendia fazer desta expedição um marco para as viagens exploratórias. O autor nos revela que o capitão não podia ter contato social com seus oficiais, porque estes não pertenciam à classe social adequada. Somente um cavalheiro poderia sentar-se à sua mesa, e cavalheiro, certamente Charles Darwin o era. O naturalista da expedição era o médico cirurgião Robert McKormick. Na época, a marinha britânica tinha uma longa tradição de médicos naturalistas e McKormick havia se instruído para tal. Gould (idem) ainda informa que o argumento utilizado pelo capitão para convencer Darwin a juntar-se à expedição foi a oportunidade de estudar História 23 Natural, embora o navio já contasse com um naturalista a bordo. No início Darwin e McKormick trabalhavam juntos, entretanto, agruras durante a viagem e a falta de condições equânimes levaram McKormick de volta à Inglaterra. Em abril de 1832, ele é declarado “Inválido”, o que em outras palavras significava: desagradável ao capitão e deixa a expedição. Agora, naturalista a bordo do Beagle, Darwin montava as amostras que recolhia para enviar para a Inglaterra: rochas, fósseis, animais marinhos, vida vegetal e animal no litoral próximo das cidades portuárias onde eles atracavam durante a viagem. À medida que Darwin cuidadosamente observava e examinava essas formas de vida, extintas e vivas, e as formações geológicas circundantes, começava a ter um insight sobre aquela geologia mutável e a vida que ela sustenta. A viagem com duração planejada de dois anos acabou demorando cinco anos em razão do mau tempo, problemas mecânicos, necessidade de fazer novos levantamentos onde haviam sido cometidos erros e todos os eventos inesperados de uma viagem em alto-mar num navio.. Ao voltar para casa, Darwin abandonou sua rota anterior para o clericato e dedicou-se a estudar o material que trouxera e a teorizar sobre as muitas questões que passaram a povoar sua mente. Publicou O Diário de um Naturalista ao Redor do Mundo, que reunia os escritos que fizera em sua viagem no Beagle, e consolidou sua fama entre a comunidade acadêmica de seu tempo, contando o apoio de Henslow e Lyell. Em meados de julho de 1837, Darwin se pôs a escrever a transmutação das espécies. Refletindo sobre o trabalho de Malthus, Darwin aplicou-o às suas próprias observações sobre as espécies vegetais e animais. Ele supôs, corretamente, que a evolução não ocorre à esmo, dependendo efetivamente da poderosa e deliberada influência da seleção natural, que, por sua vez, é determinada pela geologia, pelo clima, pela competição e pelas demais forças que compõem o meio ambiente e que têm sido formas moldadoras da vida desde o começo dos tempos. Brody (1999) nos conta que o plano original de Darwin, em função de sua saúde debilitada, fora deixar os originais por ocasião de sua morte com instruções à esposa para mandar publicá-los. O naturalista sabia que suas idéias provocariam um verdadeiro rebuliço na sociedade, afeita a receber a palavra revelada. Até que, em junho de 1858, chegou pelo correio a correspondência de Alfred Russel Wallace esboçando a sua própria teoria da seleção natural, desenvolvida de forma independente, com um argumento muito semelhante ao esboçado por Darwin em 1842. Como homens tão distintos como Wallace e Darwin, poderiam chegar a conclusões tão semelhantes? 24 De acordo com Mayr (1998a), durante muito tempo esta extraordinária coincidência, foi motivo de pasmo, já em 1858. Darwin, filho de família tradicional e abastada, era um erudito que poderia dedicar-se de forma integral à pesquisa. Wallace era filho de um homem pobre e com instrução mediana, sem qualquer formação superior. A necessidade de trabalhar para Wallace era premente. Este possuía uma profissão bastante perigosa na época, coletor de pássaros, insetos e plantas em países tropicais, infestados de doenças. Wallace constrói suas idéias em meio a grandes viagens realizadas a regiões tropicais do planeta como a Amazônia e ao arquipélago da Malásia. Certo é que o desenvolvimento dos trabalhos de Wallace leva Darwin a rever seus planos para a publicação. Assim, após recebimento da correspondência, Darwin se viu obrigado a divulgar sua teoria, numa apresentação conjunta de trabalhos. E em 1859, quase vinte anos após o seu início, Darwin publica seu livro. O fato é que Origem das espécies subsidiou diferentes discussões, em diferentes áreas do conhecimento e em diferentes práticas sociais. Para Foster (2005), o materialismo tácito nas teorias transmutacionistas6 de Charles Darwin representa um marco para diferentes campos do conhecimento humano que se apropriaram de sua idéia revolucionária e marcante7. De acordo com Teixeira Leite (2004), a Evolução liga as Ciências Naturais às Ciências Humanas ou Sociais, quando Darwin admite que o termo “sobrevivência do mais apto” 8 é mais exato e por vezes mais cômodo que a seleção natural. Foster (2005) destaca que Darwin daria uma contribuição ainda maior à interpretação malthusiana da sua teoria – indicando o caminho para o que seria o “darwinismo social” – quando adotou 1869, o conceito de “sobrevivência do mais apto” – expressão introduzida anteriormente por Herbert Spencer, em 1864 – como sinônimo de seleção natural. Assim, neste sentido o conceito veio a ser aplicado à sociedade humana, porém, ele parecia prover uma justificativa para a lei do mais forte e para a superioridade da elite. O autor ainda nos conta que nos EUA, William Graham Sumner, sustentava que “os milionários são um produto da seleção natural”. O mesmo tipo de distorção que gerou o “darwinismo social” ocorreu com o termo “evolução” que, como “sobrevivência do mais apto”, não constava da primeira edição. Nesta, Darwin se referia à “seleção natural”, à “mutabilidade das espécies” e à “descendência com modificação” (apenas uma vez usou o termo “evoluir” – jamais “evolução”, segundo Foster 2005:262) 6 Assim inicialmente denominada por Charles Darwin. Uma discussão sobre a relação entre a idéia de Darwin e o materialismo de Marx e Engels, pode ser encontrada em Foster (2005) capítulo 6. 8 Segundo Foster (2005: 261), esta expressão foi cunhada por Herbert Spencer em 1864 e adotada por Darwin na edição de Origem das espécies de 1869, como sinônimo de seleção natural. Pág.261. 7 25 “Evolução”, com um significado de “desenvolvimento” e “progresso”, continha uma visão teleológica – um sentido de direção, rumo a uma perfeição ainda maior no processo orgânico global - que era oposta às visões materialistas de Darwin. Assim, no contexto histórico em que tais fatos foram produzidos, a burguesia liberal justificou a manutenção do status quo na naturalização da distribuição desigual da riqueza. Dessa forma, os ricos são mais aptos; os pobres e miseráveis são indolentes, o Estado e a sociedade não são “culpados” por sua sorte. Também o sentido da competitividade se acirrou novamente: os mais bem adaptados são aqueles que saem vitoriosos na luta pela sobrevivência e esta mimetiza a competição mercantil da época. Contrariamente a uma assimilação capitalista, a teoria evolucionista por meio da seleção natural é também apoiada pela esquerda revolucionária do século XIX. Foster (op. cit.) ressalta que muitos críticos deste período apontavam para uma provável relação entre seleção natural e a luta de classes e que a teoria de Darwin oferecia “base” para a teoria de Marx. É interessante notar que neste meandro, tanto a burguesia quanto a esquerda marxista, implicitamente, se apoiavam no conceito de progresso, ora quando vislumbram uma sociedade em que os indivíduos estão cada vez mais adaptados, ora quando conjecturam uma sociedade mais igualitária, “mais desenvolvida”. O conceito de progresso heuristicamente nos conduz a um sedutor lugar de destaque na história da vida, o cume. Neste contexto, o homem seria o ser mais progredido do planeta. De acordo com Barahona (1998), o conceito de “progresso evolutivo” 9 poderia explicar a visão teleológica de muitos naturalistas, aqueles que acreditam que os organismos mais antigos são os mais inferiores na escala da vida. Segundo Foster (idem), o conceito tradicional que daí se pode depreender era o de “Escala Naturae”, que presumia a existência de uma fina escala ou uma gradação da natureza, estando os seres humanos no ápice da escala, sendo que todas as espécies foram criadas por Deus. Esta escala era essencialmente estática. Barahona (op. cit.) ainda nos informa que assim pensava Lamarck, que via todos os organismos formando parte de uma escada grande em movimento, no qual a mudança era progressiva e irreversível, desde o momento em que, por geração espontânea, apareciam os organismos “inferiores” até os “superiores” e o homem. A conexão entre os organismos inferiores e superiores não era feita ao acaso e sim, pela necessidade de adaptação. Desta forma, a mudança influenciada pelo meio 9 No original “Evolución progresiva”. Em inglês, a expressão correspondente é: “evolutionary progress”. A tradução que fazemos não é usada em português e é conceitualmente problemática. 26 ambiente se coloca em segundo plano, passando a ser apenas uma forma de ajuste ao meio, e a noção de progresso, o motivo pelo qual ocorrem as mudanças. 1.2.1 Darwin, Huxley e a suposta derrota da teleologia. A revolução darwiniana golpeou dois postulados fundamentais do pensamento tradicional: o essencialismo e a teleologia. A crítica revolucionária de Darwin à teleologia teve importância ainda maior na medida em que se dirigia ao postulado central da teologia natural. Huxley insistia que a teoria de Darwin, adequadamente entendida, era independente de qualquer concepção linear de progresso ou processo teleológico proposital. Contudo sempre restava a questão veiculada por Huxley nas suas primeiras discussões: se Darwin havia superestimado o papel da seleção natural. No fim da vida o próprio Darwin havia recuado na confiança da seleção natural como causa exclusiva do desenvolvimento evolucionário. Isto graças a três objeções levantadas à teoria dele (Foster, 2005:268): a) A primeira delas se centrava na incompletude do registro fóssil e na ausência de tipos intermediários entre as espécies. b) A segunda sustentava, com base em cálculos concernentes a supostas taxa de arrefecimento da crosta terrestre, que o planeta teria entre 20 e 400 milhões de anos, ou seja, pouco tempo para o processo que Darwin havia proposto. c) O argumento de Fleeming Jenkin, de que as características herdadas dos pais se reduziriam a metade a cada geração, que estariam se diluindo ao longo das gerações. Jenkin partia do pressuposto que as quantidades de informações eram constantes e, portanto, seriam obliteradas. Diante da ambigüidade destes argumentos cada vez mais Darwin adotou a noção de Lamarck de herança das características adquiridas. Estas visões lamarckistas não estavam totalmente ausentes da primeira edição. Assim o lamarckismo já representava um importante papel nos argumentos de Darwin, pois deste modo o relógio biológico poderia ser adequado aos cálculos da física de Thomson10. E porque, faltava a Darwin o 10 Segundo Foster (2005), William Thomson (mais tarde lorde Kelvin) foi o maior nome da Física na época de Darwin. Kelvin, com seus estudos de termodinâmica, opôs as idéias evolutivas (e ao uniformitarismo) tendo calculado, em 1862, a idade da Terra entre 20 a 400 milhões de anos. Para ele, o planeta primitivo era muito quente para permitir qualquer forma de vida e esta não poderia ter se desenvolvido em tão pouco tempo, contrastando com as idéias evolucionistas que explicavam a 27 apoio de uma teoria da hereditariedade. No fim da vida de Darwin a teoria da seleção natural havia sido abandonada em grande escala pelos seus seguidores e continuaria perdendo influência pelo restante do século, todavia a visão evolucionária havia sido vitoriosa sobre a teologia natural. 1.3 - Entendendo a Teleologia A idéia de que a Terra foi criada para servir de palco para evolução do homem rumo à perfeição se encaixa perfeitamente com a visão judáico-cristã de universo. Em outras palavras, um universo antropocêntrico e recente, cujo conhecimento está na palavra revelada e a natureza é subserviente ao homem. Para Souza (1999), o uso de explicações teleológicas que apóiam idéias dogmáticas visa a orientar o próprio comportamento humano em face a um futuro inexoravelmente pré-determinado. A idéia de um universo antropocêntrico, com aspectos teleológicos, é a base da visão judáicocristã, um dos fatores que alicerçaram o desenvolvimento cultural da civilização ocidental. Este pensamento, ainda de acordo com o autor, teve sua origem, provavelmente, no Zoroastrismo11, doutrina que envolvia uma interpretação teleológica do tempo, que foi a primeira escatologia sistematizada na história da religião. O grande adversário do pensamento teleológico está baseado em causas meramente eficientes, conhecido causalismo, que quando se reduz a causa puramente mecânica é o mecanicismo. Segundo Souza (1999), o mecanicismo e o pensamento teleológico se opõem desde os primórdios da filosofia grega.. Para os adeptos do pensamento teleológico, a existência das causas eficientes não o invalida; há apenas uma questão hierarquicamente colocada: os fins representam a causa dos meios. O referido autor ainda destaca que a teleologia pode ser externa, como na organização imposta ao mundo natural de Platão, ou interna, como na Física Aristotélica, na qual cada entidade tem o seu próprio objetivo. Para Platão todo progresso consistia na aproximação de um modelo pré-existente em um mundo atemporal das formas transcendentais. Aristóteles via no progresso a realização de uma forma que já se encontrava potencialmente presente. Ambos os pensamentos excluem qualquer possibilidade de evolução na concepção contemporânea do termo. O argumento teleológico baseia-se na noção antropocêntrica de que as entidades foram biodiversidade. Seus cálculos não levaram em consideração a fonte de aquecimento derivada do decaimento radioativo que só se tornou conhecida pouco depois com os estudos de Beckerel e o casal Curie. 11 Religião de Zoroastro ou Zaratustra, nascido na Média, no séc. VII a.C. Criador da casta dos magos e reformador do masdeísmo, do qual conservou a concepção dualística do Universo. 28 construídas para nosso benefício imediato ou para algum outro fim. Já o pensamento eutaxiológico, evoca relações harmônicas como causas de um propósito, de forma análoga, seria como se pudéssemos contemplar a perfeita compatibilidade entre as peças de um determinado sistema, extremamente complexo, sem que soubéssemos absolutamente nada sobre as suas finalidades. O que, segundo Souza (1999), talvez possa ser entendido como o princípio de uma preeminente distinção entre o pensamento eutaxiológico e o argumento teleológico. Esta distinção não deve ser desprezada, pois de acordo com o autor, o pensamento Teísta12 se harmoniza com a teleologia, enquanto que a argumentação Deísta13 se ajusta perfeitamente ao pensamento eutaxiológico, que estará alicerçando a revolução científica moderna, cujo símbolo característico será o relógio, em que as perfeitas engrenagens trabalham em harmonia. Por conta disto, o pensamento teleológico vá, ao longo da história, sendo substituído pelo argumento eutaxiológico. A influência do Aristotelismo, principalmente em sua versão tomista14, no pensamento científico ocidental, somente começou a ser reduzida, a partir do renascimento, tendo sido retirada inicialmente das disciplinas físicas. Em oposição aos teleologistas estavam os mecanicistas, aqueles que segundo Mayr (1998a), encaravam o universo como um mecanismo que funciona de acordo com as leis da natureza, daí porque as engrenagens do relógio são análogos precisos. Contudo, desprezar a aparente finalidade de algumas estruturas bem como os processos de adaptação de órgãos parecia algo que não poderia ser ignorado pelos mecanicistas. De acordo com Souza (1999), nomes como Copérnico, Descartes, Bacon, Boyle, Newton e vários outros podem ser citados como críticos do pensamento teleológico. Todavia, merece destaque o trabalho de Galileu (1564-1642), que pôs este pensamento em xeque. Galileu introduziu, entre outros, o conceito de inércia, que demoliu os conceitos da física aristotélica do séculoXVI. No entanto, questionar o pensamento aristotélico significava questionar toda filosofia cristã dominante, o que abrasou ainda mais as discussões. Naquele momento, tal como fizeram Copérnico e, principalmente 12 Doutrina que admite a existência de um deus pessoal, causa do mundo. Sistema ou atitude dos que, rejeitando toda espécie de revelação divina e, portanto, a autoridade de qualquer Igreja, aceitam, todavia, a existência de um Deus, destituído de atributos morais e intelectuais, e que poderá ou não haver influído na criação do Universo. 14 Doutrina escolástica de S. Tomás de Aquino (teólogo italiano que viveu entre 1225 e 1274) adotada oficialmente pela Igreja Católica, e que se caracteriza sobretudo pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristianismo. 13 29 Galileu, discutir os modelos geocêntrico e heliocêntrico significava também discutir as relações de poder na sociedade da época. Souza (idem) destaca que, gradativamente, a teleologia foi sendo retirada das ciências, dando lugar a um mecanicismo regido pela visão deísta de universo, isto é, Deus mantém a ordem do universo, onde tudo é regido por causas mecânicas fornecidas no momento da criação. Este pensamento, que teve em Descartes (1596-1650) um expoente, propunha explicar o mundo conectando efeitos às causas, diferentemente do que fizera Aristóteles. Para Souza (op. cit.) a história da Biologia se apresenta como um grande conflito entre a maneira aristotélica de pensar (vitalista, holística e teleológica) e a de Demócrito15 (materialista, causalista e mecanicista). O pensamento teleológico permaneceu vivo e aparente na Biologia, pelo menos nos momentos que antecederam os trabalhos de Darwin. O ponto de vista imobilista, representado na época pela teologia natural16, recebeu significativas críticas quando Darwin propôs um mecanismo de mudança orgânica regida pelo acaso. Porém, estas mudanças propostas por Darwin ocorreram de forma lenta e gradativa e Mayr (1998a) argumenta que, até a seleção natural ganhar credibilidade, muitos evolucionistas acreditavam em uma força não viva que orientava o mundo vivo em direção à perfeição. A teoria de Darwin rompe com a frágil coexistência entre a teologia natural (que abrange o pensamento teleológico) e a ciência. Segundo Martínez e Barahona (1998), Darwin pretendia explicar um processo, até então histórico-teleológico, empregando mecanismos de variação, herança e seleção, separando as explicações por meio dos mecanismos, das explicações finalistas. A validade do pensamento teleológico para a Biologia constitui-se, até hoje, em tema de acaloradas discussões entre nomes importantes da Biologia como Ayala, Mayr, Wimsatt, Beckner e muitos outros17. 15 Filósofo Grego (Abdera, Trácia 460 a.C. -370 a.C.) que sustenta que toda matéria é formada por átomos (atomismo) que se agrupam em combinações causais e por processos mecânicos. 16 A teologia natural é a tentativa de encontrar a evidência de Deus e de seu desígnio inteligente sem recorrer a nenhuma revelação sobrenatural. Distingue-se da “teologia revelada”, baseada nas escrituras ou em experiências religiosas. Segundo Foster (2005), a Teologia Natural começou a ser desenvolvida em fins do século XVI e no século XVII com o propósito de estabelecer a existência de Deus por meio do estudo da natureza. Neste contexto, São Tomás de Aquino desempenhou um papel fundamental, em seu ensaio Summa Theologica, no qual afirma que a existência de Deus está provada na ordem e harmonia do mundo, o que supõe que deve existir um ser inteligente capaz de coordenar as coisas naturais, o que, em última instância, deve ser Deus. (ver, Mayr, 1998a). 17 A idéia de que há um plano em franco desenvolvimento, dirigido por Deus ou não, mas com um final determinado, traz subjacente a ela, a noção de progresso imanente que atua como uma espécie de “mola propulsora” deste plano rumo ao estado final. Esta proposição será mais aprofundada no transcorrer deste 30 Martínez e Barahona (idem.) analisando o emprego do pensamento teleológico, expõem a contradição presente nas visões de Mayr e Ayala no que dizem respeito à teleologia. De acordo com estes autores, Mayr propõe que se deve abandonar definitivamente o conceito de teleologia e só resgatá-lo por meio de uma nova terminologia. De fato, Mayr (1998a) defende o uso do termo teleológico, para uma série de fenômenos biológicos diferentes. O autor afirma que o termo teleológico foi aplicado a cinco diferentes conceitos ou processos18, como veremos a seguir. 