PROTEÇÃO DAS FRONTEIRAS E A LEI DO TIRO DE DESTRUIÇÃO
Autoria: Daniel Galo Carli Mariano da Cunha, Jéssica Rúbia Gonçalves, Kelly Cristina
Rodrigues dos Santos, Messias Borges dos Santos Júnior 1
Resumo
O presente artigo busca identificar por meio de revisão da aplicabilidade de leis o combate ao
tráfico de drogas e armas. Um dos principais impasses na atualidade está relacionado com a
entrada de ilícitos nas sociedades contemporâneas via modal aéreo. O artigo busca, então,
examinar a adoção da lei 9614/98 – Lei do Tiro de Destruição (ou Lei do Abate) no Brasil,
descrevendo seus processos passo a passo e discutindo sua aplicabilidade no atual contexto
mundial da luta contra o tráfico, trazendo o cenário da América do Sul como um importante
território neste cenário. Também serão abordados neste estudo debates acerca da
Constitucionalidade da Lei e o princípio da presunção de inocência. Após o presente estudo
percebe-se que Lei do Abate não traça julgamentos baseando-se apenas em presunções sobre
quaisquer cidadãos que adentram ao espaço aéreo, contudo, garante de maneira criteriosa e
honesta o momento em que certo cidadão passa a representar uma ameaça à segurança nacional,
colocando-o a si próprio no alvo de medidas coercitivas.
Palavras Chave : Lei do Tiro de Destruição; Fronteiras; Tráfico de Ilícitos; Defesa Nacional
1 INTRODUÇÃO
O Brasil é um país de grande extensão territorial e fronteiras contínuas, ao todo seu território
compreende uma área de 8.515.767,049 km 2.. Com tal dimensão, o Brasil faz fronteira com
noves países, além de ter 7.367 Km de fronteiras marítimas.
Por ser um país de proporção continental faz-se necessário uma atenção maior em relação a
proteção de suas fronteiras, pois através destas pode ocorrer a entrada de produtos ilegais, tais
como: drogas ou produtos contrabandeados.
A fim de proteger suas fronteiras contra a entrada de drogas oriundas de países que tem o
narcotráfico como característica principal, o Brasil se viu obrigado criar leis que combatam essa
prática que, até então, tem sido constante. Um dos principais problemas fronteiriços é em
relação a entrada de drogas em território nacional via modal aéreo. Além de se preocupar com
o bem estar da população, uma vez que as drogas tem um impacto significativo na vida das
pessoas, o Brasil tem o dever de proteger a sua soberania.
Afim de inibir as tentativas de se adentrar ao espaço aéreo brasileiro e criar instrumentos que
possam servir de dissuasão, o Brasil, em 19 de julho de 2004, criou a Lei do Tiro de Destruição,
também, conhecida como Lei do Abate, que será analisada durante o artigo.
Por se tratar de um assunto que levanta inúmeros questionamentos, tanto por parte dos países
vizinhos, como por parte dos países que de algum modo tenham alguma participação na aviação
1
Graduandos em Relações Internacionais do Centro Universitário Newton Paiva
Dados do IBGE. Disponível em: <
http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartografia/default_territ_area.shtm>. Acesso em: 10 jul.2015.
2
1
nacional, seja através do fornecimento de aparelhagem ou por motivos políticos, leia-se tratados
internacionais sobre a aviação, ainda não foi possível chegar a um denominador comum. No
decorrer do artigo serão apresentadas essas e outras questões que norteiam a questão do Tiro de
Abate, objetivando primordialmente demonstrar que a Lei do Tiro de Destruição pode ser um
instrumento de grande valia para proteger as fronteiras brasileiras.
