- Avô, quando partes no barquinho, para onde vais? - Vou até ao Poço dos Piratas. É onde há mais peixe. -E onde é esse poço? - Fica a duas horas de viagem daqui, em direcção a Norte. Luana ficava a cismar com a resposta que, afinal, não satisfazia a sua curiosidade. - Sim, mas que há lá? – tornava ela. - O que há lá? – estranhava o avô. – Há mar! - Só mar? ? Tanta pergunta! Que pretendia a neta? - Sim, só mar. Mar a toda a volta. Bom, e também algumas rochas. Poucas, que lá para Norte há poucas rochas. Luana crescera a pensar que a sua era a única terra do mundo. Com os olhos dominava o mundo todo. Conhecia todas as pessoas da ilha, as casas, os animais. Não eram muitos: umas dezenas de famílias, alguns cães, poucos gatos, muitas galinhas e coelhos, porcos e umas quantas ovelhas. Mas, quando olhava o sol a subir devagarinho e a sacudirse das águas e, quando depois, novamente, o via mergulhar nelas, cismava para onde iria. E nem a presença de uma grande lua branca pasmada no céu a sossegava. Curiosa , como todas as meninas e meninos, perguntou um dia ao avô se ele, durante a noite, encontrava o sol no mar. Que não, que se houvesse sol os peixes não se deixariam apanhar. Em seu lugar, para guiar os pescadores, ficava a luz pequenina da lua. - Mas então onde está ele? - Vai dormir como tu, para no dia seguinte voltar a brilhar e a dar cor à nossa vida. - Queres dizer que vai descansar? Como quando chove e ele descansa por detrás das nuvens? O avô sorria. Onde iria a neta buscar aquelas ideias? Sonhos de criança, talvez. Mas que sabia ele de sonhos? Pouco tempo lhe ficava para sonhar. Era preciso remendar redes, pôr as vacas a pastar, cavar a horta… Raras vezes parava para pensar nas saudades que tinha do filho que, desde que partira, nunca mais mandara notícias. Fora em busca de melhor vida para a filha que estava para nascer e, contudo, Luana nascera e, afinal, a sua vida era a mesma que o pai, o avô e o avô do avô tiveram. Doíalhe pensar, por isso inventava trabalho. Até ajudava a nora, sempre atarefada entre tachos e agulhas . Pelo menos, nunca faltara de comer em casa.