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A FÉ NO CONTROLE SOCIAL
Marcus Vinicius de Azevedo Braga
O presente artigo busca trazer uma reflexão sobre a credibilidade do controle
social no contexto atual, em especial aquele operacionalizado por meio dos conselhos,
tão comuns no movimento de municipalização das políticas sociais ocorridas na
década de 1990.
Nos estudos que realizei no Mestrado em Educação (dissertação disponível em
http://biblioteca.fe.unb.br/pdfs/2011-06-161652Marcus%20Vincius.pdf), orientado pela
Profª Maria Abádia da Silva, me debrucei sobre a questão do controle social em
políticas descentralizadas, estudando em especial a atuação dos conselhos do
Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação), eixo central do financiamento da
educação básica no Brasil desde 2007
Devo confessar, os resultados encontrados foram desanimadores, dadas as
deficiências detectadas na atuação destas instâncias de controle social, devido, entre
outros fatores, a falta de mobilização dos movimentos sociais em torno destas, a falta
de capacitação dos conselheiros, de apoio do poder público municipal e ainda, o
desequilíbrio na paridade entre membros do conselho que representam o governo e a
comunidade.
Cabe ressaltar essa multiplicidade de causas, dado que o lugar comum da
questão dos conselheiros é o mantra da capacitação, no reforço do aspecto técnico do
conselho, na alegação que ele não funciona pois o conselho não sabe o que fazer,
inspirado na mágica solução de umas “aulinhas” de como analisar uma prestação de
contas. O estudo buscou apresentar que o que enfraquece o conselho é a sua
debilidade política, como instância de representação de anseios daquela comunidade.
Nesse sentido, da debilidade dos conselhos, o desânimo maior vem do
noticiário, amparado em denúncias e ações de órgãos de controle, que apresentam
desvios em ações de saúde e educação geridas por Estados e Municípios e que em
tese, deveriam ser objeto de acompanhamento diuturno das instâncias formais de
controle social, representadas pelos conselhos, como mecanismo de controle primário
do gestor para evitar lá na ponta a ocorrência de desvios que prejudicam a construção
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dessas políticas públicas no desenho de parceria, típico da nossa descentralização
federalista.
Certa feita, no noticiário da manhã, vi uma mãe atormentada pelo mal
funcionamento do sistema de saúde, e que vociferava a vontade de procurar a
resolução de suas demandas no poder judiciário, exigindo que fosse pago pelo
prejuízo em dinheiro, na corriqueira ação de danos morais. Esquecia esta cidadã do
papel do poder legislativo, do ministério público e ainda, da atuação do conselho
municipal de saúde, como mecanismo de resolução não só de seu problema, mas do
problema de outros revelado pela sua casuística infeliz.
Isso tudo reforça a nossa descrença generalizada no controle social, como
espaço possível de luta e de construção de direitos sociais, de resolução de
problemas cotidianos da gestão da política e de apuração próxima a gestão dos
problemas. Entretanto, é um modelo, que preza o ideário democrático e por isso
deveria ser mais prestigiado.
Prosseguimos então, cidadãos descrentes dos conselhos, da capacidade
destes de lutar ou de representar espaços de luta pelos direitos sociais. Preferimos a
luta individual da busca da justiça, a denúncia anônima, ou ainda, a carta ao jornal, a
reclamação para o deputado ou pior, o simples murmúrio entre os amigos. Seguimos
na nossa participação deficitária, enfraquecendo os conselhos e enfraquecidos por
eles...
Com todo o respeito às outras formas de reivindicação, mas o controle social
pela via dos conselhos precisa e merece ser valorizado, ser objeto de crédito da
população e do governo e não apenas ser um assinador de pareceres ao final do
exercício. A discussão em pauta é a gestão democrática das políticas públicas, ou
mais, a própria democracia como regime que, apesar dos pesares, se apresenta como
a solução mais viável para a nossa relação com o Estado.
Mas, para isso, governos e movimentos sociais necessitam enxergar os
conselhos, de toda ordem, como espaços a serem ocupados, ampliadores de sua voz,
que demanda serviços de qualidade. Apenas reclamar na mesma roda de amigos que
o conselho não funciona e pouco contribui com essa instância e com a
questão
democrática.
Esse espaço, o conselho, deve ter um caráter político mais acentuado, de
presença cotidiana nos locais em que a gestão se materializa, no dialogo constante
com a população. Falar em um viés político, em um país deseducado politicamente
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como o nosso, lembra uma coisa ruim. Não, o viés político é o viés da participação, do
envolvimento com as questões do coletivo, no contexto do analfabeto político de
Brecht, esquecido por nós.
Aproveitando um intervalo no texto, vale relembrar um trecho desse brilhante
poema de Bertold Brecht, o “analfabeto político”, como elemento adicional a nossa
reflexão:
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa
dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do
peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões
políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que
odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta,
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista,
pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”
Mais importante que a sede própria, o computador com acesso a internet, a
linha telefônica, o automóvel ou qualquer outra melhoria de infraestrutura que os
conselhos gestores disponham, o seu maior patrimônio é a credibilidade da população,
a confiança de que ali encontrarão uma viabilização de suas demandas. O
combustível dos conselhos é a fé da população nestes!
Da mesma forma, a população pode e deve cobrar de seus conselheiros a
atuação digna e eficiente, incentivando o protagonismo dos conselhos. Raras vezes a
imprensa se ocupa de entrevistar um conselheiro diante de um escândalo afeto a sua
área de atuação. Mais raras ainda são as manifestações de populares cobrando de
conselhos algo em relação a sua atuação. È só investigar a fundo e veremos que na
maioria dos escândalos de corrupção, houve falha de colegiados no meio do processo.
Para renovar a fé íntima no Controle Social, é preciso descobrir e valorizar os
bons exemplos de participação popular, fortalecendo a esperança que temos na
democracia construída a cada dia. Não tenhamos a ingenuidade da visão de que o
gerencialismo, a burocracia, a técnica darão conta das questões sociais. O
envolvimento do cidadão, organizado ou não, nas diversas fases da política, é a pedra
de toque do sucesso da gestão. O mito da solução puramente tecnicista não se
sustenta em vários exemplos que colecionamos da gestão, ainda que seja
fundamental a profissionalização e a qualificação permanente da gestão pública.
Por fim, que terminemos a leitura deste artigo com uma iniciativa: conhecer as
instâncias formais de controle social nas políticas que nos rodeiam. Conhecemos
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nossos conselheiros? Sabemos como foram escolhidos? O que fazem? Conhecer é
um primeiro passo... Faz-se necessário romper a nossa alienação nesse sentido!
Nem salvador da pátria, nem braço do governo de atuação cooptada. O
controle social é uma construção do nosso cotidiano, seja no conselho, seja em outras
formas que a criatividade permitir, na relação de atores em uma comunidade na luta
pelos seus direitos, na busca de uma vida melhor. Essa forma de participação popular
é que permite aproximar a gestão do dirigente eleito pontualmente das necessidades
cotidianas da população, o que concretiza as políticas de qualidade. Assim, cabe ao
controle social ser dignitário da nossa profunda e sincera fé, sob pena de
desacreditarmos da própria democracia, o maior avanço político que conquistamos
nos últimos séculos.
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1 A FÉ NO CONTROLE SOCIAL Marcus Vinicius de - FONAI-MEC