2 LEI DO TIRO DE DESTRUIÇÃO
2.1 Cenário para adoção da lei
O cenário para adoção da lei 9614/98 – Lei do Tiro de Destruição – ou Lei do Abate como
também é conhecida, emerge da dificuldade na vigilância fronteiriça e consequentemente no
combate ao tráfico de ilícitos oriundos de países vizinhos, muitas vezes transportados em aviões
de pequeno porte:
(...) O Brasil continua sendo uma importante rota de trânsito para a cocaína que emana
de países como a Bolívia, Colômbia e Peru. A cocaína é contrabandeada por meio das
fronteiras terrestres via pequenas aeronaves e caminhões, bem como barcos que
utilizam o vasto sistema do Rio Amazonas. Em 2013, o volume de cocaína peruana e
boliviana traficadas por aeronaves no Brasil aumentou notavelmente 3. (UNITED
STATES, 2014, p.133)
A fronteira terrestre brasileira é extensa, possui cerca de 16.000 km e é limítrofe com 10 países
da América do Sul, muitos desses países possuem ligações com o tráfico e crime organizado, o
que representa uma forte ameaça a segurança do Brasil, já que dentre os ilícitos traficados,
destacam-se drogas e armas, artigos desencadeadores de muitas mazelas que assolam as
sociedades, principalmente no que diz respeito à violência.
O relatório sobre a estratégia de controle internacional de narcóticos do Departamento de
Estado Americano (2014), reforça essas ocorrências e relata que o Brasil é o segundo maior
consumidor mundial de cloridrato de cocaína e, provavelmente, o maior consumidor de
produtos de que tem cocaína como base.
O estudo norte americano, alerta ainda, para as extensas e porosas fronteiras brasileiras que são
parte importante no trânsito e destino de cocaína, afirmando que: "O Governo do Brasil percebe
a gravidade do problema dos narcóticos e está comprometido na luta contra o tráfico de drogas,
mas não tem as capacidades necessárias para conter o fluxo de narcóticos ilegais através de suas
fronteiras". (UNITED STATES,2014, p.133)
Dado o contexto, urge a necessidade de uma atuação mais eficiente na vigilância fronteiriça,
em especial na defesa aérea. Um dos instrumentos para tal intento foi o Sistema de Vigilância
da Amazônia (SIVAM) braço do Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), o SIVAM entrou
em funcionamento em julho de 2002 e tem por objetivo monitorar o espaço aéreo brasileiro na
região da Amazônia por meio de um moderno aparato tecnológico que inclui, dentre outros
equipamentos, os seguintes:
(…) 8 aviões EMB-145, munidos de radares de vigilância e sensoriamento; 200
plataformas de coleta de dados de superfície; (...) 4 aviões laboratórios HS80027;
estações de auxílios à navegação aérea, que operam os equipamentos utilizados para
apoio à navegação aérea (equipamentos para interceptação e localização de sinais
3
Tradução Nossa
2
eletromagnéticos) localizadas nos pontos considerados de interesse para o exercício
da vigilância, da segurança da navegação aérea e das ações a serem desempenhadas
pelo sistema; 27 postos de telecomunicações, munidos de aparelhos de comunicações
via rádio e telefonia; 980 postos de acesso à Internet, fax e telefone espalhados por
pequenas comunidades da Amazônia; 3 esquadrões de aviões ALX, também chamado
de "supertucano", constituindo o "braço armado" do Sivam, totalizando 99 unidades;
300 equipamentos de radiodeterminação (radiolocalização e radionavegação), (…)
(LOURENÇÃO, 2003, p.79)
Contudo, mesmo com a implantação do SIVAM, nenhuma medida coercitiva poderia ser
aplicada pelos militares do Brasil, consequentemente, as ordens brasileiras para identificação
ou pouso forçado de aeronaves ilegais frequentemente não eram respeitadas pelos clandestinos,
que adentravam com ilícitos no espaço aéreo brasileiro muitas vezes, fazendo uso de
beligerância explícita.
Um caso que ilustra esse desrespeito foi filmado em 2002, nele, dois ocupantes de uma aeronave
clandestina, que transportava entorpecentes, são interceptados. Apesar dos esforços brasileiros,
os ocupantes não demonstraram nenhum respeito as ordens chegando a afirmar que os militares
“ só tiram foto4” .
2.2 A Lei
Segundo o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), "o Brasil exerce completa e exclusiva
soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e mar territorial" (CBA, Lei 7.565/1986,
Artigo 11), ou seja, o Brasil possui autoridade para controlar e proteger seu território de
ameaças à segurança nacional.
