P ONTO DE VIS TA
entrevista com
Luiz Alberto Hanns
foto: Danilo Pegoraro - CSA
por Simone Greco
A arte de dialogar
e dar limites
Labora: Por que os pais de hoje têm dificuldade
institucionais é voltada para o consumo, o lazer,
em colocar limites para seus filhos? Esse tema
a liberdade etc., o que muitas vezes se contra-
se transformou na pedra angular da educação
põe ao duro trabalho de ensinar o filho a fazer
atual?
esforços, ser ético, ter disciplina e ser modesto.
Luiz Alberto Hanns: Até os anos 50 havia todo
E nem sempre os amistosos métodos atuais
um “ecossistema social” disciplinador. O mun-
de educação funcionam no quesito limites. No
do era autoritário. A hierarquia e a autoridade
entanto, dar limites não deveria ser a meta! Dar
regulavam todas as instâncias sociais – igreja,
limites é pressuposto! A meta da educação é
No dia 3 de junho, Luiz Alberto
lia, empresas, litera-
Hanns ministrou palestra para
tura, temas artísticos.
mais de 300 pais no Prosa – Centro
de Estudos do CSA – sobre a arte
Consequentemente, a
educação era voltada
à obediência, ao cum-
de dialogar e dar limites para
primento dos deveres,
crianças e adolescentes. Doutor
à disciplina pessoal e à
em Psicologia Clínica, psicanalista
e pesquisador em psicoterapia
modéstia. Pais e professores não hesitavam em reprimir com
comparada, também autor do
violência. Hoje, entre-
recém-lançado A equação do
tanto, a meta dos pais
casamento – o que pode, ou não,
ser mudado na sua relação, nessa
preparar os filhos para
exército, escola, famí-
é criar filhos felizes e
praticar uma educação
não autoritária. Privile-
“Se você, desde os 3 anos e
a vida. E as pesquisas
meio de seu filho, começar a
competências funda-
praticar com ele a ponderação
mostram que há seis
mentais para que um
adulto consiga lidar
e o pensamento, ao invés
com a vida. Ensinar
de só gritar e ter chiliques,
desde a infância de-
essas competências
ou exigir que ele obedeça
veria ser a meta de
cegamente, você terá, aos 6
casa. É isso que se
ou 7 anos, uma criança capaz
de conversar com você sobre
assuntos até complexos”
nosso empenho em
pode ensinar aos pais
que queiram se tornar
pais-educadores.
entrevista para a Revista Labora
giamos a negociação,
Hanns mostra como as metas da
os direitos da criança
sas competências que
a opinar e divertir-se.
devemos ensinar a
educação se transformaram das
Labora: Quais são es-
Queremos que as crianças façam as coisas por
nossos filhos para que lidem bem com a vida?
motivação e não por serem forçadas. Tudo isso
Hanns: Ter prazer em aprender, ter autonomia,
pais e como é possível educar com
é ótimo, mas os pais de hoje têm mais dificul-
ter inteligência emocional, não ter medo de er-
base no diálogo, sem, entretanto,
dade em dar limites e motivar os filhos para
rar, lidar com frustrações e saber planejar suas
atividades que exijam esforço, disciplina, ética
ações. Cada uma delas tem desdobramentos
e paciência, porque o “ecossistema social” induz
na vida adolescente e adulta, tanto nos estudos
a comportamentos em outra direção. Atualmen-
como no trabalho, no amor e na vida social. Mas
te, a ênfase dos valores sociais e dispositivos
para ensinar essas competências é preciso sa-
últimas para a atual geração de
ter medo de colocar limites, por
vezes duros, para preparar os
filhos para a vida.
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ber dar limites com eficácia e dialogar com os filhos. Sem limites e sem
complexos. E capaz de refletir sobre decisões. Se você não ensinou
diálogo pode ser muito difícil ensinar essas competências e preparar
isso na infância, ainda pode fazê-lo mais tarde, mesmo na adolescên-
os filhos para os grandes desafios da vida.
cia. A questão é que na adolescência repressão, broncas e castigos já
não funcionam tanto, e será necessário educar utilizando muito mais
Labora: Em sua opinião, como os pais podem dar limites?
o diálogo e a conscientização. Assim, se seu filho aprendeu e praticou
Hanns: Deixe-me fazer uma analogia com outros tipos de programas que
dialogar com você desde a infância, provavelmente não será um ado-
temos em nossas vidas, tais como fazer dieta, ter uma empresa inovado-
lescente fechado e arisco ou irritadiço, e será muito mais fácil você ter
ra ou cultivar um bom casamento. Algumas dicas e receitas funcionam,
pleno acesso e diálogo com ele para continuar seu trabalho educacional.