1) Atividades teleonômicas. A descoberta da existência de programas genéticos forneceu uma explicação mecânica para uma categoria de fenômenos teleológicos. Um processo fisiológico, ou um comportamento, que deve sua orientação a um fim à operação de um programa, pode ser designado “teleonômico.” (Pittendrigh, 1958) O aspecto verdadeiramente teleonômico caracteriza-se quando há mecanismos que iniciam, “causam”, esse comportamento, e são voltados para o objetivo. Em 2005, o autor redefine o termo, a fim de tornar ainda mais claro o seu significado: um processo ou comportamento teleonômico é aquele que deve sua orientação por uma meta à influência de um programa evoluído. (p.69) 2) Processos teleomáticos. Qualquer processo que se relacione a objetos inanimados, em que um fim definido é alcançado estritamente como conseqüência das leis físicas, pode ser designado “teleomático” (Mayr, 1974) É o que acontece inexoravelmente com um rio que flui para o oceano. 3) Sistemas adaptados. Nesta categoria estão os fenômenos relacionados aos sistemas que devem sua adaptação a um passado processo seletivo. O coração para fazer circular o sangue; rins para retirar o produto do metabolismo e assim por diante. Uma das conquistas mais decisivas de Darwin foi haver mostrado que a origem e o aperfeiçoamento gradual destes sistemas podiam ser explicados por meio da seleção natural. Em 2005, o autor propõe uma nova nomenclatura para esta categoria: “características adaptativas”. capítulo. 18 Inicialmente, Mayr (1998) havia proposto quatro concepções para o termo, mas em sua última publicação antes de falecer (Mayr, 2005), propõe a inclusão de uma quinta categoria: a do comportamento proposital em organismos pensantes. 31 4) Teleologia cósmica. No cosmos de Aristóteles todas as coisas tinham seu lugar e todos os lugares suas coisas. A natureza é um processo contínuo movido por causas intrínsecas e orientado para um fim. Houve um devido tempo em que este conceito aplicado ao dogma cristão, tornou-se o conceito predominante na teologia natural. É este tipo de pensamento que a ciência moderna rejeita sem reservas. 5) Comportamento proposital em organismos pensantes. Esta categoria se presta a analisar os comportamentos propositais dos animais, principalmente de aves e mamíferos, que quase sempre são qualificados como teleológicos. A literatura animal, segundo o autor, está repleta de exemplos de comportamento animal claramente proposital, fruto de um planejamento cuidadoso. Em boa parte dos casos não há diferenças significativas entre seres humanos e animais pensantes. Os trabalhos de Ayala (1998) mencionam alguns evolucionistas que têm negado o valor das explicações teleológicas porque não reconhecem os diversos significados que podem assumir o termo teleologia. O autor acredita que estes biólogos atuam corretamente ao excluir certas formas de teleologia das explicações evolutivas, mas se equivocam ao afirmar que todas as explicações teleológicas teriam que ser excluídas da teoria evolutiva. De acordo com Ayala (1998), os mesmos autores que criticam as explicações teleológicas se utilizam delas em seus trabalhos, mas não as reconhecem como tais, preferindo chamá-las de outra forma. Para o autor este procedimento mantém assim, de forma velada, a vigência do pensamento teleológico, agora travestido por outros termos e não encerram a polêmica do uso do pensamento teleológico. Ayala (1998) defende que há uma finalidade nos sistemas homeostáticos e, portanto, em sentido estrito, eles são teleológicos. Para Ayala (idem), as ações ou processos vitais são considerados teleológicos quando podem ser vistos como ordenados de acordo com um propósito para a obtenção de uma finalidade. Desta forma, Ayala (ibid.) afirma que a teleologia pode ser abordada de forma artificial ou externa. Uma mesa, uma faca ou um relógio são exemplos de sistemas com teleologia artificial: suas características teleológicas são resultados da intenção consciente de um agente. Os sistemas teleológicos não devem ser intencionados por um agente, devem resultar de um processo natural. Ayala (1998.) denomina este tipo de teleologia como natural ou interna. Para o autor as asas de uma ave servem para voar, mas este procedimento não foi planejado por alguém. Assim, podemos distinguir dois 32 tipos de teleologia natural: (i) a determinada ou necessária - aquela que alcança um estado final específico apesar das variações ambientais, por exemplo, o desenvolvimento de um zigoto até formar uma pessoa; (ii) a indeterminada ou inespecífica - quando o estado final não está predeterminado especificamente, é o resultado da seleção de uma das diversas opções existentes, podendo depender de circunstâncias ambientais ou históricas e o resultado não é previsível, como por exemplo: as asas surgiram como conseqüência de uma série de acontecimentos tendo sido selecionada a opção mais vantajosa em cada momento, porém as opções presentes em um momento determinado dependiam, ao menos em parte, de sucessos aleatórios. Ayala (idem), assim, defende que as explicações teleológicas são compatíveis com as causas. Para ele, as causas em Biologia estão incompletas sem o componente teleológico: existe uma diferença fundamental entre as atividades funcionais ou processos de desenvolvimento do indivíduo ou sistema que estão controladas por um programa e a melhora constante dos programas genéticos. Essa melhora é a adaptação evolutiva controlada pela seleção natural. Por exemplo: teleologia natural apresentada por órgãos como mãos e olhos. Eles têm um fim (enxergar e pegar), mas surgiram por processos naturais que não envolvem o projeto. Deste modo, considera-se a seleção natural como teleologia natural indeterminada, não no sentido finalista. As adaptações dos organismos podem ser explicadas como resultado de processos naturais sem a necessidade de recorrer às “causas finais”. O tema evolução certamente suscita idéias muito interessantes. Deixemos que as idéias de Gould (1990), apresentadas em seu livro Vida Maravilhosa, nos conduza. Vejamos: quando consideramos o vôo nas aves, por exemplo, vemos que por mais que a seleção natural favoreça o vôo, este só pôde surgir em aves graças à presença de estruturas que, do ponto de vista aerodinâmico, permitiam vôos. É bastante razoável considerar que as penas não surgiram com o propósito inicial de auxiliar no vôo, embora, sua contribuição para o mesmo seja inegável. No passado, a seleção favoreceu sua manutenção, talvez pela sua qualidade de isolante térmico. Processos seletivos que atuaram em seus ancestrais, moldaram as possibilidades de variações no presente das aves. Caso houvesse uma alteração em um dos processos seletivos, todo o resultado final poderia ser mudado. Por exemplo, se a seleção natural não tivesse favorecido a manutenção das penas em dinossauros, graças a uma suposta vantagem na manutenção do calor corpóreo, atuando como isolante térmico, quem sabe as aves hoje não voassem. Em outras palavras, as formas de vida presentes em um dado momento da história da 33 vida não são, “desde sempre” determinadas; tudo depende do que aconteceu em sua história pretérita. Neste sentido, o pensamento de Gould autor nos conduz a idéia de que o passado é extremamente relevante para compreender a diversidade atual. E esta importância cresce ainda mais se considerarmos o papel do acaso neste processo; a qualificação contingente depende diretamente de sucesso probabilísticos em outros eventos. O sucesso adaptativo de um organismo em um dado ambiente não garante que a seleção natural irá preservá-lo. Um organismo bem sucedido tem apenas mais chances de sobreviver do que um que seja menos adaptado às mesmas circunstâncias ambientais. A leitura que fazemos o conceito de Teleologia natural indeterminada apresentada por Ayala se aproxima bastante do que Gould chama de Contingência evolutiva (Gould, 1990), pois ambas preconizam os sucessos probabilísticos da história pretérita dos seres vivos como os responsáveis pelo surgimento de órgãos-chave para o “sucesso evolutivo” atual destes mesmos organismos. Esta semelhança, para nós, expressa como o tema é complexo, produzindo elaborações teóricas que suscitam inúmeras controvérsias. Desta forma, elaboramos esquematicamente a complexa rede de conceitos e definições - dos diversos autores aqui apresentados - que envolvem a formulação do pensamento teleológico, em um mapa conceitual, descrito na Figura 1, logo a seguir: 34 Figura 1. Mapa conceitual. Figura 1. 35 1.3.1 - Teleologia e o progresso Segundo Gould (1997), Nicolau Copérnico mudaria radicalmente a maneira de o homem ver o mundo e si próprio. Com a publicação de seu livro: Das revoluções dos corpos celestes em 1543, Nicolau Copérnico retirava do homem sua posição de destaque, ou pelo menos, o seu papel de figura central no cenário da criação divina. Em outras palavras, quando a Terra deixa de ser o centro do universo e passa a ser mais um planeta do sistema solar, o homem é obrigado a reconhecer sua pequenez no processo de criação do universo. Mesmo assim, não faltam tentativas de recuperar este papel de destaque. Estudos sobre evolução têm, por diversas vezes, sido utilizados para reforçar esta idéia. É o caso, por exemplo, analisado por Gould (1990), do uso de famosas iconografias que retratam o processo de evolução humana em propagandas e publicidade. Nestas encontramos, postos em fila indiana como nossos ancestrais, diversos símios que, do ponto de vista evolutivo, podem somente ser comparados a parentes próximos, como nossos “primos”. No final da fila, postos como os mais evoluídos, estão os seres humanos, reforçando ainda mais a idéia de nossa superioridade. Estas imagens têm sido veiculadas como sinônimo de progresso e ainda mais, como progresso inevitável e pré-determinado, logo, teleológico. Neste caso analisado por Gould, os conceitos de teleologia e progresso encontram-se intimamente associados, visto que, um processo teleológico é aquele que, na verdade, é entendido como uma alteração ordenada de acordo com um propósito para obtenção de uma finalidade. E esta pode ser, em última instância, o próprio progresso. Como acreditava Lamarck, que via na transformação dos seres vivos uma finalidade, a adaptação. Em outras palavras, a melhora ou o progresso. Entretanto, para termos clara a idéia de progresso como sinônimo de melhoria ou avanço, precisamos entender que o conceito de progresso não é, segundo Ayala (1998), um conceito estritamente científico, e que está entranhado em uma complexa rede de valores, demandando um aprofundamento em outros campos conceituais além das Ciências Biológicas. Para Barahona (1998), a idéia de progresso é aplicada tanto à história da humanidade como à natureza, e começou a se desenvolver no Renascimento. Os gregos viam o mundo em termos de ciclos eternos e isto se deu até o século XVI quando se começa a pensar na possibilidade de que a história da humanidade e da natureza pudesse ter tido um desenvolvimento “progressivo”. A autora nos conta que para Bacon, no século XVII, a esperança em um gradual crescimento do saber, era melhorar a vida 36 humana; o legítimo fim da ciência era dotar a vida humana de novas invenções e riquezas, e no caso das ciências naturais, estabelecerem o domínio humano sobre a natureza. Segundo Bacon, para progredir era crucial a capacidade da mente humana para descobrir verdades úteis para o bem-estar e melhoramento da humanidade. Bacon pensava que poderiam se estabelecer estados progressivos de certeza. A tecnologia aumentaria a força de entendimento humano e garantiria o progresso. Segundo Barahona (1998), durante o século XVIII o progresso foi visto como o melhoramento contínuo do homem. De acordo com a autora, esta idéia foi desenvolvida no século XVIII pelo Marques de Condorcet que baseava sua idéia de progresso na analogia entre a raça e o indivíduo, cada um aprendendo através da experiência desde sensações simples até as complexas. E assim como os indivíduos são capazes de armazenar informações, os membros de uma espécie acreditavam em uma memória coletiva de habilidades e conhecimento. Cada estágio da história é, para Condorcet, o resultado do que ocorreu momentos antes, como uma espécie de escada em que um passo está inexoravelmente ligado ao passo anterior. Esta visão não inclui a noção de descendência filogenética, e credita a criação de cada estágio a eventos sobrenaturais. Este contexto no conduz à idéia de que as criações sucessivas se ligavam a uma ordem divina. Para Condorcet não havia limites para o progresso das faculdades humanas, a perfeição humana era ilimitada. O limite para o progresso era o tempo, o tempo que durasse o planeta. Kant e outros filósofos acreditavam que se deveria buscar o que chamou de “a lei do progresso”, que caracterizava não só a natureza, mas a humanidade e suas intenções nos séculos posteriores. De acordo com Barahona (idem), o conceito de progresso surge em um ambiente altamente influenciado pelas idéias iluministas. Mayr (1998b) destaca que no século XVIII, na Alemanha, a Teologia Natural alcançava seu apogeu e revigorava ainda mais a idéia de progresso. O autor nos conta que o evolucionismo na Alemanha se construiu de forma diferente da França e Inglaterra. Na Alemanha tratava-se fundamentalmente de um movimento otimista, que via desenvolvimento e melhoria em toda parte, uma força em direção a níveis elevados de perfeição, fortalecendo assim as idéias procedentes da Escala Naturae e do conceito de progresso, bastante populares entre os filósofos do Iluminismo. 37 1.3.2 - O conceito de progresso Mudança significa alteração, quer seja de situação, do estado ou da natureza de uma coisa. O progresso implica em mudança com melhoramento ao longo do tempo, mas a recíproca não está correta – nem todas as mudanças são progressivas, também podem se diferenciar os conceitos de “evolução” e “progresso”. Ainda que ambos os conceitos impliquem que seja produzida uma mudança prolongada, a mudança evolutiva não é necessariamente progressiva. Os conceitos de “direção” e “progresso” também são diferentes. O conceito de direção implica que, em um processo de mudanças direcionadas podem dispor-se, em uma seqüência linear, mudanças tais que os elementos finais da seqüência difiram mais dos iniciais do que dos intermediários. Ayala (1998) nos conta que nas discussões acerca da evolução, às vezes se confunde a “direcionalidade” com a “irreversibilidade”: se diz que o processo evolutivo tem uma direção porque é irreversível. As mudanças evolutivas são irreversíveis. Sem dúvida, a direção implica em muito mais do que irreversibilidade. O conceito de direção se aplica ao que em paleontologia se denomina “tendências evolutivas”. Em uma seqüência filogenética, considera uma tendência quando uma característica muda de forma persistente ao longo do tempo nos elementos desta seqüência. Para denominá-las progressivas teríamos que estar de acordo com a idéia de que a mudança direcional, pelo menos em certo sentido, seria favorável àquela espécie. Ou seja, para considerar uma seqüência direcional como progressiva, teríamos que agregar um juízo de valor (sobre o que é melhor ou pior) e comparar com os últimos elementos desta seqüência para saber se há uma efetiva melhora. A noção de progresso necessita que se emita um juízo de valor, que se estabeleça o que é melhor ou pior. O que, não necessariamente, significa um juízo moral. Em outras palavras: não é necessário que se estabeleça o que é bom ou mal, e sim, o que é melhor ou pior para aquela espécie, naquele momento e naquele ambiente. Assim, Ayala (1998) define progresso como mudança sistemática de uma característica, presente nos elementos de uma seqüência, de tal modo que os elementos posteriores, desta mesma seqüência, mostrem uma relativa melhora em relação aos seus antecessores. 38 1.3.3 - O progresso na Biologia. De acordo com Barahona (1998), a idéia de progresso em Biologia está ligada ao conceito de scala naturae ou a grande Cadeia do Ser, que se pode encontrar em Aristóteles. Para ele, a natureza passava desde objetos inanimados até as plantas e animais, em uma seqüência ideal. Este conceito tomou formas novas no século XVII e XVIII, durante os quais a noção de escala do ser ou de escala natural estava baseada na idéia de uma continuidade linear desde o mundo inanimado até as plantas, animais inferiores, animais superiores e o homem. Ao mesmo tempo, esta cadeia do ser era estática, já que foi criada como perfeita, e qualquer mudança era considerada como uma degradação. Segundo Barahona (idem), no século XVII, em contraste com os filósofos fisicalistas de sua época, Leibniz estava preocupado em conseguir entender a natureza. Para Leibniz, a natureza não poderia ser explicada simplesmente a partir das partes que constituem um mecanismo. A natureza era algo mais que a soma das partes, sendo ele um dos primeiros a destacar a importância da qualidade. Seu interesse na escala natural, com ênfase na continuidade e na plenitude, o levou a propor que o potencial da natureza era infinito, portanto, o progresso que a humanidade poderia alcançar não teria fim. À continuidade e a gradualidade, e, a direção para o progresso, são elementos típicos do Iluminismo que afetaram diretamente o desenvolvimento da Biologia. Em particular, os conceitos de continuidade e gradualidade constituíram-se em requisitos indispensáveis para o desenvolvimento da Biologia evolutiva nos séculos posteriores. Como disse Leibniz em 1712, tudo na natureza marcha em graus, e não por saltos e esta regra que controla as mudanças é parte de minha lei da contuniudade (Barahona, 1998:127). O efeito desta idéia de continuidade e gradualidade de Leibniz foi uma das pedras angulares do pensamento transmutacionista do século XIX, com sua ênfase no progresso. Um dos mais importantes seguidores de Leibniz foi Bonnet (1720-1793). Bonnet estabeleceu uma elaborada cadeia contínua de seres naturais na qual os esquilos voadores, morcegos e outros organismos representam um elo entre os mamíferos e as aves, estabelecendo a continuidade da cadeia. Bonnet tomava como parâmetro de classificação a organização, definindo o lugar que cada ser ocuparia na cadeia. Para evitar uma aparente contradição com a idéia de Leibniz de que nada de novo é criado, pois o potencial para tudo é pré-existente (princípio da plenitude), e a extinção dos seres vivos, Bonnet interpretou os fósseis como estados anteriores de organismos existentes. Para Robinet este é “o primeiro axioma da filosofia natural, que a escala do ser 39 constitui um todo infinitamente gradual, sem linhas reais que a dividam, somente existem indivíduos, e não reinos, ou classes, ou gêneros ou espécies” (Barahona 1998:128). A cadeia do ser se constituía a partir de sucessivos atos de criação, sem evolução ou continuidade genética. O rápido desenvolvimento da Geologia e da Paleontologia no século XIX confirmou a idéia da existência de uma seqüência de povoações diferentes no curso da vida na Terra. A partir desta idéia começou a se desenvolver a crença acerca do processo de desenvolvimento, que serviu de base para os debates evolucionistas, sendo que a evidência dos fósseis foi utilizada por ambos os lados, opositores e defensores do evolucionismo. Mayr (1998a) afirma que embora o Iluminismo tenha começado na GrãBretanha, foi na França que se desenvolveu e gerou conceitos importantes e não é de se espantar que a primeira teoria evolutiva tenha sido cunha da por um Francês. Alguns dos naturalistas haviam indagado se poderiam falar de um padrão definido de desenvolvimento. A idéia de que a vida havia progredido ao longo de uma escala, também foi incorporada por Lamarck, com o objetivo de explicar dois tipos de mudanças: a adaptação e os diferentes níveis de organização. Lamarck pensava na progressão dos organismos menos avançados aos mais avançados. Segundo ele, os organismos se transformavam ao longo do tempo, num processo que iria desde o organismo mais simples ao mais complexo, repetindo-se sucessivamente. Para Lamarck a vida surgia por geração espontânea, sendo o ponto de partida para a ascensão gradual e progressiva na escala, para formas mais complexas (Barahona, 1998). Esta ascensão poderia se modificar a partir das necessidades dos organismos em adaptar-se às mudanças do meio. Esta interpretação de evolução definida por Lamarck identificou um progresso ao que chamou de gradação, o qual era o responsável imanente pela organização. Neste contexto, a adaptação foi relegada a segundo plano, considerada apenas como um ajuste das espécies ao seu meio. Foi através do desenvolvimento da Paleontologia comparada de Curvier que se obteve evidências de que a vida havia sofrido alguma forma de padrão progressivo. O debate acerca do progresso se colocou na questão dos fósseis, ou seja, se estes provavam ou não, de maneira sustentável, uma tendência para formas superiores. Lyell, de maneira representativa entre os paleontólogos do século XIX, defendeu a idéia de que a hierarquia na organização era clara, sobretudo no desenvolvimento dos vertebrados. 