Sendo assim, visando uma atuação mais eficiente diante dos problemas instaurados, foram
implantados parágrafos específicos para medidas mais coercitivas no artigo 303 do CBA, que
tratam dos casos de Detenção, Interdição e Apreensão de Aeronaves por autoridades
aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, que seguem:
Artigo 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias
ou da Polícia Federal, nos seguintes casos:
I - se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos
internacionais, ou das autorizações para tal fim;
II - se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso
em aeroporto internacional;
III - para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis;
IV - para verificação de sua carga no caso de restrição legal [...] ou de porte proibido
de equipamento [...];
V - para averiguação de ilícito.
O artigo foi modificado pela Lei n° 9614 (Lei do Tiro de Destruição/ Abate) de 5 de março de
1998. Acrescentou-se o seguinte texto:
§ 2° Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como
hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após
autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.
4
Caso apresentado no Seminário Fronteiras do Brasil - Painel: A Lei do Abate,pelo Major Brigadeiro do Ar
Carlos Almeida Baptista Júnior. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K9w3p5e-dyo>. Acesso
em: 01 jul. 2015.
3
Em 1998, portanto, fora instituída a Lei do Tiro de Destruição, ou Lei do Abate. A lei consiste
em uma série de medidas para controle e segurança do espaço aéreo, buscando restringir o uso
de aviões como meio de transporte para ilícitos. Porém, ela enfrentou uma série de resistências
internacionais até ser sancionada, em maio de 2004. O Departamento de Estado Americano
ameaçou suspender "assistência relevante ao Brasil se o programa fosse implementado sem
satisfazer as exigências legais americanas 5".
A legislação dos Estados Unidos prega que cidadãos e empresas que participam da derrubada
de aviões serão responsabilizados criminalmente. Daí surge a preocupação com a ratificação da
lei no Brasil, já que são utilizados diversos equipamentos norte-americanos para o abate de
aviões.
A Lei do Tiro de Destruição só foi regulamentada em 16 de julho de 2004, com um decreto
presidencial que visava esclarecer novos termos acrescidos na lei, como “meios coercitivos”,
“aeronave hostil” e “medida de destruição”, bem como estabelecer critérios rígidos na aplicação
dos procedimentos que podem, em último caso, ocasionar a medida de destruição.
3 A Lei do Tiro de Destruição na Prática
Como previsto no Artigo 303 do CBA, qualquer aeronave pode ser submetida à detenção, à
interdição e à apreensão por autoridades aeronáuticas, para fins de conferência de documentos,
carga transportada ou demais meios legalmente previstos. Sendo assim, no caso mais grave, de
descumprimento das ordens de averiguação, a aeronave passa a ser considerada hostil e
representa perigo para o Estado brasileiro.
Inicialmente todas as aeronaves que adentram no Brasil são classificadas em "Situação
Normal" e passam pelo processo de conferência de informações, no qual são verificados o plano
de voo e demais condições da aeronave.Para que o avião seja considerado hostil, são realizados
diferentes procedimentos que seguem em um crescente de responsabilidades e autoridades 6:
1. Medidas de Averiguação: Busca determinar ou confirmar a identidade de uma aeronave
ou ainda vigiar seu comportamento. É composta pelas seguintes etapas:
a) Reconhecimento da aeronave à distância: os pilotos da aeronave de interceptação, de maneira
discreta, fotografam e buscam mais informações sobre a aeronave (tipo, matrícula, etc.) e
informam ao controle.
b) Confirmação da matrícula da aeronave: busca-se verificar se a aeronave encontra-se em
situação regular. Isso é feito mediante o repasse das informações coletadas para a Autoridade
de Defesa Aeroespacial, que entrará no sistema informatizado do Departamento de Aviação
Civil (DAC).
5
Ameaça por parte do Departamento do Estado Americano feita em maio de 2004, acerca da Lei do Abate.
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2010200421.htm> Acesso em 16 maio 2013.