mas não é provável que você emagreça de modo consistente só parando
Mas se ele não tiver o hábito de conversar com você, se não confiar em
de comer carboidratos, ou que a empresa se torne inovadora porque
você como um bom interlocutor, se enxergar em você um sujeito que
faz uma reunião semanal com os funcionários sobre novas ideias, ou
não escuta, que é preconceituoso e só faz sermão ou o condena, ele não
que você tenha um bom casamento apenas porque reserva as quartas-
se abrirá. Nesses casos, quando a comunicação está fechada, antes de
-feiras para jantar e namorar seu cônjuge. O mesmo acontece com os
começar a enquadrar o adolescente dando limites firmes, recomendo
limites. Há muitas dicas, que vão dos
passar algumas semanas criando um
métodos mais suaves aos mais contun-
acesso e resgatando a capacidade de
dentes, com broncas e castigos fortes.
No entanto, além de dar limites firmes, é
preciso ensinar os filhos a dialogarem e a
ponderarem sobre os prós e contras das
diversas decisões do dia a dia. Mas o que
não se resolve com diálogo, infelizmente
em alguns momentos terá de ser resolvido por meio de limites firmes, duros e
impositivos, sem medo de desagradar e
enfrentar chiliques, chantagens emocionais ou rebeldias. Aí também muitos pais
ficam inseguros sobre o fato de terem ou
não direito de ser duros e igualmente
sobre como exatamente dosar e aplicar
uma eventual bronca ou um castigo. Na
verdade, além de uma admoestação e
“Dedique-se a entrar
no mundo dele (de seu filho) ao
invés de interrompê-lo e tentar
conversarem.
Labora: Quais são as bases para se
estabelecer um diálogo construtivo com
nossos filhos?
impor seu ponto de vista de pai.
Hanns: Um diálogo aberto e sem autori-
E somente depois de assegurar que
troca de ideias. É preciso escutar de
você conseguiu entendê-lo,
tarismo e preconceito é uma verdadeira
modo genuíno o pensamento dos filhos
e saber ponderar com eles a respeito
você pode apresentar a ele
das opções em cada caso. Mas uma
eventualmente outros ângulos da
e pensamentos do seu filho exige que
questão e convidá-lo a pensarem
juntos em novas soluções”
conversa em conexão com as emoções
você escolha um momento tranquilo
para conversar (ninguém consegue
ponderar, ouvir e falar, e pensar sob
castigo, é importante amarrar o episó-
estresse, no meio de uma briga). Só em
dio a um pequeno projeto de mudança,
um ambiente calmo você pode escutar
pois muitos dos maus comportamentos
e explorar os pensamentos e emoções
se tornaram hábitos e não mudarão por causa de uma bronca ou um
de seu filho e empatizar com as motivações dele. Dedique-se a entrar
castigo. No entanto, criar pequenos projetos de mudança para que um
no mundo dele ao invés de interrompê-lo e tentar impor seu ponto
filho pare de bater no irmão, seja respeitoso com a avó ou estude mais
de vista de pai. E somente depois de assegurar que você conseguiu
é tema de uma palestra inteira.
entendê-lo, você pode apresentar a ele eventualmente outros ângulos da questão e convidá-lo a pensarem juntos em novas soluções.
Labora: Voltando à questão do diálogo, em sua palestra o senhor enfa-
Dei diversos exemplos práticos durante a palestra de como fazer
tizou que devemos começar a dialogar com nossos filhos desde cedo.
isso e espero que os pais tenham saído com ânimo para testarem
Poderia comentar?
e aprenderem, por tentativa e erro, a resolver problemas cotidianos
Hanns: Se você, desde os 3 anos e meio de seu filho, começar a prati-
por meio do diálogo. A maioria das questões pode sim ser resolvida
car com ele a ponderação e o pensamento, ao invés de só gritar e ter
desse modo. Apenas algumas poucas infelizmente necessitarão de
chiliques, ou exigir que ele obedeça cegamente, você terá, aos 6 ou 7
duros limites punitivos e repressores. Mas investir no diálogo já é
anos, uma criança capaz de conversar com você sobre assuntos até
um grande começo.
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“A arte de dialogar e dar limites” – Luiz Alberto Hanns