40 Por um lado, seguidores de Curvier explicavam o progresso como uma seqüência de formas vivas diretamente determinadas pelas condições da superfície da Terra em constante mudança. Quando as condições mudaram Deus foi capaz de criar os animais superiores e a vida progrediu. Para os naturalistas, a organização hierárquica não definia a criação, somente servia como indicador das necessidades mutáveis de adaptação. Por outro lado, Louis Agassiz e outros naturalistas propuseram uma visão alternativa de progresso. Para Agassiz, o progresso não estava relacionado às mudanças físicas da Terra, apesar de saber que o desenvolvimento da vida no planeta não era totalmente independente das condições climáticas. Para Agassiz, a progressão era a essência de um plano de Deus que havia decidido seguir durante a criação. O homem era o objetivo deste plano, e a seqüência progressiva representava, então, um avanço para a forma humana que havia ocorrido independente das condições físicas que mudavam. (Mayr, 1998a) 1.3.4 - O progresso em Darwin Darwin não compartilhava das idéias sobre o desenho que se discutia no século XVIII, o desenho relacionado a uma finalidade, e o desenho no sentido da organização. Segundo Barahona (1998), para Darwin o processo de adaptação eliminava a necessidade do controle de Deus. Assim a criação não teria um objetivo particular nem representava o desenvolvimento de um plano divino. A teoria da seleção natural causou grandes polêmicas, muita das quais estão hoje presentes não só na Biologia como na filosofia da Ciência. Uma destas polêmicas é se existe ou não progresso biológico. Darwin não deixa claro o que deveria se entender por “progresso na organização”. Para ele, o critério mais adequado para falar de progresso biológico seria o de Von Baer: o grau de especialização de diferentes partes de um mesmo ser, ou seja, o aperfeiçoamento na divisão do trabalho fisiológico. Martinez (1998), afirma que Von Baer havia encontrado uma maneira de entender a evolução como um processo progressivo e universal para todo o mundo orgânico. Este critério, provavelmente, apresentou dificuldades óbvias para Darwin já que não explicava a existência de espécies muito mais desenvolvidas do que outras. Darwin considerava as adaptações como resultado direto ou primário da seleção natural. Assim, para ele a seleção natural era responsável pelas contínuas melhoras e aumento gradual da organização, entretanto, enfatizava que a ação da seleção natural não implicava necessariamente em desenvolvimento progressivo. Segundo Ruse (apud Barahona 1998), encontramos em Darwin duas vertentes: a primeira é a idéia de 41 competição e a segunda, se refere à tendência à divergência e à especialização como provas do progresso biológico. Combinando as duas vertentes, Darwin conclui que a competição leva precisamente à especialização, na qual o progresso se obtém através da seleção natural como a força motriz da evolução. Richards (apud Barahona 1998), por outro lado, entende que, ainda que Darwin fale de progresso muito cuidadosamente, acredita-se que a seleção natural pode construir o progresso e a perfeição moral. De acordo com o autor, para Darwin, a seleção constante em ambientes diversos produziria necessariamente organismos mais evoluídos. Este conceito de “evolução progressiva”, disse Richards, poderia explicar a visão teleológica de muitos naturalistas de sua época, aqueles que acreditavam que os organismos mais antigos eram os mais inferiores na escala da vida. 1.3.5 - O progresso depois de Darwin Depois da morte de Darwin continuou a polêmica acerca da existência ou não de um “progresso biológico”. Esta concepção continuísta dos seres vivos expressa em uma idéia de continuidade hereditária através dos tempos, sofre uma grande reviravolta a partir da genética medeliana, que incorporou a visão de um material genético compartilhado e responsável pelas variações presentes nos organismos. Desta forma, como produto da síntese entre a genética e a teoria evolutiva de Darwin, Fisher em seu livro Teoria genética da seleção natural (1930) propôs que o teorema fundamental da seleção natural deveria ser entendido como casual-progressivo (Barahona 1998). Para Fisher estava claro que existe progresso, isto é, com a noção de competência de Darwin, como um processo que terminaria sua trajetória de ascendência no homem. 1.3.6 - O progresso na atualidade Veremos a seguir o quanto a questão do progresso é paradoxal. E para entendermos este paradoxo teremos que definir a noção de progresso e definir os vários sentidos em que são aplicados. A princípio, podemos destacar a distinção entre progresso geral e progresso particular. O progresso quantitativo é a única forma de progresso geral na evolução; todas as demais formas são de progresso particular, como por exemplo, quando medimos a capacidade de perceber o ambiente de uma determinada espécie e de raciocinar em conseqüência. Ayala (1998) Consideremos alguns aspectos deste paradoxo: 42 • Os seres humanos são sem dúvida os animais mais inteligentes da Terra, capazes de levar a cabo atividades éticas e religiosas que não ocorrem em outros organismos e desenvolver uma cultura que possui tecnologias e estruturas sociais avançadas. Parece então razoável conceber a idéia de que um processo gradual tenha transformado organismos primitivos em organismos mais avançados e, finalmente, no homem, ápice de uma evolução progressiva. • Os textos sobre evolução falam de organismos mais ou menos avançados, de organismos superiores ou inferiores e de organismos mais ou menos progredidos. • Para explorar se a evolução é ou não um processo progressivo, ou para decidir se o homem é ou não o mais progressivo dos organismos, é preciso desvendar o conceito de progresso. E podemos começar comparando o termo “progresso” com outros termos a ele relacionados, como mudança, evolução e direção. Ayala (1998). De acordo com Barahona (1998), a noção de progresso na Biologia evolutiva é extremamente complexa e polêmica. Assim, hoje se pode distinguir três perspectivas diferentes a respeito da noção de progresso. A primeira, defendida por Michael Ruse, David Hull e outros, sustenta que não existe prova científica que nos leve a aceitar certa “direcionalidade” na evolução biológica. Uma segunda visão, defendida por Stephen Jay Gould, sustenta que o conceito de progresso deve ser reinterpretado a partir de uma perspectiva em que os dados sejam trabalhados em níveis hierárquicos que interagem. Para Gould, o principal problema do conceito de progresso é semântico, pois à medida que optarmos pela direcionalidade, poderemos fazê-lo como conseqüência da adaptação dos seres vivos e não como causa. A terceira visão, defendia por Ayala e outros, sustentam que a noção de progresso evolutivo pode purgar-se de suas conotações antropocêntricas e que podemos falar de progresso de um ponto de vista científico, com base nas provas existentes. 1.4 – A persistência da Teleologia nas Ciências Biológicas A causal final ou teleológica serviria para respondermos, ante um processo ou entidade, a pergunta “Para quê?” Os conceitos e idéias a respeito da teleologia passaram por uma série de transformações ao longo do tempo. Entretanto, Ayala (ibid.) afirma que não há hoje um consenso sobre o conceito de teleologia, de forma que não se tem uma única idéia sobre o tema. 43 Em vários contextos inquisitivos, particularmente na Biologia e no estudo das relações humanas, a resposta teleológica se caracteriza como uma das melhores opções, ao elucidar as funções de uma unidade, mantendo as características de um sistema ao qual pertence, ou indicando o papel instrumental que exerce em função de um objetivo a alcançar. Contemporaneamente, entretanto, os argumentos teleológicos são vistos por alguns cientistas apenas como uma forma de expressão para tornar rápida e convenientemente inteligível o comportamento de estruturas desenvolvidas ao longo do tempo por meio da seleção natural normalizadora. As explicações teleológicas não exigem de seus “agentes” que sejam conscientes, como é o caso dos movimentos dos corpos na Física de Aristóteles, ou seja, nem sempre as explicações teleológicas possuem fundamentos antropomórficos, embora as mesmas se apropriem legitimamente dos fenômenos oriundos do comportamento humano. Como nos referimos anteriormente, Souza (1999), destaca o embate durante todo o processo histórico de formação da Biologia, no qual duas formas de concebê-la são apresentadas. De um lado, a perspectiva mais vitalista e teleológica. De outro, uma visão mais materialista e causalista. Se por um lado a concepção naturalista da Biologia subsidiada em uma visão de mundo escolástica, na sua perspectiva teleológica, ganha espaço porque se aproxima da religião, por outro, perde em objetividade e rigor (Smocovitis, 1996; Foster, 2005). Quando o caminho inverso é tomado por uma nova visão de Biologia, matematizada e com todos os requisitos de rigorosidade e objetividade que o modelo de ciência positivista da época exige, corre-se o risco da perda de sua identidade, enquanto campo “autônomo” e independente de conhecimento (Smocovitis, 1996). Os trabalhos de Darwin desempenharam um papel fundamental neste contexto quando as idéias de Spencer e admite que o termo ”persistência do mais apto” é mais exato e por vezes mais cômodo que a seleção natural. O sentido da competitividade se acirrava novamente, os mais bem adaptados são aqueles que saem vitoriosos na luta pela sobrevivência que mimetiza a competição mercantil da época. O fato é que Origem das espécies de Charles Darwin subsidiou diferentes discussões, em diferentes áreas do conhecimento e em diferentes práticas sociais. Gerou também muitas expectativas e uma delas girava em torno da exclusão dos aspectos metafísicos das Ciências Biológicas. É dentro deste contexto que a história da Biologia se edifica, entremeada por conflitos de ordem metafísica, há muito entranhada nas ciências naturais, e conflitos de ordem político-econômica e social. 44 Parece ser de consenso geral que o Iluminismo – mais precisamente a revolução científica dos séculos XVII e XVIII – desmantela a visão teleológica dos mundos da natureza, da ciência, da religião, do Estado e da economia; embora Foster (2005) ressalte que neste período houve tentativas poderosas de restabelecer a religião nesta perspectiva. Acreditava-se até então, que o advento das teorias de Charles Darwin pudessem eliminar de vez a visão teleológica de mundo. Como epílogo deste evento, diferentes autores (Foster, 2005; Mayr 1998a, Brody & Brody, 1999 e outros) destacam o famoso debate ocorrido no dia 30 de junho de 1860 na Associação Britânica para o Progresso da Ciência, entre Thomas Huxley (fiel discípulo de Darwin) e o bispo Samuel Wilberforce (ornitólogo e matemático) como marco da separação entre ciência e religião, e, portanto o começo da extirpação da teleologia na Biologia19. Contudo, inúmeros sinais apontam para a presença da teleologia na Biologia. Segundo Martinez & Barahona (1998), Asa Gray – destacado botânico do século XIX – afirmou que a maior contribuição de Darwin foi reincorporar a teleologia às Ciências Naturais. Para o botânico, o aporte dado por Darwin consiste na explicação estável de fenômenos naturais a partir de “forças cegas” como a seleção natural. As implicações dos trabalhos de Darwin na discussão filosófica acerca do que é na verdade uma explicação científica são profundas e o retorno da teleologia as ciências naturais - mais precisamente à Biologia - é bastante significativo. Martinez & Barahona (1998) ressaltam que este é o primeiro passo para um tipo de naturalismo que será defendido por Pierce e Dewey dentre outros filósofos do final do século XIX. Trabalhos como os de Wimsatt (1998) e Becker (1998), propõem posições intermediárias que possibilitem, em certa medida, mostrar que a teleologia pode sim se unir a ciência, mais como recurso explicativo. E é neste sentido que autores como Ayala (1998) crêem que as explicações teleológicas são compatíveis com as explicações causais. Para este autor as explicações teleológicas em Biologia evolutiva podem mostrar o desenvolvimento de um órgão, porque revelam como este contribui para a adequação do organismo. 19 Segundo Foster (2005, p.264), sete meses após a publicação de Origem das espécies, uma multidão entre setecentas e mil pessoas se aglomerou no museu do renascimento gótico de Oxford. Ali seria travado o debate entre Thomas Huxley, eminente darwinista dono de uma retórica muito forte e o bispo de Oxford Sam Wilberforce, matemático, ornitólogo e vice-presidente da Associação Britânica Para o Progresso da Ciência e também conhecido pelos talentos na oratória. Após discorrer sobre os trabalhos de Darwin a intenção do bispo era clara, a de ganhar o debate mostrando que Huxley havia enxovalhado a inviolabilidade da senhora vitoriana. Usando de todo o seu poder retórico Huxley inverte a situação deixando a platéia em êxtase. Assim deixou a contenda convencido de seu triunfo. Ver também, Gould (2002, p.99). 45 Uma das perguntas que os Biólogos se fazem sobre as características dos organismos é: Para que? Qual é a função ou o papel de uma determinada estrutura no processo? A resposta a esta pergunta pode-se realizar teleologicamente. Uma explicação causal do funcionamento do olho não responde satisfatoriamente, ainda que esteja correta, porque não nos diz tudo que é importante sobre o olho, que na realidade serve para ver. Ferreira (2003) argumenta que quando obtemos respostas acerca de como se dá um fenômeno podemos chegar a conseqüências úteis do conhecimento, úteis no sentido de dominação da natureza. Na descrição histórica das seqüências evolutivas, o problema às vezes se inverte: é fácil identificar a função que um órgão cumpre e mais difícil saber por que essa característica aumentou o sucesso reprodutivo que o favoreceu pela seleção natural. As explicações teleológicas têm grande valor heurístico na biologia evolutiva. Assim existem dois tipos de problemas para explicar a evolução mediante a seleção natural: determinar se a seleção natural está envolvida em uma determinada mudança genética e identificar concretamente a adaptação envolvida na mudança genética. A seleção natural é o processo responsável pelas adaptações dos organismos, porque fomenta a multiplicação de variantes genéticas úteis a seus portadores. E assim como a seleção natural explica as adaptações dos organismos, como os olhos, as asas e a flores da mesma forma que explica a multiplicidade de espécies. Para Ayala (1998), a seleção natural foi o grande descobrimento de Darwin, que torna possível explicar cientificamente a teleologia do mundo vivo. 46 CAPÍTULO 2. 2. O percurso da investigação. Como orientação para a etapa empírica da pesquisa, assim como em sua análise, adotamos a abordagem qualitativa, em especial pela natureza dos dados obtidos, respaldando-nos no entendimento de Minayo (1994:22) de que este tipo de abordagem aprofunda-se no mundo dos significados, das ações e relações humanas; um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas. Buscamos, assim, interpretar elementos que compõe a prática docente e suas influências na construção e utilização dos argumentos teleológicos em situações cotidianas de sala de aula. Era nossa intenção, potencializar o entendimento das ações e construções didáticas elaboradas pelos docentes, algo que certamente não pode ser traduzido por equações matemáticas. Ao investigar o uso dos argumentos teleológicos em sala de aula queremos compreender como professores de Biologia lidam com o pensamento teleológico em situações de ensino, tomando como referência o estudo dos saberes elaborados ao longo de suas experiências profissionais (Tardif, 2002; Tardif & Lessard, 2005). Desta forma, adotamos uma estratégia de pesquisa que permite aos professores explicitar suas experiências e refletir sobre elas, fazendo com que as idéias e os entendimentos sobre suas práticas docentes circulem e ecoem em seus pares, gerando um ambiente profícuo e criativo. A este respeito, Vilar (2003) assinala que o momento em que os professores 47 são chamados a discutir suas práticas, possibilita ao pesquisador, além da significação, uma reflexão a respeito do que fazem ou sabem sobre seu fazer. 2.1 O contexto da pesquisa Para compreender como professores de Biologia utilizam-se de argumentos teleológicos em sala de aula ao ensinar os conteúdos de evolução, optamos por desenvolver a pesquisa com docentes do ensino médio matriculados na turma do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Ensino de Ciências da Universidade Federal Fluminense, Modalidade Biologia, mais precisamente, na disciplina Instrumentação para o ensino no primeiro semestre de 2006. Tal escolha se deu pela possibilidade de estabelecer um diálogo com professores de Biologia que estão em contato permanente com as temáticas do ensino de evolução na escola básica. Como iremos explicar, o referido curso é um espaço rico para o intercâmbio de experiências profissionais tanto entre os docentes cursistas quanto entre os universitários. Os professores de Biologia encontram-se em uma situação privilegiada para a reflexão: dispõe de um tempo regular em sua jornada semanal de trabalho para dedicarem-se a rever e atualizar seus conhecimentos pedagógicos e científicos na universidade na companhia de seus pares. 2.2 As docentes em seu espaço de formação O curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Ensino de Ciências organiza-se em quatro habilitações distintas: Química, Física, Ciências e Biologia. Funciona há mais de dez anos titulando professores de diferentes regiões do Estado do Rio de Janeiro que buscam atualização e ampliação de seus horizontes acadêmico-profissionais. O curso é reconhecido como de grande valor e temos inúmeros registros de seus impactos, tanto informais, colhidos em conversas coloquiais, bem como em registros de pesquisa20. 2.3 Os sujeitos da pesquisa. Participam deste estudo onze docentes, sendo dez delas regularmente matriculadas no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Ensino de Ciências da UFF, Modalidade Biologia, e mais uma que tem participação apenas como ouvinte21. Embora todas as dez professoras possuam licenciatura em Ciências Biológicas, o grupo apresenta-se bastante heterogêneo quanto ao tempo de magistério: as experiências com 20 Para saber mais a este respeito ver Behrsin, 2001. A participação de alunos ouvintes no referido curso é relativamente comum por se tratar de uma prática rotineira em cursos de pós-graduação. 21 48 alunos em sala de aula variam entre apenas alguns meses e até vinte anos de experiência docente. 2.4 As etapas da pesquisa Considerando que o objetivo central da disciplina Instrumentação para o Ensino de Biologia é dar suporte teórico-prático aos professores para a construção de aulas mais dinâmicas e desafiadoras, optamos por tratar os assuntos relativos ao pensamento teleológico em apenas uma pequena fração do curso. Levando em conta a estrutura da disciplina em quinze encontros semanais com duração de duas horas cada um, iniciamos os trabalhos dividindo-os em três encontros com a duração total de seis horas. 1) Primeira etapa: discussão sobre evolução e júri simulado O trabalho teve início com uma dinâmica de apresentação oral. A exposição do tema se deu a partir de uma dinâmica que apresentava afirmativas de caráter finalista e teleológica com o objetivo de provocar as professoras para a discussão. Seguiram-se questionamentos, abaixo apresentados que foram registradas de forma escrita e individual. Toda a sessão foi áudio gravada. 22 A- O que significa dizer que um animal é mais evoluído do que outro? B- As espécies de mamíferos são mais evoluídas do que as espécies de bactérias. Comente esta afirmação. C- Ao longo da história da vida várias espécies de mamíferos deixaram de existir. Por quê? Explique D- Dentre os seres vivos os órgãos e sistemas humanos são aqueles que atingiram o mais alto grau de organização. Você concorda? Explique Nesta etapa, o nosso intuito era construir um diálogo com as professoras sobre a temática evolução de forma que suas respostas nos dessem condições de compreender como operam com o tema; em outras palavras, conhecer preliminarmente quais idéias de evolução circulavam entre elas. O passo seguinte consistiu na exposição do tema teleologia e, para tanto, nos utilizamos de alguns textos previamente selecionados como apoio para os debates na seqüência de aulas planejadas neste curso de pós-graduação. Em um primeiro momento, iniciamos a apresentação tomando como referência os argumentos utilizados por Barahona (1998). A apresentação se deu por meio de uma exposição oral, situando historicamente o pensamento teleológico na formação e consolidação da Biologia como 22 A gravação em áudio nos permitiu identificar aspectos de grande relevância para a pesquisa, assunto que será pormenorizado no capítulo seguinte. 