6
BRASIL, Força Aérea Brasileira, Centro de Comunicação Social da Aeronáutica. Entenda a Lei do Tiro de
Destruição. Disponível em <http://www.reservaer.com.br/legislacao/leidoabate/entenda-leidoabate.htm> Acesso
em 12 maio 2013.
4
Nessas duas primeiras etapas a aeronave militar se aproxima no ponto cego da aeronave
suspeita, com isso, se as informações coletadas estiverem regulares, a aeronave interceptadora
vai embora sem ser percebida.
c) A Interrogação via rádio é o próximo passo, inicialmente na frequência da área: é a primeira
tentativa de comunicação bilateral entre a aeronave interceptadora e a interceptada.
d) Interrogação via rádio, frequência internacional de emergência: comunicação através da
frequência de 121.5 ou 243 MHz, após ter estabelecido contato visual próximo.
e) Realização de sinais visuais: de acordo com a regra estabelecida internacionalmente e de
conhecimento obrigatório dos militares do Brasil.
2. Medidas de Intervenção
Em caso de frustração de todas as medidas de averiguação, passa-se a medidas coercitivas, são
dadas as seguintes ordens pela aeronave interceptadora:
a) Ordem de mudança de rota : Pela aeronave interceptadora, em todas as frequências de rádio
e por meio de sinais visuais.
b) Ordem de pouso obrigatório : Semelhante ao passo anterior, também pela aeronave
interceptadora.
3. Medidas de Persuasão
Em caso de descumprimento das ordens de intervenção, são realizados tiros de advertência para
persuasão do cumprimento das ordens de intervenção.
a) Tiros de Advertência: execução de tiros laterais, sem atingir a aeronave, com munição
traçante no qual o caminho da bala é visível.
4. Medidas de Destruição
Depois de todo o processo, a aeronave é considerada hostil e poderá vir a ser abatida.
a) Tiro de Destruição - A ordem final para a medida de destruição da aeronave hostil deve ser
dada pelo Presidente ou pela autoridade por ele delegada. Ordem já prevista “ao Comandante
da Aeronáutica a competência para autorizar a aplicação da medida de destruição”, segundo
Artigo 10 do Decreto Presidencial nº 5.144, de 16 de julho de 2004.
De acordo com o Artigo 5 desse mesmo Decreto, a medida de destruição “somente poderá ser
utilizada como último recurso e após o cumprimento de todos os procedimentos que previnam
a perda de vidas inocentes, no ar ou em terra”. Observadas as seguintes condições:
Artigo 6. A medida de destruição terá que obedecer às seguintes condições:
I - emprego dos meios sob controle operacional do Comando de Defesa Aeroespacial
Brasileiro - COMDABRA;
II - registro em gravação das comunicações ou imagens da aplicação dos
procedimentos;
III - execução por pilotos e controladores de Defesa Aérea qualificados, segundo os
padrões estabelecidos pelo COMDABRA;
5
IV - execução sobre áreas não densamente povoadas e relacionadas com rotas
presumivelmente utilizadas para o tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins;
e
V - autorização do Presidente da República ou da autoridade por ele delegada.
(Artigo 6. Decreto Presidencial nº 5.144, de 16 de julho de 2004.)
4 Debates acerca da Constitucionalidade
Antes do Brasil, outros países como Peru e Colômbia já adotavam a Lei do Abate, essa Lei
veio preencher uma importante lacuna no que diz respeito ao controle do tráfico de ilícitos no
espaço aéreo da América do Sul. O Brasil ocupa papel de destaque nessa conjuntura, por ser
uma constante rota no trânsito de drogas. O Estado brasileiro estava vulnerável e enfraquecia o
combate ao tráfico dos demais países, por não possuir uma medida mais coercitiva de
interceptação de aeronaves.
Segundo Rezek (1998, p.161), “o Estado local não enfrenta a concorrência de qualquer outra
soberania. Só ele pode, assim, tomar medidas restritivas contra pessoas, detentor que é do
monopólio do uso legítimo da força pública”. No entanto, apesar de sua importância no que
tange a defesa, essa lei enfrenta diversa críticas sobre sua constitucionalidade. Os principais
argumentos dos contrários à implantação da Lei do Abate são:
5. Fere o direito à vida/ Instauração da pena de morte em tempos de paz.
6. Fere o direito de passagem inofensiva.
7. Fere o princípio da presunção de inocência.
Pedro (2012) aponta que o Código Penal Brasileiro reserva a punição mais severa para quem
atentar contra a vida de outrem. O direito à vida esta elencado nas normas pétreas e só pode ser
relativizado nas hipóteses de guerra declarada ou legítima defesa.