49 campo de conhecimento, destacando as polêmicas que sempre envolveram o uso do pensamento teleológico nas Ciências e, particularmente, na Biologia. Em seguida, foram apresentados os argumentos favoráveis ao uso de alguns tipos de teleologia defendidos por Ayala (1998) em seu artigo e, por fim, argumentos contrários ao uso da teleologia de alguns autores, seguidos de uma proposta de renomeação do tema feita por Mayr (1998b e 2005). Pretendíamos com estes procedimentos inserir as professoras no debate, explicitando aspectos da complexidade conceitual dos argumentos relacionados ao pensamento teleológico das Ciências Biológicas. Como reconhecemos a dificuldade de atingir unanimidade quando o assunto é o pensamento teleológico e para tornar mais inteligível a complexa rede que estrutura o pensamento teleológico, montamos um mapa conceitual, baseado em diversos autores. A idéia era organizar os elementos conceituais e produzir um quadro panorâmico de como a teleologia é pensada pelos estudiosos. Este mapa foi apresentado às professoras durante a apresentação do tema (ver mapa número 1 p, 34). Optamos por uma etapa de intervenção didática na pesquisa em função da novidade que o assunto representava para as professoras. Assumimos que, mesmo estruturando diversos diálogos e construções em suas salas de aula de Biologia, as professoras não tinham consciência de que estavam utilizando argumentos ou explicações teleológicas. Desta forma, esperávamos que a dinâmica inicial pudesse introduzir noções dos conceitos de teleologia e pensamento teleológico de forma mais produtiva. Assim, após a exposição e a discussão, propusemos a realização de um debate em torno da validade do uso do pensamento teleológico, por meio de um “júri simulado”. A estratégia visava fomentar uma polêmica que permitisse as professoras expressarem os argumentos teleológicos em situações de ensino. Neste momento, as professoras formaram dois grupos: o que validava e legitimava o pensamento teleológico nas explicações de sala de aula, e o outro, que apresentou argumentos contrários ao seu uso. 2) 2ª Etapa: a temáticas evolutivas A segunda etapa teve como principal objetivo compreender como as professoras de Biologia ensinam determinados tópicos ligados às temáticas evolutivas e analisar se, e como, trabalham com os argumentos teleológicos. Assim, tivemos como estratégia a proposição de situações-problema que se pautavam em explicações teleológicas corriqueiramente utilizadas no dia-a-dia da sala de aula. Todas as situações-problema e situações de ensino foram elaboradas especificamente para este estudo. 50 Iniciamos esta etapa com um breve texto baseado na exibição de um vídeo de divulgação científica, que é um recurso didático bastante comum em sala de aula: Durante a exibição de um filme de divulgação científica, o narrador apresenta o Guepardo: “o animal mais rápido do mundo. Grande felino africano que vive nas savanas e que na sua velocidade sua maior qualidade” O narrador destaca ainda a anatomia do animal como um dos fatores responsáveis pela grande velocidade atingida. “Anos e anos de evolução projetaram o Guepardo para atingir grandes velocidades em um curto espaço de tempo e durante pouco tempo, ele é um sprinter.” Questões: Você acredita que possa haver algo que comprometa o aprendizado de evolução no texto do narrador? Que conceitos evolutivos estão colocados no texto do narrador? De que forma você reconstruiria este texto? 3) 3ª Etapa: explicações teleológicas em situações de sala de aula A etapa seguinte consistiu na análise extraída de diários de campo de licenciandos da disciplina Práticas Pedagógicas e Contexto Escolar do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal Fluminense23. Nesta etapa, buscamos analisar nas falas das licenciandas durante suas aulas a alunos do Ensino Médio, situações vividas corriqueiramente em sala de aula. Era nossa intenção, nesta etapa da pesquisa, trazer elementos do cotidiano das aulas de Biologia que possibilitassem aproximações com as experiências vividas pelas professoras em suas escolas. (a) Licencianda A. Data da aula: 22/06/05. Tema: Relações ecológicas – turma de 3º ano. Durante a sua regência a licencianda faz a seguinte afirmação: “Não é legal para o parasita que o hospedeiro morra. O parasita quer que o hospedeiro viva.” (b) Licencianda B. Data da aula: 28/06/05. Tema: Relações ecológicas – turma de 3º ano. Durante a sua regência a licencianda faz a seguinte pergunta: “Qual a vantagem ou benefício que a bromélia obtém ao se fixar no alto da árvore?” Resposta do aluno: “Para absorver mais luz.” e a licencianda diz: “É isso mesmo, se a planta ficasse nas partes mais baixas seria prejudicada por conta da pouca luz”. Questionamentos: 1. O que você acha das afirmações das licenciandas A e B? 23 Os trechos utilizados nesta etapa da pesquisa resultam de observações de aulas realizadas pela professora Sandra Escovedo Selles em seu trabalho de supervisão docente em escolas estaduais no Grande Rio. Os licenciandos foram informados do uso destes extratos com fins de pesquisa e estes não contêm nenhuma identificação das pessoas bem como das escolas onde se deram tais atividades docentes. 51 2. Que conceitos evolutivos estão expressos na afirmação da licencianda? 3. Há algum objetivo na ação do parasita ou da planta em relação ao ambiente? 4. Como você explicaria este tópico? Para o debate, dividimos a turma em dois grupos, mesclando, em cada um deles, professoras com diferentes anos de exercício no magistério: professoras com mais anos de magistério e professoras com menor experiência. Com esta “mistura” buscamos obter maior riqueza de dados, dada a heterogeneidade do grupo em relação à experiência. Acreditávamos, em nível hipotético, que professoras com maior tempo de sala de aula reconheceriam com mais facilidade as situações de ensino em que o pensamento teleológico estaria presente e que, por conta de sua experiência, pudessem expressar seus saberes construídos no dia-a-dia, enriquecendo o debate. Por outro lado, também tínhamos expectativa que as professoras menos experientes, por se tratarem de recémformadas, trariam argumentos mais próximos da ciência de referência, aprendidos na formação inicial. Tomamos estas hipóteses apenas como uma forma de organização e, não necessariamente, uma previsão de resultados. Tal estratégia nos possibilitou criar um ambiente de discussão para fazer circular as diferentes idéias, o que é essencial para um debate profícuo. Tardif & Lessard (2005:235) afirmam que a principal característica do trabalho docente é a interatividade, em outras palavras, significa dizer que a docência se desenrola concretamente dentro das interações entre grupos e/ou indivíduos através de constantes interferências em uma contínua alternância de relações. Portanto, como se tratavam de situações de ensino muito corriqueiras, a discussão provocada pela situação de ensino abriu espaço para que as professoras expressassem seus saberes em relação ao uso das explicações teleológicas nas suas aulas. Tal estratégia nos conduziu à criação de um ambiente de discussão em que circularam informações de diversas fontes. Abriu-se assim, aqui a possibilidade do compartilhamento de diversos saberes - saberes disciplinares, curriculares, profissionais e experienciais – que, segundo Tardif (2002) constituem-se, de forma amalgamada, os saberes docentes. A opção pelo relato escrito individual nos trouxe a oportunidade de verificar a existência de possíveis discordâncias. A partir da análise das questões pudemos estudar como as professoras encontram soluções para explicações de mecanismos evolutivos básicos, ao mesmo tempo em que nos ajudou a compreender os elementos e as articulações usadas para estruturar suas respostas. Pensamos que esta estratégia remetenos às fontes dos saberes docentes, conforme assinala Tardif (2002:16): 52 O saber dos professores parece estar assentado em transações constantes entre o que são (incluindo suas emoções, a cognição, as expectativas, a história pessoal deles etc.) e o que fazem. (grifos do autor) Este debate foi registrado em áudio e fez surgir algumas questões relevantes para nosso estudo: há diferenças no uso da teleologia do ponto de vista científico e do ponto de vista didático? Seria possível pensar que existem situações de ensino em que o uso da teleologia é mais produtivo? Caberia nos perguntar ainda, se do ponto de vista didático, há situações em que o uso da teleologia seria inócuo aos alunos ou, ainda, seria o mais indicado neste caso? 4) 4ª Etapa: analisando teleologia em livros didáticos Por fim, realizamos uma análise de alguns textos de livros didáticos a fim de verificar em que medida estes contém ou conduzem a explicações teleológicas. Esta estratégia foi incluída para registrar se as professoras identificavam seus próprios discursos expressos nos textos dos livros didáticos. Possibilitou-nos ainda examinar como as professoras lidam com os argumentos teleológicos presentes em sala de aula, uma vez que, orientados pelos argumentos de Selles & Ferreira (2004:104), entendemos que o livro didático atua como mediador dos diferentes saberes que circulam no ambiente escolar. Como as autoras, concordamos que os professores descobrem, por meio do trabalho cotidiano, esta mediação de saberes, pois “os livros não trazem somente conteúdos a serem ensinados, mas também uma proposta pedagógica que passa a influenciar de modo decisivo a ação docente” Assim, não tínhamos como intenção que as professoras analisassem o conteúdo dos livros do ponto de vista do conhecimento científico, mas sim, que buscassem aproximações entre sua forma própria de explicação dos conteúdos biológicos com aquela expressa nos materiais didáticos selecionados. Os livros didáticos utilizados eram, em sua maioria, adotados pelas próprias professoras em suas escolas. Para a análise proposta, foram selecionados trechos em que o pensamento teleológico estivesse sustentando a explicação de um processo biológico complexo. Abaixo seguem trechos dos livros didáticos adotados pelas professoras e utilizados nesta etapa da pesquisa: “Os pulmões são massas esponjosas dotadas de grande número de fibras elásticas. Cada um deles é dividido em partes chamadas lobos. O pulmão direito possui três lobos; é mais largo e mais curto 53 que o esquerdo, para facilitar o alojamento do coração e do fígado. Já o pulmão esquerdo possui dois lobos.” Biologia em foco, vol. Único. Carvalho, W. - SP: FTD 2002. P. 174 “Mamíferos são animais cuja característica fundamental é a presença de glândulas mamárias. Essas glândulas têm por finalidade secretar o leite, primeiro alimento do recém-nascido.” Coleção Horizonte - Ciências Seres viva 6ºsérie. Fonseca, A. - SP: IBEP s/d. p.17. Como dito anteriormente, esta etapa buscava entender em que medida o livro didático é um dos elementos que alimenta a circulação de argumentos teleológicos em sala de aula e ainda compreender como as professoras lidam com estes argumentos, uma vez que estes materiais encontram-se presentes em suas salas de aula. Assim sendo, utilizamos dois questionamentos para orientar a leituras dos textos selecionados: A - Você percebe nos textos acima algo que possa, de alguma forma, comprometer uma situação de ensino? B - Para que aspectos do texto você chamaria a atenção do aluno? Justifique. 2.5 Procedimentos de Análise Neste estudo, foi utilizada a análise de conteúdo para organizar, analisar e categorizar os discursos e respostas produzidas pelas professoras, mediante os objetivos da pesquisa. Para Moraes (1999) a análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa diversificada e dinâmica que possibilita a análise dos dados, especialmente aqueles voltados para uma abordagem qualitativa, usada para descrever e interpretar o conteúdo dos dados, ao mesmo tempo em que aspira um trabalho de compreensão, interpretação e interferência. A partir da apreciação das falas das professoras, agrupamos os depoimentos 24 de acordo com alguns padrões que surgiram nas leituras e releituras. Assim, organizamos o conjunto dos dados de acordo com o que as professoras mencionavam em seus relatos, tais como: a identificação ou não dos argumentos teleológicos; a teleologia em situações de aprendizagem e o caráter utilitário dos argumentos teleológicos. Moraes 24 Tomamos aqui como depoimentos, as falas das professoras audiogravadas. 54 (idem) denomina esse processo como unitarização ou transformação do conteúdo em unidades, sendo uma etapa da análise do conteúdo. O desenvolvimento das categorias de análise buscou, através da observação destes dados, identificar os padrões de respostas de modo a situá-los em grupos e subgrupos. Empregamos neste estudo relatos das situações de ensino em que as professoras argumentam, debatem e propõe alternativas para o uso do pensamento teleológico. Entretanto, queremos deixar claro que as situações e relatos selecionados atuam como aproximações da realidade cotidiana das salas de aula, uma vez que não foram recolhidos nos seus locais de realização. Enfatizamos ainda que, embora as categorias se apresentem subdivididas, isto é apenas um recurso analítico que lançamos mão nesta investigação para compreender suas idéias e nos aproximar de seus saberes. Consideramos, assim, que as respostas das professoras são indicativas dos saberes que mobilizam em sua ação docente. 2.5.1 Organizando em categorias As categorias que construímos nesta dissertação, para a melhor compreensão do uso do pensamente teleológico em sala de aula, estão apresentadas a seguir em três tabelas: A primeira tabela reúne as categorias que dizem respeito às concepções de evolução das professoras, que por se articularem com pensamento teleológico, assumem grande relevância no contexto da pesquisa. As professoras se utilizam de suas concepções sobre evolução para a construção dos argumentos teleológicos utilizados em sala de aula, ainda que as mesmas não tenham a exata percepção disto. Tabela 1: Concepções acerca do tema evolução Categorias Co Descrição O processo evolutivo é visto de forma linear. São ncep considerados organismos menos evoluídos aqueles que ao ções sobr e longo do tempo, não acumularam um grande número de Evolução como modificações anatômicas e fisiológicas. Para as sinônimo de professoras, são mais evoluídos os organismos mais complexidade complexos, aqueles que possuem maior diversidade de evol estruturas. Elas alegam que quanto maior a diversidade, ução maiores são as possibilidades de mudanças evolutivas. 55 O processo evolutivo também é visto de forma linear, mas diferentemente na categoria anterior, é um processo Evolução como contínuo. Nesta perspectiva, os organismos mais simples conseqüência - entendam-se mais simples como aqueles que detêm o de progresso menor número de estruturas, logo, o menos complexo ocupam a base de uma suposta escala evolutiva. No ápice, estão os mais evoluídos, os mais complexos. Neste contexto a seleção natural é usada como uma espécie de ferramenta do progresso: aprimorando os grupos, selecionando e conduzindo-os a um desenvolvimento progressivo. A segunda tabela traz categorias que dizem respeito às soluções apresentadas pelas professoras no tratamento das questões que envolvem o pensamento teleológico. As soluções apresentadas pelas professoras foram inicialmente organizadas em duas categorias: (i) uma relativa à identificação do pensamento teleológico nas situações apresentadas; e (ii) outra categoria que revela como atua o pensamento teleológico em diferentes situações de ensino. Em ambas as categorias verificamos uma boa profusão de informações, de modo que, foi necessária a subdivisão em categorias menores. A princípio pensávamos encontrar apenas duas subcategorias, nas questões relativas à identificação: situações em que o pensamento teleológico fosse identificado e situações em que o pensamento teleológico não fosse identificado. Entretanto, a análise dos dados revelou que a subcategoria em que o pensamento teleológico foi identificado, estava dividida em duas. Situações em que o mesmo foi detectado, mas não provocou mudanças na estrutura do argumento e ainda situações em que o pensamento teleológico foi identificado e não gerou modificações, provocou sim, o desvio do foco de atenção para um outro tema. 56 Tabela 2: Tratamento das questões envolvem o pensamento teleológico Tratamen to das questões que envolvem o pensamen to teleológico dos dados Categorias Descrição Identificação e Nesta categoria, situam-se os depoimentos relativos tipos de à identificação do pensamento teleológico nas teleologia em diversas situações de ensino apresentadas. Esta situações de categoria ensino pode ainda ser dividida em três subcategorias: (i) não identificada; (ii) teleologia identificada que não provoca mudanças; e (iii) teleologia identificada que desvia a atenção. Esta categoria reúne três subcategorias que estão Formas de ligadas à forma com que à teleologia atua em atuação da situações de aprendizagem. São elas: (i) A teleologia teleologia em como um fator limitante na aprendizagem; (ii) A situações de teleologia que não compromete uma situação de ensino ensino; e (iii) a teleologia como um facilitador de aprendizagem. Ainda neste mesmo grupo temos, apresentados na tabela 3, a categoria que revela a dinâmica do pensamento teleológico em sala de aula: o pensamento biológico em situações de ensino. Esta categoria foi subdividida em três subcategorias que representam situações cotidianas em que o pensamento teleológico está presente. A primeira subcategoria apresenta situações em que o pensamento teleológico não é aprovado pela professoras porque, segundo as professoras limitam o entendimento. A segunda subcategoria apresenta situações em que o pensamento teleológico atua como um facilitador de aprendizagem, no sentido em que, na economia do conhecimento escolar e do processo de ensino, “encurta caminhos”. E, por último, situações em que o pensamento teleológico não interfere na aprendizagem. 57 Tabela 3: Subcategorias que apresentam a identificação e a forma de atuação da teleologia nas situações de ensino. Categorias subcategorias Descrição Nesta subcategoria estão alocados os depoimentos Não que nos levam a crer que as professoras, pelo menos identificadas na maioria das vezes, não perceberam a presença do pensamento teleológico nas situações apresentadas. Situações em que o pensamento teleológico foi Identificadas Nesta subcategoria os depoimentos que dão conta identificado que não de uma suposta identificação, mas não provocam nas diversas geram situações de qualquer tipo ensino de mudança qualquer tipo de alteração. apresentadas. Identificadas que não geram mudanças e Nesta subcategoria estão os depoimentos que identificam os argumentos teleológicos, o desviam o foco pensamento teleológico foi identificado e não de atenção do argumento promoveu alterações, provocou sim, o desvio do foco de atenção para um outro tema. teleológico para outro tema Teleologia não Nesta subcategoria estão os depoimentos que aprovada reprovam o uso do pensamento teleológico em como um situações de ensino por acreditar que este limita o recurso de conhecimento dos alunos. Atuação em aprendizagem. Teleologia Nesta subcategoria estão os depoimentos que situações de como um fator apontam à teleologia como um fator facilitador de ensino facilitador de aprendizagem. aprendizagem 58 Teleologia como um fator Nesta subcategoria estão os depoimentos que que não interfere na conferem a teleologia um caráter neutro, que não interfere nas situações de aprendizagem. aprendizagem. A organização em categorias foi um recurso preliminar que utilizamos para auxiliar nosso entendimento sobre a maneira com que as professoras constroem as explicações teleológicas. Obviamente, embora tenhamos agrupado o conjunto dos dados recolhidos na pesquisa, não os estamos tratando de forma essencialista: não são as professoras que estão representadas nestas categorias; representam apenas uma forma de organizar suas idéias. Reconhecemos que estas idéias podem expressar os saberes das professoras acerca das explicações teleológicas dos conteúdos biológicos escolares. A organização em categorias serviu de base para a análise dos dados empíricos que apresentaremos no próximo capítulo, nos itens 3.4 e 3.5. 59 CAPÍTULO 3 3- SABERES DOCENTES E ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS: ANALISANDO OS DADOS DA PESQUISA Este capítulo destina-se à apresentação dos dados empíricos da pesquisa realizada junto ao grupo de professoras. Considerando os objetivos descritos anteriormente, destacamos dois pontos que direcionaram nossa análise: o primeiro foi tentar compreender como as professoras entendem o tema evolução e o segundo, como estas mesmas professoras lidam com as questões relativas ao pensamento teleológico em sala aula. Este capítulo é constituído de cinco seções. Na primeira, fazemos uma breve apresentação das docentes envolvidas neste estudo e do curso que serviu de base para o desenvolvimento desta etapa do trabalho, o curso de pós-graduação em ensino de Ciências da Universidade Federal Fluminense. Nas demais seções, analisamos e interpretamos os dados produzidos a partir das situações propostas e que foram descritas no capítulo referente à metodologia da pesquisa. Convém ressaltar que em momento algum foi nosso objetivo colocar em julgamento os saberes disciplinares das docentes participantes desta investigação. Prestamo-nos a problematizar as questões que consideramos relevantes para nosso estudo e, obviamente, suas implicações para o ensino de Biologia. Para tanto, tomamos as contribuições produzidas pelos docentes como o material básico para conduzir as reflexões desta dissertação, estimulados pela forma prestimosa com que as mesmas colaboraram. Entendemos que a interação provocada pela proposta desta pesquisa produziu um espaço para discussão e mobilização dos saberes docentes, constituindo uma forma de valorizá-los. Neste sentido, nos aproximamos das idéias de Tardif 60 (2002:53), quando afirma: Eles [os professores] dividem uns com os outros um saber prático sobre sua atuação, (...) a maior parte deles expressa a necessidade de partilhar suas experiências. Nas seções seguintes, analisamos as respostas das onze professoras participantes os diversos momentos do processo de investigação. Embora todas tenham consentido a publicação de seus nomes, optamos por resguardá-las adotando nomes fictícios25: Talita; Tâmara; Tábita; Temis; Tércia; Teresa; Ticiane; Tainá; Thais; Teodora; Tarsila. 3.1 O entendimento das docentes sobre evolução Tomando por base o breve questionário apresentado às professoras na primeira etapa da pesquisa, discutimos as respostas dadas às questões propostas. Ao optarmos por trabalhar com estas questões de forma individual e escrita, desejávamos levantar preliminarmente como as professoras de Biologia entendem e trabalham o conceito de evolução e suas conexões em sala de aula. Julgávamos interessante iniciar pela discussão sobre suas idéias acerca do tema evolução para provocar a discussão com as explicações teleológicas. A análise da primeira pergunta - O que significa dizer que um animal é mais evoluído do que outro? - indica que a maioria das professoras considera existir alguma característica positiva relacionada à evolução. A partir de suas respostas, vemos que este processo é compreendido como sinônimo de “algo melhor” e não apenas como uma “novidade”, independente da sua natureza. Assim, os seres que evoluem se encontram mais capacitados a sobreviver no meio em que se encontram, seja porque são complexos seja porque têm maiores possibilidades de se adaptarem ao meio em que vivem. Tal visão se reflete, por exemplo, na fala da professora Teresa: Um animal é mais evoluído que outro quando possui uma organização mais complexa. Outra visão presente nas respostas diz respeito ao entendimento de complexidade como adaptação individual, ou seja, a complexidade de cada indivíduo atua como uma espécie de arsenal de possibilidades evolutivas, como expressou a professora Talita: Existem adaptações que fazem com que os animais tenham ou não habilidades para viverem, por exemplo, em um local. Quanto mais complexo for o ser, mais chances ele tem de se adaptar aos novos ambientes. Palavras como: variações, adaptações e complexidade, repetidas seguidas vezes nos depoimentos, nos fizeram crer que as professoras consideram que o ser “mais evoluído” é aquele que apresenta um 25 Optamos por denominar todas as professoras por nomes iniciados pela letra “t” em referência à teleologia. 61 maior número de estruturas, como aponta a professora Temis: É que na escala evolutiva ele [animal mais evoluído] é um animal que apresenta um nível maior de complexidade: tecidos, órgãos, sistemas e está bem adaptado. Neste sentido, podemos perceber que as professoras entendem evolução como variações que caminham em um sentido: a melhora e a complexidade; o acúmulo de variações anatômicas e fisiológicas que o indivíduo adquiriu ao longo de sua história; e a reserva de possibilidades. Boa parte dos conceitos evolutivos expressos pelas professoras não correspondem, pelo menos sob o ponto de vista conceitual, a visão compartilhada por uma porção significativa da comunidade científica atual, porque representa uma noção progressiva e linear de evolução biológica. É provável que tal visão seja fruto da confusão entre o sentido biológico do termo “evolução” e aquele empregado em outras esferas sociais. Entretanto, se considerarmos o esforço argumentativo de autores como Stephan Jay Gould em seu livro Lance de Dados, vemos o quanto o enraizamento desta noção encontra-se também no meio científico das Ciências Biológicas. Como o autor aponta que a concepção de evolução é muitas vezes tomada como progresso, mesmo entre ilustres cientistas, não pode nos surpreender que esta conotação também esteja presente na maioria das respostas das professoras. A análise da segunda pergunta - As espécies de mamíferos são mais evoluídas do que as espécies de bactérias? - ratificou nosso entendimento acerca do posicionamento das professoras em relação à ligação entre complexidade e evolução. Na resposta dada pela professora Ticiane: Os mamíferos são mais evoluídos porque apresentam estruturas mais complexas, que permitem adaptar-se a diferentes habitats (...), podemos evidenciar claramente a relação entre complexidade e adaptação. Esta perspectiva é confirmada pela professora Teresa: A organização dos mamíferos é mais complexa do que a das bactérias, desde a estrutura celular, em que as bactérias são procariontes, unicelulares etc. No curso da evolução, os mamíferos adquiriram um grau de complexidade maior com células eucariontes formando tecidos, sistemas com funções definidas, adaptações a vários tipos de ambientes. Vale também destacar que algumas respostas expressam um caráter intencional na evolução como, por exemplo, na resposta apresentada pela professora Teodora: As espécies de mamíferos são mais evoluídas citologicamente, por possuírem órgãos e sistemas organizados, [e] conseguiram evoluir mais do que as bactérias (grifo nosso). 62 A resposta acima sugere uma intencionalidade e uma direcionalidade: uma vontade intrínseca no processo evolutivo dos mamíferos, algo que os impele a um ganho progressivo. Parece-nos que a professora fala de uma visão progressiva do processo evolutivo, na qual os seres menos complexos ocupam a base de uma suposta escada e no cume estão os organismos mais complexos, como os mamíferos. Este posicionamento assemelha-se à encontrada na grande Escala do Ser proposta pelos gregos (Souza, 1999). A referida fala assume uma posição emblemática no contexto do trabalho por expressar o caráter teleológico implícito na resposta da professora. Vale lembrar que até então, as professoras não haviam tido qualquer tipo de contato com os aspectos mais teóricos do pensamento teleológico. Isto nos sugere que o pensamento teleológico está presente no discurso cotidiano das professoras, ainda que não tenham percepção disso. A nosso ver, a fala da professora aponta ainda para a íntima relação entre teleologia e progresso, quando indica a maior complexidade dos mamíferos como ponto mais alto desta suposta escada evolutiva. Em outras palavras, para a professora, as melhorias evolutivas seriam a forma com que se manifesta o caráter intencional ou finalista do processo evolutivo. Na terceira pergunta - Ao longo da história da vida várias espécies de mamíferos deixaram de existir. Por quê? Explique - os dados nos mostram outros aspectos interessantes. As informações fornecidas pela primeira pergunta nos sugerem que as professoras consideravam evolução como variação e complexidade, isto é, quanto mais complexo, maiores as possibilidades de adaptação. Já a terceira pergunta requeria das professoras questionamentos mais elaborados: se seguíssemos um raciocínio de que os mamíferos seriam os mais complexos, logo, os mais evoluídos, por que muitos deles foram extintos? As professoras apontaram à ausência de certas adaptações, como sendo a principal causa de sua extinção, como relata a professora Ticiane: Porque no meio da evolução aqueles que não tinham capacidade de adaptarse às novas condições ambientais foram deixando de existir, sendo selecionados aqueles que poderiam adaptar-se melhor e conseguiram passar sua informação genética a seus descendentes (grifo nosso). Ou ainda Temis: Eles deixaram de ter características favoráveis para viver naquele ambiente (adaptações) logo sofreram a seleção natural. Esta última afirmação traz dados para refletirmos, em confronto com respostas anteriores. As professoras parecem ter lançado mão da relação entre complexidade, 63 adaptação e existência de estruturas, demonstrada nas respostas à primeira pergunta. É possível supor também que as respostas confirmam a noção de evolução como sinônimo de progresso com que operam. Quando a professora Temis afirma: Eles deixaram de ter características favoráveis para viver naquele ambiente, pode estar sugerindo que certos mamíferos deixaram de acumular novidades evolutivas, ou que deixaram de ganhar complexidade. Isto significa, em outras palavras, que alguns mamíferos estacionaram na chamada corrida evolutiva e, por conta disto, foram extintos. Outro ponto que gostaríamos de destacar é o caráter intencional que aparece na resposta da professora Tércia: Porque não conseguiram se adaptar a determinadas mudanças ocorridas no ambiente com o decorrer do tempo. Quando Tércia diz: “Porque não conseguiram se adaptar...” pode estar, de certa forma, reforçando a idéia de que há certo controle exercido pelos próprios seres sobre o processo de evolução das espécies. A nosso ver, estas palavras podem facilmente ser substituídas pelas seguintes: porque não obtiveram as modificações necessárias. Desta forma, fica mais aparente a intenção de mudança por parte dos mamíferos, ou seja, um projeto foi desenvolvido e o objetivo não foi alcançado. Por fim, os dados da quarta pergunta - Dentre os seres vivos, os órgãos e sistemas humanos são aqueles que atingiram o mais alto grau de organização. Você concorda? Explique - ratificam a visão de evolução como progresso. Se os mais complexos são também os mais evoluídos, e os mamíferos ocupam o posto de mais complexos, nós seres humanos e mamíferos, somos aqueles que detêm os sistemas mais avançados, ou seja, somos a última versão em termos de modernidade e eficiência na escala evolutiva. A resposta de Temis, representa bem a noção de evolução como progresso, considerando especialmente os seres humanos: Concordo, porque somos seres muito organizados, nosso cérebro é bastante desenvolvido, apresentamos sentidos desenvolvidos como a visão, tato, olfato, audição, nosso corpo é uma “máquina” que funciona muito bem, com todos os sistemas trabalhando em conjunto. Assim, a professora Teresa leva em consideração os mamíferos como um todo: (...) Ao nível de órgãos e sistemas, diria que os mamíferos possuem órgãos e sistemas que atingiram o mais alto grau de organização. Em resumo, podemos organizar o entendimento das professoras sobre evolução em dois grupos: evolução como sinônimo de complexidade e evolução como 64 conseqüência de progresso. Cabe destacar que a noção de evolução que trabalham em ambos os grupos não a tomou a partir do conceito de população. Embora ambos tenham pontos comuns, podemos dizer que quando as professoras entendem evolução como sinônimo de complexidade, o processo evolutivo é visto de forma linear. São considerados organismos mais evoluídos aqueles que, ao longo do tempo, acumularam um grande número de modificações anatômicas e fisiológicas. Para as professoras, são mais evoluídos os organismos mais complexos, aqueles que possuem maior diversidade de estruturas. Esta argumentação sugere que quanto maior a diversidade de estruturas, maiores são as possibilidades de mudanças evolutivas. Desta forma, a diversidade de estruturas atuaria como uma espécie de manancial de possibilidades evolutivas, justificando o título de ser mais complexo, como aqueles que têm maiores chances de sobreviver. Na evolução como conseqüência de progresso, o processo evolutivo é visto de forma linear e contínua. Nesta perspectiva, os organismos mais simples - entendam-se mais simples aqueles que detêm o menor número de estruturas, logo, os menos complexos - ocupam a base de uma suposta escala evolutiva. Neste contexto, a seleção natural é o meio pelo qual o progresso se dá, em outras palavras, é usada como uma espécie de ferramenta utilizada de forma intencional para apurar os grupos, selecionando características que de alguma forma possa tornar os indivíduos mais aptos para aquele ambiente. 3.2 Discutindo as explicações teleológicas em um júri simulado Como dito anteriormente, logo após o questionário inicial foi feita uma breve exposição do tema. Esta exposição se iniciou a partir de uma dinâmica que provocava a discussão apresentando afirmativas de caráter finalista e teleológico26, chamando atenção para a questão do pensamento finalista. A gravação em áudio não nos trouxe nenhum indício de que as afirmativas estivessem sendo percebidas como de caráter finalista. Ao contrário, inicialmente, as professoras as analisaram sob o ponto de vista de erros conceituais, questionando a validade das mesmas sob o ponto de vista Darwinista. Temis, por exemplo, disse: Eu acho que está um pouquinho errado sim. A todo tempo as professoras questionaram a validade das afirmativas. Com a continuidade da exposição e as nossas intervenções questionando as respostas, pouco a pouco o 26 Algumas frases foram cunhadas por nós, tomando como base nossa experiência de sala de aula, e outras inspiradas no artigo de Tamir & Zohar (1991). As frases estarão dispostas nos anexos. 65 pensamento teleológico, até então desconhecido para as professores, mas presente de forma tácita, foi sendo expresso e identificado por elas. A gente quer passar para o aluno as características favoráveis, né? Que fizeram o animal ou a planta se adaptar. E quando a gente fala dessa maneira, e eu acho que a gente fala mesmo, na hora da empolgação, a gente fala mesmo e cria a necessidade daquilo acontecer. Parece que a planta ou animal tem a capacidade de escolher o gen. Na verdade, não é bem assim, né? (Professora Temis). Gradativamente, as professoras foram aderindo à posição da professora Temis e justificaram seu posicionamento. As professoras se reconheceram nas frases e apontaram algumas delas como bastante comuns em sala de aula: desde a faculdade que eu escuto frases assim (Professora Talita); a gente acaba falando assim mesmo no cotidiano da sala de aula (Professora Teodora). Teodora antecipando-se à atividade que se seguiu, levando a discussão para o papel do livro didático como um recurso incentivador do pensamento teleológico: Nos livros diz que é para isso [referindo-se à espessura da pele do urso polar], para se proteger do frio... Tarsila concorda com Teodora, ao afirmar que até os livros didáticos estão errados também. Continua sua fala destacando que o próprio sistema induz a gente [professores] a isso. Teresa afirma que o professor é levado a este discurso por se ater demais ao livro didático e acredita que o problema principal está na formulação do discurso do professor em sala de aula. Segundo esta professora: A tendência do professor é se limitar ao texto do livro didático. Neste ponto, percebemos como a ênfase ao livro didático é forte: são tomados como referência de conhecimento e utilizados como fonte para organizar suas explicações sobre os processos biológicos a serem ensinados. Historicamente, estes materiais estão presentes na escola como expressão do conhecimento escolar e são aceitos de forma naturalizada. Além disso, é preciso refletir, como sugerem Ferreira & Selles (2004) que são considerados tacitamente como substitutivos de uma preparação profissional, inicial e continuada, mais sólida. Após a apresentação da temática do pensamento teleológico, sua influência na construção das Ciências Biológicas como campo de conhecimento e da discussão que esta apresentação levantou, iniciamos a atividade do “Júri Simulado”. Nesta atividade, foram destacados pelas professoras os aspectos positivos e negativos do uso do pensamento teleológico em sala de aula, baseados nas experiências vividas pelas 66 docentes. As respostas das professoras a esta proposta remetem-nos às idéias de Tardif (2002) quando defende que os professores desenvolvem saberes específicos, baseados em seu trabalho cotidiano, saberes que brotam da experiência e por ela são consolidados. A oportunidade de defender posições antagônicas provocava a mobilização destes saberes e nos possibilitavam compreender algumas formas como estes saberes se organizam em relação ao pensamento teleológico. A análise da gravação produzida durante o “Júri Simulado” nos permitiu identificar que as professoras aprovam o uso do discurso teleológico no ensino fundamental, mas não no ensino médio, justificando esta diferença pelo fato de que os alunos do ensino médio já possuem “capacidade cognitiva” para “assimilar” o conteúdo. Ressaltam, ainda, que a abordagem dos conteúdos com ênfase finalista é uma forma didática que dá significado didático a estes conteúdos e provoca o interesse do aluno do ensino fundamental. A professora Tâmara enfatiza que o uso dos argumentos teleológicos pode ser permitido, desde que o professor tenha consciência de que estes argumentos contêm uma perspectiva metafórica. Esta justificativa pareceu-nos uma reflexão recente que a professora incorporou após os primeiros questionamentos trazidos pelas propostas desta investigação. Teodora acredita que existem situações didáticas em que é preciso abrir mão do rigor do conteúdo para facilitar o aprendizado. Em suas palavras: às vezes você tenta explicar um assunto e o aluno não entende e você então, tenta, tenta, tenta e ele ainda não entende. Aí, você usa esse método. E aí, [você fala para o aluno] entendeu? Entendi, então, [você responde] é isso? Nesta fala, Teodora descreve uma situação de sala de aula em que “esse método” resolve uma situação de dúvida de um aluno, destacando que os argumentos teleológicos seriam um facilitador da aprendizagem, chegando a elevá-los ao nível de “método de ensino”. Em outras palavras, a necessidade de solucionar um problema na dimensão do imediatismo da sala de aula justifica a escolha deste argumento. Esta dimensão é uma das seis características do ensino em sala de aula discutidas por Doyle (1986 apud Gauthier & Martineau,2001)27 quando afirma que, no ambiente coletivo da sala de aula, tendo que lidar com um grupo de alunos com múltiplos interesses e necessidades e constrangidos nos limites do tempo e do espaço, o professor age imediatamente para solucionar questões específicas dos alunos. 27 As seis características do ensino em sala de aula identificadas por Doyle são: a multidimensionalidade; a simultaneidade; a imediatez; a imprevisibilidade; a visibilidade; a historicidade. (Doyle, 1986 apud Gauthier & Martineau, 2001) 67 Entretanto, é interessante lembrar que o primeiro contato consciente das professoras com a problemática do pensamento teleológico se dera no curso de PósGraduação – mais precisamente há poucas horas antes – e as professoras demonstraram que não reconheciam os argumentos teleológicos presentes nas situações propostas anteriormente. Este fato reforça nosso entendimento de que as professoras fazem uma espécie de “uso inconsciente” do pensamento teleológico, mas, uma vez confrontadas com situações didáticas corriqueiras, conseguem identificá-lo e, ainda mais, justificar o seu uso baseando-se em argumentos pedagógicos. Como relata a professora Tainá: Acho que isso é natural do ser humano. Assim, a professora acredita que somos levados a raciocinar teleologicamente, porque já naturalizamos esta forma de pensar no nosso dia-a-dia. Mais uma vez, as justificativas das professoras nos remetem ao aspecto tácito dos saberes docentes, conforme apontado por Tardif (2002). Para o autor, ao falar sobre suas práticas e justificá-las os professores estão expressando seus saberes, possibilitando ao pesquisador compreendê-los28. Desejando aprofundar o sentido destas justificativas, lançamos um questionamento durante o debate: Faz diferença dar uma explicação teleológica ou não? A professora Tainá parece concordar, defendendo sua posição: A gente está sempre buscando finalidades... é do ser humano ser teleológico. Não dá para viver sem finalidades. Neste instante, as professoras vão dando mostras de que percebem o quanto a questão do pensamento teleológico em sala de aula é bastante complexa. Por exemplo, a professora Teresa pergunta: Tem como fugir disso? Com o intuito de continuar provocando a reflexão, levantamos, então, outra questão: Se o professor tiver conhecimento do pensamento teleológico, ele dará uma explicação melhor? A professora Thais parece concordar: Acho que a gente fica com uma visão mais crítica, sai do arroz com feijão. As professoras parecem começar a compreender que é importante ter o domínio das idéias que circulam em sala de aula, mesmo que estas não sejam explicitadas aos alunos. Tarsila corrobora com esta idéia: O professor não pode deixar de estar consciente do uso dos argumentos teleológicos. Estas observações das professoras, mais uma vez, reforçam as idéias defendidas por Tardif de que os saberes docentes são inconscientes e implícitos. Na medida em que foram provocadas pelo debate as docentes procuraram exemplos de suas experiências 28 A este respeito, à investigação de VILAR (2003) traz bastante material analítico para uma melhor compreensão teórico-metodológica destas questões. 