Assim como Pedro (2012), Magalhães (2009) parte da premissa que a Lei do Abate fere o
direito à vida e seria, portanto, a instauração da pena de morte, a qual só é permitida no Brasil
em caso de guerra7: "Se a Força Aérea Brasileira efetuar disparos com o objetivo de destruição
da aeronave, hipótese mais radical, porém prevista na norma legal, estar-se-á condenando o
piloto e demais tripulantes e passageiros à pena capital." (MAGALHÃES, 2009)
Quando se fala em direito à vida Zancanaro (2007), faz uma alusão a legítima defesa 8 e atenta
para o direito à vida das pessoas que são atingidas pela violência, tráfico de drogas e armas,
nesse caso, é dever do Estado tomar as medidas mais efetivas para a proteção dos cidadãos:
Se permitimos a morte de uma pessoa para salvar outra, como na legítima
defesa, por que não permitimos a morte de uma pessoa para salvar muitas.
Podemos afirmar que esta lei nos protege de uma agressão futura e certa ao
7
Artigo 84, inciso XIX, combinado com o artigo 5º, inciso XLVII, alínea "a", da CF/88.
8
Artigo 25 do Código Penal Brasileiro:" Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos
meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem." Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm >Acesso em: 03 jul.2015
6
bem jurídico vida (...). No caso do tráfico de armas e entorpecentes, a lesão
futura ao bem vida é certa, este é o objetivo final dos produtos e materiais
transportados nessas aeronaves.(ZANCANARO, 2007, p.3)
Outros autores discordam da posição dos que defendem a inconstitucionalidade da Lei do
Abate. Mesquita (2009, p.138) afirma que “não se trata de nenhuma pena de morte, mas do
direito-dever de exercer o poder soberano sobre o espaço aéreo brasileiro, nos termos da própria
Constituição Federal”.
Coelho Jr. (2012, p.25) completa que para se caracterizar pena de morte, faz-se necessária uma
medida judicial, portanto, a Lei do Abate é uma ação militar que visa à dissuasão da presença
clandestina de aeronaves no espaço aéreo pátrio, explica.
Guerra (2008), também discorda que a Lei do Abate seja a instauração da pena de morte e
acrescenta que ela se trata de um instrumento legítimo do Estado:
Não se trata de uma pena de morte, mas apenas de aparelhar um Estado Soberano
numa luta importante contra uma superestrutura de tráfico internacional, que se
escondia por intermédio da ausência de uma legislação que desse condições de
combater o crime de forma inequívoca e eficiente. (GUERRA, 2008, p.10)
Cabe ressaltar que a Lei do Tiro de Destruição prevê, apenas em última instância, a medida de
destruição, trata-se portanto de uma possibilidade em caso de desrespeito aos vários outros
procedimentos, e não de uma instauração de pena de morte. Caso o piloto da aeronave cumpra
as orientações dos militares e pouse, terá direito ao devido processo legal em sua plenitude.
Outro ponto de discordância diz respeito à passagem inofensiva, definida no artigo 5º da
Convenção sobre Aviação Civil Internacional. Prevê-se o direito de aeronaves de outros
Estados transitarem sem fazer escala sobre certo território, sem necessidade de licença prévia,
sempre estando sujeitos ao direito do Estado sobre o qual sobrevoam.