68 cotidianas e os articularam com as idéias novas apresentadas. “(...) o novo surge e pode surgir do antigo exatamente porque o antigo é reatualizado constantemente por meio de processo de aprendizagem” Tardif (2002:39). Todavia, é preciso ressaltar que as opiniões a respeito do uso dos argumentos teleológicos em sala de aula não são uníssonas. Tainá acredita que nem sempre o argumento teleológico facilita o aprendizado: O professor pode se utilizar de outros argumentos, como uma proximidade da realidade dos alunos ou com o uso de analogias com fenômenos naturais, ou ainda, construindo associações com outras áreas. A professora Teresa vai ainda mais longe ao afirmar que se o professor se “policiar” ele consegue se livrar do que chamou de vício: Mas o professor pode, por exemplo, tirar esses vícios que existem no texto do livro didático, ele tem bagagem suficiente para isso. Este último depoimento da professora é bastante emblemático, no sentido que aponta para o uso dos argumentos teleológicos como algo deletério. Além disso, indica também que a professora reconhece que estes problemas existem de forma difusa no contexto escolar, e que os livros veiculam tais argumentos. A palavra “vício” expressa a compreensão de algo já entranhado tanto nas práticas acadêmicas quanto nas escolares. Ao que parece, a problematização do debate ajudava as professoras a compreender que se os argumentos teleológicos estão entranhados em suas práticas – e, por conseguinte, também na Biologia escolar - a ciência de referência, a Biologia acadêmica, era de certa forma uma das fontes importantes destes argumentos. Retirá-los, se é que é isto é possível, não seria uma tarefa fácil. É para onde aponta o discurso da professora Tarsila “Sei não, ainda mais estudando o livro didático, sei não”. Ruse (2000) argumenta que, em princípio, a teleologia poderia ser retirada do pensamento biológico e até mesmo do pensamento biológico evolutivo, mas fazer isto, seria no mínimo contraproducente, seria como abdicar do poder heurístico que estes argumentos trazem para a ciência. Desta forma, ao finalizar o “júri simulado”, a questão central, desta parte do estudo, pode, então, ser assim formulada: o que seria mais “produtivo”: retirar o pensamento teleológico da Biologia escolar ou conviver com ele aproveitando-se de suas potencialidades? É possível estabelecer um limite entre o que seria “aceitável” no uso do argumento teleológico nas situações de sala de aula? Se este for o caso, como lidar com os aspectos “viciados” da argumentação teleológica de modo a melhor enriquecer a explicação didática? Algumas destas questões foram endereçadas às professoras na continuidade da investigação e apresentamos a seguir. 69 3.3 Analisando situações de ensino Uma das primeiras atividades propostas ao grupo de professoras foi a análise de um fato bastante comum nas situações de ensino de Biologia. Propusemos a análise de uma situação hipotética em que um vídeo de divulgação científica apresenta, por meio de um narrador, as qualidades do guepardo29. Propositadamente, o texto foi construído com argumentos teleológicos que enalteciam as qualidades do guepardo, apontando para a sua velocidade como principal causa de seu sucesso evolutivo; em outras palavras, o texto sugere que o animal foi projetado para alcançar grandes velocidades. O principal objetivo desta atividade era discutir como as professoras trabalhariam os argumentos teleológicos presentes em sala de aula. Inicialmente, propusemos três questões (apresentadas no capítulo anterior) que pudessem evocar dados importantes sobre suas práticas como, por exemplo, a identificação dos argumentos teleológicos na situação proposta e a possibilidade de identificar como trabalhariam tal situação em sala de aula. Vale destacar que na primeira pergunta - Você acredita que possa haver algo que comprometa o aprendizado de evolução no texto do narrador? - as respostas foram unânimes: todas responderam que sim, que percebiam no texto do narrador algo comprometedor. Entretanto, quando estas mesmas respostas foram analisadas mais profundamente revelaram um outro aspecto. As professoras analisaram o texto sob o ponto de vista da acuidade do conteúdo, isto é, não observaram os argumentos teleológicos como um fator complicador. Pelo menos é o que sugerem respostas como as das professoras Teodora, Teresa e Tarsila30: Sim. Pois as mutações ocorrem ao acaso e o meio ambiente seleciona as características vantajosas. Sendo assim, os animais mais velozes sobreviveriam ao ataque de predadores, etc. No fragmento acima podemos observar que as professoras, pelo menos a princípio, não prestaram atenção aos argumentos teleológicos, o que pode, em tese, estar em acordo com proposições anteriores que apontam para a não percepção dos argumentos teleológicos. As questões relativas ao pensamento teleológico estão entranhadas em tão alto grau nas Ciências Biológicas, que são naturalizadas. Permanecem invisíveis aos olhos das professoras ou ainda, são consentidas. Contudo, a última pergunta desta atividade - De que forma você reconstruiria este texto? - mostra um aspecto, no mínimo, interessante. Quando são chamadas a resolver este problema, 29 O texto original está disposto na íntegra no capítulo 2. Esta atividade foi realizada em grupo de duas ou três professoras. Nesta etapa os grupos foram formados aleatoriamente. 30 70 algumas professoras identificam o caráter problemático e intervêm de forma decisiva, indicando claramente o seu posicionamento, como ocorre com as professoras Talita e Tábita: Percebemos que a visão é muito reducionista, na medida em que [afirma que] o animal que foi projetado pela evolução para um determinado fim: que é atingir grandes velocidades. No exemplo acima, o argumento teleológico não somente é reconhecido, como também é classificado como reducionista. Parece-nos que para as professoras, apontar o guepardo como fruto de um projeto, seria uma forma de simplificar o processo evolutivo. Em outras palavras, elas parecem lançar mão da noção de evolução como um processo de produzir formas mais complexas e entender que a finalidade expressa no projeto do guepardo como que minimiza esta possibilidade evolutiva. Cabe ressaltar que as opiniões emitidas nesta atividade não são unânimes, havendo algumas em que, ao invés de negar o argumento teleológico, reforçam-no. Por exemplo, as professoras Tainá e Ticiane reescrevem o texto com outros argumentos, igualmente teleológicos: O guepardo, por ser predador, topo de cadeia alimentar, ao precisar alcançar as presas, que também estavam evoluindo, sua informação genética modificou-se para adaptar o organismo e assim atingir grandes velocidades. (grifos nosso) No texto acima, as palavras em destaque expressam os argumentos teleológicos utilizados pelas professoras. Atribuem uma causa propulsora para o aperfeiçoamento do animal: ... alcançar as presas que também estavam evoluindo. Segundo as mesmas docentes, este comportamento é o necessário para que o animal mude suas informações genéticas e assim [possa] atingir grandes velocidades. As frases das professoras podem ser pensadas como expressões de explicações lamarckistas, o que, não significaria nenhuma incoerência com o próprio Lamarck, um progressista e teleológico. Segundo Barahona (1998:128), Lamarck pensava na progressão dos organismos mais simples avançando até os organismos mais complexos. A autora ainda diz que, para Lamarck, as adaptações eram apenas pequenos ajustes das espécies ao meio, que buscavam constantemente um aperfeiçoamento. Ou seja, havia no pensamento lamarckista uma finalidade que significava a melhora constante. Assim como Lamarck, as professoras optam por atribuir um sentido às transformações, talvez buscando enriquecer sua resposta conferindo-lhe um motivo. Ao justificarem as transformações do guepardo, as docentes lançam mão de um dos argumentos mais populares para a explicação evolutiva que, embora incorreto sob o ponto de vista das Ciências Biológicas, tem se mantido presente em diversos meios sociais, confundindo 71 leigos e estudiosos desta área científica. Uma possível alternativa para o entendimento correto, sob o ponto de vista biológico, não é tão atraente quanto os argumentos teleológicos e por isso mais complexa e difícil. Rumjanek (2004:15-15) em seu artigo “No íntimo, somos todos lamarckistas”, nos conta que o culto teleológico é intuitivo dentro de nossa lógica formal mecanicista. Destaca o papel dos livros didáticos no processo de naturalização das doutrinas lamarckistas. Segundo o autor, praticamente todos os livros de ciências, quando tratam dos seres vivos, adotam uma como dispositivo didático “o existir para servir a alguma função”. Ou ainda que “a natureza é sábia”. 3.4 Analisando os registros de regência Nesta etapa, foram apresentadas às professoras situações de ensino, retiradas do registro de práticas de licenciandas no exercício de suas regências no estágio supervisionado, em que explicações teleológicas e antropomórficas são utilizadas. O propósito desta atividade era a análise e discussão dos argumentos teleológicos utilizados pelas licenciandas. Nosso intuito era discutir situações de aula bastante comuns nas quais as professoras se identificassem. A proximidade que estas situações traziam ao seu cotidiano poderia nos ajudar a compreender como as docentes mobilizavam seus saberes, provocando um diálogo acerca dos argumentos teleológicos. A princípio, as professoras discutiam as situações sob o ponto de vista das Ciências Biológicas, até que a professora Tarsila percebeu o caráter antropomórfico de uma das falas das licenciandas e destacou: “o parasita quer que... há uma intencionalidade”. A professora percebeu a intencionalidade, atribuída ao parasita, na fala da licencianda. Segundo Hempel (apud Tamir& Zohar, 1991), uma explicação teleológica pode ser considerada um caso especial de antropomorfismo. Acreditamos que, neste contexto, especificamente, a recíproca seja verdadeira. Quando validamos uma explicação que se norteia pela volição de um ser desprovido de raciocínio, ao atribuirmos esta característica humana, estamos em certa medida, justificando e trazendo um propósito para a sua ação. Talvez possamos acreditar que a professora, ao reconhecer o caráter antropomórfico da fala da licencianda esteja, indicando o mau uso destes argumentos, ainda que não explicitamente mencione este caráter. É o que indica a fala seguinte da professora Tainá “eu acho que, elas não foram felizes nos seus argumentos”. 72 Como vimos em outros momentos, as professoras consideram as explicações teleológicas demasiadamente reduzidas ou muito “econômicas” para explicar os processos biológicos, acreditando que há certo cerceamento do aprendizado. Essa opinião aponta uma contradição no entendimento das professoras, porque, por exemplo, Teresa havia dito que o uso da explicação teleológica “ajudava” o aluno entender. Ao tentar compreender a contradição docente, pensamos que quando as docentes se referem à “economia” que o pensamento teleológico traz, estão operando em uma outra perspectiva, como um fator que impede o desenvolvimento do raciocínio do aluno, que cerceia e limita o aprendizado. Para elas, no ensino fundamental a possibilidade de explicar, usando a teleologia, é produtivo porque se aproxima do objetivo do ensino e soluciona logo a situação de aprendizado. Além disso, as docentes não consideram problemático se houver algum tipo de “comprometimento conceitual” (ou cerceamento) neste caso, porque os alunos do ensino fundamental não teriam “capacidade cognitiva” para entender o assunto em sua totalidade. É bem provável que as docentes reprovem o uso do pensamento teleológico, como uma tentativa inconsciente de se aproximar das Ciências Biológicas (porque se referenciam nesta ciência) e tolerem os erros, em algumas situações, porque o tema está ligado ao ensino fundamental. É possível ainda supor que já tenham naturalizado o pensamento teleológico e, por isso, nem chegam a percebê-lo. Por fim, não podemos desconsiderar que quando apóiam o uso pensamento teleológico, as docentes estejam seduzidas pelo “conforto” que estes argumentos trazem. Tanto a fala da Tainá, que vem logo a seguir, quanto à de Teresa mais ao final do capítulo, reforçam nossa interpretação. Como veremos, para algumas professoras, como Ticiane, a rejeição do pensamento teleológico é mais radical e nem no ensino fundamental deve ser usado. Vejamos, por exemplo, quando as professoras defenderam as explicações teleológicas como mais apropriadas para os alunos do ensino fundamental, como relata a professora Tainá: Se ela estivesse dando aula para uma turma de 6º série, eu até entenderia questão da luz, mas é uma turma de 3º ano. Esta perspectiva é confirmada pela professora Teresa: a intenção na fala da professora torna o conhecimento limitado. Entretanto, nem todas as professoras concordam com o argumento de que em um nível mais elementar, o uso do pensamento teleológico seria indicado. Para a professora Ticiane, o que hoje traz aparentes benefícios, amanhã pode trazer grandes prejuízos: Já na turma de 6º série se deveria passar o conceito certo, sabe por quê? Porque depois 73 ela vai arrastar este conceito até a faculdade. A professora destaca que, utilizando as analogias com argumentos teleológicos estamos subestimando o potencial das crianças e, o que destaca como mais prejudicial, provocando uma compreensão errônea que compromete sua aprendizagem até níveis de formação mais especializados. Podemos deduzir que, implicitamente, ela reconhece que nem mesmo na universidade esta compreensão foi abalada. Após um primeiro momento em que discutimos coletivamente as situações de regência das licenciandas, passamos a analisar as situações de forma individual. Neste momento cada docente emitiu sua visão das situações vivenciadas pelas licenciandas. A análise da primeira pergunta – O que você acha das afirmações das licenciandas A e B? – desta atividade mostrou novamente, talvez por conta no debate realizado anteriormente, que as professoras consideram que a explicação teleológica provoca certa redução nas possibilidades de aprendizagem. A professora Teodora assim se pronunciou: As licenciandas economizaram muito na linguagem, [e com isso] reduziram no conhecimento. No entendimento das professoras, esta “economia” representa prejuízo para o aprendizado dos alunos. Esta perspectiva empobrecedora que o argumento teleológico provoca, ao ser colocado de forma simplificada nas analogias antropomórficas, reaparece na fala da professora Thais: O modo de linguagem é muito simples e acaba limitando o aprendizado. E como foi uma aula para uma turma de 3º ano ela [a licencianda] não deveria ter explicado desta forma. A pergunta número dois - Que conceitos evolutivos estão expressos na afirmação da licencianda?- revelou certa fragilidade das bases biológicas da formação das professoras. Boa parte das respostas não está de acordo com o que se considera biologicamente correto. Em algumas situações as professoras expressaram pequenos equívocos no que diz respeito às teorias Darwinistas e Lamarckistas. Não são raras as respostas, como a da professora Ticiane, que descrevem como sendo darwinista a fala das licenciandas, somente porque abordou o tema adaptação: Darwin, porque as duas falam de adaptações que ambas [o parasita e a bromélia] têm para sobreviver. A maior parte das respostas dadas pelas docentes indica que Lamarckismo é o conceito evolutivo estruturante na fala das licenciandas. De certa forma, este aspecto pode ser explicado se levarmos em consideração a concepção de evolução progressista e linear apresentada pelas professoras (como visto na sessão inicial deste capítulo) e comum também ao lamarckismo. Ou ainda, quando apresentam respostas que expressam hesitação ao apontar o conceito evolutivo estruturante, como podemos observar no relato da 74 professora Teresa - Ambas tentam expressar adaptações fisiológicas dos seres vivos quando não se posiciona, o que sugere a ambigüidade. Na terceira questão - Há algum objetivo na ação do parasita ou da planta em relação ao ambiente? - indagávamos as professoras sobre propósitos, se havia ou não finalidades nas situações apresentadas pelas licenciandas. É interessante notar que as respostas apontam para uma clara negativa destas finalidades. Para as professoras, as situações não expressam intencionalidade. Entretanto, quando solicitamos que suas respostas fossem justificadas, as mesmas nos retornaram com construções teleológicas, como podemos notar na resposta dada pela professora Talita: Porém, ambos têm esse comportamento para sobreviver. Ao justificar sua resposta, a docente o faz lançando mão de argumentos teleológicos, um comportamento dirigido para a sobrevivência do organismo. É possível notar o mesmo aspecto na justificativa apresentada pela professora Tércia: Ambos os objetivos visam à sobrevivência. Caponi (2002:58) nos conta que em meados do século XIX, o célebre fisiologista alemão Ernest Brüke comparou a teleologia com uma mulher da qual o Biólogo não poderia prescindir, mas com a qual não queria ser visto em público. Talvez possamos tomar emprestada a analogia proposta pelo fisiologista alemão para tentar compreender as respostas apresentadas pelas docentes. Sob o ponto de vista da Biologia, o pensamento teleológico não está exatamente correto, entretanto, tentando reproduzir um saber mais próximo do saber acadêmico, é possível que as professoras tenham se posicionado de forma contrária ao pensamento teleológico, ignorando-o. Entretanto, quando solicitadas a justificar suas respostas, deixaram vir à lume a teleologia que utilizam em sua prática cotidiana. Por fim, no último questionamento desta etapa - Como você explicaria este tópico? - que visava estimular as professoras a reconstruir as falas apresentadas pelas licenciandas, dois aspectos nos chamaram a atenção. O primeiro deles é que, quando chamadas para modificar uma explicação teleológica, muitas não o fizeram; reescreveram os textos com outros argumentos, mas ainda assim teleológicos, como nos mostra o relato da professora Tábita. O parasita mantém o hospedeiro vivo para que o mesmo sobreviva, pois necessita do hospedeiro. O parasita se beneficia do hospedeiro, porém o mantém vivo. A professora reescreve o texto, porém mantém o argumento teleológico quando aponta para a sobrevivência do hospedeiro como uma ação arquitetada pelo parasita. Até que ponto podemos pensar que as professoras usam a explicação teleológica 75 pedagogicamente – como um recurso que auxilia a aprendizagem dos alunos – ou porque já a naturalizaram de tal forma que ela se torna a única explicação para os processos biológicos? Isto é, o pensamento teleológico está tão entranhado na forma de pensar o conhecimento biológico escolar, que nem mesmo o percebemos como um elemento que precisa ser problematizado. O segundo aspecto a destacar é que, ao invés de propor uma explicação pautada nos fundamentos evolutivos, as professoras desviam a atenção para outros aspectos do texto que não abrangem os aspectos evolutivos. É o que aponta o relato da professora Tércia: No parasitismo estabelece-se uma relação desarmônica entre duas espécies diferentes, na qual uma utiliza a outra para obter alimento prejudicando-a. B - No inquilinismo estabelece-se uma relação harmônica entre duas espécies onde não há prejuízo para nenhuma, uma espécie utiliza a outra apenas com suporte. Em nenhum momento a professora destaca ou leva em consideração os aspectos evolutivos do tema. 3.5 Analisando explicações teleológicas em livros didáticos Nesta sessão, são apresentadas análises de trechos dos livros didáticos adotados pelas professoras e propostas a ela na última etapa da pesquisa. Nosso intuito inicial foi o de problematizar o discurso expresso no livro didático em relação ao pensamento teleológico no uso cotidiano deste material. A análise das respostas apresentadas nesta etapa corroborou as posições expressas pelas docentes em atividades anteriores. Mais uma vez percebemos que as professoras nem sempre identificam o pensamento teleológico em explicações biológicas com fins de ensino. Buscávamos com a primeira pergunta – Você percebe nos textos acima algo que possa, de alguma forma, comprometer uma situação de ensino? - problematizar os aspectos teleológicos expressos nos trechos retirados dos livros didáticos. Observando a resposta da professora Talita - No segundo caso [análise de trechos do livro de ensino fundamental que versa sobre mamíferos]31 a explicação é muito concisa, não entrando nos pormenores da fisiologia da produção de leite-, verificamos que a docente não percebe o caráter intencional do texto apresentado. Este fato reforça nossa interpretação 31 Os textos do livro didático relatados nesta sessão estão dispostos na íntegra no capítulo 2. 