Mesquita (2009) discorda que essa inconstitucionalidade se aplique à Lei do Tiro de Destruição,
uma vez que a passagem inofensiva não é equivalente à passagem clandestina. O autor pontua,
que
Alguns críticos atacam o mencionado diploma legal afirmando que há flagrante
desrespeito aos princípios internacionais, mais notadamente o princípio da passagem
inofensiva. A corrente de críticos que se rebelam contra a lei em tela, data vênia, não
está correta, haja vista que a passagem inofensiva não pode, sob nenhum pretexto, ser
confundida com passagem clandestina. (MESQUITA, 2009, p.134)
Quanto ao principio da presunção de inocência, Pedro (2012) argumenta que a Lei do Abate
fere o direito, no qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória” (Artigo 5º inciso LVII CF/88). Segundo o autor, a Lei do Tiro de
Destruição não está em consonância com a Constituição Federal, pois, por mera presunção, uma
aeronave poderá sofrer medidas coercitivas.
Já Coelho Jr. (2012) discorre sobre o direito legítimo de um país controlar seu espaço aéreo,
criando suas próprias normas e mecanismos a serem respeitadas pelos pilotos de todas as
aeronaves que adentrarem em território soberano.
Durante todo o período de ação das etapas da Lei do Abate são realizadas inúmeras tentativas
de contato (o que já pode ser caracterizado como direito a ampla defesa) e somente no caso em
que o piloto persistir com a hostilidade, este abrirá mão de seu direito de defesa e será
7
considerado invasor. Dessa forma, explica Coelho Jr. (2012, p.25), esse piloto poderá ser
interceptado
e,
eventualmente,
abatido.
5 Resultados da Lei do Abate
A Lei do abate completou em julho de 2015, onze anos de vigência, nesse horizonte temporal
já é possível vislumbrar alguns efeitos da inserção dessa norma no ordenamento jurídico do
Brasil.
A despeito do receio da violação do direito à vida, conforme exposto no tópico anterior,
nenhuma aeronave foi abatida pelo Brasil e o primeiro tiro de aviso foi dado somente cinco
anos após a regulamentação da lei,so aconteceu quando uma aeronave boliviana com 170 quilos
de pasta básica de cocaína foi interceptada. Depois de 40 minutos de contato e determinação
para que o avião pousasse, o piloto do comunicou que daria tiros de aviso 9.
Segundo dados do COMDABRA10, foram realizadas de 2006 a 2013, 120 missões de
perseguição aérea na fronteira, totalizando cerca de 15 a 20 por ano. As operações foram
realizadas pela FAB conjuntamente com Polícia Federal e Rodoviária, além da Receita Federal
e outros órgãos federais. Foram 500 horas de voo de aeronaves de alarme aéreo antecipado E99 — com radares na parte superior —, e cerca de mil horas de voo de aviões Tucanos
interceptadores.
Adicionalmente, em 2014 o Governo brasileiro autorizou a extensão da Lei do Abate para os
grandes eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, a permissão deu-se por meio do
Decreto nº 8265, de 11 de julho de 2014.
Baseando-se nesse decreto, o tiro de destruição poderia ter sido utilizado para a proteção dos
eventos nas 12 cidades sede da Copa do Mundo. O procedimento para a Copa de 2014 foi
semelhante ao já utilizado nas interceptações em áreas de fronteira, a diferença foi que o espaço
aéreo dos grandes eventos dividiu-se em cores (branco, amarelo e vermelho); caso o avião
suspeito ultrapassasse a zona classificada como "vermelha", uma zona aérea de exclusão de
acesso extremamente restrito, um alerta seria gerado.
Os fatos expostos só reforçam a importância e a confiança do Governo na Lei do Abate como
um instrumento para inibir o uso de aviões como meio de transporte de ilícitos, levando assim
os criminosos a buscar rotas alternativas por terra, que são mais fáceis de serem monitoradas e
interceptadas. Consequentemente há mitigação de várias consequências acarretadas pelo
tráfico, a maior delas, a violência que assola de forma estarrecedora a sociedade brasileira.
6 Conclusão
Foi objetivo desse trabalho fazer uma análise da Lei do Tiro de Destruição como instrumento
para a defesa das fronteiras. Como resultado, percebe-se a que a Lei do Abate é um dispositivo
9
Dados do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (COMDABRA) na figura do seu comandante o
Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior em nota ao Globo. Disponível :
<http://oglobo.globo.com/brasil/lei-do-abate-faz-dez-anos-ainda-sem-derrubar-avioes-12457707>. Acesso em 02
jul.2015.