76 de que o pensamento teleológico está naturalizado e se torna imperceptível aos olhos das professoras. Com a segunda pergunta – Para que aspectos do texto você chamaria a atenção do aluno? (se for o caso) Por quê?- buscávamos saber se as professoras percebiam a presença dos argumentos teleológicos e conhecer as prováveis soluções apresentadas para o trabalho com o pensamento teleológico. Mais uma vez, pudemos confirmar as posições expressas pelas docentes em atividades anteriores. Parece-nos que as professoras desviam a atenção para outros aspectos não relacionados com a tarefa solicitada, como no relato apresentado pela professora Teresa: Na primeira situação [trecho do livro de ensino médio que versa sobre o sistema respiratório humano], como não dou aulas de anatomia e tenho pouca afinidade com o assunto, o texto passaria despercebido. No segundo caso [trechos do livro de ensino fundamental que versa sobre mamíferos], caberia chamar atenção do aluno para o fato de que as glândulas mamárias nas fêmeas são mais desenvolvidas e que pela ação de hormônios, secretam leite, que é o primeiro alimento do recém nascido. Em respostas anteriores, verificamos que as docentes não percebem a presença do pensamento teleológico nos textos dos livros didáticos e mantém as construções, como no relato da professora Thais: O primeiro [trecho do livro de ensino médio que versa sobre o sistema respiratório humano] deveria complementar mostrando a função e o segundo [trechos do livro de ensino fundamental que versa sobre mamíferos] poderia colocar outros aspectos importantes além das funções. Apenas uma das respostas apresentadas pelas professoras identifica o pensamento teleológico nos textos didáticos e quando esta docente busca reconstruir o texto tem o cuidado de apresentar alternativas às explicações teleológicas: Chamaria a atenção para as outras características dos mamíferos e no primeiro texto [trecho do livro de ensino médio que versa sobre o sistema respiratório humano] enfatizaria que o pulmão está nesta posição não para facilitar o alojamento do coração e fígado, e sim, pelos processos necessários que o organismo passa ao longo dos anos. (Professora Tainá) Embora esta última resposta apresente uma preocupação com o uso dos argumentos teleológicos, não o elimina completamente. A professora procura em primeiro plano se desvencilhar da teleologia, quando se propõe a explicar que o tamanho reduzido de um dos pulmões é fruto do acaso. Quando reescreve, não explica claramente o surgimento dos pulmões, mas recorre ao pensamento teleológico para 77 dizer que posição do pulmão está alojada na caixa torácica devido aos processos necessários que o organismo passa ao longo dos anos. Em outras palavras, ao afirmar que os processos foram necessários, a professora indica que há uma vontade intrínseca ou a necessidade de processos modificadores, e a atual posição do pulmão é fruto deste processo. 3.6 Buscando sentidos nos saberes das professoras Os depoimentos das professoras são apresentados nesta seção a partir da análise do material empírico e diálogo com os referenciais teóricos. Tanto quando debatiam as questões propostas nas diversas etapas da pesquisa quanto estavam apontavam soluções para as situações didáticas, as professoras expressavam saberes e descreviam situações cotidianas de sua prática profissional. Antes de apresentar a análise, é importante deixar claro que o nosso objetivo não é julgar os depoimentos colhidos. Este estudo não se presta a apontar caminho a serem seguidos pelos professores. Pretendemos por um lado, compreender os saberes mobilizados pelos professores no exercício de sua tarefa docente e, por outro, problematizar e abrir caminhos para a discussão do uso da explicação teleológica no ensino de Ciências e Biologia dentro desta perspectiva. A análise das falas das professoras nas atividades que se seguiram ao “Júri Simulado” 32 permitiu estabelecer alguns padrões nas respostas. Para isso, buscamos compreendê-las como expressão dos saberes docentes no emprego das explicações teleológicas. Nestes saberes, identificamos uma mescla, principalmente, dos saberes construídos nas suas experiências no magistério, nos saberes aprendidos durante a formação inicial e também podemos identificar elementos provenientes da discussão travada no curso de pós-graduação que estão realizando, particularmente na disciplina que serviu de base a esta investigação. Discutiremos as duas categorias baseando-nos em alguns aspectos principais, tais como: a identificação ou não dos argumentos teleológicos nas situações didáticas problematizadas; a utilização da teleologia em situações de aprendizagem. Cabe destacar que estes padrões derivam de categorias elaboradas durante o processo de análise dos dados empíricos e que exigiram de nós uma leitura e releitura de todo o material. Como sabemos, o processo de construção de categorias é bastante complexo e, no nosso caso, se estendeu desde a pré-análise dos dados até os momentos finais de construção desta dissertação. Várias tentativas foram realizadas; a cada leitura dos 32 Ver passos dois e três dos Procedimentos Metodológicos expostos no capítulo anterior. 78 dados uma nova possibilidade a ser escolhida, mas que nos levaram a fazer opções e expor nossa interpretação. 3.7 Identificação da teleologia Como vimos no capítulo de metodologia, esta categoria (pág.57 tabela 3 ) reúne as falas das professoras identificando a teleologia nas situações de ensino propostas e, nesta seção, iremos discuti-las. Nem sempre as professoras identificaram argumentos teleológicos nas questões e atividades desenvolvidas ao longo da investigação. Por esta razão, subdividimos esta categoria em duas – quando a explicação teleológica não é identificada e quando é identifica - para melhor discutir os saberes mobilizados pelas professoras em todo o processo. 3.7.1. Quando a explicação teleológica não é identificada Neste caso, destacamos as falas que nos indicam que as professoras, pelo menos na maioria das vezes, não percebem a presença do pensamento teleológico nas situações didáticas apresentadas. Um forte indício para esta afirmação emerge da análise dos trechos dos livros didáticos de Biologia. Havia certa expectativa de nossa parte que após a realização das diversas atividades o pensamento teleológico expresso nos livros fosse mais facilmente notado pelas professoras. No entanto, nem sempre isto aconteceu. Por exemplo, a professora Tarsila analisa o texto detendo-se no conteúdo exposto e não na abordagem: O primeiro texto fala do pulmão anatomicamente e não fisiologicamente. No segundo texto ele poderia ter explicado que a glândula secreta o leite através do hormônio. O mesmo ocorre com a professora Talita: O primeiro texto apresenta uma linguagem mais elaborada, fornecendo uma aprendizagem mais rica. As professoras chamam a atenção para outros aspectos do texto, sobretudo o conteúdo em si mesmo e a linguagem utilizada pelo texto, e não para a questão da existência de uma finalidade para que os diversos processos biológicos existam. Isto nos sugere que o olhar destas professoras sobre os materiais apresentados é muito marcado pelo conteúdo específico que lecionam. 3.7.2 Quando a Teleologia é identificada Em outros momentos das atividades realizadas as professoras reconhecem a existência de algo perturbador nas situações de sala de aula apresentadas. No entanto, esta identificação provoca reações diferenciadas. Em alguns momentos a teleologia é 79 identificada, mas não a ponto de provocar mudanças significativas na reelaboração do texto – o que pode indicar uma compreensão frágil - e, em outros, a teleologia é apenas identificada, mas ao invés de concentrar-se nela, a atenção é desviada para outros aspectos. Para exemplificar o primeiro caso tomamos a fala da professora Talita que faz referência à situação de ensino na qual foi proposta a análise da regência de licenciandas. Ao se referir à pergunta que questiona a existência de um objetivo na ação dos organismos, a professora Talita diz: Embora não concorde com o termo objetivo, as relações estabelecidas na primeira relação desarmônica, parasitismo, na segunda inquilinismo. Porém, ambos têm esse comportamento para sobreviver (grifo nosso). Apesar de afirmar que o termo “objetivo” não é apropriado, acaba argumentando com o mesmo tipo de pensamento ao usar a expressão para sobreviver, ou seja, continua atribuindo um objetivo à ação dos parasitas. Ao tentar expressar como explicaria a situação exposta (questão 4) a mesma professora mantém o tipo de pensamento teleológico: No 1º caso: relação estabelecida, o parasita tem esse comportamento para sobreviver, não que ele queira algo. No 2º, a planta não escolhe o local, se as condições forem favoráveis ela se adaptará. (grifo nosso). A nosso ver, a professora percebe a presença do pensamento teleológico, entretanto, ainda não altera a estrutura de sua própria explicação. No segundo caso, incluímos os depoimentos que identificam os argumentos teleológicos, que, quando solicitadas a reescrever, mudam o foco de atenção. Professora Teresa, por exemplo, usa este artifício: Na primeira situação, como não dou aulas de anatomia e tenho pouca afinidade com o assunto, o texto passaria despercebido. No segundo caso, caberia chamar atenção do aluno para o fato de que as glândulas mamárias nas fêmeas são mais são mais desenvolvidas e que pela ação de hormônios, secretam leite, que é o primeiro alimento do recém nascido. Outro exemplo encontra-se na fala da professora Tainá: Chamaria a atenção para as outras características dos mamíferos e no primeiro texto enfatizaria que o pulmão está nesta posição, não para facilitar o alojamento do coração e fígado, e sim pelos processos necessários que o organismo passa ao longo dos anos”. 3.8 A Teleologia em situações de aprendizagem. 80 Neste momento, discutimos como os argumentos apresentados pelas professoras nos ajudam a compreender as explicações teleológicas em situações de aprendizagem. As explicações teleológicas são analisadas em três subcategorias: como um fator limitante na aprendizagem; como um fator que não compromete uma situação de ensino; e como um facilitador de aprendizagem. 3.8.1 Explicações teleológicas como um fator limitante na aprendizagem. Neste grupo, incluímos os depoimentos que reprovam o uso do pensamento teleológico em situações de ensino por acreditar que este limita o conhecimento dos alunos. Neste caso, as professoras acreditam que uma explicação teleológica retira elementos importantes das explicações dos fenômenos biológicos. Professora Teresa, por exemplo, afirma: Em situações em que o aluno já tenha mais conhecimento, a teleologia deve ser evitada porque pode estar limitando ou induzindo [o erro no] o aluno. Professora Thais aponta para o uso do argumento teleológico em níveis de ensino diferenciados e esclarece que ele limita a aprendizagem: ... já o aluno de ensino médio, você tem que falar tudo, se não, parece que você está induzindo ou impedindo ele desenvolver outras informações. Professora Tércia também reforça este argumento: você limita, você fecha muito a questão. 3.8.2 Explicações teleológicas como um fator que não compromete as situações de ensino. Aqui se encontram os argumentos que conferem um caráter neutro às explicações teleológicas, ou seja, as que consideram que não interferem nas situações de aprendizagem. Analisando as colocações da professora Ticiane para o caso analisado no livro didático33, é possível perceber que a professora percebe o caráter teleológico expresso nos textos dos livros didáticos. Vejamos como apresenta suas idéias. Quando indagada sobre a percepção de algo que comprometa a situação de ensino, Ticiane responde: As descrições são dadas de forma simples, explicando a forma para uma finalidade, porém não atrapalha o ensino. (grifo nosso.) A docente não vê qualquer problema na adoção dos argumentos teleológicos, pois, no seu entender o pensamento teleológico é inócuo para esta situação, não compromete o ensino. Esta questão é ratificada logo a seguir, quando indagada, novamente, sobre aspectos a serem 33 Situação de ensino em que as docentes analisam fragmentos de livros didáticos. Apresentado em sessão anterior deste mesmo capítulo. 81 destacados no texto: Chamaria atenção sobre as funções das estruturas de outro jeito, falaria também de forma evolutiva. (grifo nosso) Vemos que a docente propõe a reconstrução do texto, mas mantém os argumentos teleológicos. Acreditamos que ao eleger o termo “função”, para destacar a forma de atuação das estruturas, Ticiane aponta para uma adesão às explicações teleológicas, já que o termo “função” sugere a idéia de uso orientado, cargo, serventia ou propósito. Neste sentido, somos levados a acreditar que, para a docente, o pensamento teleológico não causa qualquer tipo de alteração porque não atua no cerne da questão, não compromete a idéia central. 3.8.3 Explicações teleológicas como um fator facilitador de aprendizagem Neste caso estão os depoimentos que apontam à teleologia como um fator facilitador de aprendizagem. Como relata a professora Thais: Quando o aluno percebe que não há finalidades naquilo em que aprende, ele perde o interesse. Notamos que a fala da docente aponta para uma ambigüidade. Neste momento o termo “finalidades” serve a dois sentido não exatamente iguais: as finalidades escolares e as finalidades biológicas. Se interpretarmos apenas o sentido biológico expresso na fala da docente, veremos que está em pleno acordo com Tamir & Zohar (1991), que apontam para a teleologia como um facilitador de aprendizagem, pois aproxima os alunos dos fenômenos biológicos. Já a professora Teresa destaca para o poder heurístico da teleologia. A docente acredita que muitas situações a teleologia pode ser usada para satisfazer o aluno de imediato: Às vezes é necessária, quando, por exemplo, o aluno necessita ter um conhecimento mais aprofundado da coisa. Tipo assim: às vezes você utiliza a teleologia em séries iniciais, para satisfazer de imediato, porque ele só vai adquirir conhecimento mais na frente. Para a professora, o uso dos argumentos teleológicos oferece aos alunos a oportunidade enxergar propósitos nos fenômenos naturais, o que lhes confere significado, facilitando uma situação de ensino, pois se auto justifica. Como vemos, o uso dos argumentos teleológicos em situações de ensino se insere no contexto da utilidade didática, pois encurta caminhos e libera o professor de trajetos mais dispendiosos para construir uma explicação “mais correta” do ponto de vista da Biologia. 82 83 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Afinal de contas, o uso didático do pensamento teleológico é um facilitador de aprendizagem ou uma espécie de barreira para o aprendizado? Esta questão esteve presente durante todo estudo e respondê-la, simplesmente, não é das tarefas mais fáceis. A naturalidade de uma resposta afirmativa ou negativa não traduz todo o enredamento que o tema oferece, desde uma emaranhada trama de raciocínios construída ao longo da história até debates inflamados e impregnados de questões político-religiosas. Toda a intensidade deste questionamento se traduziu nos dados desta pesquisa. Contradições, desvelamento de concepções evolutivas até então tácitas, busca intensa pelo espelhamento com a Ciência de referência e interessantes questionamentos sobre a utilidade didática do pensamento teleológico. Tudo isso, situado no contexto de sala de aula. Desde o início deste estudo as docentes apresentaram relatos bastante interessantes. Na primeira etapa deste trabalho, quando buscamos levantar as concepções sobre o tema evolução, encontramos nas docentes uma visão um tanto quanto popular das teorias evolucionistas, bem próxima do uso cotidiano que se faz do termo evolução e das teorias evolucionistas, um olhar linear e progressista, visão inadequada sob o ponto de vista Biológico. A partir da categorização dos dados, pudemos perceber que as docentes entendem evolução como sinônimo de complexidade. Para as docentes, são “mais evoluídos” aqueles que apresentam uma maior diversidade de estruturas, pois possuem uma espécie de arsenal de possibilidades evolutivas. Do mesmo modo, observamos que o processo evolutivo é visto como conseqüência de uma ação progressista, em outras palavras, a evolução seria a forma com que o progresso opera, revelando uma íntima relação entre teleologia e progresso. Há uma espécie de ordem para o surgimento dos seres, estão dispostos dos mais simples aos mais complexos, algo que nos fez lembrar a Escala Naturae proposta pelos gregos. A nosso ver, esta visão linear e progressista do processo evolutivo, ampara o pensamento teleológico - tácito, mas presente no discurso das professoras - porque confere novos significado aos fenômenos biológicos, dá-lhes um propósito. 84 Na segunda parte deste estudo apresentamos para as professoras o pensamento teleológico e sua influência no processo de construção e solidificação da Biologia como campo de estudo. Nesta etapa propusemos um debate em torno da validade do uso do pensamento teleológico em sala de aula. Logo no início do debate as professoras perceberam que o pensamento teleológico está muito mais presente no seu fazer cotidiano do que pensavam. Reconhecem-no no seu próprio discurso. Neste ponto, o discurso da professora Temis34 nos faz lembrar as palavras de Tardif & Lessard (2005:147), que apontam para o que chamam de “pragmatização” dos conhecimentos. Para os autores a função dos professores não consiste mais em formar indivíduos, mas equipá-los para uma sociedade cada vez mais orientada para o funcional e útil. Neste sentido, a lógica de mercado rege a ação dos professores. Os conhecimentos são vistos como bens de consumo e a lógica do serve para quê? Orienta as ações em sala de aula, já que os mestres devem “vender” suas disciplinas para os alunos, que as valorizam, muitas vezes em função da sua utilidade. Assim, talvez possamos dizer que o pensamento teleológico seja utilizado pelas professoras como valorizador da ação docente, dando maior peso às aulas de biologia, já que a teleologia traz consigo a finalidade e a serventia, aspectos que se maximizam na óptica utilitarista. As docentes destacam também o livro didático como um incentivador do pensamento teleológico em sala, porque reconhecem neste material curricular, a fonte para organizar suas explicações sobre os processos biológicos a serem ensinados. Ao longo desta mesma atividade, pudemos começar a traçar as delicadas relações entre os saberes docentes e teleologia. Em que pontos convergem? Tardif, Lessard e Lahaye (1991) definem saber docente como um saber plural, formado pelo amálgama de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experenciais. Tardif (2002:16) nos conta que a utilização destes saberes se dá em função do trabalho docente e das situações, condicionamentos e recursos ligados a este trabalho. Desta forma, podemos entender que o pensamento teleológico pode atuar como uma espécie de via de expressão de muitos destes saberes. É o que pudemos observar em algumas situações. Ao longo do debate percebemos que as docentes, a princípio, aprovam o uso do pensamento teleológico para o ensino 34 “A gente quer passar para o aluno as características favoráveis, né? Que fizeram o animal ou a planta se adaptar. E quando a gente fala dessa maneira [fazendo uso do pensamento teleológico], e eu acho que a gente fala mesmo, na hora da empolgação, a gente fala mesmo e cria a necessidade daquilo acontecer. Parece que a planta ou animal tem a capacidade de escolher o gen. Na verdade, não é bem assim, né? “ 85 fundamental, e destacam, como a professora Teodora35, o valor da teleologia como facilitadora de aprendizagem. É bastante provável que isto ocorra por conta da grande capacidade heurística da teleologia que não se restringe unicamente ao domínio filosófico-conceitual. Neste caso, a professora se utiliza do pensamento teleológico como instrumento para resolver uma situação de sala de aula em que todos os recursos disponíveis, naquele momento, foram utilizados e que ainda assim, não foram suficientes. A professora sabe36 que precisa se utilizar de algo que encerre a questão e satisfaça o aluno, então, lança mão do argumento teleológico. No contexto do imediatismo da sala de aula, tal estratégia se justifica. De acordo com Schön (1995), os professores criam um conhecimento específico e ligado à ação que só pode ser elaborado através do contato com a prática. Parece-nos, então, que a atitude tomada pela professora revela saberes apropriados e acumulados ao longo de sua experiência. Como um artesão que procura em sua caixa de ferramentas uma que seja adequada para aquele trabalho, a professora faz uso de um instrumento, não teórico ou conceitual, mas pragmático e biográfico, para elucidar a situação problemática. É importante destacar que consideramos o uso do pensamento teleológico como pragmático, porque entendemos que este permaneceu tácito até então, já que a docente não havia ainda tomado consciência da presença da teleologia em sala de aula. Todavia, não podemos considerar que as docentes entendem o pensamento teleológico como um facilitador simplesmente; esta opinião não é unânime. Em diversas situações as docentes expressaram sua insatisfação com o uso da teleologia. A professora Ticiane desaprova o uso do pensamento teleológico mesmo para o ensino fundamental; ela acredita que não se pode subestimar a capacidade cognitiva dos alunos. As explicações mais complexas devem ser ministradas para os alunos do ensino médio, pois a simplificação excessiva pode implicar que estes alunos carreguem uma visão finalista até a faculdade, o que na visão dela, seria um grande prejuízo. As demais docentes apontam para a desaprovação do uso da teleologia em turmas do ensino médio e a maior crítica está assentada na possibilidade de que a teleologia, nas palavras das próprias, “limite o aprendizado.” De acordo com as docentes, o pensamento teleológico exclui a possibilidade de aprofundamento no tema. Esta aparente rejeição, a princípio, parece estar em desacordo com a literatura (Tamir & Zohar, 1991), já citada 35 Situação descrita na página 66 do capítulo 3. Segundo Tardif, Lessard e Lahaye (1991), os saberes da experiência são constituídos no exercício da prática cotidiana da profissão, fundados no trabalho e no conhecimento da profissão. A professora Teodora possui vasta experiência no magistério, portanto, utiliza se de saberes provenientes de sua vivência na profissão em sala de aula e na escola. 