10
Disponível : <http://oglobo.globo.com/brasil/lei-do-abate-faz-dez-anos-ainda-sem-derrubar-avioes12457707>. Acesso em 02 jul.2015.
8
importante, ainda que em caráter complementar, para a inibição do tráfico de ilícitos e de todas
as suas consequências.
A referida lei, suscita debates acalorados acerca da sua constitucionalidade, contudo é
interessante analisá-la holisticamente, não só em termos de legalidade. Ater-se somente a esse
debate, que de fato é essencial, é ignorar as urgentes necessidades políticas e sociais que
permeiam a defesa das fronteiras. Há de se pensar sim, no direito à vida como inviolável, logo,
coloca-se como cerne da questão o direito à vida, à segurança e muitos outros que são
ameaçados com as consequências do tráfico.
Não foi intuito desse trabalho exaltar os meios violentos como a resolução de entraves ou fazer
apologia a um Estado autoritário que faz uso indiscriminado do monopólio da força que possui,
trata-se justamente do contrário, do dever do Estado em proteger seus cidadãos das ameaças e
utilizar-se de meios eficientes para isso.
Não compete à Lei do Abate traçar julgamentos baseando-se em presunções sobre quaisquer
cidadãos que adentram ao espaço aéreo, mas sim identificar de maneira criteriosa e honesta o
momento em que esse cidadão passa a representar uma ameaça à segurança nacional, podendo
assim, tornar-se alvo de medidas coercitivas.
Ter o monopólio da força, não quer dizer usá-la indiscriminadamente, o que não tem sido feito,
prova disso é que em mais de 10 anos da Lei em vigor, nenhuma aeronave foi abatida, mas
várias operações para apreensão de ilícitos foram realizadas, o que representa ganhos.
Reconhece-se que ainda existe um longo caminho a ser percorrido, a Lei do Abate sozinha não
é capaz de acabar ou reduzir rapidamente o narcotráfico, mas em caráter complementar e em
curto prazo ela é um dos melhores instrumentos possíveis para o controle de influxo de ilícitos.
Em longo prazo pensemos em elaboração de políticas públicas mais eficientes, investimentos
contínuos em Defesa, manutenção da cooperação internacional (principalmente regional ),
mudanças na legislação interna, dentre muitas outras medidas. O que não se pode é esperar
passivamente diante de uma situação que vem se agravando drasticamente.
Por fim, reitera-se que a análise da Lei do Abate não se esgota no presente trabalho, acreditase que o debate e a exposição de ideias devem se manter abertos ao tema, que é de fundamental
importância para o Brasil. Espera-se assim, encontrar medidas tão ou mais eficientes do que o
Tiro de Destruição para a defesa das fronteiras e consequentemente a proteção de toda a
sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS
9
BRASIL, Decreto nº 8265 de 11 de Junho de 2014. Regulamenta a Lei no 7.565, de 19 de
dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica, no tocante às aeronaves sujeitas à
medida de destruição, no período de 12 de junho a 17 de julho de 2014. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8265.htm>.
Acesso em 03 jul.2015.
BRASIL, Força Aérea Brasileira, Centro de Comunicação Social da Aeronáutica. Entenda a
Lei do Tiro de Destruição. Disponível em
<http://www.reservaer.com.br/legislacao/leidoabate/entenda-leidoabate.htm> Acesso em 12
maio 2013.
BRASIL, Lei Nº 7.565 de 19 de dezembro de 1986. Disponível em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7565.htm> Acesso em 10 maio 2013.
BRASIL. Clube Virtual dos Militares da Reserva e Reformados da Aeronáutica. Esquema
Interceptação de aeronaves. Disponível em:
<http://www.reservaer.com.br/legislacao/leidoabate/EsquemaInterceptacao.wmv> Acesso em
12 maio 2013.
BRASIL. Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA). Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 20 maio
2013.
BRASIL. Decreto Nº 5.144, de 16 de julho de 2004. Disponível em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2004/Decreto/D5144.htm> Acesso em
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