36 86 anteriormente, que apóiam o uso pedagógico da teleologia, justificam-no alegando que a mesma confere significados aos fenômenos biológicos, aproximando-os dos alunos. Desta forma, qual será o provável motivo desta discordância? Será mesmo, que o mais produtivo seria não trabalhar com o pensamento teleológico em turmas do ensino médio? E no ensino fundamental, é adequado? Até que ponto o pensamento teleológico é aceitável ou ainda, em que medida seria inócuo para as questões de ensino/aprendizagem? A provável discordância entre os dados revelados pelas docentes e a literatura, talvez nos mostre informações de grande importância. A justificativa apresentada pelas docentes nos levou a pensar que, em algumas situações, o uso das explicações finalistas nas aulas reafirma o caráter heurístico da teleologia – entendido em seu sentido metafórico conforme sugere Ruse (2000) - sendo capaz de gerar conhecimentos e sentidos para os conteúdos biológicos ensinados. A discordância surgida nos sugere, entretanto que, por um lado, a teleologia facilita para os alunos a compreensão de determinados fenômenos biológicos, mas por outro, aprisiona as possibilidades explicativas, porque produz contradições difíceis de serem enfrentadas. Assim, talvez em circunstâncias emergenciais de ensino, nas quais a improvisação é determinante – relativamente comum em turmas do ensino fundamental – é que o emprego das explicações teleológicas tenha sido adotada com mais sucesso, já que sua capacidade auto-explicativa amolda-se bem a este tipo de situação. Pensando no cotidiano da sala de aula, a argumentação teleológica atuaria como uma espécie de ferramenta pedagógica, no sentido que, libera o professor de explicações mais longas e complexas. Esta forma de entender, de certa forma, justifica outros posicionamentos adotados pelas professoras. Vejamos: as docentes reconhecem o valor das explicações teleológicas como aponta a professora Tainá. Para ela uma explicação correta, sob o ponto de vista evolutivo, demandaria uma série de conexões e vocabulário que uma criança normalmente não teria acesso. Justifica o uso dos argumentos teleológicos alegando agilidade e inteligibilidade. Argumenta que para uma criança, a aparente simplicidade dos argumentos finalistas facilita o entendimento. Parece-nos então, que a opção pela teleologia tenha sido determinada pela ação, ou melhor, pela reflexão na ação (Schön 1995). Da mesma forma, podemos entender que a rejeição da teleologia para o ensino médio talvez esteja alicerçada no esgotamento de possibilidades. É bastante provável que as docentes vejam nas características mais simples da teleologia uma forma de cerceamento. 87 Também é possível inferir que, sem perceber com mais clareza como as questões filosóficas e pedagógicas se entrecruzam, as docentes desaprovem o pensamento teleológico, como uma tentativa de aproximação com a ciência de referência, acreditando que na mesma o pensamento teleológico já não esteja mais presente. Como nas teorias evolutivas o pensamento teleológico não está totalmente explícito e a Biologia escolar ensinada no Ensino Médio aproxima-se e tenta reproduzir a academia, fique mais claro para as professoras negar uma ligação das explicações via teleologia. As docentes rejeitam a teleologia para este segmento de ensino por acreditar que, por conta de suas características, a Biologia escolar esteja mais próxima da academia. Em outras palavras, há nesse caso uma tentativa de espelhamento como a Biologia acadêmica. Contudo, autores do campo da filosofia da Biologia como Souza (1999) e Ferreira (2003) apontam para a presença da teleologia na Biologia contemporânea. Outros como Ayala (1998) e Ruse (2000), se articulam com autores da área de ensino, Tamir & Zohar (1991). Ambos consideram que o uso do pensamento teleológico não constitui ameaça ao entendimento do fenômeno biológico, desde que, esteja claro que o uso que se faz da teleologia seja meramente metafórico, um recurso explicativo e não a raiz elucidativa para um fenômeno biológico. Para Ruse (ibid), a teleologia tem sido utilizada de forma metafórica ao longo do tempo na Biologia e, sobretudo, na Biologia evolutiva como um elemento norteador heuristicamente poderoso. Para Hesse (1966 apud Ruse, 2000), as metáforas são essenciais para a construção das teorias; e a teleologia parece ser um exemplo delas. Como vemos, a aceitação das professoras utilizando como critério a maior proximidade com o mundo acadêmico parece assentarse em uma relação de confiança na legitimidade e acuidade originárias de um contexto que pretendem imitar. Desconsideram, entretanto, que as contradições também habitam o universo científico. Resta-nos refletir por que, então, as docentes consideram aceitável o uso do pensamento teleológico no ensino fundamental? Para esta reflexão é preciso considerar que na disciplina Ciências, tradicionalmente ministrada por professores com formação em Biologia, não há um campo de referência específico. Historicamente, pelas características não acadêmicas do Ensino Fundamental, as docentes parecem estar “livres” do peso de julgar o que está ou não biologicamente correto e, portanto, podem utilizar as vantagens didáticas que o pensamento teleológico oferece. Neste sentido, as finalidades utilitárias da disciplina escolar predominam sobre as acadêmicas, conforme 88 sugere Ferreira (2006). É importante destacar que quando a escola busca referenciais na “ciência dura” acaba por transformá-los ainda que de uma linguagem metafórica, em uma linguagem cotidiana que mescla elementos do dia-a-dia escolar com elementos que são próprios da ciência. Como destaca Forquin (1992), os conhecimentos científicos passam por processos de mediação didática que conferem a estes conhecimentos características bastante peculiares transformando-os no conhecimento escolar. Desta forma, é bastante provável que, sem se dar conta, professores de Ciências e Biologia ao incorporarem os elementos teleológicos metafóricos recriam o conceito de evolução que aprenderam ou que está expresso nos livros acadêmicos em uma outra dimensão, para fazer sentido em um outro contexto. Assim, podemos dizer que, a despeito de suas singularidades, identificamos as possibilidades de ligação entre os campos científico e escolar. Para desenvolver melhor este argumento, tomamos analogicamente o conceito de simbiose. Acreditamos que haja uma forma de dependência recíproca entre os campos e não apenas um processo de tomada referência do primeiro para o segundo. A Biologia acadêmica e a Biologia escolar estão imersas em uma relação em que há benefício mútuo e uma interdependência estrutural, ainda que não exatamente em proporções iguais. Particularmente defendemos a idéia de uma simbiose porque acreditamos que a busca de referências na Biologia acadêmica está impregnada de uma série de elementos que valem ser explicitados. A Biologia escolar se vale, de certo modo, do prestígio social da disciplina científica e assim ganha credibilidade no ambiente escolar (a este respeito, ver os trabalhos de Goodson, 1995 particularmente o cap. 7). Por outro lado, ao trabalhar e (re) significar estes conhecimentos de referência, os leva de volta, agora envolvidos em uma formosa, porém resistente carapaça de confiabilidade. Sugerimos que boa parte da confiabilidade que a Biologia adquire ao ser trabalhada na escola provém da capacidade de entendimento e previsibilidade que os argumentos teleológicos trazem entranhados em si. Quando a disciplina escolar e seus professores formam os alunos confiantes no conhecimento produzido cientificamente, contribui assim, para o fortalecimento da Biologia acadêmica sob o ponto de vista social, caracterizando a dependência mútua entre os campos de conhecimento. Os dados ainda apontam para a possibilidade de, em algumas situações didáticas, a teleologia não representar uma ameaça nas explicações. Em outras palavras, casos em que as idéias principais não são alteradas pela presença do pensamento teleológico nas explicações. Por algumas ocasiões pudemos observar que as docentes percebem a 89 presença dos argumentos teleológicos e os tomam como inócuo, provavelmente por acreditar que este não compromete o tema. Como, por exemplo, no caso relatado pela professora Ticiane37, que claramente percebe a presença dos argumentos teleológicos, propõe a reestruturação do texto mantendo os argumentos teleológicos. Entretanto, não podemos deixar de pensar que, talvez sem se dar conta, as docentes estejam naturalizando o pensamento teleológico nos seus discursos e na sua forma de pensar um determinado fenômeno biológico. Conseqüentemente, seus alunos tendem a apresentar comportamento semelhante em relação à teleologia. Este caso nos faz refletir sobre os questionamentos iniciais deste capítulo: qual (is) seria (m) o(s) melhor (es) uso (s) a se fazer do pensamento teleológico em sala de aula? Retirar definitivamente ou conviver com ele? Particularmente, julgamos ser inapropriado considerar como um simples “erro” as argumentações teleológicas construídas em sala de aula por alunos e professores, a partir dos argumentos teleológicos. Não foi nossa intenção entender este “erro” como obstáculo ao entendimento ou como distorção dos conceitos evolutivos apenas. Defendemos que, entender este recurso como um simples ”erro” é uma forma minimalista de entender o tema e ainda de desconsiderar sua importância na construção da Biologia como ciência de referência e como campo disciplinar. Partindo do pressuposto de que o conhecimento biológico cientificamente produzido é diferente do conhecimento construído e divulgado na escola, argumentamos que as docentes ao trabalhar a Biologia sob a ótica da teleologia (re) criam a Biologia escolar, agora moldada por elementos impregnados de valores e de saberes oriundos de outros contextos e forjados na prática. Neste sentido, consideramos de suma importância que o professor tenha conhecimento da dimensão epistemológica do seu campo conceitual de atuação docente, que se aproprie dos aspectos intelectuais que estão em jogo e que perceba as perguntas fundamentais e as possíveis e diferentes respostas a estas indagações, que possa enxergar o entrelaçamento dos conhecimentos científicos e o conhecimento escolar. Tais características tornam-se importantes para que o professor possa identificar em seu próprio discurso, os elementos que o sustentam e assim julgar a validade dos próprios. Apoiados nos dados destes estudo, não percebemos ganhos efetivos ou substanciais na retirada do pensamento teleológico da Biologia escolar, visto que, às vantagens didáticas oferecidas na leitura dos fenômenos biológicos são inegavelmente 37 Relato apresentado na íntegra na página 86. 90 valorosas. Apontamos sim, para o uso consciente e em situações específicas. Casos em que o caminho, biologicamente correto, seja muito dispendioso e que ainda assim, esteja claro que se trata apenas de um recurso explicativo. Situações em que a economia do detalhe (Forquin, 1992) beneficie o processo didático. Do mesmo modo, não podemos deixar de argumentar que consideramos imprescindível que o professor esteja aparelhado epistemologicamente para o trabalho no ambiente escolar, levantando questões histórico-filosóficas, revisando valores culturais e aspectos inerentes à sua profissão, e mobilizando continuamente os saberes docentes que construiu. Ciente destas dimensões que ele possa fazer o uso do pensamento teleológico em sala de aula, considerando suas origens históricas e, principalmente, sua aplicação didática. 91 Referências Bibliográficas: ARAUJO, V. R. D. Repensando práticas em Educação Ambiental: experiências e saberes de professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental no Município de Teixeira de Freitas, Bahia. Niterói. FE/UFF. 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Grande felino africano que vive nas savanas e que na sua velocidade sua maior qualidade” O narrador destaca ainda a anatomia do animal como um dos fatores responsáveis pela grande velocidade atingida. “Anos e anos de evolução projetaram o Guepardo para atingir grandes velocidades em um curto espaço de tempo e durante pouco tempo, ele é um sprinter.” 1. Você acredita que possa haver algo que comprometa o aprendizado de evolução no texto do narrador? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 2. Que conceitos evolutivos estão colocados no texto do narrador? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 3. De que forma você reconstruiria este texto? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 96 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM ENSINO DE CIÊNCIAS DISCIPLINA INSTRUMENTAÇÃO PARA O ENSINO DE CIÊNCIA Nome: ________________________________________________________ Situações de ensino Regência: • Licencianda A. Data da aula: 22/06/05. Tema: Relações ecológicas – turma de 3º ano. Durante a sua regência a licencianda faz a seguinte afirmação: “Não é legal para o parasita que o hospedeiro morra. O parasita quer que o hospedeiro viva.” • Licencianda B. Data da aula: 28/06/05. Tema: Relações ecológicas – turma de 3º ano. Durante a sua regência a licencianda faz a seguinte pergunta: “Qual a vantagem ou benefício que a bromélia obtém ao se fixar no alto da árvore?” Resposta do aluno: “Para absorver mais luz.” e a licencianda diz: “É isso mesmo, se a planta ficasse nas partes mais baixas seria prejudicada por conta da pouca luz”. 5. O que você acha das afirmações das licenciandas A e B? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 6. Que conceitos evolutivos estão expressos na afirmação da licencianda? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 7. Há algum objetivo na ação do parasita ou da planta em relação ao ambiente? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 8. Como você explicaria este tópico? 97 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM ENSINO DE CIÊNCIAS DISCIPLINA INSTRUMENTAÇÃO PARA O ENSINO DE CIÊNCIA Nome: ________________________________________________________ Situações de ensino Questões de prova: Comentário. Esta questão é parte constituinte de uma avaliação bimestral aplicada em uma turma de 3º ano do ensino médio de uma escola da rede particular de ensino do Rio de Janeiro. Existem plantas adaptadas às condições do deserto, nas quais a fotossíntese é do tipo CAM. Essa fotossíntese se caracteriza pela absorção do gás carbônico (CO2) pelos estômatos, durante a noite. O CO2 se acumula dentro da célula ligando-se ao ácido málico. Durante o dia os estômatos se fecham, mas a planta pode usar, na fotossíntese, o CO2 retido no ácido málico. Explique do ponto de vista evolutivo, a existência da fotossíntese CAM em muitas plantas que vivem nos desertos. A partir desta questão algumas respostas, de alunos desta mesma turma, foram selecionadas: Aluno 1: “A fotossíntese CAM só é encontrada em plantas que vivem no deserto devido as condições climáticas (dia quente e noite fria). Essa foi a única maneira que as plantas conseguiram para tornar mais fácil a respiração”. Aluno 2: ”As plantas do deserto vieram sofrendo mutações para se adaptar ao meio em que vivem, pois o clima no deserto é seco, então elas sofreram um processo de adaptação, passando a fotossíntese CAM que acumula CO2 para sua sobrevivência.”. Para que aspectos das respostas destes alunos você chamaria a atenção? Por quê? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 98 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM ENSINO DE CIÊNCIAS DISCIPLINA INSTRUMENTAÇÃO PARA O ENSINO DE CIÊNCIA Nome: ________________________________________________________ Situações de ensino Livro Didático “Os pulmões são massas esponjosas dotadas de grande número de fibras elásticas. Cada um deles é dividido em partes chamadas lobos. O pulmão direito possui três lobos; é mais largo e mais curto que o esquerdo, para facilitar o alojamento do coração e do fígado. Já o pulmão esquerdo possui dois lobos.” Biologia em foco, vol.Único. Carvalho, W. - SP: FTD 2002. p. 174 “Mamíferos são animais cuja característica fundamental é a presença de glândulas mamárias. Essas glândulas têm por finalidade secretar o leite, primeiro alimento do recém-nascido.” Coleção Horizonte - Ciências Seres vivos 6ºsérie. Fonseca, A. - SP: IBEP s/d. p.17. Acima estão dispostos dois fragmentos de livros didáticos comumente utilizados em sala de aula. Você percebe nos textos acima algo que possa, de alguma forma, comprometer uma situação de ensino? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ Para que aspectos do texto você chamaria a atenção? (se for o caso) Por quê? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 99 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM ENSINO DE CIÊNCIAS DISCIPLINA INSTRUMENTAÇÃO PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS 2. Identificação do cursista: Nome: ________________________________________________________ Escola que leciona: _____________________________________________ Tempo que exerce a função de professor: __________ Idade: entre 20 e 25 anos ( ) entre 25 e 30 anos ( ) entre 35 e 40 ( ) entre 30 e 35 anos ( ) entre 45 e 50 anos ( ) Questionário inicial E- O que significa dizer que um animal é mais evoluído do que outro? ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ F- As espécies de mamíferos são mais evoluídas do que as espécies de bactérias. Comente esta afirmação. ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ G- Ao longo da história da vida várias espécies de mamíferos deixaram de existir. Por quê? Explique ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ H- Dentre os seres vivos os órgãos e sistemas humanos são aqueles que atingiram o mais alto grau de organização. Você concorda? Explique 1 ANEXO II Frases teleológicas e antropomórficas utilizadas para a apresentação do tema às docentes. Árvores duradouras desenvolveram raízes profundas de forma que possam sobreviver em um período de pouca chuva. Em regiões de clima muito frio, as árvores perdem as folhas para evitar o congelamento. O grande urso branco desenvolveu, ao longo dos anos, uma pele grossa para se proteger das baixas temperaturas. Pássaros que preparam um vôo longo armazenam gordura para prover suas necessidades durante uma longa e difícil viagem. As folhas de um vegetal crescem em direção a luz para obter mais energia. As plantas preferem solos úmidos. O pavão macho expõe as penas coloridas de sua cauda para impressionar a fêmea. Árvores decíduas se esforçam para ficar dormentes no inverno, para se proteger de danos causados pelas baixas temperaturas.